O que sei de poesia
p. 114-116
Texte intégral
1Não sei falar de literatura. Não sei se sei falar de poesia. Sobretudo não sei se a poesia tem alguma coisa a ver com a literatura. Talvez esteja antes ou depois da literatura. Sei que a poesia não se explica, a poesia implica, como costuma dizer a minha amiga Sophia de Mello Breyner. Sei que a energia, como diz o meu amigo Herberto Hélder, é a essência do mundo e que «os ritmos em que se exprime constituem a forma do mundo». Sei, como o poeta russo Mandelstam, que «escrever é um acontecimento cósmico». E que cada palavra é um pedaço do universo. Ou como dizia Klebnikov: «na natureza da palavra viva, esconde-se a matéria luminosa do universo». Talvez tudo isto seja a poesia. Ou talvez ela não seja mais do que o primeiro verso, aquele que nos é dado, como sempre dizia Miguel Torga, porque os outros têm de ser conquistados. Talvez tudo esteja nesse primeiro verso, que é o instante da revelação e da relação mágica com o mundo através da palavra poética. Talvez o poeta, afinal, não seja muito diferente daquele sujeito que vemos nas tribos primitivas, de plumas na cabeça, repetindo palavras mágicas enquanto dança e pula ao ritmo de um tambor. O poeta é esse feiticeiro. Dança com palavras ao som de um ritmo que só ele entende. Ou é talvez o adivinho. Como já não pode ler nas vísceras das vítimas, procura decifrar os sinais do tempo através dos múltiplos sentidos ou do sem-sentido da palavra. De qualquer modo, como nas sociedades primitivas, que tinham uma concepção mágica do mundo, o poeta de hoje é como esse xamã antigo que, através da repetição rítmica de palavras e imagens, convoca as forças benfazejas ou tenta exorcizar as forças maléficas.
2A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de mediação. Um presságio do sul, como diz o meu amigo José Manuel Mendes. Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, «mudar a vida», como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.
3A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem. Nem foi por acaso que Dante chamou a Arnaut Daniel «il miglior fabbro». O poeta, dizia Cioran, «é aquele que leva a sério a linguagem». E o que é levar a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. Ou talvez o duende e aquela ferida de que falava Lorca. Porque o poeta traz em si uma ferida e o duende por vezes ouve «sonidos negros». É então que a poesia acontece. Isto é o que sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais.
4Texto escrito e lido durante uma sessão
consagrada a «Trinta Anos de Poesia» na
Faculdade de Letras da Universidade Católica de Viseu, Maio de 1996.
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