II. In mezzo del camin
p. 39-55
Texte intégral
1
A tua vida está no meio : a tua contraditória
perigosa apaixonada vida.
Mudar o homem (dizias). Fazer história.
Como abolir agora o quotidiano ?
A selva é escura e estás sozinho
com tua guitarra e tua memória
no meio do caminho.
2
Ninguém sabe o que está a acontecer
perdemos o comboio foi o que foi
(pelo menos é o que dizem os entendidos).
O certo é que os dias estão mais curtos
e há folhas a cair nas sílabas de Setembro.
Recordas a partida e a viagem
e a tua alma está sentada numa estação qualquer
perplexa
como se tivesse perdido a memória e o lugar.
Talvez te faça bem um copo e um cigarro.
Nada de pânico : a crise está no tempo
e ninguém sabe a direcção.
Recordas os dias longos do Verão
as folhas caem-te por dentro
Setembro é o teu sítio e estás sentado
à espera
de um sentido.
3
Estão sentadas as cadeiras.
Estarão sempre sentadas as cadeiras.
Nós pairamos breves e suspensos
pequenas histórias na longa história
das cadeiras onde outros se sentaram.
Sentas-te e pensas.
Quem foste é a sombra de um menino azul
na cadeira da infância
e esta cadeira onde te sentas
não é sequer teu sítio.
Estás simplesmente de passagem.
Mas as cadeiras ficam estão arrumadas
cabem sempre num pequeno espaço
suave morada e nossa ausência.
E há nas velhas cadeiras infindáveis mãos
como um povo de silêncio uma branca ternura
em nosso medo e em nossa solidão.
Estamos sentados nas transparentes mãos dos mortos.
Eis a cadeira
tua primeira e antiga pousada de pedra
eis a morada onde começa
a inquietante procura das palavras.
Quem por ti já cantou onde te sentas ?
O poema semeia-se na cadeira
é um pedaço de tempo em tuas mãos
teu breve jardim de Babilónia
ou talvez uma forma de dizer adeus.
Estás sentado apenas o breve instante de cantar.
Mas as cadeiras ficam
o próprio poema se demora
um pouco mais que o gesto de escrevê-lo.
Só tu absolutamente de passagem.
E de novo te sentas.
De novo escutas as sombras os objectos as vozes.
Cada presença não é só essa presença
separada.
Crês na grande despedida que unifica as coisas
e as separa de ti e as povoa
dos olhos já sem forma que as olharam
e das mãos impossessivas
as mãos sempre em viagem que as perderam.
Estás simplesmente de passagem
e o que fica de ti é tua ausência.
Sentas-te.
Tua cadeira é a estalagem de uma noite.
Estás sentado sobre a própria despedida.
4
Recorda a macieira. A velha e terna
macieira : sua maçã difícil.
Recorda a folha a terra o cheiro a chuva
e a esperada estação. Recorda a longa
tão longa gestação de cada coisa.
E o tempo da bilharda. O pião. A fisga.
O jogo do botão. Recorda o jogo
do tempo contra o tempo. O fogão velho
e a lenha ardendo. A chama. Vida ardente.
Recorda a lenta gestação do poema.
E as aves que chegavam. E as aves que
partiam. Recorda as rolas de Setembro.
Maçaricos passavam sobre a Ria
alguém sonhava um outro continente.
Recorda a migração (a emigração).
Recorda o torno e a madeira. O cheiro
familiar da tábua e do verniz
a cheia de Dezembro e o voo da
narceja. O tiro rápido. Recorda
o carpinteiro e o caçador. A mão
certeira. A forma e o gesto. Fecha o teu
olho esquerdo ou tira o lápis da
orelha. Aponta. Risca. Atira. Aplaina.
Recorda a arte e o ofício : o lento
ofício de cantar. Recorda o tiro
a mão certeira de teu pai. O gesto
milagroso de Chico Marceneiro.
O voo da narceja. O tiro rápido.
O torno e a mão moldando o pião de buxo.
Recorda a lenta gestação do poema.
E a lenha ardendo (vida ardente). E o Tempo.
Atira o teu botão contra a parede
mede a distância e a vida. Onde se ganha
onde se perde. Onde partiram aves
onde partiste. Onde se perde a pele
onde se perdem penas. Onde se
ganha onde se perde onde se par-
te o jogo e o fio. (Fogo frio fogo
frio). Mede a distância entre o botão
e a parede. Entre o poema e o Tempo.
E o teu quintal perdido. O teu pião
partido. O tempo consumido e o fogo
ardido. E a velha e terna macieira.
Sua maçã difícil.
Como o poema a nascer da tua vida.
5
E agora o que é que resta ? Agora que
está tudo como dantes e nós a mais ?
Havia um continente e uma guitarra
a nossa vida foi de luta (não te esqueças)
agora que está tudo como dantes.
E por isso perguntas para quê
para quê as renúncias os exílios
o heroísmo até ? Ah é verdade : o sonho.
« Eles não sabem que o sonho ». Por isso
não estão a mais. E tudo como dantes.
Nós é que não. Homens de guerra (dizes)
antigos combatentes um tudo-nada
românticos. Talvez nostálgicos da própria
nostalgia. Agora que
está tudo como dantes. E nós a mais.
Nós que fomos do não quando era o sim
e não caímos nunca em tentação.
Amen. Terá sido por isso que pecámos ?
Tudo afinal está como dantes. E nós
a mais.
Havia o sonho. Etc. e tal. Como despi-lo
agora que não há sequer lugar
para a memória ? Paixão da História.
Ou o sentido estético da vida. Agora que
está tudo como dantes. Nós é que não.
Porque entretanto temos brancas. Vê :
no cabelo e na alma. Pior ainda :
o que sabes não pode partilhar-se
o que sabes é tua vida : fraternidade
intransmissível. Por isso estás a mais.
Agora que está tudo como dantes
e não temos senão ó vilanagem
esta página branca onde o poema
continua a bater-se até ao fim.
Agora que
6
Amaste a solidão e as estrelas
alguns momentos na guerra
alguns momentos no mar
o cheiro da pólvora e do tabaco
a cintilação das armas
Procuraste um sentido
talvez o risco e o desafio
Amor e morte no caminho
amor e morte
Alguns momentos no mar
alguns momentos no deserto
um corpo de mulher e seu perfume
cintilação das armas
Nenhum amor é perto Nenhum amor é perto
Escrita da vida
lágrimas
lume
despedida
7
As armas estão quebradas e a noite está sem estrelas
Tens de buscar ainda a permanência
E já não passam caravelas
Para o país da ausência
Navegar o regresso e o reverso
Soltar em nenhum mar as rotas velas
Lusíadas do avesso
As armas estão quebradas e a noite está sem estrelas
A noite está sem estrelas e tu velas
Dar ainda o sinal que ninguém dá
Barcas belas barcas belas
Eis as rotas que vão para Não Há
Do outro lado de tudo No inverso
Do possível No adverso e no reverso Pelas
Águas que sub vão em cada verso
Talvez então as armas
A noite está sem estrelas
8
Só pela palavra te libertas
pela porta partida da palavra
sintaxe destroçada
branco espaço de solidão
Do outro lado da gramática está o mar
verás talvez as ilhas nunca vistas
Então subitamente uma guitarra
1
Ta vie est au milieu : ta contradictoire
vie périlleuse passionnée.
Changer l’homme (disais-tu). Faire l’histoire.
Comment abolir maintenant le quotidien ?
La jungle est sombre et tu es seul
avec ta guitare et ta mémoire
au milieu du chemin 10.
2
Nul ne sait ce qui se passe maintenant
nous avons manqué le train voilà la vérité
(du moins c’est ce que disent les connaisseurs).
Ce qui est sûr c’est que les jours sont plus courts
et des feuilles tombent sur les syllabes de septembre.
Tu te rappelles le départ et le voyage
et ton âme est assise dans une gare quelconque
perplexe
comme si elle avait perdu la mémoire et le lieu.
Peut-être qu’un verre et une cigarette te feraient du bien.
Pas de panique : la crise est dans le temps
et nul ne connaît la direction11.
Tu te rappelles les longs jours d’été
les feuilles tombent au-dedans de toi
septembre est ta place et tu t’assois
dans l’attente
d’un sens.
3
Les chaises sont assises.
Elles seront toujours assises, les chaises.
Nous flottons brefs et en suspens,
petites histoires dans la longue histoire
des chaises où d’autres se sont assis.
Tu t’assois et tu penses.
Celui que tu fus est l’ombre d’un enfant bleu
sur la chaise de l’enfance
et cette chaise où tu t’assois
n’est même pas ta place.
Tu es simplement de passage.
Mais les chaises restent elles sont juste rangées
elles rentrent toujours dans un petit espace
douce demeure et notre absence aussi.
Et il y a sur les vieilles chaises d’interminables mains
comme un peuple de silence une blanche tendresse
dans notre peur et dans notre solitude.
Nous sommes assis sur les transparentes mains des morts.
Voici la chaise
ta première et ton antique hôtellerie de pierre
voici la demeure où commence
l’inquiétante quête des mots.
Qui a déjà chanté pour toi là où tu es assis ?
Le poème, on le sème sur la chaise
c’est un bout de temps dans tes mains
ton bref jardin de Babylone12
ou peut-être une façon de dire adieu.
Tu t’assois pour chanter à peine un bref instant
Mais les chaises restent
le poème lui-même tarde
un peu plus que le geste pour l’écrire.
Rien que toi absolument de passage.
Et de nouveau tu t’assois.
De nouveau tu écoutes les ombres les objets les voix.
Chaque présence n’est pas seulement cette présence
séparée.
Tu crois au grand adieu qui unifie les choses
puis les sépare de toi et les peuple
d’yeux désormais informes qui les ont regardées
et de mains impossessives
ces mains toujours en voyage qui les ont perdues.
Tu es simplement de passage
et ce qui reste de toi est ton absence.
Tu t’assois.
Ta chaise est l’auberge d’un soir.
Te voilà assis sur l’adieu lui-même.
4
Rappelle-toi le pommier. Le vieux et tendre
pommier : sa pomme difficile.
Rappelle-toi la feuille la terre l’odeur la pluie
et la saison tant attendue. Rappelle-toi la longue
si longue gestation de chaque chose.
Et le temps du bâtonnet. La toupie. La fronde.
Le jeu de puces. Rappelle-toi le jeu
du temps contre le temps. Le vieux fourneau
et le bois qui brûle. La flamme. Vie ardente.
Rappelle-toi la lente gestation du poème.
Et les oiseaux qui arrivaient. Et les oiseaux qui
partaient. Rappelle-toi les tourterelles de septembre.
Des martins-pêcheurs survolaient la Ria13
quelqu’un rêvait un autre continent.
Rappelle-toi la migration (l’émigration).
Rappelle-toi le tour et le bois. L’odeur
familière de la planche et du vernis
la crue de décembre et le vol de la
bécassine. Le tir rapide. Rappelle-toi
le menuisier et le chasseur. La main
infaillible. La forme et le geste. Ferme ton
œil gauche ou ôte ton crayon de derrière
l’oreille. Vise. Raye. Tire. Rabote.
Rappelle-toi l’art et le métier : le lent
métier de chanter. Rappelle-toi le tir
la main infaillible de ton père. Le geste
miraculeux de Chico Marceneiro.
Le vol de la bécassine. Le tir rapide.
Le tour et la main façonnant la toupie de buis.
Rappelle-toi la lente gestation du poème.
Et le bois qui brûle (vie ardente). Et le Temps.
Lance ton jeton contre le mur
mesure la distance et la vie. Où l’on gagne
où l’on perd. Où partirent les oiseaux
où tu partis. Où l’on perd sa peau
où l’on perd ses plumes. Où l’on
gagne où l’on perd où l’on cas-
se son jouet et le fil. (Feu froid feu
froid). Mesure la distance entre le jeton
et le mur. Entre le poème et le Temps.
Et ton jardin perdu. Ta toupie
cassée. Le temps consumé et le feu
brûlé. Et le vieux et tendre pommier.
Sa pomme difficile.
Comme le poème qui naît de ta vie.
5
Et maintenant que reste-t-il ? Maintenant que
tout est comme avant serions-nous de trop ?
Il y avait un continent et une guitare
ce fut une vie de lutte que la nôtre (ne l’oublie pas)
maintenant que tout est comme avant.
C’est pourquoi tu t’interroges :
pourquoi ces renoncements ces exils
et même cet héroïsme ? Ah c’est vrai : le rêve.
« Ils ne savent pas que le rêve ». C’est pourquoi
ils ne sont pas de trop. Et tout est comme avant.
Mais pas nous. Hommes de guerre (dis-tu)
anciens combattants un tantinet
romantiques. Peut-être nostalgiques
de la nostalgie même. Maintenant que
tout est comme avant. Et nous sommes de trop.
Nous, partisans du non quand le oui s’imposait,
jamais nous n’avons succombé à la tentation.
Amen. Serait-ce pour ça que nous avons péché ?
Tout est finalement comme avant. Et nous sommes
de trop.
Il y avait le rêve, etc. et tout. Comment s’en dépouiller
maintenant qu’il n’y a même plus de place
pour la mémoire ? Passion de l’Histoire.
Ou bien sens esthétique de la vie. Maintenant que
tout est comme avant. Mais pas nous.
Car entre-temps nous avons blanchi. Regarde
nos cheveux et notre âme. Pire encore :
ce que tu sais ne peut se partager
ce que tu sais est ta vie : fraternité
intransmissible. Aussi es-tu de trop.
Maintenant que tout est comme avant
nous n’avons plus ô manants
que cette page blanche où le poème
continue de se battre jusqu’au bout.
Maintenant que
614
Tu as aimé la solitude et les étoiles
par instants à la guerre
par instants en mer
l’odeur de la poudre et du tabac
le scintillement des armes
Tu as cherché un sens
peut-être le risque et le défi
Amour et mort sur ton chemin
amour et mort
Par instants en mer
par instants dans le désert
un corps de femme et son parfum
scintillement des armes
Aucun amour n’est proche Aucun amour n’est proche
Écriture de la vie
larmes
feu
adieux
715
Les armes sont brisées et la nuit est sans étoiles
Il te faut chercher encore la permanence
Et déjà les caravelles ne passent plus
Vers le pays de l’absence
Naviguer le retour et le revers
Larguer dans aucune mer les voiles trouées
Lusiades16 à l’envers
Les armes sont brisées et la nuit est sans étoiles
La nuit est sans étoiles et tu veilles
Donner encore le signal que personne ne donne
Belles barques belles barques
Voici les routes qui vont vers N’est Pas17
De l’autre côté de tout À l’envers
Du possible Sur l’avers et sur le revers Dans les
Eaux qui sub vont dans chaque vers
Peut-être alors les armes
La nuit est sans étoiles
818
Tu ne te libères que par la parole
par la porte défoncée de la parole
syntaxe désagrégée
blanc espace de solitude
De l’autre côté de la grammaire se trouve la mer
tu verras peut-être ces îles jamais vues
Puis soudain une guitare
Notes de bas de page
10 Ces vers ont été inspirés par Alighieri Dante (1265-1321) qui écrit, dans La Divine Comédie : « Au milieu du chemin de notre vie / je me trouvai dans une forêt sombre / la juste direction étant perdue. » (Enfer, I, 1-3, trad. par Marc Scialom, in Œuvres Complètes, Paris, Le Livre de Poche « Classiques Modernes », 1996, p. 599).
11 Il s’agit d’une réminiscence de La Divine Comédie de Dante (voir note 10).
12 Manuel Alegre fait allusion aux jardins de Babylone, qui ont contribué à la renommée de la ville antique.
13 Il s’agit très probablement de la ria d’Aveiro, région où Manuel Alegre a passé son enfance, à soixante-dix kilomètres au sud de Porto.
14 Dans la deuxième version de Babylone, Manuel Alegre a ajouté cette pièce poétique.
15 Cette strophe a été ajoutée par Manuel Alegre dans la deuxième version de Babylone.
16 Dans Les Lusiades, épopée maritime publiée en 1572, Luís de Camões exploite les Découvertes, forgeant le mythe d’un Portugal missionnaire.
17 Il s’agit d’une référence à l’Utopie de Thomas More, qui paraît en latin en 1516, au moment des Grandes Découvertes dans lesquelles les Portugais ont joué un rôle primordial. Ce récit autour de l’île d’Utopie flatte l’orgueil lusitanien puisque More aurait rencontré en 1515 un vieux navigateur portugais nommé Rafael Hitlodeu, lequel lui aurait livré des informations de première main sur la terre la plus éloignée du monde connu d’alors, terre où il aurait vécu ; cette rencontre inspirera l’auteur d’Utopie, le terme d’« utopie » signifiant en latin « pays de Nulle Part ».
18 La pièce poétique numéro 8 correspond aux vers regroupés sous le numéro 6 de la première édition du recueil, qui date de 1983.
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Babylone
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