Crónica de Don Pedro I° de Fernão Lopes
p. 220-244
Texte intégral
Capitulo XXVII. Como elRei Dom Pedro de Purtugal disse por Dona Enes que fora sua molher reçebida, e da maneira que em ello teve
1Ja teemdes ouvido compridamente hu fallamos da morte de Dona Enes, a razom por que a elRei Dom Affonsso matou, e o grande desvairo que amtrelle e este Rei Dom Pedro seemdo estomçe Iffamte ouve por este aazo. Hora assi he que em quamto Dona Enes foi viva, nem depois da morte della em quamto elRei seu padre viveo, nem depois que el reinou, ataa este presemte tempo, nunca elRei Dom Pedro a nomeou por sua molher; ante dizem que muitas vezes lhe emviava elRei Dom Affonsso pregumtar se a reçebera e homrrallahia como sua molher, e el respomdia sempre que a nom reçebera nem o era.
2Ε pousamdo elRei em esta sazom no logar de Cantanhede, no mes de Junho, avemdo ja huuns quatre annos que reinava, teendo hordenado de a pubricar por molher, estamdo antelle Dom Joham Affonsso comde de Barcellos seu mordomo moor, e Vaasco Martins de Sousa seu chamçeller, e meestre Affonso das leis, e Joham Estevez privados, e Martim Vaasquez senhor de Gooes, e Gonçallo Meemdez de Vaascomçellos, e Johane Meemdes seu irmaão, e Alvoro Pereira, e Gomçallo Pereira, e Diego Gomez, e Vaasco Gomez Daavreu, e outres muitos que dizer nom curamos, fez elRei chamar huum tabaliam, e presemte todos jurou aos evamgelhos per el corporalmente tangidos, que seemdo el Iffamte, vivemdo aimda elRei seu padre, que estando el em Bragamça podia aver huuns sete annos, pouco mais ou meos, nom se acordamdo do dia e mez, que el reçebera por sua molher lidema per pallavras de presemte como manda a samta igreja Dona Enes de Castro, filha que foi de Dom Pero Fernamdez de Castro, e que essa Dona Enes reçebera a elle por seu marido per semelhavees palavras, e que depois do dito reçebimento a tevera sempre por sua molher ataa o tempo de sua morte, vivemdo ambos de consuum, e fazemdosse maridança qual deviam.
3E disse estomçe elRei Dom Pedro, que por quamto este reçebimento nom fora exemprado nem claramente sabudo a todollos de seu senhorio em vida do dito seu padre, por temor e reçeo que del avia, que porem el por desemcarregar sua conçiemçia e dizer verdade e nom seer duvida a alguuns, que do dito reçebimento tiinham nom boa sospeita, se fora assi ou nom, que el dava de si fe e testimunho de verdade, que assi se passara de feito como dito avia, e mandou aquel taballiam que presemte estava, que desse dello estormentos a quaaesquer pessoas que lhos requeressem, e por emtom nom se fez mais.
Capitulo XXVIII. Do testemunho que alguuns derom no casamento de Dona Enes, e das razooens que sobrello propos o comde Dom Joham Affonsso
4Passados tres dias que esto foi, chegarom a Coimbra Dom Joham Affonso comde de Barçellos, e Vaasco Martins de Sousa, e mestre Affonso das leis, e no paaço hu emtom liiam de degrataaes seemdo o estudo em essa çidade, presemte huum taballiam, chamarom duas testemunhas, a saber, Dom Gil que emtom era bispo da Guarda, e Estevam Lobato criado delRei, aos quaaes disserom que per juramento dos evangelhos dissessem a verdade do que sabiam, em feito do casamento delRei Dom Pedro com Dona Enes; e preguntado cada huum per si adeparte, o bispo disse primeiramente, que amdamdo el com o dito Senhor, e seemdo emtom daiam da Guarda, que em aquel tempo seemdo elRei Iffamte, e Dona Enes com el, pousavom na villa de Bragamça, e que esse senhor o mandara chamar huum dia a sua camara seemdo Dona Enes presemte, e que lhe dissera que a queria reçeber por sua molher, e que logo sem mais deteemça o dito senhor posera a maão nas suas maãos delle, e isso meesmo a dita Dona Enes, e que os reçebera ambos per palavras de presente como manda a samta egreja, e que os vira viver de comsuum ataa morte dessa Dona Enes, e que esto podia aver sete annos pouco mais ou menos, mas que nom se acordava do dia e mes em que fora; e deste feito nom disse mais.
5Semelhavelmente foi pregumtado Estevam Lobato, e disse que seemdo elRei Iffamte e pousamdo em Bragamça, que o mandara chamar a sua camara e que lhe dissera que o mandara chamar, por que sua voomtade era de reçeber Dona Enes que presemte estava, e que quiria que fosse dello testemunha, e que o daiam da Guarda que ja hi estava, e outrem nom, tomara o dito senhor per huuma maâo e ella per outra, e que emtom os reçebera ambos per aquellas pallavras que se costumam dizer em taaes esposoiros, e que os vira viver jumtamente ataa o tempo da morte della, e que esto fora em huum primeiro dia de janeiro, podia aver sete annos pouco mais ou menos.
6Tanto que estes foram pregumtados e escripto seu dito segumdo ouvistes, fezerom logo jumtar, que pera esto ja estavam prestes, Dom Louremço bispo de Lixboa, e Dom Affonso bispo do Porto, e Dom Joham bispo de Viseu, e Dom Affonso prior de Samta Cruz desse logar, e todollos fidallgos amte nomeados, com outros muitos que nom dizemos, e os vigairos e clerezia e muito outro poboo assi ecclesiastico come secular, que se pera esto alli juntou. E feito silencio a bem escuitar, começou a dizer o comde Dom Joham Affonso:
7“Amigos devees de saber, que elRei nosso senhor que ora he, seemdo Iffamte, passa ja dhuuns sete annos, estamdo emtom na villa de Bragamça, seemdo elRei Dom Affonso seu padre vivo, reçebeo por sua molher lidima per pallavras de presente, Dona Enes de Castro, filha que foi de Dom Pedro Fernamdez de Castro, e ella isso meesmo reçebeo a elle, e sempre a o dito senhor teve depois por sua molher, fazemdosse maridamça qual deviam ataa o tempo da sua morte. E por quanto estes reçebimentos e casamento nom foi exemplado a todollos do reino, em vida do dito Rei D. Affonso, por medo e reçeo que seu filho del avia, casamdo de tal guisa sem seu mandado e comsemtimento, porem agora elRei nosso senhor por desemcarregar sua alma e dizer verdade, e nom seer duvida a alguuns, que deste casamento parte nom sabiam, se fora assi ou nom, fez juramento sobre os samtos evamgelhos, e deu disso fe e testemunho de verdade, que foi desta guisa que o eu digo, segumdo verees per hum estormento que desto tem feito Gonçallo Perez taballiam que aqui esta; e mais verees o dito do bispo da Guarda e de Estevam Lobato, que aqui estam, que forom presemtes no dito casamento.”
8Emtom lhe fez compridamente leer todo o testemunho que ambos sobrello derom.
9“E por que voomtade delRei nosso senhor (disse elle) he, que esto nom seja mais emcuberto, ante lhe praz que o saibam todos, por seer arredada gramde duvida, que sobrello adeamte podia recreçer, porem me mandou que vos notificasse todo esto, por tirar sospeita de vossos coraçoões, e seer a todos claramente sabudo. Mas por que nom embargando todo o que eu disse, e vos ora aqui foi leudo e declarado, alguuns poderam dizer que todo isto nom abastava, se hi despensaçom nom ouve, por o gram divedo que amtrelles avia, seemdo ella sobrinha delRei nosso senhor, filha de seu primo com irmaão; porem me mandou que vos çertificasse de todo, e vos mostrasse esta bulla que ouve em seemdo Iffamte, em que o papa despenssou com elle, que podesse casar com toda molher, posto que lhe chegada fosse em parentesco, tanto e mais como Dona Enes era a elle.”
10Emtom pubricarom peramte todos huuma letra do Papa Joham viçessimo segumdo, que dezia em esta guisa:
11“Johanne Bispo, servo dos servos de Deos. Ao muito amado em Christo filho Iffamte Dom Pedro, primogenito do muito amado em Christo nosso filho mui claro Rei de Purtugal e do Algarve Affonsso, saude e apostollical beemçom. Se o rigor dos samtos canones poem deffesa e intredicto sobre a copulla do matrimonial ajuntamento, queremdo que se nom faça amtre aquelles que per alguum divedo de paremtesco som comjumtos, por guarda da pubrica honestidade, aquel porem que he aas vezes bispo de Roma, de poderio absolduto que em logar de Deos, despenssamdo pode per espiçial graça poer temperamça sobre tal rigor: e porem nos demovido açerca de tua pessoa com espiçial favor, por alguumas razooens, de que ao deamte esperamos paz e folgança em esses Reinos, queremdo condescender a tuas prezes e delRei Dom Affonso teu padre, que per suas letras por ti a nos humildosamente soplicou, pera casares com qualquer nobre molher, devota a samta egreja de Roma, aimda que per linha transverssa dhuma parte no segundo graao e doutra no terçeiro, sejaaes divedos e paremtes, e isso meesmo aimda que per razom doutras duas linhas collateraaes, seja embargo de piremtesco, ou cunhadia amtre vos no quarto graao, liçitamente per matrimonio vos podessees ajuntar, nos per apostollica autoridade despicial graça todo tiramos e removemos, despenssamdo comtigo e corn aquella com que assi casares, de nosso apostollico poderio, que a geeraçom que de vos ambos nasçer, seer legitima sem outro impedimento: porem nenhuum homem seja ousado presumptuosamente contra esta nossa despenssaçom hir, doutra guisa seja certo na hira e sanha do todo poderoso Deos, e dos bem aventurados Sam Pedro e Sam Paulo apostollos emcorrer: damte em Avinham duodeçimo Kalemdas de março, do nosso pontificado anno nono.”
12Acabada de leer assi esta letera, disse emtom o comde, presemte elles todos, que el por guarda e em nome dos Iffamtes Dom Joham, e Dom Denis, e Dona Beatriz filhos que eram dos ditos senhores, queria tomar senhos estormentos pera cada huum defies, e requereo ao taballiam que as si lhos desse. Partiromsse emtom todos pera as pousadas, nom mingoamdo a cada huuns razooens que fossem antre si fallamdo sobre esta estoria.
Capitulo XXIX. Razooens contra esto dalguuns que hi estavom duvidamdo muito em este casamento
13Acabadas as razooens que ouvistes, ditas presentes leterados e outro muito poboo, aquelles que de chaão e simprez emtemder eram, nom escodrinhamdo bem o teçimento de taaes cousas, ligeiramente lhe derom fe, outorgamdo seer verdade todo aquello que alli ouvirom. Outros mais sotiis demtemder, leterados e bem discretos, que os termos de tal feito mui delgado investigarom, buscamdo se aquello que ouviam podia seer verdade, ou per o contrairo, nom reçeberom isto em seus emtendimentos, pareçemdolhe de todo seer muito contra razom. Ca por que o creer da cousa ouvida esta na razom e nom na voomtade, poremde o prudemte homem que tal cousa ouve que sua razom nom quer conçeber, logo se maravilha duvidamdo muito. E porem forom asaz dos que alli esteverom de tal estoria nom mui contentes, veemdo que aquello que lhe fora preposto, nenhuum aliçeçe tiinha de razom. E se alguuns preguntar quizerem por que taaes presumiam seer todo fingido, as razooens defies que nos bem claras pareçem sejam reposta a sua pregunta: dizemdo os que tiinham a parte contraira, contra aquelles que deffendiam seer todo verdade, suas razooens em esta maneira.
14Nom quiserom consemtir os antiigos, que nenhuum razoado homem, seemdo em sua saude e emteiro siso, se podesse delle tanto asenhorar o esqueeçimento, que toda cousa notavel passada, sempre della nom ouvesse renembramça, allegando aquel claro lume da fillosophia Aristotilles em huum breve trautado que disto compos. E porque todas cousas presemtes ou que som por viir nom compre aver nenhuuma memoria, ergo das cousas passadas que ja aconteçerom, era necessaria a renembrança: dizemdo que a memoria he dita quando a imagem vista ouvida dalguuma cousa do homem, he sempre presemte na virtude memorativa, e reminisçençia he quamdo alguuma cousa feita ou ouvida, sahio da virtude memorativa e depois torna a nembrar, per veer outra semelhante cousa: assi como se eu casei, ou me foi feita huuma gram merçee, ou fui chamado a huum gram conselho em huum dia de pascoa ou janeiro, ou outro dia asiinado do anno, e depois me vem a esqueçer, nom o teemdo sempre presemte na memoria, veemdo depois outra voda, ou alguuma das outras cousas que me aveherom em semelhante dia, nembrarmea estonçe que casei em dia de Pascoa, ou outra qualquer cousa que me aveo, se vejo alguuma semelhamte, ou ma preguntarem; por que comvem que me nembre ho dia e a cousa, posto que me esqueeça o conto dos anos ou dos dias em que foi.
15Ou diziam que tornava aimda nembrar per outra comtraira maneira, assi como se eu casei em dia de pascoa, e depois dalguuns annos morreome a molher em outro tal dia; ou ouve gram prazer em dia de natal, e depois gram nojo em semelhante dia, neçessario he que me nembre o prazer primeiro, posto que me o comto dos dias esqueeça, por que he cousa que nom causa desposiçom na memoria. Porem o dia assiinado em que me tal cousa aveo, nunca se tira de todo pomto que depois nom torne a nembrar compridamente, por que tal dia he da essemçia da renembramça, e o proçesso do tempo nom. E porem nom he cousa que possa seer, estamdo homem em sua saude, que lhe cousa notavel esqueeça, posto que lhe o comto dos dias esqueeça que he transitorio e nom da essencia do nembramento. Pois como pode cahir em entemdimento dhomem, diziam elles, que huum casamento tam notavel como este, e que tamtas razooens tiinha pera ser nembrado, ouvessem em tam pequeno espaço desqueeçer assi aaquelle que o fez, como aos que forom presemtes, nom lhe nembramdo o dia nem o mes? Certamente buscada a verdade deste feito, a razom isto nom consemte. Ca leixadas todas as razooens que hi avia, pera se elRei nembrar bem quamdo fora, assi como a tomada de Dona Enes, e o gramde desvairo que por tal a azo ouve com seu padre, desi o gramde tempo que tardou amte que o fezesse, e a gram deliberaçom com que se moveo ao fazer, e o segredo em que o pos aaquelles que dizem que forom presemtes; leixando todo esto, soomente por seer feito em dia de Janeiro, que he primeiro dia do anno, segundo disse Estevam Lobato, de mais festa tam asiinada, no paaço do Iffamte e per todo o reino, isto soo era abastante asaz pera seer nembrado o dia em que a reçebera, posto que lomgo proçesso danos ouvesse.
16Outra razom notavom aimda a todo o que ouvirom pareçer fimgido, dizemdo que se elRei dava em seu testimunho, que com temor e reçeo de seu padre, nom ousara descobrir este casamento em sua vida delle, quem lhe tolhera depois que elRei morreo, que o logo nom notificara, seendo em seu livre poder, pois lhe tanto prazia de seer sabudo. Mas diziam que este feito queria pareçer semelhante a eIRei Dom Pedro de Castella, que posto que el mandasse matar Dona Bramca sua molher, em quamto Dona Maria de Padilha foi viva, que elle tiinha por sua mançeba; numca lhe nenhuum ouvio dizer que ella fosse sua molher. Ε depois que ella morreo, em humas cortes que fez em Sevilha, alli declarou peramte todos, que primeiro casara com ella que com Dona Bramca, nomeamdo quatro testemunhas que forom presemtes, os quaaes per juramento çertificarom logo que assi fora como el dizia, e des emtom mandou elle que lhe chamassem Rainha posto que ja fosse morta, e aos filhos Iffamtes; e fez logo a todos fazer menagem a huum filho que della ouvera, que chamavam Dom Affonsso, que o tomassem por Rei depos sua morte.
17Ε porem diziam os que estas e outras razooens secretamente amtre si fallavam, que a verdade nom busca cantos, muito emcuberta andava em taaes feitos. Assi que por que o entender he desposto sempre pera obedeçeer aa razom, muitos que estomçe isto ouvirom, leixarom de creer o que amte criiam e apegaromsse a este razoado. Mas nos que nom por determinar se foi assi ou nom, como elles disserom, mas soomente por ajumtar em breve o que os antiigos notarom em escripto, posemos aqui parte de seu razoado, leixamdo carrego ao que isto leer que destas opiniooens escolha qual quiser.
Capitulo XXX. Como os Reis de Purtugal e de Castella fezerom amtre si aveemça que emtregassem huum ao outro alguuns, que andavom seguros em seus Reinos
18Por que o fruito prinçipal da alma que he a verdade, pela qual todallas cousas estam em sua firmeza, e ella ha de seer clara e nom fingida, moormente nos Reis e senhores, em que mais resplamdeçe qualquer virtude, ou he feo o seu comtrairo, ouverom as gentes por mui gram mal huum muito davorreçer escambo, que este ano antre os Reis de Purtugal e de Castella foi feito; em tanto que posto que escripto achemos delRei de Purtugal que a toda gente era manteedor de verdade, nossa teemçom he nom o louvar mais, pois contra seu juramento foi consemtidor em tam fea cousa como esta.
19Omde assi aveo segumdo dissemos, que na morte de Dona Enes, que elRei Dom Affonsso, padre delRei Dom Pedro de Purtugal seemdo entom Iffamte, mandou matar em Coimbra, forom mui culpados pello Iffamte Diego Lopez Pacheco, e Pero Coelho, e Alvoro Gomçallvez seu meirinho moor, e outros muitos que el culpou, mas assiinadamente contra estes tres teve o Iffamte mui gramde rancura; e fallando verdade Alvoro Gomçallvez e Pero Coelho eram em esto asaz de culpados, mas Diego Lopez nom, por que muitas vezes mandara perçêber o Iffamte per Gomçallo Vaasquez seu privado, que guardasse aquella molher da sanha delRei seu padre. Pero depois de todo esto foi elRei dacordo com o Iffamte seu filho, e perdohou o Iffamte a estes e a outros em que sospeitava; e isso meesmo perdohou elRei aos do Iffamte todo queixume que delles avia; e forom sobresto grandes juramentos e promessas feitas, como compridamente teemdes ouvido; e viviam assi seguros Diego Lopez, e os outros no Reino, em quamto elRei Dom Affonsso viveo.
20E seemdo elRei doemte em Lixboa, de door de que se estomçe finou, fez chamar Diego Lopez Pacheco, e outros, e disselhe que el sabia bem que o Iffamte Dom Pedro seu filho lhe tiinha maa voomtade, nom embargamdo as juras e perdom que fezera, da guisa que elles bem sabiam; e que por quamto se el semtia mais chegado aa morte que aa vida, que lhes compria de se poerem em salvo fora do Reino, por que el nom estava ja em tempo de os poder deffemder delle, se lhe algum nojo quizesse fazer: e elles se partirom logo de Lixboa, e se forom pera Castela, amdamdo emtom o Iffamte Dom Pedro ao monte a alem do Tejo, em huma ribeira que chamom de Canha, que som oito legoas da çidade; e elRei de Castella os reçebeo de boom geito, e aviam delle bem fazer, e merçee, vivemdo em seu reino seguros, e sem reçeo. E depois que o Iffamte Dom Pedro reinou, deu semtemça de traiçom contra elles, dizemdo que fezerom contra elle e contra seu estado cousas que nom deviam de fazer; e deu os beens de Pero Coelho a Vaasco Martins de Sousa, ricomem e seu chamçeller moor, e os Dalvoro Gonçalvez e Diego Lopez a outras pessoas como lhe prougue. E fez elRei em alguuns destes beens tantas e taaes bem feitorias, e outros repartio em tantas partes, que depois que el morresse, numca os mais podessem aver aquelles cujos forom, nem tirar aaquelles a que os assi dava.
21Semelhavelmente fugirom de Castella neesta sazom com temor delRei que os mandava matar, Dom Pedro Nunez de Gozmam adeamtado moor da terra de Leom, e Meem Rodriguez Tenoiro, e Fernam Godiel de Tolledo, e Fernam Sanchez Caldeirom; e viviam em Purtugal na merçee delRei Dom Pedro, creemdo nom reçeber dano, tambem os Purtuguezes, como os Castellaâos, por que razoada se lhes dera ousado acoutamento nas faldras da seguramça; a qual nom bem guardada pellos Reis, fezerom calladamente huuma tal aveemça, que elRei de Purtugal emtregasse presos a elRei de Castella os fidallgos que em seu Reino viviam, e que el outrosi lhe emtregaria Diego Lopez Pacheco, e os outros ambos que em Castella amdavom; e hordenarom que fossem todos presos em huum dia, por que a prisom dhuuns nom fosse avisamento dos outros; e que aquelles que levassem presos os Castellaãos ataa o estremo do Reino, reçebessem os Purtugueses que trouvessem de Castella.
Capitulo XXXI. Como Diego Lopez Pacheco escapou de seer preso, e forom emtregues os outros, e logo morios cruellmente
22Feito aquelle trauto desta maneira, forom em Purtugal presos os fidalgos que dissemos; e naquel dia que o recado delRei de Castella chegou ao logar hu Diego Lopez e os outros estavom pera averem de seer presos, aconteçeo que essa manhãa muito çedo fora Diego Lopez aa caça dos perdigoões; e presos Pero Coelho e Alvoro Gomçallvez, quamdo foram buscar Diego Lopez, acharom que nom era no logar, e que se fora pella manhâa aa caça; çarrarom estomçe as portas da villa, que nenhuum lhe levasse recado pera o perçeber, e atemdiano assi estamdo pera o tomar aa viinda. Huum pobre manco que sempre em sua casa avia esmolla quamdo Diego Lopez comia, e com quem alguumas vezes joguetava, vio estas cousas como se passarom, e cuidou de o avisar no caminho ante que chegasse ao logar, e soube escusamente contra qual parte Diego Lopez fora, e chegou a as guardas da porta que o leixassem sahir fora, e elles de tal homem nenhuuma cousa sospeitamdo, abrimdo a porta leixaromno hir. Amdou el quamto pode per hu emtemdeo que Diego Lopez viinria, e achou ja viir com seus escudeiros mui de segurado das novas que lhe el levava: e dizemdo o pobre a Diego Lopez que lhe queria fallar, quiseras se el escusar de o ouvir, como quem pouco sospeitava que lhe tragia tal recado; aficamdosse o pobre que o ouvisse, então comtoulhe adeparte como huma guarda delRei de Castella com muitas gentes chegarom a seu paaço pera o premder, depois que os outros forom presos, e isso meesmo de que guisa as portas eram guardadas, por que nenhuum sahisse pera o avisar. Diego Lopez, como esto ouvio, bem lhe deu a voomtade o que era; e medo de morte o fez torvar todo, e poer em gram penssamento; e o pobre lhe disse quamdo o assi vio:
23“Creedeme de conselho, e seervosha proveitoso: apartaaevos dos vossos, e vaamos a huum valle nom lomge daqui, e alli vos direi a maneira, como vos ponhaaes em salvo.”
24Emtom disse Diego Lopez aos seus, que amdassem per alli a preto caçamdo, ca el soo quiria hir com aquel pobre a huum valle, hu lhe dizia que avia muitos perdigooens; fezeromno assi, e foromsse ambos aaquel logar; e alli lhe disse o pobre se escapar quiria, que vestisse os seus fatos rotos e assi de pee amdasse quamto podes se ataa estrada que hia pera Aragom e que com os primeiros almocreves que achasse se metesse por soldada e assi com elles de volta amdasse seu caminho; e per esta guisa ou em huum avito de frade, se o depois a ver podesse, se posesse em salvo no reino Daragom, ca era per força de ser buscado pella terra.
25Diego Lopez tomou seu comselho e foisse de pee daquella maneira e o pobre nom tornou logo pera a villa; os seus aguardarom per mui gramde espaço; veemdo que nom viinha foromno catar contra omde el fora e amdamdo em sua busca acharam a besta amdar soo e cuidarom que caira della ou lhe fugira, e buscaromno com moor cuidado. Foi a deteemça em esto tam gramde que se fazia ja muito tarde; e veemdo como o achar nom podiam levarom a besta e foromsse ao logar nom sabemdo que cuidassem em tal feito; e quamdo chegarom e virom de que guisa o aguardavom e souberom da prisom dos outros ficarom mui espantados e logo cuidarom que era fogido; e pregumtados por elle disserom que caçamdo soo se perdera delles e que buscandoo acharom a besta e nom elle e que em aquello forom detheudos ataaquelas oras e que nom sabiam que cuidassem senom que jazia em alguum logar morto. Os que cuidado tiinham de o prender foromno buscar per desvairadas partes; e do que lhe aveo no caminho e como passou per Aragom e se foi a França pera o comde Dom Hemrrique e de que guisa lhe fez roubar os campos Davinhom, e doutros que lhe aveherom, nom curamos de dizer mais, por nom sair fora de preposito.
26Quamdo elRei de Castella soube que Diego Lopez nom fora tomado, ouve gram queixume, e nom pode mais fazer: emtom emviou Alvoro Gomçallvez e Pero Coelho bem presos e arrecadados, a elRei de Purtugal seu tio, segumdo era hordenado antrelles; e quamdo chegarom ao estremo, acharom hi Meem Rodriguez Tenoiro, e os outros Castellaãos, que lhe elRei Dom Pedro emviava: e alli dizia depois Diego Lopez fallamdo neesta estoria, que se fezera o troco de burros por burros. Ε forom levados a Sevilha, omde elRei estomçe estava, aquelles fidallgos que ja nomeamos, e alli os mandou elRei matar todos. A Purtugal forom tragidos Alvoro Gomçallvez e Pero Coelho, e chegarom a Samtarem omde elRei Dom Pedro era; e elRei com prazer de sua viimda, porem mal magoado por que Diego Lopez fugira, os sahiu fora arreçeber, e sanha cruel sem piedade lhos fez per sua maão meter a tromento, queremdo que lhe confessassem quaaes forom na morte de Dona Enes culpados, e que era o que seu padre trautava contreelle, quamdo amdavom desaviindos por a azo da morte della; e nenhuum delles respomdeo a taaes preguntas cousa que a elRei prouvesse; e elRei com queixume dizem que deu huum açoute no rostro a Pero Coelho, e elle se soltou emtom comtra elRei em desonestas e feas pallavras, chamamdolhe treedor, fe perjuro, algoz e carneçeiro dos homeens; e elRei dizemdo que lhe trouxessem çebolla e vinagre pera o coelho, emfadousse delles e mandouhos matar. A maneira de sua morte, seemdo dita pelo meudo, seria mui estranha e crua de comtar, ca mandou tirar o coraçom pellos peitos a Pero Coelho, e a Alvoro Gomçallves pellas espadoas; e quaaes palavras ouve, e aquel que lho tirava que tal officio avia pouco em costume, seeria bem doorida cousa douvir, emfim mandouhos queimar; e todo feito ante os paaços omde el pousava, de guisa que comendo oolhava quamto mandava fazer. Muito perdeo elRei de sua boa fama por tal escambo como este, o qual foi avudo em Purtugal e em Castella por mui grande mal, dizemdo todollos boons que o ouviam que os Reis erravom mui muito himdo comtra suas verdades, pois que estes cavalleiros estavom sobre seguramça acoutados em seus reinos. [...]
Capitulo XLIV. Como foi trelladada Dona Enes pera o moesteiro Dalcobaça, e da morte delRei Dom Pedro
27Por que semelhante amor, qual elRei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente he achado em alguuma pessoa, porem disserom os antiigos que nenhuum he tam verdadeiramente achado, como aquel cuja morte nom tira da memoria o gramde espaço do tempo. Ε se alguum disser que muitos forom ja que tanto e mais que el amarom, assi como Adriana e Dido, e outras que nom nomeamos, segumdo se lee em suas epistolas, respomdesse que nom fallamos em amores compostas, os quaaes alguuns autores abastados de eloquemcia, e floreçentes em bem ditar, hordenarom segumdo lhes prougue, dizemdo em nome de taaes pessoas, razoões que numca nenhuuma dellas cuidou; mas fallamos daquelles amores que se contam e leem nas estarias, que seu fumdamento teem sobre verdade.
28Este verdadeiro amor ouve elRei Dom Pedro a Dona Enes como se della namorou, seemdo casado e aimda Iffamte, de guisa que pero dela no começo perdesse vista e falla, seemdo alomgado, como ouvistes, que he o prinçipal aazo de se perder o amor, numca çessava de lhe emviar recados, como em seu logar teemdes ouvido. Quanta depois trabalhou polla aver, e o que fez por sua morte, e quaaes justiças naquelles que em ella forom culpados, himdo contra seu juramento, bem he testimunho do que nos dizemos.
29Ε seemdo nembrado de homrrar seus ossos, pois lhe ja mais fazer nom podia, mandou fazer huum muimento dalva pedra, todo mui sotillmente obrado, poemdo emlevada sobre a campãa de çima a imagem della com coroa na cabeça, como se fora Rainha; e este muimento mandou poer no moesteiro Dalcobaça, nom aa emtrada hu jazem os Reis, mas demtro na egreja ha maão dereita, açerca da capella moor. E fez trazer o seu corpo do mosteiro de Samta Clara de Coimbra, hu jazia, ho mais homrradamente que se fazer pode, ca ella viinha em huumas andas, muito bem corregidas pera tal tempo, as quaaes tragiam gramdes cavalleiros, acompanhadas de gramdes fidalgos, e muita outra gente, e donas, e domzellas, e muita creelezia. Pelo caminho estavom muitos homeens com çirios nas maãos, de tal guisa hordenados, que sempre o seu corpo foi per todo o caminho per antre çirios açesos; e assi chegarom ataa o dito moesteiro, que eram dalli dezassete legoas, omde com muitas missas e gram solenidade foi posto em aquel muimento: e foi esta a mais homrrada trelladaçom, que ataa aquel tempo em Purtugal fora vista.
30Semelhavelmente mandou elRei fazer outro tal muimento e tam bem obrado pera si, e fezeo poer açerca do seu della, pera quamdo se aqueeçesse de morrer o deitarem em elle. E estamdo el em Estremoz, adoeçeo de sua postumeira door, e jazemdo doemte, nembrousse como depois da morte Dalvoro Gomçallvez e Pero Coelho, el fora çerto, que Diego Lopes Pachequo nom fora em culpa da morte de Dona Enes, e perdohoulhe todo queixume que del avia, e mandou que lhe emtregassem todos seus beens; e assi o fez depois elRei Dom Fernamdo seu filho, que lhos mandou emtregar todos, e lhe alçou a semtemça que elRei seu padre comtra elle passara, quamto com dereito pode. E mandou elRei em seu testamento, que lhe tevessem em cada huum ano pera sempre no dito mosteiro seis capellaaens, que cantassem por el e lhe dissessem cada dia huuma missa oficiada, e sahirem sobrel com cruz e augua beemta: e elRei Dom Fernamdo seu filho, por se esto melhor comprir e se cantarem as ditas missas, deu depois ao dito moesteiro em doaçom por sempre o logar que chamam as Paredes, termo de Leirea, com todallas rendas e senhorio que em el avia. E leixou elRei Dom Pedro em seu testamento çertos legados, a saber, aa Iffamte Dona Beatriz sua filha pera casamento cem mil livras; e ao Iffamte Dom Joham seu filho viimte mil livras; e ao Iffamte Dom Denis outras viinte mil; e assi a outras pessoas.
31Ε morreo elRei Dom Pedro huuma segumda feira de madurgada, dezoito dias de janeiro da era de mil e quatro çemtos e cimquo anos, avemdo dez annos e sete meses e viimte dias que reinava, e quaremta e sete anos e nove meses e oito dias de sua hidade, e mandousse levar aaquel moesteiro que dissemos, e lamçar em seu muimento, que esta jumto com o de Dona Enes. Ε por quamto o Iffamte Dom Fernamdo seu primogenito filho nom era estomçe hi, foi elRei deteudo e nom levado logo, ataa que o Iffamte veo, e aa quarta feira foi posto no muimento. Ε diziam. as gentes, que taaes dez annos numca ouve em Purtugal, como estes que reinara elRei Dom Pedro.
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