Como e donde descenderom os reis de Portugal. [Segunda Crónica]
p. 50-74
Texte intégral
1Conta a estoria em este lugar que a linhagem dos Reys de Portugal veem per esta guisa. ElRey dom affomso tomou tolledo aos mouros e casou huma sua filha, que avia nome dona tareija, com huum conde que auia nome dom anrrique. Este cassamento fez elRey por duas cousas, a primeira porque este conde era muy fidalgo e de grande sangue e era primo con irmãao do conde dom Regmom, de tollosa, E ueerom corn elle de sua terra pello homrar em seu casamento por fazer romaria a santiago; e a outra porque era o milhor homem darmas per seu corpo que se podia saber. A este conde deu elRey com sua filha parte de galiza com o que era gaanhado de purtugal, e deulhe certa terra por sua conquista com certas condições segundo nollo já a estoria ha já deuisado. Ε este conde ouue muitas batalhas com os mouros e com os leoneses e senpre os venceo e tomoulhes muita terra. Ε ouue huum filho de dona tareija que ouue nome dom affomso anrriquez; e huma filha que ouue nome tareija anrriquez: estando elle em estorga, que era sua, enffermou de door de que morreo. E a este tempo tynha elle aprezada a cidade de Leom que se a quatre mezes lhe nom acorresse o enperador que fosse. Ε ante que morresse chamou ante sy aquelle seu filho affomso anrriquez e disselhe: filho toma esfforço no meu coraçom, toda terra que eu leixo que he destorga ataa Leom e ataa coimbra nom percas della nenhuma cousa, ca eu a tomey com muito trabalho: filho toma esfforço no meu coraçom e sey semelhauel a mim e sey companheiro aos fidalgos e dalhes todos seus dereitos aos concelhos, fazelhe honrra e faze de guisa que todos aiam direito assy os grandes como os pequenos, Ε por rogo nem por cobyça nom leixes de fazer justiça. E porem meu filho senpre em teu coraçom ama justiça, ca o dia que a leixares de fazer huum palmo logo o outre dia ella se affastara de ty huma braça, e porem meu filho ama a justiça e aueras a beençam de deus e a graça e a benquerença das gentes, e nom conssentas aos teus homeens seer soberuosos e atreuudos em mal fazer nem faça força a nenhuum ca perderas teu boo preço se taaes cousas nom castigares. E manda logo chamar os destorga e fazerte ey que te façam menagem, e logo que eu morrer vay comigo fora da uilla e logo te torna e nom ha perderas ca daqui pederas conquistar todo o all, e mandame soterrar em bragaa que eu poborey. E despois que ouue castigado o filho destas cousas e outras muitas, que aquy nom dizemos, morreo. E logo que foy morto guisou o filho como o fossem soterrar a bragaa. Ε des que todo foy guisado perguntou dom affomso anrriquez aos seus se hiria ao enterramento de seu padre ou nom, e elles lhe disserom que fosse com seu padre ca toda a terra nom auia que temer. Ε em quanto allo foy perdeo toda a terra de leom que o conde tynha por sua, mais nom lhe poderom tomar galliza. Ε despois que lhe esto fezerom mandou desafilar o enperador. Ε entom se foy elle pera purtugal ca sua madre casarasse com dom uermumy perez traua, mais despois lha tomou o conde dom Fernando seu irmão e casou com ella. Ε casou dom uermumym perez com huma sua filha e do conde dom anrrique que auia nome tareija anrriquez. E por este pecado foy despois feito huum moesteiro que chamam sobrado. O conde dom Fernando era aquella sazom o milhor homem despanha que Rey nom fosse, e por esta razom alçousse toda a terra a dom afomso anrriquez com sua madre. Ε elle quando esto vio forçou dous castellos huum nenha, e outro castello da feira. E danbos estes castellos fazia elle guerra mortal a seu padrasto entanto que ouuerom a fazer treegoas que podessem fallar. E a esta sazom era já dom affomso chamado ja principe. E quando fallarom disse o conde: principe nom andemos em esto e vamos huum dia a batalha ca ou nos sairemos de purtugal, ou uos. E o príncipe respondeo: certo, conde, bem deuia deus de ueer tal cousa que me uos queredes deytar da terra de meu padre que elle ganhou aos mouros. E sua madre lhe disse: minha he a terra ca meu padre elRey dom affomso ma leixou. E o conde lhe disse: nom nos faz mester de pallauras ca ou leixaremos a terra a uosso filho se mais poder que nos, e hirnos-emos em galliza, ou de todo ficaremos em portugal. E logo aprezarom a batalha que fosse em guimarães em logar que dizem sam redanhas. E quando foy o dia do prazo forom ajuntados em batalha. E quando ouuerom dentrar em ella disse a Rainha: conde com uosco quero hir na az, e aueredes que fazer por meu amor.
2Ε foy feita a batalha. Ε o principe foy arrancado do campo, e hindo fogindo a huma legoa de guimarães encontrou com dom egas muniz que vynha em sua ajuda com elle. Ε quando o vio assy vyr disselhe: que he esto Senhor como vyndes assy. Ε elle disselhe: venho muy maltreito ca me arrancou do canpo meu padrasto e minha madre, que vynha corn elle na az. E entom lhe disse dom egas muniz: recolhede toda a gente que vem fugindo, e tornemos a batalha, e prendamos uosso padrasto e uossa madre. E entom tornarom a batalha, e venceromna e prenderom o conde e sua madre, e o conde cuidou logo de seer morto e fezelhe preyto e menagem, que nunca entrasse em purtugal, e elle soltou o, e foi pera sua terra, e nunca mais entrou em purtugal. Ε o principe prendeo sua madre e metea em ferros, e ella quando se vyo presa disse assy: meu filho dom affomso, prendesteme em ferros e exerdasteme da honrra que me meu padre leixou, e quytasteme do meu marido, e eu rogo a deus que ainda uos seiades preso como eu soom, e porque metestes ferros em minhas pernas ferros quebrantem as uosas. E esto se conprio despois segundo uos a estoria deuisará em seu logar. Mais ella mandousse desto querelar ao enperador seu sobrinho e mandou ho rogar que a tirasse de prisom e que ouuesse todo portugal.
3E os portugueses teuerom todos com o príncipe, e como souberom que se o enperador guisaua por vyr em purtugal foronsse todos muy bem guisados a huum lugar que chamam uall de uez e atenderom hi. Ε o enperador uynha com muy grande poder daragam e de castella e de leom e de galliza, e quando chegou ally o principe poslhe a batalha, e foy uençudo o enperador e fugio da batalha em cima de huum cauallo branco com duas lançadas em a perna deestra. Ε o principe matou lhe muita gente e prendeolhe VII condes e muitos caualleiros, e despois que uenceo a batalha conquistou todallas fortallezas de purtugal assy como se fossem de mouros e leuou comsigo sua madre presa.
4Ε acabado pouco tenpo estando o enperador em tolledo doendose do mal e desonrra que recebera do principe e teendo que toda a espanha lhe auia de conhecer senhorio, falou com todos seus ricos homeens em grande segredo como queria vyr sobre o principe.
5Ajuntou grandes conpanhas e fosse a galiza nom dando a entender o que queria fazer, e entrou em portugal asy de sospeita que cercou o principe em guimarãaes, e a uilla nom estaua basticida como conpria em tal guisa que a poucos dias a tomara o enperador se hi esteuera. Mais huum seu amo do principe, que auia nome egas moniz, quando o uio em tal perygoo ouue grande temor de seer ally preso, e andando o enperador huum dia em redor da uilla, catando o logar mais fraco por onde o podesse tomar, dom egas muniz caualgou em cima do seu cauallo e sayo pella porta da uilla sem sabendo nenhuum o que elle queria fazer, e foisse pera o enperador, e elle quando o vyo viir foyo receber, e dom egas moniz beyjoullhe a mãao, e o enperador lhe disse a que era viindo; e dom egas moniz, como era bem fallante e grande sabedor de guerra, disselhe que lhe queria fallar cousas de seu seruiço. E despois que se apartarom a fallar disselhe dom egas moniz: senhor a que ueestes aqui, e elle disse que por tomar seu sobrinho, porque lhe nom conhecia senhorio; e entom dom egas muniz lhe disse: senhor, uos non fizestes cordura de viir aca ca se uos alguem disse que ligeiramente poderiades tomar esta uilla nom uos disse uerdade, que certo seede que ella esta açallmada do que ha mester pera dez anos, e bem sabedes uos que iaz hi o principe, vosso primo, que he muy boom fidalgo, com muitas conpanhas e muy bem guisadas pera guerra, pella qual razom nom poderedes fazer o que queredes, e em estando aquy, poderedes receber dampno dos mouros em vossa terra; e quanto por o feito da Raynha sua madre nom o deuedes de culpar ca elle fez o que deuia, ca ella o quisera matar e enxardar da terra que seu padre gaanhou aos mouros, e que elRey dom affomso vosso auoo e seu lhe leixou. Mais quanto he do que dizedes que he rezam de uos conhecer senhorio e hir a uossas cortes, e eu assy o tenho que bem mais uos o nom deuedes de culpar ca os seus mesteres forom tantos que nom pode all fazer. Mais se o uos quiserdes segurar e alçaruos daquy e hiruos pera uossa terra, eu uos farey que huum dia, qual uos quiserdes, que uaa a uossas cortes onde uos diuisardes, e desto uos farei menagem. Estas pallauras e outras muitas lhe disse dom egas moniz pollo fazer alleuantar de sobre a uilla. Ε o enperador lhe disse: dom egas, quero creer uosso conselho com esta condiçom, que uos me façades menagem que o façades hir a minhas cortes a tolledo, e que faça conhecimento quail deue. Ε entom egas moniz lhe fez menagem assy como lhe o enperador demandou, e elle segurou o principe e toda sua terra, e pormeteo que logo em outro dia se partisse de sobre a uilla. E logo que ouuerom feito seu fallamento e firmado seu preito tornousse dom egas moniz pera a villa, e o enperador pera suas lendas. E desto que elles assy fallarom non souberom parte se nom muy poucos.
Como o enperador, se leuantou de sobre guimarãaes
6Em outro dia em grande manhãa leuantousse o enperador com toda sua oste e foysse seu caminho. E andarom tanto que chegarom a castella. E quando o principe dom affomso anrriquez vio asy hir o enperador, e nom sabya a razom porque, foy muy marauilhado e perguntou a dom egas moniz se sabia que era aquillo. E elle lhe disse toda a uerdade como passara. E quando o principe o ouuio ouue a tam grande pesar que parecia que queria morrer: certo eu queria ora seer ante morto de maa morte. Ε dom egas moniz lhe disse: Senhor, nom uos queixedes, qua eu penso que eu uos fiz muito seruiço, qua uos nom auiades aqui senom mui pouco mantimento, e falecendo tomaromuos a uilla per força e uos forades morto ou preso, e o senhorio de portugal dado a outro. Ε porem Senhor nom uos deuedes de queixar qua tenho que uos liurey da morte e de seerdes deserdado: quanto he a menagem que eu fiz, Esto foy sem uosso mando nem doutro nenhuum, e assy sem uosso conselho nem doutro nenhum o liurarei muy bem aprazendo a deus assy como uos bem poderedes ueer, que ainda que uos a llos quiseredes hir nom uollo consentira eu, qua nom entendo hi a uossa prol.
Como dom egas moniz foy aas cortes de toledo ao enperador
7Quandoo foy viindo o tempo do prazo em que o principe auia dir aas cortes de tolledo, segundo a menagem que dom egas moniz fezera, apreytousse de todo o que lhe era mester. Mais dom egas moniz nom lho quiz consintir em nenhuma guisa ante tomou seus filhos e sua molher com todas as cousas que lhe conpriam e foysse pera tolledo, e chegou allo o dia que fora posto, e ante que chegase ao paaço em que estaua o enperador, decerom das bestas e desuistironsse de todos os panos senom dos do linho, e descalcasse senom tam soomente a dona que leuaua huum pellote muy ligeiro. E poserom senhos baraços nas gargantas, e assy entrarom per o paaço de galiena onde estaua o enperador com muitos e nobres fidalgos. E quando forom ante elle poseronse todos em giolhos. E entom disse dom egas moniz: senhor, estando uos em guimaraaes sobre o principe dom affomso uosso primo uos fiz menagem como uos sabedes, e esto fiz eu porque o seu feito estaua aaquella saçom em grande perygoo, ca nom auia mantimento senom pera poucos dias em tal guisa que o poderades tomar muy ligeiramente. E eu porque o criei de sua nacença quaudo o uy em tal pressa tiue por bem de uiir a uos sem sabendo elle parte. Ε entom deuisou perante todos o feito como passara e disse: senhor, aquestas mãos com que uos eu fiz a menagem exilas aqui, e a lingoa com que uollo disse outrossy. E mais tragouos aquesta minha molher e estes meus filhos de todo podes tomar tall enmenda qual for uossa mercee. Ε quando o enperador esto vyo foy muy sanhudo e quisera o matar qua lhe disse que o enganara. Mais os nobres barôoees que hi estauam diserom ao enperador que lhe nom fezesse nenhuum desaguisado, qua nom avya razom porque, qua ell fezera todo seu deuer como muy nobre e leal caualleiro que elle era, e que se elle fora enganado, que o nom fora senom per sy meesmo, mais que era theudo de lhe fazer muitas mercees. Ε o enperador vyo que lhe diziam uerdade, e perdeo a sanha de dom egas moniz e quitoulhe a menagem e fezelhe muitas mercees; e assy o enuiou pera sua terra. Mais agora leixaremos aquy a fallar, e tornaremos ao principe dom affomso e do que fez depois que se foy dom egas moniz a tolledo.
Como o principe dom Affonso foy feyto rei e venceo a batalha dourique
8Conta a estoria que depois que se dom egas moniz foy pera tolledo que o principe se partio de guimarãaes, e andou per toda sa terra, e requereo todas suas fortellesas, e açalmou as de guisa que nunca lhe acontecesse outro tal desauisamento. E depois que todo esto ouue feito ajuntou todas suas gentes e foy sobre os mouros e correlhes a terra toda des coinbra atee santarem, e dassy pousou ho teio e correo toda a terra alaa o canpo dourique honde achou elRey ismar, que assa sazom era Rey, com cinquo reis que o uinham buscar em sua aiuda sabendo o grande dapno que lhes fazia em sua terra, e entrou com elles em batalha em o logar que he dicto crasto uerde, e uence os, e matou e prendeo a maior parte de todas suas gentes. Mais ante que entrasse em batalha, conta a estoria que os seus que o acalçarom por Rey, e des entom se chamou Rey de purtugal. E despois que os Reis forom vençudos, como dissemos, ElRey dom affomso de portugal, por memoria daquelle boo aqueecimento que lhe deus dera, pos no seu pendam cinquo escudos por aquelles cinquo Reis, e pose os em cruz por renembrança da cruz de nosso senhor ieshu christo, e pos em cada huum escudo XXX dinheiros por memoria daquelles XXX dinheiros porque iudas uendeo Jeshu christo, e des y tornousse pera sua terra muy homramente e com grande Vitoria.
Como o bispo de coinbra trouxe recado a elrey dom affomso que soltasse sua madre
9Ao papa foy dicto como elrey dom affomso de portugal tiinha sua madre presa, e que a nom queria soltar; e elle lhe mandou dizer pello bispo de coinbra que soltasse sua madre, e que se nom quisesse fazer que o escumugaua. E elRey disse que a nom soltaria por nenhunm homem nem ainda por o papa. Ε o bispo escumungoulhe a terra e fugio de noute. Ε logo em outro dia disserom a elRey como lhe o bispo escumungara a terra e se fora. Ε elRey foisse logo a see e chamou todos os conigos na crasta e dise lhes que dessem dantre si huum bispo. E elles diserom que o nom fariam qua tynham bispo. Ε elRey lhes disse que aquelle que elles diziam que nunca jamais em todos seus dias seria bispo. Ε el ueendo que nom queriam fazer o que lhes el mandaua degradou os todos de sua terra. Ε em saindo elRey da crasta uyo uiir huum crerigo que era muy negro de sua collor, e disse lhe como auia nome; e o crerigo lhe respondeo que auia nome martinho. EIRey porque o vio assy negro perguntoulhe por o nome de seu padre, e el lhe disse que auia nome çoleima. E elRey lhe perguntou se era boo crerigo ou se sabia bem ho officio da igreia. E el lhe disse: Senhor, nom ha na espanha dous que o milhor saibam que eu. E elRey lhe disse entom: tu seras bispo dom çoleima, e guisa te logo como me digas missa. Respondeo o crerigo: nom soom ainda hordenado de missa como bispo que uolla possa dizer. E elRey lhe disse: eu te hordeno como me digas missa senom cortartey a cabeça com esta espada. Ε o crerigo com medo vistiosse com as uestiduras e fezelhe o officio. Ε este feito foy sabudo em Roma, e cuidarom que era erege. Ε o papa mandou a el huum cardeal que lhe mostrasse a fe.
Como chegou o cardeal a coynbra escomungou el Rey dom affomso e toda sua terra
10O cardeal partiosse de Roma e ueo em espanha, e os Reis per onde el uiinha honraumno muito. Ε foy dicto a elRey dom affomso: Senhor, ex aquy uem huum cardeal que uem a uos de roma porque sodes mizcrado com o papa por este bispo que fezestes. E elRei disse: ainda me nom arrepeendo. Ε disserom lhe: sabede Senhor, que todos os Reis per hu el uem prouam de lhe beijar a mãao. E elRey disse: certo nom sera tarn honrado cardeal em Roma que a coinbra uesse que me tendesse a mãao pera lha beijar que lha não cortasse, e desto se nom poderia el falecer.
11Ε quando o cardeal chegou coimbra soube que elRey disera e ouue muy grande medo. Ε elRey nom o quiz hir arreceber. Ε elle logo que chegou aa cidade foisse a alcaçoua honde ElRey pousaua e el recebeo muy bem e disselhe: cardeal, que ueestes aqui fazer de roma, qua de roma nunca me ueo senom mal? E quai riqueza me trazedes de roma pera estas idas que faço a meude contra os mouros? dom cardeal, se me trazedes que me dedes, senom hide uos uossa uia. E o cardeal disse: Senhor, eu soom uyndo aquy por uos mostrar a fe de Jeshu christo; e elRey lhe disse: certo cardeal tarn boos liuros auemo nos aqui como uos em Roma, e tam bem sabemos como o filho de deus descendeo do ceo e encarnou na uirgem santa maria per obra do spiritu santo e procedeo della sem curruçom, e como morreo em a santa uera cruz por remiir os pecadores, e como resurgio e como ascendeo ao ceeo e see aa destra do padre donde hade uiir iulgar os uiuos e os mortos, e tambem cremos a santa trindade seer padre e ñlho e spiritu santo tres pessoas em huma diuinal esencia, como uos os romanos, e nom queremos outra cousa de Roma. Ε depois que lhe disse todas estas cousas mandoulhe dar pousadas e todo o que lhe era mester. Ε o cardeal logo que foy na pousada mandou poer ceuada e mandou por todos os clerigos da uilla e ao cantar dos gallos escumungou toda a uilla e foisse de guisa que quando foy luz tiinha elle ja andadas duas legoas. Ε elRey depois que se leuantou disse aos caualleiros uaamos ueer o cardeal, e elles lhe disserom: Senhor, hido he ia e escumungouuos e toda uossa terra. Ε quando esto ouuio elRey mandou que lhe dessem o cauallo e caualgou e todos seus ricos homeens em pos el e muita outra cauallaria. Mais elRey como era homem muy brauo e de grande coraçom nom quis esperar nenhuum, e foy o acalçar em huum lugar que chamam a uimieira. Ε como chegou a el trauoulhe pelo cabeçom e tirou a espada e quiseralhe cortar a cabeça, mais quatre caualleiros que chegarom com el lhe diserom: senhor, por deus e por mercee nom matedes o cardeal, ca diram em roma que sodes herege.
12Ε elRei lhe disse: certas uos lhe dades a cabeça. Ε o cardeal quando se uio em tal medo disse a ElRey: Senhor, nom me matedes, ca eu farey qual preyto uos quiserdes. Ε elRey lhe disse: pois quero que portugal nom seia escumungado em, todos meus dias, e que nom leuedes daquy ouro nem prata nem bestas senom tres, e esto quero de uos em seruico. E disy quero que me mandedes de roma huma carta que nunca portugal nem eu seiamos escumungados em todos meus dias, qua eu o gaanhey com esta minha espada. E pera esto quero que leixedes aqui este uosso sobrinho em penhor ataa que me mandedes a carta. E se ataa quatre mezes me nom mandades a carta eu cortarey a cabeça a uosso sobrinho. Ε o cardeal outorgou todo o que elRey quis, e dis i foisse sua uya. Ε ante que os quatro meses fossem conpridos lhe ueo a carta: des ally en diante fez elRey en toda sua terra arcebispos e bispos e beneficiados quaes elle quis. Ε depois que elRey e o cardeal ouuerom todo seu preyto firmado, e ao tempo que lhe auia de mandar a carta, como ia ouuistes, desuystiosse elRey de todas suas uistiduras e disse: quero uos mostrar dom cardeal como eu soom erege. Ε entom lhe mostrou todas as feridas que ouuera em seu corpo dizendo e assignando quantas e quaees feridas ouuera em as batalhas, e quaees em as conbater, e quaees em as entradas das uillas que tomara aos mouros: e pera esto leuar adiante, disse elRey, uos tomo este auer, porque soom muy proue e hey o mester pera mym e pera meus fidalgos.
Como elRey dom affomso tomou leirea e torres nouas e santarem
13Conta a estoria que quando elRey dom affomso conprio XXIIII° anos de sua hidade que entom tomou aos moros leirea e torres nouas a elRey ismar, que era rey da estremadura, e andaua entom a era em mil anos. E desque tomou estas uillas tornousse pera coinbra e em estando el hi ueolhe em mentes de tomar santarem. Ε entom caualgou com todos seus caualleiros e foisse ao arnado, e apartou comsigo dom Lourenço ueegas e dom gonçalo de sousa e dom pedro paaez ho alferes e outros dous caualeiros mais, a estoria nom diuisa aquy os nomes delles, e contoulhes como auya em coraçom de tomar santarem se, o podesse fazer; e elles fallarom em ello de multas maneiras, mais em fim acordaronse todos com elRey que o poderiam furtar se posessem seu feito em boom regimento. E despois que fezerom seu acordo, tornousse elRey pera seus paaços. E hindo per figueira uelha disse huma molher contra as outras: ueedes o que ora elRey foy fallar com os priuados que fossem furtar santarem. Ε quando elRey ouuio o que aquella molher disera, foy marauilhado, e despois que forom no paaço chamou os com que fallara o segredo e disselhes: ouuistes o que disse aquella molher, seede certos que se alguum de uos fora de mym apartado que eu cuidara que fora descuberto per el, e assy ouuera a minha sanha contra sy sem seu merecimento.
Como elRey dom Affomso furtou santarem
14Logo a poucos dias que este acordo foy feito, partio se elRey dom affomso de Coinbra pera santarem o mais encubertamente que pode, e per os mais descaados lugares que soube, e chegou hi a oito dias de maio Era de mil anos, e poserom de noite suas escaadas en no muro de guisa que furtarom huma uella. Ε o primeiro que entrou dentro pella escaada foy huum caualleyro que auia nome meen moniz, e era irmãao maior de dom egas moniz, que a esta saçom ia era morto, que morrera no caminho ante que foisse feita a lide dourique. Este meen moniz era mui ardido caualleiro e sabia muy bem fallar a arauia, era chamado de candarey; e o segundo que foy em pos el foy dom pero affonso filho delRey de gaança; e o terceiro foy dom pero paaez ho alferes. E despois que todos tres forom em cima do muro poserom a huma parte meen moniz; e a uella que estauaem cima do caramacham quando sentio meen moniz que se hia alongando pelo muro por dar lugar aos que entrauam disselhe: manahu; e el respondeolhe em arauia, e fezeo decer, e logo que foy em fundo cortoulhe a cabeça e deitou o aos de fora. E entom elles poserom outra escaada e sobirom per anbas o mais toste que poderom, e forom tantos que se apoderarom do muro, e britarom as portas per que entrarom elRey com todos os que com el foram. Ε desta guisa foy furtada a uilla de santarem aos mouros. Ε o alcaide que tiinha a uilla auia nome ceerim, e quando uio os christãaos assy de sospeita sobresy fogio pera siuilha. Ε quando chegou acerca do rio de siuilha elRey em siuilha estaua em cima da torre do ouro, e como ho diuisou logo o conheceo, e disse aos que com el estauam: ueedes aquel que uem a gram pressa, aquel he o alcaide cetrim de santarem; e se em aquel rio der augua ao cauallo seede certos que he tomada a uilla e se a nom der he cercada e uennos demandar acorro. Ε o alcaide logo que chegou ao rio deu augoa ao cauallo, e elRey disse: tomado he santarem.
Como el Rey dom afonso açalmou santarem e tomou lisboa
15Despois que elRey dom affomso foy apoderado de santarem repairou todas as fortellez da uilla e açalmou a o milhor que pode. E despois que assy teue em recado tornousse pera coinbra com grande honrra. E des que hy foy guisou sua fazenda e ajuntou sua hoste o mais encubertamente que pode, e foy sobre lixboa e chegou hi no mes doctubro na era de mil annos: sairam a elle e lidarom com elle e forom uencidos e cobrou el a cidade de lixboa per força darmas, e forom em sua ajuda em esta toma muitas conpanhas dalemaees e framengos e doutras naçõoes, que ueerom per mar, antre os quaaes forom hi a quoatro capitãaes que auiam nome dom guilhim de licorne e dom rooim e dom juzberlez e dom ligel. Estes quoatro demandauam parte da uilla a elRey dom affomso por que forom na tomada della. Ε el lhes disse que o nom faria mais que lhes daria outros lugares que poborassem elles e sua linhagem pera todo senpre, e que lhe conhecessem delles o senhorio. Ε a huum delles deu a azanbuja, e a outro uilla uerde, e ao outro a lourinhaa; e estes dizem que forom de frandes e trouxerom todos seus linhageens e seus aueres e poborarom estes logares. Ε em este mesmo ano tomou este Rey dom affomso alanquer e sintra e almadaam e palmella em a era de mil anos, e tomou este Rey alcaçer e beia enna era de mil anos. Ε tomou este Rey dom affomso euora e eluas e moura e serpa. EsteRey dom affomso fez o moesteiro dalcobaça e o castello que esta a cerca del. Ε começou o a fazer en na era de mil anos, e offereceo a sam bernardo que era abade de craraual. Ε este Rey dom affomso auia ja ante desto o moesteiro de santa cruz em coinbra por honrra da morte e paixom que o nosso Senhor Jeshu christo padeceo na cruz. Ε este Rey dom affomso depois que tomou lixboa aos mouros fez hi huum muy nobre moesteiro em honrra do martir sam uicente a que pos nome sam uicente de fora. Ε prougue a deus que nos seus dias ueo sam uicente a cidade de lixboa. Ε o dia que a cidade foy tomada era dia de sam crispim oito dias de nouembro na era de mil anos. Ε este dom affomso primeiro Rey de purtugal foy casado com dona maffalda manrrique, filha do conde dom manrrique de lara, e senhor de mollina, e de dona Ermesenda filha do almerique primeiro senhor de barbona, porque nom achaua casamento em a espanha de Rey que seu parente nom fosse. E ouue ElRey della huum filho que ouue nome dom sancho e foy Rey depois da morte de seu padre, e huma filha que ouue nome dona orraca e foy casada com o conde de frandes. Ε este Rey dom affomso começou a hordem de santiago, e deu ao esprital de Jerusalem oiteenta mil marauidis em ouro pera comprar herdade de tanta renda per que dessem aos enffermos da enffermaria senhos pãaes quentes e senhos uasos de uinho, por que metessem cada dia em oraçom este Rey dom alfonso. Ε em sua mancebia foy muy brauo e esquiuo; mais despois foy muito mansso e mesurado e boom christãao e fez muito seruiço a deus. Ε este era o mais esforçado caualleiro em armas e em força que auya em espanha, nem de que os mouros mayor medo auiam
Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.
Arthur, Gauvain et Mériadoc
Récits arthuriens latins du xiiie siècle
Philippe Walter (dir.) Jean-Charles Berthet, Martine Furno, Claudine Marc et al. (trad.)
2007
La Quête du Saint Graal et la mort d'Arthur
Version castillane
Juan Vivas Vincent Serverat et Philippe Walter (trad.)
2006
Histoire d'Arthur et de Merlin
Roman moyen-anglais du xive siècle
Anne Berthelot (éd.) Anne Berthelot (trad.)
2013
La pourpre et la glèbe
Rhétorique des états de la société dans l'Espagne médiévale
Vincent Serverat
1997
Le devin maudit
Merlin, Lailoken, Suibhne — Textes et études
Philippe Walter (dir.) Jean-Charles Berthet, Nathalie Stalmans, Philippe Walter et al. (trad.)
1999
La Chanson de Walther
Waltharii poesis
Sophie Albert, Silvère Menegaldo et Francine Mora (dir.)
2009
Wigalois, le chevalier à la roue
Roman allemand du xiiie siècle de Wirnt de Grafenberg
Wirnt de Grafenberg Claude Lecouteux et Véronique Lévy (trad.)
2001