1. O observatório HyBAm em grandes rios da Amazônia
p. 28-33
Résumé
O observatório HyBam nos principais rios da Amazônia permite informar e compreender as mudanças globais e locais que afetam a bacia, através de sua abordagem multidisciplinar e de longo prazo, através de sua estrutura em parceria, do acesso aberto aos dados e de um forte incentivo a pesquisa e capacitação.
Texte intégral
1A Amazônia tem um fluxo médio de 206.000m3.s-1, o que representa cerca de 20% do fluxo de água doce continental para os oceanos. Seu fluxo é, portanto, de longe, o mais alto de todos os rios do mundo. Mas, acima de tudo, é uma bacia hidrográfica quase continental sem paralelo, drenando cerca de 4% das terras emersas, com afluentes poderosos e diversos. A bacia abriga a maior floresta tropical do mundo, representando 58% das florestas tropicais do mundo e mais de 20% da biodiversidade mundial. Ela afeta a biosfera através dos imensos fluxos de água e matéria que a deixam na saída, mas também em direção à atmosfera (fluxos de umidade, gases de efeito estufa): ela contribui com 15% dos fluxos verticais da evapotranspiração continental e, portanto, desempenha um papel importante na circulação atmosférica global. Embora os Andes ocupem apenas 11% da superfície da bacia, eles são a principal fonte de entradas primárias de sedimentos (95%), mas também de elementos dissolvidos e nutrientes (36%), que são transportadas pelos diversos afluentes da Amazônia até o oceano. Estes fluxos são vitais para a biodiversidade amazônica e são a fonte da disponibilidade de muitos recursos naturais (por exemplo, hidrocarbonetos). Os Andes também desempenham um papel decisivo na transferência de água e materiais através da deformação tectônica da bacia, criando sumidouros de sedimentos e controlando a dinâmica morfológica dos rios e planícies aluviais.
2A bacia amazônica é, portanto, uma sentinela do impacto da mudança climática no planeta. A hidrologia da Amazônia teve, e continua tendo, um impacto considerável no clima regional e global passado e presente (ver Capítulos 11 e 12).
3Atualmente, toda a bacia está sujeita a fortes pressões antropogênicas: desmatamento, agricultura e pecuária, mineração legal e ilegal, poluição, mudanças no uso da terra devido à urbanização e construção de barragens. Além disso, uma aceleração de eventos extremos, como enchentes e secas, tem sido observada nas últimas décadas, o que tem um impacto considerável no meio ambiente e nas populações de toda a região.
Um pouco de história
4No Brasil, pesquisadores hidrológicos da Orstom (a predecessora do IRD) trabalharam principalmente na região Nordeste até o início dos anos 90. Em 1981, a Orstom criou um escritório permanente na DNAEE (Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica, hoje ANA, Agência Nacional de Águas), em parte para apoiar o crescente compromisso do Brasil com a gestão dos recursos hídricos, e em parte devido ao interesse da DNAEE nas disposições legais e econômicas francesas para a gestão da água. Esta necessidade de conhecimento da gestão da água por parte do Brasil se cruzou com um dos principais desenvolvimentos conceituais das ciências hidrológicas no IRD, que era modificar a abordagem da engenharia hidrológica (ou seja, aplicada e frequentemente pontual) para o conhecimento do envoltório fluido da terra (este conceito evoluiu agora para o conceito de ‘zona crítica’) e a transferência de água e matéria através dos continentes e para os oceanos. Esta evolução apareceu pela primeira vez na África, mas logo voltou sua atenção para o maior objeto hidrológico do mundo: a bacia amazônica.
5Para implementar esta nova abordagem, primeiro foi necessário construir bases de dados hidrológicos que fossem facilmente acessíveis a todos. Ao contrário da cooperação científica de outros países, o IRD concentrou-se, portanto, na criação de redes de medição de longo prazo, o que o levou a construir parcerias sustentaveis com diversas instituições, agências e universidades da bacia amazônica. Como resultado, o IRD tem sido capaz de conduzir uma extensa capacitação e formação de estudantes, muitos dos quais completaram seus estudos de doutorado na França. Alguns desses estudantes retornaram posteriormente aos seus países de origem para realizar pesquisas reconhecidas internacionalmente.
6O programa HyBam no Brasil - que prefigurava o observatório do mesmo nome - e o PHICAB na Bolívia (1982-1992) são emblemáticos desta nova abordagem. Ambos visavam quantificar a transferência de água e matéria através dos rios amazônicos dos Andes para o Atlântico, e compreender os mecanismos que controlam essas transferências. Em 1992, o programa HyBAm começou a cooperar com os outros sete países que assinaram o Tratado de Cooperação Amazônica em Brasília, em 1978. Com base nestes dois programas regionais, o Observatório de Pesquisa Ambiental HyBAm (ORE) foi criado em 2003 para fornecer informações e compreender o impacto das mudanças globais que afetam os três maiores rios tropicais do mundo (Amazônia, Congo, Orinoco), focalizando na observação em longo prazo da dinâmica hidro-sedimentar e geoquímica. O observatório é hoje formado por 18 instituições parceiras (universidades, agências e serviços hidrometeorológicos) e conta com uma rede de 42 estações hidrológicas (17 das quais são certificadas pelo CNRS e pelo Instituto Nacional das Ciências do Universo [INSU]), distribuídas em sete países (Brasil, Equador, Peru, Bolívia, Venezuela, Congo e Guiana Francesa) e três continentes. Rotulado como Serviço do Observatório Nacional (SNO) em 2016, o HyBAm é agora apoiado financeiramente pelo IRD, o CNRS, o Observatório Midi-Pyrénées (OMP) e estruturas parceiras no Sul. Desde 2011, está envolvido nos Sistemas de Observação e experimentação de longo prazo para Pesquisa Ambiental (SOERE) e Redes de Bacias Hidrográficas (RBV) e aderiu à infraestrutura de pesquisa da Ozcar.
7A missão da SNO HyBAm é:
criar dados hidrológicos, sedimentares e geoquímicos, combinando observações in situ, observações espaciais e análises laboratoriais;
disponibilizar essas informações para a comunidade científica através de um portal web, atualizado regularmente;
realizar atividades de treinamento para a comunidade técnica e científica do Sul que trabalha com recursos hídricos na região amazônica;
participar da análise e valorização dos dados produzidos através de publicações, atividades de animação e programas de pesquisa, dentro dos quais são realizados estudos de mestrado e doutorado (estudantes do Norte e do Sul).
8Desde sua criação, o observatório HyBAm tornou possível quantificar, na maioria dos casos pela primeira vez, os fluxos de água e materiais nos principais rios da Amazônia e construir bases de dados robustas em longo prazo. Abriu e apoiou muitos caminhos de pesquisa, incluindo o uso de dados espaciais para monitorar recursos hídricos, bem como o estudo de várzeas, zonas de inundação que são o local de trocas complexas com o rio. A compreensão dessas trocas é essencial para estabelecer o equilíbrio hídrico e material do rio, que é da mesma ordem de grandeza das vazões entregues ao oceano pelo rio Amazonas.
Como a bacia é monitorada?
9Operar uma rede hidrológica em uma área tão grande e em estações de medição que muitas vezes são de difícil acesso não é uma tarefa fácil. O sistema fluvial amazônico é composto por rios de vários milhares de quilômetros de comprimento, com trechos de mais de 10 km de largura, até 100 m de profundidade e com declives muito suaves (da ordem de um centímetro por quilômetro). Foi necessário, portanto, inventar protocolos de medição adaptados a esses rios incomuns.
10Este foi o advento de uma verdadeira revolução técnica na medição de vazões em grandes rios, o ADCP (Acoustic Doppler Current Profiler), que permitiu à SNO HyBAm estabelecer as primeiras curvas de classificação e quantificar as vazões dos principais rios da Amazônia. Esta técnica permite que o campo de velocidade em uma seção seja descrito por completo a partir de medições detalhadas, precisas e de alta frequência em rios amplos e profundos, ou seja, onde as técnicas tradicionais de aferição eram demoradas, complexas, imprecisas, incompletas, caras, perigosas ou até mesmo fisicamente impossíveis de serem implementadas.
11Desde 2003, entre duas e quatro campanhas por ano dedicadas à medição de vazões ADCP para o estabelecimento de curvas chave cota/vazão foram realizadas em cada estação, tendo o cuidado de cobrir uma ampla variedade de condições hidrológicas. Foi dada especial atenção à medição a montante e a jusante de eventos extremos, tais como as inundações históricas de 2012 e 2015 na Amazônia ou 2014 no rio Madeira, e os mais severos baixos fluxos já registrados: 2005 e 2010.
12Além disso, os registros do nível da água coletados em cada estação pelos observadores foram pacientemente criticados e ampliados pelos engenheiros do observatório. Estes dados são essenciais para o cálculo dos fluxos de água e, em seguida, dos fluxos de material. Se necessário, os dados in situ são complementados ou criticados com dados de satélite sobre o nível da água (altimetria espacial). O observatório também desenvolveu software para processamento e banco de dados hidrológicos e espaciais.
13A fim de levar em conta a variabilidade temporal das concentrações médias transportadas pelos grandes rios amazônicos durante o ciclo hidrológico, o SNO HyBAm optou por uma estratégia de monitoramento inframensal das concentrações utilizando um método de amostragem índice: em cada local de medição, um observador tira regularmente uma amostra da superfície do rio, seguindo um plano de amostragem. O plano de amostragem varia de acordo com as estações, a fim de se adaptar aos hidrogramas observadas. Estas medições in situ são completadas com dados extraídos de imagens de satélite usando algoritmos desenvolvidos no coração do observatório. Durante as campanhas dedicadas às medições de fluxo ADCP, estas amostras são completadas por uma amostragem detalhada de toda a seção: estas medições permitem estabelecer uma calibração entre a amostra índice coletada pelo observador e a concentração média efetivamente transportada pelo rio.
14Por exemplo, foi estimado que o fluxo sólido do rio Amazonas é de cerca de 1.100 milhões de toneladas/ano, com um aporte total de sedimentos da cadeia andina de 1,3 bilhões de toneladas/ano (cerca de 500 km3). Desde 2003, foram realizadas 1.200 medições de fluxo ADCP, correspondentes a 300 missões de campo, foram coletadas mais de 20.000 amostras de sólidos em suspensão (SS) e foram produzidos 140.000 dados geoquímicos. Como resultado dessas medições, foram produzidos 14.000.000 de dados de fluxo diário. Após avaliação, esses dados foram arquivados e compartilhados on-line no site do observatório.
Quais são os desafios para esta bacia em transição?
15Diante da pressão antrópica e dos desafios da mudança global (mudança climática e declínio da biodiversidade), a bacia amazônica está passando por grandes mudanças. Neste contexto, o observatório regional HyBAm tem em seus bancos de dados uma parte do passado e do presente dos rios, uma ferramenta fundamental para medir a extensão das mudanças atuais e futuras e para interpretar a origem dessas mudanças. Portanto, no âmbito científico, é essencial continuar mantendo as estações, o que implica em fornecer os recursos financeiros e humanos necessários para esta tarefa.
16Ao mesmo tempo, o observatório continua a desenvolver seus protocolos de medição e a inovar para melhorar ainda mais a qualidade de suas medições, aumentar as variáveis observadas e refinar espacialmente seus balanços materiais: em média, o HyBAm possui apenas uma estação a cada 180.000 km² na bacia amazônica. Assim, o observatório está desenvolvendo uma abordagem integrada de monitoramento de fluxos hidrossedimentares, combinando observações de satélite e modelagem hidrológica. Ao calibrar e validar esta abordagem em suas estações e observações in situ, será possível criar as chamadas estações “virtuais” (isto é, sem observações in situ) para completar efetivamente a rede de medição.
17EFinalmente, no âmbito da sociedade, existem grandes desafios. A Amazônia é um mundo onde os rios são tanto recursos quanto vias de comunicação para as populações ribeirinhas. Portanto, eventos extremos significam interrupção das vias de comunicação e dificuldades de acesso aos serviços básicos, como saúde e educação, para milhares de pessoas. Neste sentido, foi criada uma iniciativa digital: Rios OnLine, um projeto de ciência cidadã e de divulgação concebido por pesquisadores e estudantes da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA) e da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), que anda de mãos dadas com o observatório. Seu objetivo é disseminar o conhecimento hidrológico de uma forma compreensível para o público em geral através de uma plataforma web. Também tem uma conta na mídia social que publica fotografias de rios tiradas pela população local. Através de tais iniciativas, o HyBAm espera aumentar a conscientização e iniciar um diálogo cívico para melhor se adaptar às mudanças futuras (ver Capítulo 13).
Parceiros
Instituto Nacional de Meteorologia e Hidrologia (INAMHI), Equador
Serviço Meteorológico e Hidrológico Nacional (SENAMHI), Peru
Senamhi, Bolívia
Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Brasil
Departamento de Meio Ambiente, de Planejamento e Habitação (Negócio), Guiana Francesa
Office de l’eau da Guiana francesa
Grupo de Interesse Econômico para o Serviço Comun de Manutenção de Vias Navegáveis (SCEVN), Brazzaville, República do Congo
Instituto Venezuelano de Pesquisa Científica (IVIC), Venezuela
Instituto de Geofísica do Peru
Centro Regional do Clima para o Oeste da América do Sul (CiiFen), Equador
Universidade Nacional Agrícola “La Molina” (UNALM), Peru
Universidade Mayor de San Andres (UMSA), Bolívia
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Brasil
Universidade de Brasília (UnB), Brasil
Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil
Universidade Central da Venezuela (UCV)
Universidade Marien Ngouabi (UMNG), Brazzaville, República do Congo
Participaram das observações (lista não exaustiva)
William Santini (IRD), Naziano Filizola (UFAM), Jean-Michel Martinez (IRD), Jean-Loup Guyot (IRD), Rodrigo Pombosa (Inamhi), Philippe Vauchel (IRD), Marco Paredes (Senamhi Peru), Jhonatan Pérez (Senamhi Peru), Pascal Fraizy† (IRD), Erick Paredes Vásquez (Autoridade Local del Agua, ALA, Atalaya, Peru), Hugo Cutile (Senamhi Bolívia), Oscar Puita (Senamhi Bolívia), David Terrazas (Senamhi Bolívia), André Martinelli (Serviço Geológico do Brasil, SGB-CPRM), Franck Timouk (IRD), Alain Laraque (IRD), Jean-Claude Doudou (IRD), Guy Moukandi (UMNG), Christelle Lagane (IRD), Jonathan Prunier (IRD), Noré Arevalo (Unalm), Hector Calle (Senamhi Bolívia), Keila Aniceito (Ufam), Ana Emilia Diniz (Ufam), Leylane Corrêa (Ufam), Gérard Cochonneau (IRD), Elisa Armijos (IGP), Franklin Mujica (SENAMHI Bolívia), Grover Apaza (SENAMHI Bolívia)), Waldo Lavado (SENAMHI Peru), Jorge Carranza (SENAMHI Peru), Nilton Fuertes (SENAMHI Peru), Marjorie Gallay (OEG), Bosco, Baxinho.
Bibliographie
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Biodiversité au Sud
Recherches pour un monde durable
Jean-François Agnèse, Olivier Dangles et Estienne Rodary (dir.)
2020
Biodiversity in the Global South
Research for a sustainable world
Jean-François Agnèse, Olivier Dangles et Estienne Rodary (dir.)
2020
Trajectoires de recherches en Amazonie brésilienne
L'IRD et ses partenaires
Frédérique Seyler, Marie-Pierre Ledru et Laure Emperaire (dir.)
2022
Trajetórias de pesquisa na Amazônia brasileira
O IRD e seus parceiros
Frédérique Seyler, Marie-Pierre Ledru et Laure Emperaire (dir.)
2022
Science et développement durable
75 ans de recherche au Sud
Corinne Lavagne, Thomas Mourier, Marie-Lise Sabrié et al. (dir.)
2019
Science and sustainable development
75 years of research in the Global South
Corinne Lavagne, Thomas Mourier, Marie-Lise Sabrié et al. (dir.)
2020