Précédent Suivant

As juventudes da metrópole

p. 275-290


Texte intégral

Introdução

1O Estatuto da Juventude81, Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013, define como jovens as pessoas com idade entre 15 e 29 anos. Esta faixa etária se caracteriza por ser um período de transição da infância para a vida adulta, que significa a assunção de novos papéis, seja na transição da escola para o mercado de trabalho seja na constituição de família. É, portanto, um período importante de definições acerca da inserção social, formação de novas relações e inserções em diversos outros contextos. A juventude representa um período no qual se definem e têm lugar vivências que afetarão a integração social e o curso da vida.

2Neste contexto, à escola, ao trabalho e à família restam a responsabilidade de fomentar capacidades e prover recursos para a entrada na vida adulta, os meios para lograr um status de autonomia e independência com relação à família de origem e fontes de identidade em uma etapa de busca identitária.

3No entanto, os jovens transitam para a vida adulta de forma desigual, tanto pelas insuficiências das organizações e instituições quanto pelo acesso assimétrico aos serviços públicos básicos. Em Brasília e em sua área metropolitana, as barreiras sociais, que muitas vezes se confundem com a segregação territorial, são determinantes para a diversidade de trajetórias dos jovens na educação, no mercado de trabalho e na constituição de família. Ampliar o acesso à estrutura de oportunidades e mitigar as múltiplas vulnerabilidades dos jovens é, assim, uma condição necessária para potencializar as mudanças estruturais na sociedade brasileira (DIAS, 2017).

4Discutir juventude é pensar o atual momento demográfico, que pode ser favorável à implementação de políticas públicas que garantam a inserção social dos jovens, tanto para o aproveitamento dos benefícios da transição demográfica no presente, quanto para a sustentabilidade intergeracional do sistema de proteção social no futuro. Vieira (2009) argumenta que, em parte, os desafios e os limites da janela de oportunidade dependem de como nossos adolescentes e jovens fazem a transição para a vida adulta hoje e sob quais condições. Assim, como entre as crianças, são as regiões administrativas (RA) mais vulneráveis do DF e a periferia metropolitana que concentram a maior proporção de jovens. Nessas porções mais pobres do território, a proporção de jovens é superior a 30%. Já em áreas mais ricas, tais como Sudoeste/Ocotogonal, Lago Norte e Lago Sul, esse percentual se reduz a menos de 20%.82

5Em uma sociedade que envelhece rapidamente, como o caso da população brasileira, é mister olhar as condições de vida da juventude. Brito (2008) afirma que, para equacionar a questão dos idosos, no médio e longo prazo, será decisivo, no curto prazo, implementar uma rigorosa política de investimentos, tendo como alvo a população jovem pobre. Essa política vislumbra não só garantir a sobrevivência do jovem no momento presente, mas, principalmente, criar condições para sua mobilidade social, e assim, possibilitar sua definitiva inclusão social e direito a processos de envelhecimento com qualidade de vida no futuro.

6Nesse sentido, para garantir o acesso desses jovens à estrutura de oportunidades, é importante identificar os elementos que condicionam suas vulnerabilidades, tendo em vista a importância estratégica da inserção social e econômica dos jovens para o desenvolvimento dos territórios. As desigualdades estruturais que os levam a crescentes dificuldades para se incorporarem ao mercado de trabalho, a particular concentração de pobreza nesse segmento da população, os atrasos e as desigualdades educacionais, de gênero, raça/cor e territoriais articulam-se como fatores que devem ser levados em consideração para definir e compreender as juventudes.

Escola, trabalho e família: as dimensões da transição para a vida adulta

7As heterogeneidades das trajetórias dos jovens na Área Metropolitana de Brasília (AMB), cujo acesso à estrutura de oportunidades encontra-se profundamente relacionado às desigualdades do território, possuem implicações significativas na forma como esse grupo populacional transita para a vida adulta e no consequente impacto para o desenvolvimento local.

8Percebe-se que, logo na adolescência, importantes diferenciais de gênero marcam a tônica da transição para a vida adulta. Para as mulheres, as transições familiares são mais relevantes como fator de abandono escolar e aceleração da entrada na vida adulta, enquanto entre os homens, os interesses estão mais centrados no trabalho e na obtenção de renda, mesmo que isto implique sacrificar os estudos (CAMARANO et al., 2006; VIEIRA, 2009).

9Segundo os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) 2017 para o DF, 79,2% dos jovens, em idade escolar de 15 a 24 anos das regiões consideradas de alta renda frequentavam a escola. Este percentual cai para 62,5% no grupo de renda média-alta, 51,2% no grupo de renda média-baixa e 48,4% no grupo de baixa renda.

10Ao analisarmos a entrada dos jovens de 15 a 29 anos no mercado de trabalho, observa-se que 40,4% dos que residem nas regiões de alta renda se encontram ocupados. Entre os jovens que residem nas regiões mais pobres, esse percentual é de 47,0%. No entanto, ao detalhar por grupos de idade, tem-se que entre os adolescentes-jovens, o percentual de ocupados varia entre 2,6% nas regiões de alta renda a 11,3% nas de mais baixa renda. Mas, o que mais chama a atenção nessa faixa etária, é a taxa de desemprego (procura de trabalho) que varia entre 6,5% nas RAs de mais alta renda a 31,9% nas de mais baixa renda. Evidencia-se, assim, que, como aponta a literatura, no DF, os jovens das áreas mais pobres tendem a abandonar a escola e buscam ingressar no mercado de trabalho mais cedo. Acredita-se que essa mesma tendência seja observada nos municípios da PMB. Mesmo não tendo uma pesquisa de emprego e desemprego na região, os dados da PMAD de 2013 indicam que 63,9% dos jovens da AMB não frequentam a escola e 52,6% indicaram possuir trabalho remunerado (CODEPLAN, 2013).

11Neste processo de saída do ambiente escolar e entrada no mercado de trabalho, Vieira (2009) aponta que os papéis de gênero assumem uma função preponderante na decisão de sair do sistema educacional e ascender à vida adulta. Um ponto importante no qual há um contraste entre áreas vulneráveis e não vulneráveis refere-se à menção feminina do trabalho doméstico não remunerado e o cuidado com os filhos como motivação para a inatividade, sendo esta uma justificativa assumida com maior frequência entre as mulheres de áreas vulneráveis (VIEIRA, 2009).

12Estudo realizado pela Codeplan (CODEPLAN, 2014), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílios (PNAD), aponta que a gravidez pode ser um dos principais motivos que levam as garotas a abandonarem a escola e/ou o trabalho. Como mostrado no capítulo sobre nascimentos nesta obra, em 2015, 61,1% dos nascimentos da AMB foram de mulheres jovens (com menos de 30 anos). Essa proporção se eleva a 71,2% nos municípios da periferia metropolitana, enquanto nas regiões centrais e de alta renda do DF, tais como Lago Sul e Plano Piloto, esse percentual não passa de 30%. Como na periferia da AMB, a fecundidade é muito precoce entre as mulheres que residem nas RAs de baixa renda, reforçando a desigualdade nas trajetórias das jovens na AMB.83

13A despeito das mudanças no mundo produtivo, o trabalho continua desempenhando papel central na vida social, figurando constantemente entre as principais aspirações e preocupações dos jovens brasileiros, seja como necessidade imediata de sobrevivência e de consumo seja como fonte de realização e sentido para a vida (VIEIRA, 2009).

14A fragmentação dos espaços sociais, que parece, segundo Busso (2001), ter se agudizado principalmente em áreas metropolitanas, separa as redes de interação entre setores sociais, debilitando o processo de integração de grupos com maiores desvantagens sociais. Para Kaztman (2001), os que estão na periferia vivenciam um verdadeiro “isolamento social” em todas as etapas do curso da vida, a partir da conjunção de dois elementos que contribuem para intensificar a segregação: a precariedade e instabilidade do mercado de trabalho e a segmentação dos serviços, ou seja, a existência de carências espacialmente diferenciadas relativas aos vários serviços oferecidos à população. Segundo Castel (2012), as características de individualização em curso no mundo do trabalho produzida pelo desamparo social e perda de direitos sociais têm ampliado a distância entre determinados grupos de jovens e o trabalho decente84.

15Yates et al. (2011) descrevem que as transições no mercado de trabalho para jovens, nos últimos 30 anos, têm conduzido a situações cada vez mais individualizadas, complexas e problemáticas para alguns, particularmente para aqueles provenientes de classes sociais mais pobres. De fato, a população jovem é das mais vitimadas pelas tensões que atravessam o mercado de trabalho (CORSEUIL; FRANCA; POLOPONSKY, 2016; FRIGOTTO, 2004; PAIS, 2005).

16Pais (2005) coloca que é no segmento mais frágil do mercado de trabalho que um número considerável de jovens ensaia, por múltiplas tentativas e variadas formas de precariedade, a sua inserção. Atividades ilícitas, “bicos”, trabalhos temporários ou informais são estratégias plurais que expressam formas próprias de ganhar dinheiro ou de ganhar a vida, ainda que em terrenos de marginalidade, incertezas ou instabilidades, substancializando culturas de aleatoriedade e de improvisação. Há, dessa forma, muitos jovens que rodopiam por uma multiplicidade de trabalhos precários, intercalando inserções provisórias no mundo do trabalho com saídas periódicas. A transitoriedade e a incerteza pautam os percursos profissionais de muitos deles.

17Corseuil, Franca e Poloponsky (2016) destacam que a qualidade do emprego dos jovens é um problema tão ou mais grave que o desemprego, em particular as altas taxas de informalidade85. A alta prevalência de emprego informal entre os jovens é preocupante, sob pelo menos três aspectos : a) precarização da relação de trabalho; b) proteção social deficiente; e c) trajetória profissional comprometida (CRUCES; HAM; VIOLAS., 2012), sendo que segundo dados do DF percebemse essas três questões de formas mais pronunciadas afetando a população das regiões mais vulneráveis. O percentual de jovens, nas regiões de baixa renda, autônomos em atividades sem nível superior é mais que o dobro do observado nas regiões de alta renda, 5% e 1,7%, respectivamente.

18Ainda mais críticas são as situações daqueles jovens que evadem a escola, para trabalharem informalmente, sem terem concluído o nível médio e, por vezes, o fundamental. É importante destacar que o trabalho formal para adolescentes de 15 anos é permitido legalmente apenas sob a condição de menor aprendiz. Com a saída cedo do ambiente escolar, esses jovens possuem ainda menor oportunidade em alcançar posições estáveis no mercado formal, que demandam maiores conhecimentos técnicos e tecnológicos. Segundo dados da PED 2017, a porcentagem de jovens sem ensino médio completo no DF, de 18 a 29 anos, é de 5,5% para as regiões de alta renda, 29,4% de média-baixa renda e de 38,8% de baixa renda.

19Em situação de desemprego, os jovens menos instruídos – que são também os de origem social mais pobre – são os que mais tendem a “aproveitar a primeira oportunidade de trabalho para ganhar algum dinheiro”. Ou seja, para esses jovens o problema do desemprego parece resolver-se, em grande medida, por meio do subemprego caracterizado pelo trabalho precário. Jovens de classes média e alta em situação de desemprego optariam por “esperar até arranjar um emprego que correspondesse às suas aspirações”. Para estes jovens – bem qualificados e com suporte familiar – o desemprego não é necessariamente uma condição subjacente ou conducente à precariedade, antes correspondendo a um “compasso de espera” que antecede a inserção num emprego regular. Neste caso, estamos perante um desemprego de prospecção, determinado pelo fato de os jovens procurarem empregos compatíveis com as suas aspirações (PAIS, 2005). Este fato pode ser observado pela diferença entre o percentual de inativos dos jovens com residência nas regiões mais ricas em comparação com os residentes das áreas mais pobres. Nas regiões mais ricas, 48,8% dos jovens são classificados como inativos, e esse percentual é pouco mais que a metade, 25,8%, entre os jovens das áreas mais vulneráveis no DF.

20Hasenbalg (2003) chama a atenção para duas especificidades brasileiras: o acesso muito precoce ao trabalho, muitas vezes com idade inferior aos 15 anos, e, consequentemente, a persistente superposição entre escola e trabalho. É importante destacar que há uma clara diferença entre uma instabilidade inicial que envolve jovens que experimentam uma série de trabalhos de curta duração, mudando sucessivamente de um para outro, na tentativa de encontrarem a melhor ocupação, e aquela instabilidade permanente que resulta de transições continuadas entre trabalhos precários e mal pagos, intervalados por períodos de desemprego. Entre alguns deles existe também um desemprego de exclusão que não se define, unicamente, por uma falta de integração no mundo do trabalho e baixa qualificação, mas por um estado alargado de desintegração social e continuidade dos processos de desigualdade e exclusão tradicionais da sociedade. O percentual de jovens em situação de desemprego por desalento ou por trabalho precário é de 3,9% nas regiões mais vulneráveis. Nas regiões mais ricas do DF esse percentual é de 2,4%.

21Mesmo sendo uma cidade jovem, Brasília, desde a sua criação, perpetuou as características de segregação e desigualdade presentes nas cidades mais tradicionais do país e do mundo. A instalação de projetos de educação popular, pensados por Anísio Teixeira, com a criação de escolas parque modelos, em que se prezava a formação multidimensional dos jovens, não impediu que a cidade reproduzisse o modelo de desigualdade. Muitos dos equipamentos pensados para a educação pública de qualidade, encontram-se no Plano Piloto, distante dos locais onde grande parte da população jovem reside.

22Jovens de setores médios e altos têm, geralmente, oportunidade de estudar, de postergar seu ingresso nas responsabilidades da vida adulta: casamse e têm filhos mais tardiamente, integram um contexto social protetor que torna mais factível uma vivência mais ampla e longa, contundente a signos sociais geralmente associados ao modelo cultural típico do “ser jovem”. Deste ponto de vista, os integrantes dos setores populares teriam limites nas suas possibilidades de vivenciar as experiências caracterizadas pela condição de juventude, uma vez que ingressam mais cedo no mundo do trabalho – em trabalhos mais duros e menos atrativos – e, ainda assumem as obrigações familiares (casamento ou união, filhos) em idades mais precoces (MARGULIS; ARIOVICH, 1996).

23Os jovens socializados para uma entrada precoce no mundo do trabalho têm pouco aproveitamento escolar: o resultado é o insucesso escolar (reprovações) e o próprio abandono. Esse insucesso escolar foi demonstrado em estudo realizado pela Codeplan, com dados da PDAD 2015 (CODEPLAN, 2016). A defasagem escolar mais alta pode ser observada entre os jovens das regiões da Estrutural, Varjão, Fercal e Itapoã, com altos índices de vulnerabilidade.

24A segmentação do mercado de trabalho parece ter início na formação profissional ofertada pela educação formal, ao que Pais (2005) chama de círculo de profecias encadeadas: as dificuldades de inserção profissional, por parte dos jovens, se devem à sua escassa formação educacional e, ainda, a uma escola pública que não prepara adequadamente os jovens para o mundo do trabalho e que passa a exigir mais qualificação e experiência dos trabalhadores. Alguns jovens abandonarão projetos de ingresso na universidade, em troca de uma formação profissional que, profeticamente, lhes anuncia uma entrada mais fácil no mercado de trabalho. Esta seletividade escolar é, acima de tudo, social.

25Não se têm dúvidas de que a educação é uma condição necessária para o alcance da inserção ambicionada pela ideia de justiça social. A literatura já é bastante robusta no sentido de apontar que a desigualdade educacional se mostra fundamental para o entendimento da profunda e persistente desigualdade social brasileira, explicando entre 30% e 50% o desequilíbrio da renda salarial (MADEIRA, 2006).

26Vieira (2009) mostra que os motivos pelos quais os jovens abandonam os estudos variam de acordo com o sexo, a faixa etária e a exposição à vulnerabilidade social. Fato que evidencia a necessidade de consolidar um vínculo mais forte entre escola e jovens adolescentes de classes populares, no sentido de estimular o interesse e a vontade de permanecer no sistema educacional. Essa ausência de interesse nos estudos sugere que a exposição à vulnerabilidade social pode acarretar o abandono escolar por uma diversidade de fatores.

27Com relação ao ensino superior, a maior parte do problema, ou das causas, de acesso restrito, e, principalmente, sua condição desigual, diz respeito às condições pregressas dos estudantes já discutidas. A restrição do acesso dos jovens brasileiros à educação superior antecede os processos seletivos de ingresso, sobretudo o tradicional exame vestibular. Este constitui apenas o último mecanismo de exclusão dos excedentes que conseguiram transpor os obstáculos à conclusão da educação básica (CORBUCCI, 2016). Vasconcelos et. al. (2017) evidenciam que as oportunidades de acesso ao ensino superior na Área Metropolitana de Brasília, e especialmente, à Universidade de Brasília são muito desiguais: “entre os jovens que concluem o ensino médio com sucesso, as probabilidades de ingressar no ensino superior estão altamente relacionadas com sua origem socioeconômica”.

28O recorte do ensino médio e o superior, especificamente a conclusão do ensino médio, entrada no ensino superior e posterior saída, parece ser óbvio para a faixa etária compreendida aqui como juventude, no entanto, as informações da PED demonstram que apenas 12,4% dos jovens do DF, com idades entre 25 e 29 anos, residentes das áreas mais vulneráveis concluíram o ensino superior. Nas regiões mais ricas, esse percentual sobe para 73,3%. Outro indicador importante é a taxa de distorção idade-série que expressa o percentual de alunos em cada série, com idade superior à idade recomendada. Segundo dados do INEP, para 2017, no DF, a referida taxa é de 24,6% para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio. Nos municípios de Goiás que compõem a AMB, as respectivas taxas de distorção idade-série são de 32,4% e 29,8% (BRASIL, 2017).

Jovens que não estudam nem trabalham

29Do ponto de vista econômico, a importância do problema dos jovens inativos que não estudam vem do fato de que a educação constitui um dos fundamentos do desenvolvimento dos territórios; assim sendo, uma proporção de pessoas na idade crítica da transição para o mercado de trabalho que não frequenta escolas pode significar prejuízos futuros de desenvolvimento (MENEZES FILHO; CABANAS; KOMATSU, 2013). Dado que a juventude é um período crucial para a formação educacional e profissional das pessoas, gera preocupação o fato de uma parcela dos jovens estar afastada das escolas e do mercado de trabalho (MONTEIRO, 2013).

30O rótulo homogeneizador de nem-nem acaba encobrindo a heterogeneidade de situações vividas e acaba por silenciar as diferenças no modo das classes sociais lidarem com a transição da escola para o mercado de trabalho, o que também reforça a versão estereotipada e simplificadora que se tem da questão. Há, ainda, evidências na literatura de que a condição nem-nem é dinâmica, isto é, que os jovens que entram nesse status transitam por outros com grande rotatividade e dinamicidade. Assim, os períodos em que os jovens permanecem na situação “nem-nem” são em média relativamente curtos. Todavia, a transitoriedade na situação nem-nem seria menor entre aqueles com menor nível educacional. Menezes Filho, Cabanas e Komatsu (2013) mostram que tanto a taxa de entrada quanto a duração média entre aqueles com o ensino fundamental incompleto são significativamente maiores do que aquelas dos demais graus de escolaridade. Transições da escola para o mercado de trabalho ou entre diferentes ocupações podem resultar em momentos temporários na situação nem-nem, mas quanto mais tempo um indivíduo permanecer nesta situação mais difícil será sua reinserção no mercado de trabalho e na escola (COSTA; ULYSSEA, 2014).

31Na maioria dos casos, a situação nem-nem se associa a desvantagens sociais enquanto que em outros se trata de decisões que somente são possíveis devido a situações de privilégio, por exemplo, jovens que escolhem postos de trabalho mais compatíveis com sua alta qualificação. Para muitos nem-nem, esse status é tanto um resultado como uma continuidade de suas desvantagens sociais e educacionais.

32O percentual de jovens que nem estudam nem trabalham86 no DF é de 10,2% para os jovens moradores de áreas de alta renda, 9,3% para as de altamédia, 11,2% para as de média-baixa e 10,6% de baixa renda. Quando se detalha segundo grupos etários, observa-se que essa situação de não estudar e não trabalhar é mais prevalente entre os jovens adultos (25 a 29 anos). Entre as mulheres, esse percentual é ainda mais elevado, alcançando 19% entre as jovens adultas nas áreas de mais baixa renda.

33Diferentemente dos países do Norte global, onde a questão nem-nem tem sido vinculada à crise de empregos, no Brasil, a problemática assume face mais complexa e imbricada aos fatores da estrutura social expressos também nas desigualdades socioespaciais, sendo uma questão interseccional entre gênero e classe, à luz das desigualdades sociais.

34A especificidade do problema, no Brasil, que prevalece entre as mulheres – dentre as quais mais da metade são mães e muitas são pobres e negras – sugere que políticas de combate à discriminação (racial e de gênero) no acesso aos postos de trabalho e de apoio às jovens mães com creches e transferência de renda podem ser mais efetivas.

35O que é preciso pôr em evidência é que políticas públicas específicas para nem-nem não são requeridas, mas, sim, políticas públicas que melhorem o acesso e as condições de permanência no emprego e na educação formal para todos os grupos de jovens e não jovens, principalmente, para aqueles em situação de vulnerabilidade (COMARI, 2015).

Considerações finais

36A discussão indica que a transição para a vida adulta varia segundo as especificidades de cada grupo, ou ainda, de cada classe social. As trajetórias laborais dos jovens nas cidades estão longe de serem lineares, apresentam alta dinamicidade, frequentes transições entre ocupação, desocupação e inatividade, bem como maior incidência de empregos informais e precários (COMARI, 2015).

37O ensino médio e sua articulação com os mecanismos de transição para o mercado de trabalho é correntemente mencionado como um dos principais focos de atuação das políticas públicas para dirimir as desigualdades entre jovens. No entanto, é preciso que se reconheça a multiplicidade de caminhos entre escola e trabalho e, antes, atuar na prevenção e compreensão do abandono escolar precoce nos territórios. O abandono escolar é, de fato, um processo social complexo, que precisa, portanto, de uma abordagem compreensiva e multidimensional.

38O foco das políticas públicas nos grupos de jovens em maior desvantagem social e mesmo de menor desempenho escolar deve ser assegurado, pois esses são os que enfrentam o maior risco de serem excluídos do mercado de trabalho. Assim, tendem a permanecer por longo tempo, sendo eventualmente absorvidos em formas precárias de trabalho, de baixa qualificação e com baixa remuneração, perpetuando o ciclo de reprodução da pobreza.

39Dessa forma, a inserção social dos jovens pode ser caracterizada pelo acesso precário à estrutura de oportunidades e como ela se dispõe nos territórios segregados da cidade, além das incertezas provocadas pelas mudanças do contexto urbano que produzem insegurança social e vínculos frágeis. Assim, as interações entre contexto socioeconômico e inserção seguem variando segundo a exposição às desigualdades.

Bibliographie

Des DOI sont automatiquement ajoutés aux références bibliographiques par Bilbo, l’outil d’annotation bibliographique d’OpenEdition. Ces références bibliographiques peuvent être téléchargées dans les formats APA, Chicago et MLA.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação. Inep. Resultados do Censo Escolar. Microdados, Brasília, 2017. Disponível em: http://inep.gov.br/microdados.

10.1590/S0102-30982008000100002 :

BRITO, F. Transição demográfica e desigualdades sociais no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, v. 25, n. 1, p. 5-26, São Paulo, jan./jun. 2008.

BUSSO, G. La vulnerabilidad social y las políticas sociales a inicios del siglo XXI: una aproximación a sus potencialidades y limitaciones para los países latinoamericanos. Santiago: CEPAL/CELADE, 2001.

CAMARANO, A. A. (org.). Transição para a Vida Adulta ou Vida Adulta em Transição? Rio de Janeiro: IPEA, 2006.

CAMARANO, A. A.; KANSO, S.; MELLO, J. L. Transição para a vida adulta: mudanças por período e coorte. In: CAMARANO, A. A. (org.). Transição para a Vida Adulta ou Vida Adulta em Transição? Rio de Janeiro: IPEA, 2006.

CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis : Vozes, 2012.

CASTRO, M. G.; ABRAMOVAY, M. Juventudes no Brasil: vulnerabilidades negativas e positivas, desafiando enfoques de políticas públicas. In : AZEVEDO, F. P. Juventude, cultura e políticas públicas: intervenções apresentadas no seminário–político do Centro de Estudos e Memória da Juventude. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005.

CODEPLAN. Os Jovens no Distrito Federal: um olhar sobre suas condições de estudo e ocupação. Brasília, 2014. Disponível em: http://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/Os-Jovens-no-Distrito-Federal-Um-olhar-sobre-suas-condições-de-estudo-e-ocupação.pdf. Acesso em : Dez 2018.

______.O Perfil da Juventude do Distrito Federal: uma análise dos dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios 2015/2016.Brasília, 2016. Disponível em: http://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/O-Perfil-da-Juventude-do-Distrito-Federal-Uma-an%C3%A1lise-dos-dados-da-PDAD-2015-2016.pdf. Acesso em: Dez. 2018.

______. Perfil Socioeconômico dos Moradores dos Municípios da AMB – 2013. Brasília,2013. Disponível em : http://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2018/03/Perfil-socioeconômico-dos-moradores-dosmunic%C3%ADpios-da-AMB-2013.pdf. Acesso em: 3 mar. 2019.

COMARI, C. Examen de validez teórica e empírica del concepto “jovenes nini” o “generación nini” en la Argentina del Siglo XXI. Tesis del doctorado. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Instituto Nacional de Estadística y Censos, 2015.

CORBUCCI, P. R. Desigualdades no acesso dos jovens brasileiros à educação superior. In: SILVA, E. R. A. da; BOTELHO, R. U. (orgs.). Dimensões da experiência juvenil brasileira e novos desafios às políticas públicas. Brasília: IPEA, 2016.

CORSEUIL, C. H.; SANTOS, D. D.; FOGUEL, M. Decisões críticas em idades críticas: a escolha dos jovens entre estudo e trabalho no Brasil e em outros países da América Latina. Texto para Discussão, n. 797, Rio de Janeiro: IPEA, jun. 2001.

CORSEUIL, C. H.; FRANCA, M., POLOPONSKY, K. Trabalho informal entre os jovens brasileiros: considerações sobre a evolução no período 2001-2013. In: SILVA, E. R. A. da; BOTELHO, R. U. (orgs.). Dimensões da experiência juvenil brasileira e novos desafios às políticas públicas. Brasília: Ipea, 2016.

COSTA, J. S. de M.; ULYSSEA, G. O Fenômeno dos Jovens Nem-Nem. In: CORSEUIL, C. H.; BOTELHO, R. U. (Orgs.). Desafios à trajetória profissional dos jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Ipea, 2014.

CRUCES, G.; HAM, A.; VIOLAS, M. Scarring effects of youth unemployment and informality : evidence from Argentina and Brazil. Mimeografado. 2012.

DIAS, T. Entre ausências, incertezas e labirintos: a inserção social de jovens que não trabalham nem estudam no Brasil. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional). Universidade de Brasília, 2017. Disponível em : http://repositorio.unb.br/handle/10482/23780. Acesso em: 3 mar. 2019.

DIEESE et al. Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), Brasília 2017. Disponível em : http://www.codeplan.df.gov.br/ped-pesquisa-de-emprego-e-desemprego/. Acesso em: 3 mar. 2019. Acesso em: 3 mar. 2019.

10.1080/01411920903168532 :

FINLAY, I. et al. Young People on the Margins: In Need of More Choices and More Chances in Twenty-First Century Scotland. British Educational Research Journal, v. 36, p. 851-867, 2010.

FRIGOTTO, G. Juventude, trabalho e educação no Brasil : perplexidades, desafios e perspectivas. In: NOVAES, R.; VANNUCHI, P. (orgs.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

HASENBALG, C. A transição da escola ao mercado de trabalho. In: HASENBALG, C.; SILVA, N. V. Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.

KAZTMAN, Rubén. Seducidos y abandonados. Revista de la CEPAL, v. 75, p. 171, 2001.

MADEIRA, F. R. Educação e desigualdade no tempo de juventude. In: CAMARANO, A. A. (org.). Transição para a Vida Adulta ou Vida Adulta em Transição? Rio de Janeiro: IPEA, 2006.

MARGULIS, M.; ARIOVICH, L. La juventud es más que una palabra: ensayos sobre cultura y juventud. Editorial Biblos, 1996.

MENEZES FILHO, N. A.; CABANAS, P. H. F.; KOMATSU, B. K. A condição “nem-nem” dos jovens é permanente?. Insper Policy Paper, São Paulo, n.7, 2013.

MONTEIRO, J. Quem são os jovens nem-nem? Uma análise sobre os jovens que não estudam e não participam do mercado de trabalho. Texto para Discussão, n. 34, FGV/Ibre, 2013.

PAIS, J. M. Ganchos, Tachos e Biscates: jovens, trabalho e futuro. Porto: Ambar, 2005.

VIEIRA, J. M. Transição para a vida adulta em São Paulo: cenários e tendências sóciodemográficas. Tese de Doutorado (Doutorado em Demografia). Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Demografia: Campinas, 2009.

10.7476/9788523013417 :

VASCONCELOS, A. M. N.; COSTA, M. T. L.; CESAR, L. J .T. A Universidade de Brasília e o acesso ao ensino superior na Área Metropolitana de Brasília In: MARTINS, CB et al. Educação Superior e os Desafios no Novo Século: Contextos e Diálogos Brasil-Portugal. Brasília: Editora UnB, 2017, v.1, p. 75-90.

10.1017/S0047279410000656 :

YATES, S. et al. Early occupational aspirations and fractured transitions: a study of entry into ‘NEET’ status in the UK. Journal of Social Policy, v. 40, n. 03, p. 513-534, 2011.

Notes de bas de page

81 O Estatuto da Juventude determina quais são os direitos dos jovens que devem ser garantidos e promovidos pelo Estado brasileiro, detalha, dentro das garantias já previstas pela Constituição Federal, quais são as especificidades da juventude que precisam ser afirmadas e define os princípios e as diretrizes para as políticas públicas de juventude, avaliando que o grupo de pessoas que estão na faixa etária de 15 a 29 anos não são contemplados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de julho de 1990) e precisam de um instrumento legal que assegure os seus direitos.

82 Dados relativos às estruturas etárias das RAs do DF e dos municípios da PMB encontram-se na Tabela 1 no Anexo nesta obra.

83 Indicadores sobre natalidade na AMB encontram-se na Tabela 4 no Anexo desta obra.

84 Conceituado pela OIT, o trabalho decente é o ponto de convergência desses quatro objetivos: 1) o respeito aos direitos no trabalho; 2) a promoção do emprego produtivo e de qualidade; 3) a extensão da proteção social; e 4) o fortalecimento do diálogo social.

85 A relação entre um contrato informal e a precarização da relação trabalhista se dá na medida em que muitos dos direitos que o trabalhador deveria receber durante o período empregado são frequentemente negados nesse tipo de relação trabalhista (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, adicionais de férias e horas extra, extensão de direitos negociados por acordo coletivos da categoria profissional são alguns exemplos). Além disso, há indícios de que os acidentes de trabalho são bem mais frequentes no setor informal, sugerindo maior precariedade desse tipo de posto de trabalho.

86 Consideram-se nem-nem os jovens de 15 a 29 anos que não frequentam instituição de ensino formal e com situação ocupacional classificada como inativo (puro ou com trabalho excepcional) ou desempregado por desalento. Os que procuraram ocupação (desemprego aberto) não estariam na condição de nem-nem.

Précédent Suivant

Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.