A Pesca nas Bacias dos rios Guaporé e baixo Mamoré, Amazônia brasileira
La Pesca en las cuencas de los rios Guaporé y bajo Mamoré, Amazonía brasilera
The fisheries in the guaporé and lower Mamoré river basins, brazilian Amazon
p. 281-294
Résumés
Este estudo apresenta informagoes sobre a pesca comercial na bacia do Guaporé e baixo Mamoré, caracterizando quali e quantitativamente a atividade pesqueira no trecho entre Guajará Mirim e Pimenteiras, no estado de Rondónia, norte do Brasil. Informagoes primárias e secundárias sobre a atividade pesqueira na regiao foram obtidas em cada colonia, com representantes do governo local e em fontes secundárias, a saber: identificagao das comunidades ribeirinhas que apresentavam tradição pesqueira e número de individuos em cada localidade; número de pescadores registrados em cada colonia de pescadores; número de barcos atuantes na frota pesqueira e suas características; principais pesqueiros; produgao pesqueira total e específica entre os anos de 1996 a 2009 (quando disponíveis). Os dados demonstram que a pesca na regiao tem caráter artesanal de pequena escala. A produgao pesqueira anual atual, estimada para a regiao, considerando os mercados de Guajará Mirim, Costa Marques e Pimenteiras é de 500t/ano, desembarcada em sua grande maioria no mercado de Guajará Mirim e oriunda principalmente de pescarlas realizadas no rio Guaporé e afluentes. A frota pesqueira é constituida principalmente por barcos com capacidade para 0,5 a 5 toneladas (N:41) e pequenas canoas motorizadas com capacidade para 300 a 500 kg (N:55). A pesca é multiespecífica, porém os peixes Characiformes migradores tambaqui (Colossoma macropomum), pirapitinga (Piaractus brachypomus), jaraqui (Semaprochilodus spp.), jatuarana (Brycon melanopterus), curimatá (Prochilodus nigricans) e Siluriformes surubim/caparari (Pseudoplatystoma fasciatum, P. tigrinum), filhote (Brachyplatystoma filamentosum), além do tucunaré (Cichla pleiozona) e do pirarucu (Araipama gigas) se destacaram na composição específica desembarcada. As informagoes técnicas geradas sao importantes para subsidiar agóes de ordenamento pesqueiro e diminuir os conflitos pesqueiros.
En este estudio se presenta información sobre la pesca comercial de la cuenca del río Guaporé* y Bajo Mamoré, caracterizando la calidad y cantidad de la actividad pesquera en la zona entre Guajará Mirim y Pimenteiras, en el estado de Rondónia, norte del Brasil. La información sobre la actividad pesquera en la región fue obtenida en cada colonia con representantes del gobierno local y en base a fuentes secundarias, como son: identificación de comunidades ribereñas que presentan tradición pesquera y número de individuos en cada localidad; número de pescadores registrados en cada colonia de pescadores; número de embarcaciones actuales en la flota pesquera y sus características; principales zonas de pesca; producción pesquera total y específica entre los años 1996 y 2008 (en función a la disponibilidad). Los datos muestran que la actividad pesquera en la región es de carácter artesanal y de pequeña escala. La producción pesquera anual actual, estimada para la región considerando los mercados de Guajará Mirim, Costa Marques y Pimenteiras es de 500 t/año, desembarcada en su gran mayoría en el mercado de Guajará Mirim proveniente principalmente de las pesquerías realizadas en el río Guaporé y sus afluentes. La flota pesquera está constituida principalmente por barcos de capacidad de 0.5 a 5 toneladas (N=41) y pequeñas canoas motorizadas con capacidad de 300 a 500 kg (N=55). La pesca es multiespecífica para los peces Characiformes migradores como tambaquí (Colossoma macropomum), pirapitinga (Piaractus brachypomus), jaraquí (Semaprochilodus spp.), jatuarana (Brycon melanopterus), curimatã (Prochilodus nigricans) y Siluriformes como sorubim/caparari (Pseudoplatystoma fasciatum, P. tigrinum) y filhote (Brachyplatystoma filamentosum). Además se destacaron dentro de la composición pesquera el tucunaré (Cichla pleiozona) y el pirarucú (Arapaima gigas). La información técnica generada es importante para subsidiar las acciones de ordenamiento pesquero y disminuir los conflictos pesqueros en la región.
* Guaporé es el nombre brasilero del río denominado Iténez en Bolivia.
This study presents qualitative and quantitative data on commercial fisheries in the Guaporé* and Lower Mamoré rivers between the cities of Guajará Mirin and Pimenteiras, located in the State of Rondónia, northern Brazil. Primary and secondary data on regional fishing activities were obtained in each fishermen colony and from local authorities. We identified river communities that use traditional fishing practices and registered number of habitants, number of fishermen in each colony, number of active boats in each fishing fleet, boat characteristics and main fishing grounds. Total fish production and a breakdown of data at species level are presented for the years 1996 to 2008 (when available). The data show that fishing in the region is small-scale and practiced in an artisanal way. The annual estimated fish production for the region, based on data obtained from the fishing markets of the cities of Guajará Mirim, Costa Marques and Pimenteiras, is 500 tons/year. The larger part of the catch is landed at the market of Guajará Mirin and is caught mainly in the Guaporé river and its tributaries. The fishing fleet consists of boats with a capacity of between 0,5 and 1 tons (N=41) and small motorized canoes with a capacity of 300 to 500 kg (N=55). Catches are multi-species but migratory fishes such as tambaqui (Colossoma macropomum), pirapitinga (Piaractus brachypomus), jaraqui (Semaprochilodus spp.), jatuarana/matrincha (Brycon melanopterus), curimatã (Prochilodus nigricans) and Siluriformes surubim/caparari (Pseudoplatystoma fasciatum, P. tigrinum), filhote (Brachyplatystoma filamentosum) are dominant. Some resident fish species, such as tucunaré (Cichla pleizona) and pirarucú (Araipama gigas) are also important in the catch. The data presented represent a basis for future actions aiming at fisheries management and reduction of fisheries conflicts.
* The Iténez river is known as Guaporé river in Brasil.
Texte intégral
INTRODUÇÃO
1Ao longo de toda a historia da Amazônia a pesca tem sido urna das mais importantes atividades humanas na região. Mesmo frente às profundas altera9oes ambientais ocasionadas pelo processo de colonização e instalação de grandes projetos desenvolvimentistas, a pesca continua sendo o sustentáculo da economia e fonte básica de proteínas para as populações humanas, sobretudo ao longo dos grandes sistemas hidrográficos, como o Guaporé e Mamoré (Doria et al., 1998).
2O potencial da produção pesqueira amazônica em ambientes naturais é bastante controvertido (Bayley & Petrere Jr., 1989; Merona, 1993; Santos & Santos, 2005), entretanto informações oficiais sao de que o rendimento total de pescado explotado atualmente em toda a Amazonia Brasileira é de 139 966 t (IBAMA, 2007). Boa parte dessa produção é originária dos mercados pesqueiros localizados no estado do Amazonas (60 306 t) e Pará (62 287 t). O Estado de Rondônia é responsável por quase 2% deste montante com urna produção de 1500 t/ano (IBAMA, 2007), originária principalmente das bacías dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé (CEPNOR/IBAMA, 2006).
3Apesar do relevante papel da pesca na economía local, existem poucas informações oficiais ou científicas sobre a atividade pesqueira na bacía do Guaporé-Mamoré. As oficiais, quando existentes, limitam-se, na maioria dos casos, ao registro da produção total e específica dos diferentes mercado pesqueiro. As informações técnico-científicas da pesca, na porção brasileira, são abordadas somente nos trabalhos de Santos (1986/7), Doria et al. (2004) e Doria et al. (2008).
4A ausência de dados sobre atividade pesqueira é observada também em outras regiões da Amazônia e constituem urna das principáis barreiras á administração e á sustentabilidade dessa atividade (Wellcome, 1990; Isaac et al. 2008b). O estudo da atividade pesqueira é um importante método de análise de populações de peixes, capaz de gerar informa9oes sobre a biología e ecologia das espécies, além de fornecer informações sobre os efeitos da exploração pesqueira nos estoques naturais (Shepherd, 1984).
5A disponibilidade e acuracidade destes dados são essenciais para o entendimento do status, tendências e variações da pesca, como também para a elaboração de políticas pesqueiras sócio-econômicas e ambientais sustentáveis (Batista, 2004; Azevedo & Apel, 2004; Doria et al., 2004; Isaac et al., 2004).
6O presente trabalho apresenta informações sobre a atividade pesqueira na Bacia Guaporé-Mamoré, no trecho entre Cuajará Mirim e Pimenteiras, entre os anos de 1996 a 2009, oferecendo um retrato atual da atividade na região.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
7A sub-bacia do Guaporé compõe o sistema da bacia do rio Madeira e abrange aproximadamente 700 mil hectares, situados entre S 12°35’e 13°30’e W 60°55’e 64°20’. Ao sul dessa região está o “chaco” boliviano. Ao norte, ocorre a floresta amazónica de terra firme, floresta ombrófila, e a leste, a faixa de transção entre os biomas da Amazônia e do Cerrado (Fernandes & Guimarães, 2002). A área é reconhecida pela sua grande biodiversidade, sendo considerada área prioritária para conservação (ver Doria et al., 2009).
8O presente estudo enfoca a pesca praticada na porção brasileira da bacia, onde atuam pescadores ligados às Colônias de Pescadores dos municípios de Guajará Mirim, Costa Marques e Pimenteiras (Figura 1).
Coleta de dados
9O recurso pesqueiro é utilizado na bacia do Guaporé-Mamoré por diversos atores: Pescadores de subsistencia; Pescadores profissionais; Pescadores amadores e esportivos; Proprietários de barcos hotéis e hotéis, que atuam no ramo do turismo da pesca. Contudo o presente estudo enfocará a caracterização dos atores envolvidos com a pesca comercial.
10Informações disponíveis sobre a pesca na região no banco de dados do Laboratorio de Ictiología e Pesca da Universidade Federal de Rondônia, obtidas em estados anteriores (Doria et al., 1998, Doria et al., 2004, Doria et al., 2005), foram levantadas para comparação com dados atuais e quando necessário confirmadas com a colônia de pescadores local, ou somada a informanoes atuais fornecidas pelos seus dirigentes.
11Para descrição da atividade pesqueira na região buscou-se obter em cada colonia, ou com representantes do governo local as seguintes informações:
Identificação das comunidades ribeirinhas que apresentavam tradição pesqueira e número de individuos em cada localidade;
Número de pescadores registrados em cada colonia de pescadores;
Número de barcos atuantes na frota pesqueira e suas características;
Principais pesqueiros;
Produção pesqueira total e específica dos últimos cinco anos (2004 a 2008).
12Informações sobre o esforno pesqueiro foram obtidas de fontes secundárias (Doria et al. 2005). A variação da produção pesqueira entre os anos avahados foram analisados aplicando-se urna regressáo linear simples.
RESULTADOS
Pescadores
13A pesca comercial é praticada por pescadores dos centros urbanos de Pimenteiras (2415 habitantes), Costa Marques (14 452 habitantes) e Guajará Mirim (40 762 habitantes) (IBGE, 2009) e das 8 (oito) maiores comunidades ribeirinhas que se localizam no estado de Rondônia no lado Brasileiro e na mesma porção no lado Boliviano ao longo do rio Guaporé (Tabela 1).
Tabela 1. Número de individuos por comunidades ribeirinhas do Vale do Guaporé – Mamoré (2009) na porção inserida no estado de Rondónia.
Localidade | País | N° Individuos |
Cafetal | Bolívia | 600 |
Pedras Negras | Brasil | 90 |
Buena Vista | Bolívia | 250 |
Remanso | Bolívia | 980 |
Rolim de Moura do Guaporé | Brasil | 1.500 |
Santo Antonio | Brasil | 70 |
Surpresa | Brasil | 1000 |
Versalles | Bolívia | 120 |
14A pesca de subsistência é urna atividade tradicional dessas comunidades, que complementa outras atividades econômicas, através da venda do pescado excedente para os barcos pescadores que passam pela comunidade. O pescador profissional, por sua vez, tem na pesca sua principal atividade económica. O número de pescadores registrados nas colonias por localidade que estariam atuando na regiao (Tabela 2) é cerca de 653. No entanto, este valor pode ser um pouco menor (30 a 40%) como constatado no número de pescadores entrevistados durante o monitoramento pesqueiro.
15A atividade pesqueira é realizada em pequenas canoas de madeira com e sem motor, bem como em barcos pescador (Tabela 3). Estes últimos sao equipadas com pequenas caixas forradas de isopor, com capacidade de carga entre 0,5 a 5 t (média 2 t); motores a diesel (média de 20 hp), medem em média 9 m, e a maioria apresenta mais de 12 anos (Figura 2). As canoas e canoas motorizadas (3 à 8 hp) sao menores, e podem transportar no máximo de 100 kg a 350 kg de peixe, respectivamente.
Tabela 3. Frota pesqueira regiao do Vale do Guaporé-Mamoré em 2008.
Localidade | Tipo de embarcação | Capacidade | N |
Pimenteiras | canoa motor | 0.01t | 24 |
barco pescador | 1 t | 17 | |
Costa Marques | canoa motor | 0.01t | 7 |
barco pescador | 0.5 t | 16 | |
Guajará Mirim | canoa motor | 0.8 t | 24 |
barco pescador | 3 a 5 t | 18 |
Principais pesqueiros
16Os locais indicados pelos pescadores como principais pesqueiros na região são muitas vezes sementantes, sugerindo que o esforço de pesca tem se concentrado em algumas áreas mais piscosas do Guaporé e/ou menos fiscalizadas, tanto do lado brasileiro como do lado boliviano (Tabela 4). Contudo, os principais pesqueiros no lado Boliviano não são fornecidos pelos pescadores quando questionados.
Tabela 4. Principais pesqueiros onde atuam os pescadores dos municipios de Guajará-Mirim, Costa Marques e Pimenteiras.
Mercado Pesqueiro | Principais pesqueiros |
Guajará-Mirim | Rio Mamoré, foz do Rio Pacaás Novos e Rio Guaporé. |
Costa Marques | Rio Guaporé e foz dos seus afluentes, entre Surpresa e Pedras Negras. |
Pimenteiras | Rio Guaporé, foz dos seus afluentes, e lagos da regiao de Pedras Negras até rio Cabixi. |
17A formação de grupos de pescadores brasileiros e bolivianos facilita a entrada nos dois países. Os pescadores brasileiros que queiram pescar ñas áreas bolivianas podem ainda pagar urna taxa mensal para obter urna permissão de pesca temporária.
Produção pesqueira
18A produção pesqueira desembarcada nos mercados de Guajará Mirim, Costa Marques e Pimenteiras, obtida nos registros das colonias de pescadores locais, esteve, mais ou menos, entre 400 a 500 toneladas por ano (Tabela 5).
19Contudo, verificam-se lacunas nas informações repassadas pelas colônias com ausencia de dados sobre alguns anos ou anos com dados incompletos. No mercado de Costa Marques, por exemplo, de acordo com informações dos dirigentes da colonia a produqáo chega a 150 toneladas por ano, no entanto, não há registros comprobatórios. No mercado de Guajará Mirim, além dos pescadores ligados a colônia de pescadores, atuavam na regiáo pescadores ligados às empresas de pesca C. Chaves Martins e V. Gomes de Oliveira e a produqáo destes na maioria das vezes nao é registrada na colonia.
20Os valores da produção pesqueira na região indicam urna tendencia de aumento nos últimos cinco anos para Guajará-Mirim. Em Pimenteiras os menores valores registrados nos últimos anos parece ser influenciado pelas cotas de pesca impostas pelo governo estadual (70 kg/pescador por semana) desde 2007. A ausencia de dados para Costa Marques nao permitiu urna análise.
Tabela 5. Produção pesqueira registrada nos mercados pesqueiros do Vale do Guaporé Mamoré no período de 1996 a 2009.
Ano | Guayara Mirim | Costa Marques | Pimenteiras |
1996 | 429 | 21 | 18 |
1997 | - | 94 | - |
1998 | - | - | - |
1999 | - | - | 172 |
2000 | - | - | 101 |
2001 | - | - | 92 |
2002 | - | 58 | 95 |
2003 | 55 | - | 83 |
2004 | 214 | - | - |
2005 | 213 | - | - |
2006 | 231 | - | - |
2007 | 300 | 63 (Jul-Dez) | - |
2008 | 353 | 24 (Set-Dez) | 61 |
2009 | - | 17 (Jan-Mai) | - |
Esforgo pesqueiro
21O esforqo pesqueiro, Captura por Unidade de Esforqo (CPUE), considerando número de dias e pescadores observado nos mercados pesqueiros de Costa Marques em 2005/2006 e Guajará Mirim obtidos em 2004 demonstram resultados semelhantes entre os mercados de Guajará Mirim, independente das diferen9as de observadas na frota pesqueira (Tabela 6).
Tabela 6. Captura por Unidade de Estorbo (CPUE), considerando número de dias e pescadores, registrada nos mercados pesqueiros de Costa Marques (2005/2006) e Guajará Mirim (2004).
CPUE (Kg/pescador/dia) | Ano | |
Guajará Mirim | 21 ± 12 | 2004 |
Costa Marques | 17± 8,5 | 2005/2006 |
Composição específica dos desembarques
22A pesca na região é multiespecífica, o que fica evidente no grande número de espécies observadas nos desembarques (34) (Anexo I). Porém, aproximadamente sete categorías representam mais de 80% do total desembarcado em cada mercado (Tabela 7, 8 e 9).
23Ressalta-se que na tabela 9 na categoría de pescado denominada como “outros” estão inseridas espécies capturas que não foram identificadas pela colonia de pescadores no momento de desembarque, pois apresentam baixo valor de venda ou por estarem misturadas várias espécies dificultando a separação. Este grupo é geralmente composto por espécies de pequeno porte como pacus, branquinhas e traíras.
DISCUSSÃO
24A importância da atividade pesqueira para regiao estudada da bacia dos rios Guaporé e baixo Mamoré é ressaltada no número de pescadores comerciais e nos valores de produção registrados pelas colonias de pesca. Semelhante a outros locais na Amazonia, a pesca na regiao pode ser classificada como artesanal de pequena escala, onde a produgao é oriunda de urna frota pesqueira composta por pequenos barcos de madeira e de um grande número de canoas e canoas motorizadas independentes (Batista, 2004; Isaac et al., 2008a); os pescadores apresentam dedica9áo quase ou totalmente exclusiva e com produção destinada, em grande parte, à comercialização nos mercados regionais, mais ou menos distantes e com padroes de sazonalidade (Isaac & Barthem, 1995).
25A pescaría multiespecífica, com esforço concentrado em algumas espécies registradas para região estudada dos rios Guaporé e baixo Mamoré, também é um fenômeno conhecido em outros mercados da Amazônia (Barthem & Fabré, 2004). Este grupo é composto principalmente por espécies, como tambaqui, pirapitinga, surubim/caparari, curimata, jaraqui, matrinxa/jatuarana e filhote, que habitam tantos ambientes fluviais quanto lacustres e realizam migrações sazonais com fins reprodutivos, tróficos ou de dispersão, fortemente influenciadas pelo nivel do rio. Durante este período de migração pela calha dos grandes rios o peixe fica mais acessível ao pescador, que conhece bem a biologia das espécies e aproveita para capturá-las em maior quantidade.
26A predominância de urna ou mais espécies pode estar relacionada à abundancia na área (ex: tambaqui, pirapitinga e tucunaré em Guajará e Costa Marques) ou ao hábito preferencial de consumo da comunidade, concentrando esforços pesqueiros ñas categorias aceitas na regiao e comercializadas em valores superiores as demais (e.g. surubim/caparari em Pimenteiras). Espécies como o jaraqui e o pirarucu em Guajará Mirim e o jaraqui em Costa Marques, que apresentavam ausencia ou baixa captura no ano 1996 nos últimos cinco anos apresentam um aumento cerca de 20 vezes maior na sua produção. O mesmo é registrado para o pirarucu, espécie que foi introduzida acidentalmente na bacia do Guaporé/Mamoré (Jégu et al., 2012).
27O tambaqui que teve sua captura controlada pela legislação local apresentou grande diminuição na produção nos últimos anos.
28A pesca comercial que abastece os mercados avahados no presente estudo é realizada principalmente no trecho do rio Guaporé entre Costa Marques e Pimenteiras, na divisa do estado de Rondónia no Brasil com a Bolívia, em áreas ainda bem preservadas do “pantanal guaporeano”, como é denominado localmente. A semelhança entre os principáis pesqueiros citados sugerem que o esfor-90 de pesca tem se concentrado em algumas áreas mais piscosas da bacia do rio Guaporé e/ou menos fiscalizadas, tanto do lado brasileiro como do lado boliviano. A alta produtividade desta planicie alagável está refletida nas longas distancias percorridas pelos pescadores de Guajará Mirim até elas (alguns chegam a percorrer 400 km), e justifica a conservação destes ambientes por meio de estratégias de ordenamento pesqueiro.
29A formação de grupos de pescadores brasileiros e bolivianos facilita a entrada destes nos dois países. Além disso, os pescadores brasileiros para pescar no país visinho podem obter urna permissão de pesca temporária pagando urna taxa mensal. O alto valor de pirarucu desembarcado em Guajará-Mirim constituí um forte indicio dessa pesca em áreas bolivianas, em especial na regiao do rio Beni, onde a espécie é naturalmente encontrada em grande abundância.
30Outra característica das pescarías na região é a atuação predominante em lagos (ex: tucunaré) e igapós (pirapitinga e tambaqui) o que ressalta a necessidade de manejo adequado dessas áreas. Ambientes ocupados pelos peixes comerciais em pelo menos um estágio do seu ciclo de vida.
31Neste cenário da pesca regional, vale ressaltar os conflitos observados entre os usuários do recurso e órgaos gestores (Doria et al., 2004): i) Pescadores profissionais reclamam da limitação da área disponível para pesca na regiao dos rios Guaporé e Mamoré, onde as margens e leito dos principáis ríos constituem limites de várias unidades de conservação, o que interdita, nestas áreas, de acordo com a legislação (SNUC, 2000), a pesca comercial nestes rios. Por outro lado, os ribeirinhos reclamam da invasão de pescadores amadores e profissionais em suas áreas tradicionias de pesca. E ambos, pescadores profissionais e ribeirinhos, se queixam da atuação de pescadores dos municipios visinhos na localidade; ii) Pescadores profissionais reclamam da falta de fiscalização sobre os pescadores amadores e o contrário também ocorre; iii) Pescadores profissionais reclamam da fiscalização ostensiva sobre si e da ineficiéncia dos métodos de ordenamento (fiscalizado e normatização da pesca). Somado a tudo isso, o govemo estadual pretende implantar o turismo da pesca na região e entende que para tal deva fechar e/ou limitar a pesca profissional.
32Os conflitos entre atores apresentados refletem a ausencia e/ou erros nas ações de gestao pesqueira aplicadas na região. Contudo, a ausencia de dados históricos de monitoramento da atividade pesqueira impede urna avahado correta sobre situado dos estoques explorados. Tais análises devem considerar também o avanço de outras atividades económicas na região e pressão destes sobre os estoques, tais como o acelerado desmatamento em áreas de mata ciliar e cabeceiras nos principais afluentes do Guaporé, em Rondónia e no Mato Grosso, que ocorrem em função do aumento do número de pastagens e do avanço da soja (Femandes, 2004).
33A atividade pesqueira constitui-se na exploração de recursos aquáticos naturais, auto renováveis, geralmente sem limites de acesso e tida como propriedade comum (Hardim, 1968). Este livre acesso representa um dos maiores obstáculos ao ordenamento pesqueiro. O que toma necessária a conscientização dos grupos envolvidos direta e indiretamente na pesca, órgãos fiscalizadores e gestores, colonia de pescadores e empresas pesqueiras, sobre as necessidades e beneficios da execução do monitoramento e do ordenamento da atividade pesqueira.
34Neste sentido as peculiaridades da bacia rios Guaporé e Mamoré, em especial quanto ao compartilhamento do uso dos recursos entre as comunidades brasileiras e bolivianas, devem ser consideradas na elaboração de ações de ordenamento pesqueiro, que sejam aceitas e incorporadas pelos dois países.
AGRADECIMENTOS
35Os autores agradecem às Colônias de Pescadores de Cuajará Mirim, Pimenteiras e Costa Marques pelos dados cedidos e pela atenção. E à Ação Ecológica Guaporé pelo apoio ao desenvolvimento do estudo.
Bibliographie
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10.1590/S0103-40142005000200010 :Santos G.M. & Santos A.C.M. 2005. Sustentabilidade da pesca na Amazonia. Estudos Avançados, 19 (54): 165-182.
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SNUC-Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza: lei no. 9985, de 18 de julho de 2000; decreto no. 4340, de agosto de 2002.2 ed. Aum. Brasilia: MMA/SBF, 2002,52 p.
Welcomme R.L. 1990. Status of fisheries in South American Rivers. Interciencia, 15: 337-345.
Annexe
ANEXO I. Classificação taxonómica da composição específica do desembarques nos mercados de Pimenteiras, Costa Marques e Guajará Mirim, Rondônia, Brasil.
Characiformes | |||
Familia | Sub-Familia | Nome Vulgar | Nome Científico |
Anostomidae | Piau | Leporinus sp., Schizodon spp. | |
Characidae | Bryconinae | Jatuarana/Matrinchã | Brycon cephalus, Brycon amazonicus |
Serrasaimlnae | Tambaqui | Colossoma macropomum | |
Plranha | Serrasalmus spp., Pygocentrus nattereri | ||
Pacu | Mylossoma spp., Myloplus spp. | ||
Pirapitinga | Piaractus brachypomus | ||
Curimatidade | Branqulnha | Potamorhina latior, Potamorhina altamazonica | |
Erythrinidae | Traíra | Hoplias malabaricus | |
Hemiodontidae | Cubiu | Anodus sp.; Hemiodus spp. | |
Prochilodontidae | Curimatã | Prochilodus nigricans | |
Jaraqui | Semaprochilodus insignis, 5. taeniurus | ||
Clupeiformes | |||
Pristigasteridae | Apapá/Peixe Novo | Pellona castelnaeana (apapá amarelo), | |
Pellona flavipinnis (apapá branco) | |||
Osteoglosslformes | |||
Arapaimatidae | Pirarucu | Arapaima gigas | |
Perciformes | |||
Sciaenidae | Tucunaré | Cichla pleizona | |
Curvina/Pescada | Plagioscion squamosissimus | ||
Siluriformes | |||
Auchenipteridae | Mandubé | Ageneiosus inermis | |
Doradidae | Cuiu-culu/Peixe porco | Oxydoras níger | |
Pimelodidae | Dourada | Brachyplatystoma rousseauxii | |
Fllhote/piraíba | Brachyplatystoma filamentosum | ||
Babao | Brachyplatystoma platynemum | ||
Jaú | Zungarozungaro | ||
Pirarara | Phractocephalus hemiliopterus | ||
Barba chata/Barbado | Pinirampus pirinampu | ||
Surubim/Pintado | Pseudoplatystoma fasciatum | ||
Caparari | Pseudoplatystoma tigrinum | ||
Loricariidae | Bodó | Liposarcus pardalis |
Auteurs
Laboratorio de Ictiología e Pesca-Universidade Federal de Rondónia (LIP/UNIR). Porto Velho, RO; carollnarcdorla@uol.com.br;
Ação Ecológica Guaporé. ECOPORÉ.
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En sentido contrario
Transnacionalización de religiones africanas y latinoamericanas
Kali Argyriadis, Stefania Capone, Renée De La Torre et al.
2012
El trueno ya no vive aquí
Representacion de la marginalidad y contruccion de la identidad teenek (Huastec veracruzana, Mexico)
Anath Ariel de Vidas
2003
Administrar los extranjeros: raza, mestizaje, nación
Migraciones afrobeliceñas en el territorio de Quintana Roo, 1902-1940
Elisabeth Cunin Silvia Kiczkovsky (trad.)
2014
Peces de Bolivia. Bolivian fishes
Jaime Sarmiento, Rémy Bigorne et Fernando M. Carvajal-Vallejos (dir.)
2014
Migración en el Sur boliviano
Contrastes entre valles andinos tradicionales y áreas orientales de colonización
Ceydric Martin
2012
Afromestizaje y fronteras etnicas
Una mirada desde el puerto de Veracruz
Christian Rinaudo Lorraine Karnoouh (trad.)
2015
Los peligros volcánicos asociados con el Tungurahua
Pablo Samaniego, Jean-Philippe Eissen, Minard L. Hall et al.
2003
Partir y cultivar
Auge de la quinua, movilidad y recomposiciones rurales en Bolivia
Anaïs Vassas Toral
2016
Aguas del Iténez o Guaporé
Recursos hidrobiológicos de un patrimonio binacional (Bolivia y Brasil)
Paul A. Van Damme, Mabel Maldonado, Marc Pouilly et al. (dir.)
2013