Introdução 1 – Jorge Freitas Branco
Texte intégral
1A ligação das ideias às coisas nem sempre é evidente. Ao abordar um contexto de recolha de cultura popular, e tendo como pano de fundo uma colecção etnográfica recolhida de sul a norte de Portugal peninsular no auge do período revolucionário desencadeado pela Revolução de 25 de Abril, pretendeu-se explorar a fundo algumas possibilidades proporcionadas pelo estudo de um quadro de recolha no terreno. Embora se tenham alcançado resultados nessa perspectiva, são inúmeras as novas questões com o enunciado apenas formulado em esboço rudimentar.
2Esta constatação necessita de explicação. Dada a diversidade de materiais, que logo no início se suspeitou poderem existir, como posteriormente se viria a confirmar, a tarefa nunca poderia ter sido desenvolvida numa só perspectiva. A conjugação de abordagens e de especialidades (Antropologia Social e Historia Recente) foi determinante para chegar à configuração presente.
3O interesse pela etnografia, mais remoto ou plenamente assumido, é outro tema que atravessa este livro. Ele permite desmontar incidências de olhares construtores de noções como a de cultura popular, ou a de povo, edificadores de universos culturais e criadores de espaços sociais dedicados a produção de memória.
4A principal peça na construção do nosso argumento é a figura de Michel Giacometti (1929-1990), o autor e organizador da Missão atribuída a mais de uma centena de jovens de ambos os sexos, que se irá conhecer em pormenor ao longo dos próximos capítulos. Foi uma grande expedição, com incursões em muitos sítios e domínios, empreendida por voluntários dedicados à causa da cultura popular. Era isto que os unia ao coordenador. Como um homem em fuga, e munido de um gravador, M. Giacometti palmilhara Portugal desde 1959. Fixou o povo pela sua voz, e não tanto pelos seus instrumentos de trabalho. Foi uma acção de longa duração. Se na sua trajectória de solidão foi um colector individual, no Verão de 1975, ao ganhar adolescentes para a sua causa de longa data e ideia mais recente - pôr rapazes e raparigas no encalce do povo -, transformou-se num colector colectivo.
5A matéria deste volume incide não só sobre coisas visíveis e ocultas, sobre as ideias a elas associadas, mas também sobre pessoas ainda vivas. Foram os protagonistas da Missão. As suas lembranças podem constituir uma surpresa para o investigador, pois muitas vezes só por atalhos conduzem à temática definida. Dos autores, uma foi participante na acção sobre a qual agora teve de assumir o papel de investigadora. No intuito de salvaguardar o inteiro respeito pelas regras de ética profissional convencionadas, em todas as referências aos participantes na Missão foram alterados os nomes; em alguns casos, preferiu-se deixar o espaço em branco. Para manter esse anonimato, também não se publica a lista dos participantes por equipa.
6Os adolescentes voluntariamente envolvidos nas equipas da Missão não foram missionários errantes, mas brigadistas móveis. Motivos que se prendem com o enredo interno deste livro só me permitem um agradecimento a todos, sem individualizações. As recolhas por eles feitas contribuíram para que os artefactos de onde partimos nos conduzissem a situações deveras inesperadas. Embora nenhuma delas implicasse incursões cobertas pela escuridão nocturna, proporcionaram-me uma ocasião para verificar como, na nossa própria sociedade, se constrói memória. Perante um artefacto cada pessoa discursa de outra forma.
7A pesquisa foi inteiramente financiada pelo Município de Setúbal. Só foi possível ter disponibilidade para finalizar esta investigação graças à licença sabática concedida pelo ISCTE, pelo que aqui deixo o meu reconhecimento. Ao amigo, colega, editor e vizinho Rui Pena Pires devo a paciência para transformar um amontoado de ficheiros numa sequência ordenada e estruturada no seu todo.
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