Capítulo 5. A fala dos de fora
p. 423-474
Texte intégral
1À margem dos elogios, a Mouraria é frequentemente evocada como um dos bairros símbolos “de uma Lisboa típica, de prostituição e crimes fadistas” (Salgueiro e Garcia em Cordeiro 1995: 166). Mas essa imagem também é simbolicamente acionada e positivada, transformando-se em ícone da sua especificidade, um emblema que tem contribuído para a sua autorrepresentação e perpetuação, sendo inclusivamente utilizada como referencial temático para a sua apresentação e desfile nas passarelas da cidade.
2Contudo, ultimamente a Mouraria também é frequentemente evocada como um contexto multicultural e na construção dessa imagem observa-se um curioso processo de ressignificação da sua história, que de antigo espaço segregado para os mouros vencidos se transforma numa espécie de caso exemplar do convívio multiétnico na cidade.
3Mas para além da sua tipicidade e da sua exuberante policromia, o bairro do Casal Ventoso em Lisboa, o Bronx ou o Texas também são evocados para retratar a “chaga social” dos gangues marginais da atualidade, da pobreza e da degradação do seu edificado, dos toxicodependentes e traficantes, sem-abrigo, prostitutas e imigrantes ilegais, como para acentuar a proliferação de gente desconhecida que anda em grupos, com práticas esquisitas, com cheiros e roupas estranhas…
4Ao olhar-se mais atentamente para esses hiatos liminares, pontos coloridos e compassos socioculturais é, entretanto, promissor pensar que o quotidiano local é rico em práticas e acontecimentos que fazem menção a uma certa marginalidade e ilegalidade, pobreza, tipicidade e tradições, como à presença de diferentes etnias. Nesta ótica, é importante notar que as intersecções entre o campo das significações imaginárias do bairro e a interligação com as práticas socioculturais e espaciais dos distintos indivíduos, sobretudo aquelas que se desenvolvem nos espaços público e semipúblico, revelam a íntima articulação entre a experiência dos diferentes atores sociais, os símbolos, os valores sociais e as imagens.
5Mas esta articulação é dinâmica e flexível, adequando-se aos distintos tempos (quotidiano e fora do quotidiano) e espaços, às diferentes situações percepcionadas, bem como às experiências dos diferentes atores sociais. O que, por um lado, permite salientar que as imagens produzidas pelos de fora contribuem para a construção de determinados significados urbanos e símbolos identitários que, por sua vez, interferem no universo das práticas, experiências e representações.1 Enquanto, por outro lado, revela que as articulações existentes são, sobretudo, subsidiárias de uma lógica que prima pela ambiguidade.
6Como dispositivo de análise parece-me, então, importante a realização de uma leitura tripartida das visões e imagens que os de fora constroem sobre a Mouraria. Isto porque essa leitura permite valorizar a ambiguidade como valor estrutural do processo de consolidação e reconfiguração das imagens do bairro, possibilitando observar a existência de uma intricada rede de relações de oposição, contradição, dualidade, ambivalência, complementaridade e simultaneidade.2
7Desse modo, analisarei as imagens e visões exógenas do bairro sob três prismas: (1.º) a utilização da miséria, do ambiente do fado e a má fama daí decorrente, como a importância de determinadas cerimónias e rituais, na construção de uma imagem identitária que se apoia nas tradições populares, permitindo a emblematização do bairro e a sua perpetuação; (2.º) a ressignificação de alguns aspectos da história do bairro através da recuperação da lenda de Martim Moniz e da positivação do convívio multiétnico, na construção de uma imagem identitária fundamentada nas tradições multiétnicas do bairro; (3.º) a repercussão de um processo de segregação socio-espacial na construção de uma imagem territorial estigmatizada, com a perpetuação de determinados traços socioculturais e urbanos, como a indexação de novos traços simbolicamente ligados à miscelânea de liminaridades da atualidade.
8Ao tomar como ponto de referência de análise um conjunto variado de artigos de jornais e revistas, livros e textos, panfletos e roteiros, assim como a opinião de alguns dos atores socioinstitucionais e comerciantes ligados ao bairro, este capítulo tem por objetivo analisar e explorar algumas das imagens que os de fora produzem sobre a Mouraria, procurando captar os aspectos socioculturais e espaciais que sustentam tal imaginário.
O lugar da Mouraria visto pelos de fora
Má fama e tipicidade
9A singular combinação entre vício, miséria e peculiaridade sociocultural é uma das imagens mais evocadas para retratar a Mouraria no seio de uma Lisboa que se debruçava sobre o século XX. Bairro sujo e mal afamado, “prenhe de tradições assassinas e devassas”, com as ruas manchadas de sangue, onde o vício teve templos. Verdadeiro “quartel general dos rufiões e desordeiros, infestado de mulheres de má fama, de botequins e de batotas, valhacoutos de ladrões, de malfeitores e de galderios” (Ribeiro 1907: 257-258).3
10À tardinha, naqueles tempos, o movimento no bairro intensificava-se com os trabalhadores a voltarem para casa, enquanto os “morcegos” de vida ociosa apareciam para dominar as ruas até ao alvorecer (Castilho 1967: 301). Era a Mouraria foliona e buliçosa da boémia decadente, uma “triste flor da miséria” para onde convergiam as prostitutas e os fadistas, “crápulas ignóbeis” (Reis 1908: 339) que reinavam nas ruas estreitas, sombrias e pitorescas de um bairro onde o fado da Severa ecoava por entre as esquinas.4
11Em finais da década de 20, Sequeira (1929) esboçou um retrato da Mouraria transformando-o numa espécie de primo pobre dos outros bairros populares da capital.5 Desvalorizando-a, o autor considerou que não se justificava penetrar nas suas ruas e becos, pois as poucas “notas monumentais” da Mouraria restringiam-se à Procissão de Nossa Senhora da Saúde, um ou outro azulejo, um portal quinhentista, dois ou três prédios e palácios desmantelados, sendo a sua população mais “bulhenta” e sem um “carácter de profissionalismo”, predominando
“a profissão indeterminada e, entre ela, a turba pecadora e refractária que procura a baixa aventura nos seus cantos e recantos. O que abunda por lá é a casa suspeita onde um Cupido invisível faz de guarda-portão, a hospedeira de pernoitar com a lanterna sórdida que serve de anúncio, o botequim, onde um piano cansado atrai os fregueses, a estalagem de lavadeiras do têrmo, os vendedores de elixires nos seus tronos oratórios.” (Sequeira 1929: 21)
12Em Notas de Etnografia de Lisboa, Chaves (1941: 9-10), ao admitir a existência de um certo pitoresco nas ruas da Mouraria considerou, entretanto, que ali o fado “encontrou o clima próprio, e desenvolveu a seu modo a melopeia lamurienta de depravação”, salientando que “o êrro dos fadófilos e de folcloristas à pressa está em pretender contra tudo e contra todos fazer dessa canção do bairro ignóbil a canção nacional”.
Bairro da Mouraria
Onde viveu Severa;
Pela tua casaria
Parece que ainda impera
Uma doce nostalgia…
És a pátria dos fadistas,
dos rouxinóis e cigarras;
Nos teus becos fatalistas
Inda ha chôros de guitarras
Que assistiram às conquistas!
O conde de Vimioso,
Fidalgo de nobre raça;
Foi um cantador famoso
Viveu na tua desgraça
Ó bairro misterioso …
Tens nas ruas apertadas
Ainda viva a saudade,
Déssas mouras encantadas,
Cheias de fatalidade,
Ao chôro das guitarras!
Se criaste rufiões,
E pobres mulhe’s perdidas;
Também criaste as canções,
Suaves e doloridas,
Que alentam os corações!
Ó bairro escuro e tristonho
Da Mouraria do fado;
Ai! quantas vezes me pônho
A pensar, que és do passado,
A poeira azul d’um sonho!
(Guimarães 1932)
13Mas esta Mouraria de “baixo estofo” fez carreira (Câncio 1940: 333) e César Santos referiu que a imagem boémia e decadente da Mouraria do século XIX ainda prevalecia nos idos anos 40 do século XX, pois os
“mesmos candeeiros sonolentos suspiram às esquinas e lá para as ruelas da Mouraria ou nas betesgas do Socorro, engolfadas em sombras, andam tristes personagens que lembram os frequentadores […] de há cinquenta anos, e fazem na cena do carrejão a seduzir a ingénua saloia, naquelas ‘ilhas de sombra’, onde as lanternas põem coágulos de ‘sangue’.” (Santos 1946: 28-29)
14Norberto de Araújo (1991) escreveria:
“Mouraria! Vamos percorrê-la apressadamente. A Mouraria de Lisboa – aristocrática, religiosa, burguesa, popular, fadista; tumultuosa e delicada, evocadora e objectiva, romântica e poética num mundo de contradições – ainda existe. Este ‘ainda’ acaba por nos consolar, a nós que queremos uma Lisboa saudável e moderna, mas que temos medo que lhe levem o que lhe resta de pitoresco, e não faz mal a ninguém.”
15Entretanto, Araújo (1991) considerou que o bairro “das guitarras, das facadas, das rameiras dos pianos de botequim” já não existia com a mesma efusão. Para o autor, a Mouraria do seu tempo tinha-se distanciado dos séculos anteriores e ficado marcada pela pobreza, pela triste miséria e falta de civilização:
“A Mouraria de hoje é uma sombra da Mouraria dos séculos velhos, que viram o seu crescimento romper das hortas, lagares e pomares da Lisboa mourisca. Quási se não reconhece da do século XVIII, e se algum fidalgo marialva – dêstes que a fantasia criou e que ficaram na história – ou algum fadista dos de boné de oleado e sapatos de cordovão, que por ali tivesse vivido, arrastando amores ou doidivanices, pudesse ressuscitar – não a reconheceria. A Mouraria não se civilizou, nem nos costumes nem no aspecto. Conspurcou-se de civilização, que não conseguiu tirar-lhe a miséria, mas logrou, na passagem apressada e indiferente, tirar-lhe o carácter.” (Araújo 1991: 193)
16“Civilização” que, segundo Farinha (1932: 11-12), não existia porque a maioria dos habitantes da Mouraria não a desejava, pois tal melhoramento era gostosamente dispensado ainda que “decorridos tantos séculos de civilização e higiene”.
17Em finais da década de 40, as páginas dos jornais eram encabeçadas por títulos como: “Para fazer da velha Mouraria um dos mais belos centros de Lisboa […]” (A Voz, 21.04.1949); “No sítio da velha Mouraria das lendas e mouras encantadas vai surgir um grandioso bairro integrado no estilo arquitectónico da futura cidade de Lisboa” (A Voz, 6.11.1949); “O velho burgo da Mouraria será, para os olhos do lisboeta que o vir dentro de poucos anos, a visão de uma cidade diferente” (O Século, 12.08.1949).6
18A vida e o urbanismo de pouca civilização (Andrade 1957: 49) fez, então, estrondo e logo a Mouraria “fidalga e tumultuosa, casquilha e fadista; o bairro evocador da Lisboa nocturna, dos boleeiros e das Severas, das brigas e dos pregões”, passou a ser noticiada como um símbolo a abater, avizinhando-se um futuro em que somente seria “uma recordação histórica, rememorada num ou noutro apontamento que a urbanização piedosamente teime em conservar na secular tradição do passado de Lisboa” (Graça e Andrade 1962).
“A velha Mouraria vai desaparecer aos poucos. Em breve apenas existirá na evocação das crónicas da Lisboa do passado ou nos lamentos nostálgicos do nosso povo, tão apegado ás tradições bairristas: lendas e figuras esvoaçarão entre as recordações do que foi um dos mais típicos bairros da capital […]. Em substituição de bairro tão rico de acontecimentos que tanto falam á imaginação como ao amor próprio dos lisboetas, vai ser ali construído outro, vasto e de linhas modernas, digno de ser integrado no estilo arquitectónico da cidade do futuro, que se desenha grandiosa e adequada ao progresso da sua vida do presente.” (A Voz, 6.11.1949)
19E assim, subtilmente, aparecem comentários a referir que a Mouraria dos tempos de Norberto de Araújo “já só existe vagamente” (A Capital, 18.04.1970). Como já dizia o fado:
Ai, Mouraria!
Da velha Rua da Palma
Onde eu um dia
Deixei presa a minha alma
Por ter passado mesmo ao meu lado
Certo fadista
De cor morena
Boca pequena
E um ar trocista
Ai, Mouraria!
Dos rouxinóis nos beirais
Dos vestidos cor de rosa
Dos pregões tradicionais
Ai, Mouraria!
Das procissões a passar
Da Severa a voz saudosa
Na guitarra a soluçar.
20Mas uma “Lisboa plebeia, quer se revista de resignação, quer se tome de revolta, tem sempre uma coisa boa na desgraça das suas Mourarias” (Araújo 1991: 196), pois quando passavam os andores da Senhora da Saúde e do Mártir São Sebastião havia, então, uma “grande festa na Mouraria” (Abelho 1968: 53), permitindo ao tão profanado bairro transfigurar-se num espaço sagrado com poder para contaminar a cidade. E aqui, bairro e cidade confundem-se e, como tal, são evocados como tratando-se de um único espaço.
21A procissão de Nossa Senhora da Saúde continuou a ser manchete nas páginas dos jornais da cidade. A 16.04.1970, no jornal A Capital, a procissão foi descrita fazendo alusão à destruição do bairro e a notícia, intitulada “A procissão entre os escombros”, foi registada nos seguintes termos:
“[…] Embora não se revista já da pompa que teve noutros tempos, em que visitava a Sé e S. Domingos. No entanto, é ainda um espectáculo digno de ver-se, uma espécie de paraíso para a pequena burguesia endomingada e para as ‘ratas de sacristia’ de negro vestidas. Os polícias de cordões brancos ao peito e o estralejar do foguetório de encontro ao azul dão o toque de uma realidade extremamente palpável.”
22Quando, após o interregno de alguns anos na sequência do 25 de Abril, a procissão retomou as ruas do bairro e da cidade, voltou a ser noticiada pelos jornais:7
“‘Há festa na Mouraria, é dia de Procissão da Senhora da Saúde’ cantam os fadistas, sintetizando desta forma uma realidade sociológica que não se circunscreve ao bairro mas contagia toda a cidade. E, quando o fado diz noutra altura ‘Até a Rosa Maria / Da Rua do Capelão parece que tem virtude’, traduz uma transfiguração do comportamento, tal é a influência que a Virgem padroeira projecta na população local.” (Guia de A Capital, 16.07.1983)
23Para além da procissão havia, contudo, muitos arraiais realizados nas hortas existentes na proximidade da antiga Rua do Socorro, onde por entre guitarras, vinho e o famoso prato de desfeita, muito se bailou e cantou até aos anos 40, quando então se intensificou a mutilação do bairro pelo poder municipal. Momentos de diversão e sociabilidade que igualmente serviram para retratar a ambiência da Mouraria na primeira metade do século XX (Carvalho 1994; Macedo 1963).
24Foi também nos anos 30-50 do século XX que as marchas populares dos bairros típicos da capital foram institucionalizadas8 como uma das tradições da cidade,9 passando a Mouraria de estúrdia reles a ser noticiada como um dos bairros típicos de Lisboa. Em 1969, a marcha da Mouraria ganhou o primeiro lugar do concurso e nos jornais a notícia foi efusivamente comentada em títulos como: “Ganhou a Mouraria e o bairro festejou a vitória no concurso das marchas populares ao saber a notícia pelo Diário de Lisboa” (Diário de Lisboa, 30.06.1969), “Noite de festa na Mouraria com a marcha e o povo enchendo o bairro de alegria” (O Século, 01.07.1969).
25Porém, em princípios dos anos 70 do século XX, a imagem de uma Mouraria típica, infame e miserável continua a ocupar a atenção de alguns intelectuais e jornalistas. E, assim, aparece na imprensa diária um invulgar exame de “anatomia do pitoresco” (A Capital, 18.04.1970) (ver quadro 32).
26Nos anos 90, entre as várias apresentações dos bairros populares – conforme aparecem nos roteiros anuais das marchas populares (período de 1990-2000)10 –, a Mouraria é dos poucos bairros, senão o único, cujas tradições continuam a ser citadas a partir de uma associação entre tipicidade e má fama. Como bem referiu Graça Cordeiro (1995: 146), entre um “conjunto de temas e imagens responsáveis por algumas das linhas interpretativas da história e organização social de Lisboa, que continuam a alimentar o seu imaginário e mitografia local”, a evocação “dos fadistas de calça de boca de sino e chapéu de aba direita”, conforme menção feita por Castilho (1981: 208-209) em finais do século XIX para retratar a Mouraria, tornou-se um dos traços da caracterização e da autorrepresentação do bairro.11
27Esta curiosa combinação entre sina fadista e peculiaridade cultural e urbana, pode ainda transformar-se numa imagem poética para descrever um passeio por um bairro em que
“a rua divide-se em becos, ruas e vielas num emaranhado de reminiscência árabe. Local de Vilas, de tabernas e restaurantes típicos é também sítio de reunião, à volta de um copo. Aqui o conjunto urbano é medieval, condizendo com a tortuosidade dos caminhos […]. Entra-se, então, na Rua do Capelão. No largo de mercado quase improvisado a lembrar os mercados árabes de rua. Uma rua ‘juncada de rosmaninho’, até à casa onde a Severa, a grande cantadeira de Fado cantou e encantou o conde de Marialva, criando uma história de amor ao gosto do romantismo oitocentista e uma origem certa para o fado de rua e de amor.” (CML, 1994)
A invenção da Mouraria multicultural
28Embora inventada como arrabalde para segregar os mouros vencidos, a Mouraria acabou por atrair segmentos cristãos da população devido à sua intensa atividade económica – sobretudo ligada à atividade comercial e artesanal. Deste modo, cristãos e mouros deram início a um convívio profissional e de vizinhança que em Lisboa, segundo consta, naquela fase da história da cidade, somente se verificou neste segmento do espaço urbano (Barros 1998: 143). Indubitavelmente, admitindo que cristãos e muçulmanos correspondiam a identidades étnicas distintas, é pertinente falar na existência de um convívio multiétnico que, inclusivamente, facultou a expansão do bairro pelas áreas vizinhas – devido ao aumento da população –, bem como proporcionou uma certa abertura e uma relativa integração do arrabalde mouro no espaço da cidade já que, cada vez mais, a complementaridade económica entre cristãos e muçulmanos resultou num importante contributo para a manutenção económica do contexto urbano do qual o arrabalde também fazia parte (Barros 1998: 96). Mas não se deve esquecer a existência de um elaborado processo de estigmatização territorial e social que se refletia em torno do arrabalde como dos seus habitantes muçulmanos. Processo esse que teve continuidade nos séculos que se seguiram.
29Sabe-se ainda que os vários surtos migratórios que estiveram na base do crescimento da população do bairro como de Lisboa, sobretudo a partir de finais do século XVIII e do seu intenso crescimento até as primeiras décadas do século XX, trouxeram para o bairro gente de toda a parte do país, bem como galegos. E, como foi também referido anteriormente, algures no século XIX foram inventados alguns dos temas que permitiram a posterior configuração do bairro como espaço tradicional e típico, dando lugar a um processo de emblematização paralelamente a um processo de estigmatização e segregação socio-espacial que continuava, a par das suas reconfigurações.
30No entanto, repentinamente a Mouraria tornou-se uma espécie de símbolo do convívio multiétnico e para tal tem contribuído a presença diária de muitos indivíduos identificados com determinadas minorias étnicas que vivem (n)a cidade. Pois para além dos indianos, chineses e africanos que ali se instalaram no âmbito da atividade comercial e de alguns poucos que ali fixaram residência, o bairro passou a ser uma espécie de ponto de encontro – sobretudo nos espaços públicos exteriores e no Centro Comercial da Mouraria – de um elevado número de imigrantes, essencialmente oriundos de países subdesenvolvidos. Pelo que as mediações existentes entre o campo das significações imaginárias do meio urbano e a interligação com a visibilidade que determinadas práticas socioculturais e espaciais comportam desencadearam um processo de invenção de uma tradição local ligada à multiculturalidade e à multietnicidade. Sendo que na invenção dessa tradição é, sobretudo, o período medieval que é recuperado para historicamente validar o que parece ser concebido como uma tendência histórica para o convívio multiétnico nesta parte da cidade.
31Observa-se, assim, que num bairro referido como “pobre em património” é conveniente assegurar que, apesar de tudo, ele “tem uma rica história” intimamente ligada ao seu “passado mourisco” que, entretanto, “fez ausentar do seu território os grandes monumentos arquitectónicos” (O Dia, 26.07.94). Não obstante a conceção um tanto apressada de que o bairro não teve património devido ao seu passado e à sua má reputação, como a insuficiente menção da desventurada sorte do bairro que resultou na mutilação de grande parte do seu património arquitetónico e urbanístico, esse artigo do jornal O Dia permite ilustrar um aspecto interessante: quando se fala na riqueza da história do bairro verifica-se um certo pendor para a sobrevalorização do período medieval, subestimando o papel dos restantes séculos de história que também contribuíram e contribuem para a construção social e espacial do bairro da Mouraria.
32Numa outra perspectiva, observa-se que o processo de reabilitação urbana que incide sobre o bairro e visa revitalizar o seu património histórico, cultural e urbano também contribui para a reconstrução social e simbólica da sua imagem urbana a partir da valorização simbólica do período medieval.12 E no afã das recuperações e revitalizações, verifica-se uma criação que permitirá relacionar a invenção do património histórico com a invenção da tradição, sendo que as imagens que irão sustentar tais alegorias se reportam às práticas antigas e à tradicional multietnicidade local.
33A título de exemplo, observe-se que na comemoração do Dia Nacional dos Centros Históricos de 1999 – institucionalizado a 28 de março –, a Câmara Municipal de Lisboa (CML),13 organizou os seguintes eventos: na noite do dia 27 foi programado um espetáculo de fados na Rua da Mouraria, entretanto, gorado devido ao mau tempo; no domingo dia 28 realizou-se uma Feira Medieval que não teve grandes repercussões nas dinâmicas locais, atraindo um número consideravelmente pequeno de moradores do bairro, alguns transeuntes ocasionais e uns tantos sem-abrigo. No jornal Público de 28.03.1999, a comemoração veio noticiada nos seguintes termos:
“Fado e feira medieval são as propostas da CML para o Dia Nacional dos Centros Históricos, que se comemora hoje e que a autarquia decidiu celebrar na Mouraria. As festas deverão ter começado ontem, com uma noite de fados ao ar livre defronte a igreja da Nossa Senhora da Saúde. Hoje estão montados 20 tenderetes na Rua da Mouraria a imitar as feiras medievais. Venderão artesanato, cerâmica, ourivesaria, objectos em metal e ainda compotas e doces caseiros. Um dos tenderetes destina-se às crianças e tem brinquedos de animação. A festa encerra às 18:00, hora a que actuará o grupo Tocá Rufar, com desgarradas ao ritmo dos tambores.”
34Repare-se, entretanto, que a defesa da tradição multiétnica do bairro não se constrói como uma negação da sua tradição popular, mas precisamente por uma complexo sistema de relações que permite ligar a cultura popular às práticas antigas que estariam na base de uma cultura lisboeta (“alfacinha”) e bairrista e que, para alguns, importa revitalizar a sua genuinidade.14 Em paralelo, entretanto, torna-se possível também relacionar a dimensão multiétnica da realidade social e urbana do bairro com a continuidade de uma prática que se reporta ao período medieval, advindo daí a especificidade do bairro no contexto urbano de Lisboa. Como exemplo, veja-se como se pronunciou um técnico ligado ao processo de reabilitação urbana da cidade:15
“Para além da especificidade tradicional que tem que ver com a cultura lisboeta, alfacinha e bairrista, onde o fado e as relações de vizinhança estão presentes, existe essa mistura. […] A principal potencialidade do bairro da Mouraria é a multietnia e a multirracialidade, é uma tradição, tem que ver já anteriormente quando os mouros foram expulsos para aqui, houve uma mistura racial dos próprios cristãos com os mouros, com os povos vindos do Norte, etc. Ela continua agora com os africanos e continua com os asiáticos e, portanto, eu diria que se Lisboa é um pouco Kashba da Europa, Mouraria também o é de Lisboa. Mouraria é um pouco Kashba. Encontra-se restaurante africano, encontra-se o sítio onde há música africana especial, não é aquela comercializada nos compactos. […] Existem certas especificidades a nível de bijutaria, a todos os níveis, até poderá ser paralela com as importações que os próprios asiáticos fazem dos seus países de origem. Isto é um entreposto comercial, onde muita gente vem comprar, do norte, do sul, de Espanha, Madrid, muitos comerciantes de Madrid, a nível da bijutaria, são os clientes preferenciais das lojas da Mouraria. Portanto, eu penso que esse é o potencial principal e a sua especificidade.”
35Na explicação do presente, é curioso observar a forma como é valorizado o período medieval através da ressignificação da história do bairro que, de espaço segregado para os mouros vencidos, se transforma numa espécie de símbolo da multietnicidade.
“Turistas e indianos no futuro da Mouraria
O turismo e a cultura constituem o futuro traçado pela Câmara de Lisboa para o Bairro da Mouraria. Para isso, é preciso recuperar o património histórico, melhorar os acessos e as condições de vida dos habitantes. É isso que prevê o Plano de Urbanização. […] A comunidade indiana, associada ao comércio grossista […] “é uma comunidade importante no bairro e é preciso fazê-la participar do processo de reabilitação urbana. É preciso tomar medidas para que haja uma coexistência pacífica entre eles e a população. Aliás, o convívio inter-étnico faz parte da história da Mouraria”, afirmou Victor Costa.”16 (Público, 17.05.1996)
36Em paralelo, verifica-se a recuperação da lenda do heroico Martim Moniz para demarcar a origem do bairro. Uma evocação, inclusivamente, materializada no planeamento e decoração estética do mais moderno espaço público local – a Praça do Martim Moniz –, com alusões ao troço da Cerca Moura, aos soldados cristãos que derrotaram os mouros e uma inscrição sobre a lenda de Martim Moniz.17 E na estação do metropolitano, igualmente (re)denominada (o antigo nome era Socorro) com o nome do corajoso soldado, onde para além de também existirem figuras a representar os vários cruzados que contribuíram para a reconquista cristã da cidade, aparece um painel com a seguinte inscrição:18
“Socorro – topónimo com raiz na antiga Igreja do Socorro – dá nome a um lugar que ao longo dos séculos foi constituindo interessantíssimo ponto de encontro de culturas diversas e de vivências múltiplas. Desde a presença de árabes que estará na origem da designação popular ‘Mouraria’ até aos indianos e africanos. / Foram escolhidos três temas para representar, de forma iconográfica, três tempos históricos que simbolizam a convergência destas múltiplas culturas. / A pintura dos elementos plásticos nos azulejos da Fábrica Viúva Lamego foi integralmente executada à mão para toda a variação de tons.” (Gracinda Candeias – Lisboa, 1995 / 97)
37Três culturas e três tempos são evocados para contar a história da freguesia do Socorro: árabe, indiana e africana. Curiosamente, foram esquecidos os outros tantos vencidos da Mouraria. E, assim, a Mouraria surge como uma expressão popular oriunda da presença árabe, sendo-lhe retirado qualquer conteúdo ou conotação pejorativa que obviamente tem: inicialmente, “mouraria” designava o espaço segregado para os mouros vencidos que não saíram da cidade. Forma-se, assim, uma espécie de mito atual que se espelha na imagem da multiculturalidade. Uma imagem pública que é construída entre uma mescla de mitos e realidade que, ao fazer menção à multietnicidade, parece querer retirar do local toda a sua má reputação de sina fadista, pois repare-se que nenhum dos elementos de decoração da estação do metropolitano e da praça se inspiraram naquela outra faceta do bairro.
38A antiguidade medieval do convívio multiétnico local serve ainda como ponto de referência para a abertura de um roteiro de passeios numa “Lisboa de todas as cores” (United Colours of…):19
“Em 1147, D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, conquistou aos Árabes a cidade de Lisboa. Um dos fidalgos que o acompanhavam, Martim Moniz, impediu o encerramento de uma das principais portas do castelo utilizando o próprio corpo como obstáculo. A história não o esqueceu. Em pleno coração de Lisboa uma praça guarda o seu nome. / Foi a partir desta praça, entalada entre duas colinas, que se formou pouco a pouco o Bairro da Mouraria. O local ganhou essa designação depois da conquista […].” (Agualusa 1999: 9)20
39Muito embora o fragmento acima tenha algumas imprecisões históricas e urbanas – uma das quais é que a Mouraria não se originou da praça. O seu interesse não é devido às suas aligeiradas citações históricas, mas justamente porque auxilia a compreender alguns dos elementos que contribuem para a construção de uma determinada tradição do bairro. Nesta ótica, o fragmento permite ilustrar três aspectos importantes: o ponto de abertura do roteiro Lisboa, Cidade de Exílios é a conquista da cidade aos mouros; a demarcação da origem da multietnicidade com a reconquista cristã e a demarcação da origem da Mouraria a partir da praça que, entretanto, recebeu o nome do lendário soldado.
40No decorrer deste roteiro, entretanto, é estabelecida uma relação entre a expansão portuguesa e o aparecimento dos africanos e indianos em Lisboa. E, de volta ao Largo do Martim Moniz, no bairro “dos últimos árabes de Lisboa” aparece, então, o Centro Comercial da Mouraria (CCM) descrito do seguinte modo:
“Lá dentro, numa única tarde, pode-se visitar quase todo o antigo Império Português. A fragrância forte das especiarias enlouquece o ar. Inevitavelmente vem-nos à memória a grande aventura dos Descobrimentos Portugueses: foi para renovar o fatigado sabor da culinária europeia que Vasco da Gama se lançou ao mar, em direcção à Índia, inaugurando uma nova rota comercial, e mudando assim os destinos do mundo. / Distribuídas por quatro andares do CCM encontram-se diversas lojas de produtos africanos, chineses e indianos. […] diversos cabeleireiros africanos, alfaiates congoleses, restaurantes chineses, indianos e africanos, casas de artesanato e discotecas especializadas em world music.” (Agualusa 1999: 20-21)
41Com a positivação do elemento mouro, a ideia de vencido que normalmente lhe era associada parece deixar de ter significado, dando-se uma espécie de transfiguração do seu significado através da utilização da designação árabe, desse modo adquirindo uma maior amplitude que, inclusivamente, faculta a aproximação com o universo de além-mar, o mundo ultramarino das descobertas portuguesas, com os aromas e cores também trazidos pelos indianos e africanos, seguidos dos chineses. Na sucessão de apropriações e transformações da história local, e da sua intersecção com momentos históricos fundamentais para a invenção da própria identidade nacional, verifica-se uma importante estratégia simbólica de positivação da imagem do outro que, assim, é transformado numa espécie de símbolo do lugar Mouraria
42Um artigo publicado na revista do Jornal de Notícias (da autoria de Fernanda Câncio) é dos poucos que traça uma pequena inflexão que suscita o questionamento relativamente a positivação em torno da noção de multiculturalidade e a sua relação com o mundo português. Abaixo reproduzo um fragmento do artigo, pois julgo ser interessante a forma como a autora se posiciona:
“E gostava de perceber o que é que fez com que aqui se cruzassem, como numa mini-exposição sui generis do ‘mundo português’, estas rotas tão distantes entre elas e entre nós, tão invisíveis nas nossas cidades, tão discretas na sua camuflagem. Costuma-se pensar e dizer que se em Portugal não há Chinatowns e Indiatowns e Africantows é porque entre nós as raças se misturam e se furtam aos guetos. Será?” (JN, Notícias Magazine, 14.09.1997)
43Num outro curioso artigo, intitulado “Multiculturalismo: entre Hong Kong e a Mouraria”, ainda que seja questionado o conceito de multicultural, Portugal é considerado, pelo autor do artigo (António Pinto Ribeiro), como um país que está na fase pré-moderna da multiculturalidade, tendo ainda muitos traços neocoloniais, onde a visibilidade e a expressão cultural dos imigrantes são “nulas ou escamoteadas”. Contudo, apesar da pré-modernidade referida pelo autor, parece que existe um único lugar no território nacional que ultrapassou essa fase: o CCM, já que
“o lugar mais cosmopolita, e o mais autenticamente multicultural, deste país é o Centro Comercial da Mouraria, com o seu cabeleireiro africano, as lojas de comida tailandesa, chinesa, as boutiques e sapatarias originários de mundo diversos. […] Porque é evidente a sensação de viajarmos ao interior de uma outra geografia e de um outro espaço com a sensação de estranheza de quem visita uma cidade desconhecida.” (Público, 16.11.2000)
44Para outros, o “verdadeiro cosmopolitismo” que caracteriza o CCM extravasou para todo o Largo do Martim Moniz onde, inclusivamente, é possível encontrar as “nossas minorias étnicas”
“onde se encontram em grande concentração quase todos os nossos grupos étnicos minoritários. Os dois centros comerciais no Martim Moniz podem ser feios por fora, mas um, o da Mouraria, é fantástico lá por dentro. Em três ou quatro andares e algumas dezenas de lojas faz-se a rota das Índias, com acompanhamento de músicas e perfumes. […] Pacóvios de nós, que achamos que a Avenida da Liberdade são os Campos Elíseos…” (Caetano, em revista do Independente, de 02.04.1999)
45E, assim, a Mouraria aparece como uma espécie de Meca da cidade de Lisboa, onde
“há um centro comercial verdadeiramente internacional. De um certo tipo de ‘internacionalidade’ – que não é branca. […] ‘Os portugueses, aqui, é que são os estrangeiros.’ A observação, generalista, vem de quem vive neste centro com alguma incomodidade: o lojista nacional, em minoria no meio de tanta moirama.” (Visão, 16.03.2000)
46Na curiosa geografia virtual do CCM, é insinuada a aproximação com mundos distantes num só espaço e num único tempo (uma única tarde parece servir para se passear no mundo português), transformando mundos próximos em distantes e quase sem interesse de visita. Para descrever a atmosfera multicultural do CCM, alguns traços surgem como característicos: odores, farinhas, cores, paladares, etc.21
“Um país é isto. Coisas pequenas, bibelôs, matérias perecíveis: pessoas, histórias, peles, rostos, olhares, cores, sotaques, sons e ritmos e paladares e pós estranhos e cheiros. Continentes esquecidos, mapas difíceis, memórias cruzadas. E ódios e desencontros e paixões e tudo ao mesmo tempo. É raro encontrar isso num único lugar, assim à mão. E logo no centro comercial de Lisboa. […] ao contrário do que acontece na maior parte das ruas de Portugal a razão é de vinte pessoas da etnia não branca para cada pessoa branca. […] Resumindo, entra-se ali e parece que se mudou de país, que se passou um fronteira, que algures na máquina do tempo e do espaço alguma coisa fez clique e aqui estamos. Como quando no meio de uma cidade como Nova Iorque ou Londres de repente damos connosco na China Town e, num minuto, somos nós os outros.” (Câncio, em JN, Notícias Magazine, 14.09.1997)
47Repare-se ainda que a Câmara Municipal de Lisboa, através do seu Departamento de Turismo, tem colocado à disposição nos postos de turismo alguns roteiros de passeios pelo centro histórico da cidade.22 Um desses roteiros inclui um trajeto que percorre a Mouraria, o Castelo e Alfama. Portanto, no que concerne à parte do passeio que se desenvolve na Mouraria, observa-se que esta para além de ficar pelas extremidades do bairro e erroneamente localizar a estação de Metro do Martim Moniz na Rua do Capelão (na realidade está na Rua da Mouraria), é interessante a referência ao facto de os principais pontos de destaque do bairro serem a Capela de Nossa Senhora da Saúde, o Largo do Martim Moniz e o Centro Comercial da Mouraria. Abaixo transcrevo a primeira parte do passeio e que se desenvolve na Mouraria:
“O passeio começa junto à estação de Metro Martim Moniz, na Rua do Capelão (1). Siga pela Rua da Mouraria até à igreja da Senhora da Saúde (2), com belos azulejos e altar em talha, visitável de tarde quando há missa. No renovado Largo Martim Moniz (3) fica o peculiar e multiétnico Centro Comercial da Mouraria. Entre no pitoresco bairro da Mouraria pelas Escadinhas da Saúde (4) e prossiga pelo Largo da Rosa, com o Convento de mesmo nome (5) e a Igreja de São Lourenço.” (Folow-me Lisboa, n.º 12, 30-31).
48A referência ao Centro Comercial da Mouraria como um espaço multiétnico que deve ser incluído nos percursos turísticos da zona é também assinalada pela associação dos Amigos de Lisboa:
“Mas no Martim Moniz existe também um símbolo de cultura multiétnica que Manolo Carrera, gastrónomo e tesoureiro da associação, lembra e integra na sua cruzada pela preservação da gastronomia lisboeta. ‘Naquele edifício tão feio (CCM) – que já que foi construído e não há esperança de vir abaixo, deveria ser pelo menos um pouco embelezado – fervilha um mundo de culturas e raças ligados à nossa história e que os lisboetas deveriam ter o direito de descobrir em segurança. São os genuínos cheiros, sabores e as cores da Índia, da China, de África, que também fazem parte do nosso património e que não deveriam estar guetizados’, defende.” (Público, 23.02.2000)
49Nos últimos anos, a Mouraria e em especial a Praça do Martim Moniz têm sido palco de um conjunto variado de eventos culturais e políticos cuja temática geralmente é de índole étnico-cultural ou respeitante à reivindicação dos direitos das minorias étnicas e dos direitos sindicais ou dos trabalhadores. Por exemplo, aquando da celebração do ano lunar chinês, em 1999, a Câmara Municipal de Lisboa organizou algumas manifestações (espetáculos de dança e artes marciais) em espaços públicos de valor simbólico para a cidade, como a Praça do Município, o Parque das Nações, os jardins da Torre de Belém e da Parada (em Campo de Ourique), e a Praça do Martim Moniz. Nessa última praça foram também montadas tendas para a venda de jogos eletrónicos e produtos alimentares chineses, bancas de divulgação da medicina oriental e das artes marciais chinesas, e bancas com adivinhos.23 Outro exemplo refere-se ao 1.º de Maio de 1999, quando a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) organizou uma manifestação de reivindicação.
50Portanto, sem descuidar do facto de que o Largo do Martim Moniz só foi devolvido à cidade como um espaço de utilidade pública em 1997, o que explica o porquê de um conjunto de iniciativas camarárias que incidem sobre esse local que, deste modo, visam reintegrar essa zona na cidade, abandonada que esteve desde os anos 40. Também é interessante notar a tendência para utilizar esse espaço com eventos de índole étnico-cultural, tendo tais manifestações grande visibilidade, fazendo menção a um conjunto de significados urbanos que associam o bairro da Mouraria à imagem de multietnicidade e multiculturalidade.
51Igualmente ali tem havido alguns comícios políticos de partidos de esquerda e de entidades que combatem o racismo e lutam pelo direito à integração das minorias étnicas, como é o caso da Frente Anti-Racista:
“A Praça do Martim Moniz, em Lisboa, não estava ontem muito diferente de outros fins-de-semana: povoada de imigrantes que ali se juntam para conviver. Um aglomerado de umas dezenas de pessoas à volta de um microfone a mudar de mão marcava a diferença. O objectivo da Frente Anti-Racista, que organizou a concentração, era afinal dar voz aos imigrantes. Levados pelo entusiasmo, alguns dos que falavam português tentaram a sua sorte. […] Para cativar os transeuntes curiosos mas não decididos a parar, esteve sempre activo o senegalês Seck, que repetia as mesmas frases sem conta, em português e francês, entre elas: ‘Contra um mundo de discriminação.’” (Público, 07.07.1999)24
52E nas paredes e muros da envolvente da Praça do Martim Moniz é comum encontrar cartazes que abordam temas políticos, muitos dos quais ligados à reivindicação dos direitos das minorias étnicas em Portugal, como à denúncia de situações de exploração e prisão política de indivíduos residentes em diversos países africanos e no mundo.
53As citações, embora longas, permitem compreender melhor como é que no processo de reconfiguração da imagem do bairro, a par de um conjunto de traços que permanecem e que circunstancialmente são mais ou menos amplificados, se dá um processo de invenção de outros traços, inclusivamente utilizados para suster uma determinada tradição intimamente associada às ideias de multiculturalidade e multietnicidade.
Um bairro contraditório, segregado e estigmatizado
Isto da vida é como as ruas da Mouraria, que todas são torcidas e todas vão dar ao mesmo sítio. (Araújo 1991)
Mouraria rima com chungaria (trabalhador de um dos restaurantes do CCM; em JN, 14.09.97)
54As significações de um imaginário que se constrói por entre contradições e emblematizações, e que tanto podem descrever o bairro como “capela do fado” como pela “invasão da prostituição” (Guia A Capital, 16.07.1983),25 ainda causam espanto a alguns jornalistas quando se dão conta de que má fama não é significado de insanidade por parte dos seus habitantes: “Mesmo que essa má fama tenha alguma razão de existir, o certo é que na Mouraria as pessoas são, de um modo geral, sãs e possuidoras de um bairrismo pouco comum” (O Dia, 26.07.94). Aliás, as contradições da Mouraria parecem ser um dos temas mais evocados pelos de fora. Pois como conciliar tipicidade, capela do fado, marginalidade, sagrado e profano, os sem-abrigo e a multiculturalidade?
55A elaboração de retratos ambíguos, contrastantes, estigmatizantes e, interessantemente, típicos de uma Mouraria que avança para o século XXI, relembra um conjunto de traços que têm sido referidos para descrever o bairro desde o final do século XIX, revelando como a imagem do bairro vem sendo construída através de uma mescla entre tipicidade e má fama. Por exemplo, o estatuto de bairro contrastante é particularmente evidenciado no “Guia” de A Capital (16.07.1983). Logo na contracapa desse guia, a Mouraria é introduzida como um dos bairros mais antigos e populares da cidade com muitas tradições enraizadas sendo, entretanto, sublinhada a sua singularidade como contexto de grande heterogeneidade e contrastes “onde o crime anda a par com a virtude, a feição plebeia com o aspecto aristocrático, a religião com os sentimentos mais profanos”. O primeiro artigo do guia, intitulado “Ghetto de Vencidos”, é particularmente expressivo de como se constrói uma imagem que, iniciada pelos contrastes do bairro, é colmatada com a marginalidade. Veja-se como é desenvolvida a temática desse artigo. Portanto, primeiramente é feito uma breve introdução sobre a origem do bairro, sendo observado que “a Mouraria resume a história dos vencimentos e testemunha a benevolência dos vencedores”. Posteriormente, o bairro é abordado a partir dos seguintes tópicos: (1.º) “Martim Moniz”, com uma pequena descrição da destruição da Baixa da Mouraria; (2.º) “Zona Campestre”, onde são relembradas as hortas que ocupavam o vale; (3.º) “Má Reputação”, onde é estabelecido um contraste entre o cenário bucólico das hortas e a sua tradição como bairro vicioso; (4.º) “Zona Marginal”, em que aparece a seguinte descrição:
“Assim é hoje, com efeito. A Mouraria contribui em larga escala para as estatísticas do crime,26 particularmente na área do Intendente; o calão dos marginais refinou-se a tal ponto que se tornou num vasto código indecifrável para os leigos; o contrabando e o jogo clandestino atingem proporções extraordinárias. […] Mas há o reverso da medalha: gente humilde e laboriosa que gosta de preservar as tradições do bairro, que se projecta no sucesso da sua marcha dos Santos Populares; que adere á Procissão da Senhora da Saúde; que volta aos fins-de-semana ao sítio que os viu nascer e de onde foram forçados a sair em virtude das demolições; alojando-se em outros bairros. […]. Vale dos vencidos […], a Mouraria ainda conserva algumas características de ‘Ghetto’, encravado no próprio coração da cidade. […] Amálgama de comportamentos e temperamentos contrastantes, este aglomerado citadino acumula os restos residuais de uma história com mais de oito séculos, ao longo da qual se entrecruzaram civilizações bem diversas e que se exprimem nas formas de sentir tão contraditórias da sua população.”
56O pároco do Socorro, ao idealizar o passado do bairro como tendo sido mais típico e característico, e sem se recordar da má reputação associada à Mouraria do tempo de antes, observou que a marginalidade que atualmente existe no bairro contribuiu para a sua descaracterização, porque “antigamente era um bairro onde havia fado e basta lembrar a Severa, a Rua do Capelão […]. Hoje já não tem isso, tem outras coisas que são menos agradáveis, é o caso da droga e da própria prostituição”.
57Para D. Rosa, trabalhadora num cabeleireiro local, o bairro agora “até parece o Texas, pois há 23 anos é que era um paraíso”. E o Sr. Den, um comerciante indiano que ali se instalou há mais de 15 anos porque a malta de origem moçambicana já cá estava e a zona já era conhecida pelo tipo de comércio que ali se realiza, salientou que apesar de já terem surgido muitas oportunidades, nunca pensou fixar residência com a família no bairro por causa do “ambiente que ali existe, com os problemas de roubo, prostituição e os sem-lar”. Por seu lado, D. Olga, uma portuguesa que também trabalha no comércio, até gosta do bairro mas “acho que o mau aspecto é que não dá bom ar, às vezes, em vez de ser pitoresco é decadente”. Decadência descrita pelo Sr. Paulo, também comerciante, como “uma vergonha, com tudo sujo, com as pessoas a dormir na rua. Porque quem vem visitar a Mouraria, quando chega no Martim Moniz, vê tanto lixo que vai logo embora, que aquilo é um péssimo cartão de visitas do bairro”, e para o Sr. Trajano, um comerciante português ali instalado há mais de 20 anos, agora “é tanta mistura que é difícil dizer o que caracteriza o bairro, porque antes se dizia o peixe e as vendedeiras, o fado, mas agora é a droga”.
58Bairro típico, bairrismo, festas populares, marcha, antigo são alguns dos principais traços que caracterizam a Mouraria, segundo os comerciantes que participaram do Inquérito realizado em 1999 (ver figura 14).27 No entanto, enquanto os comerciantes portugueses acentuavam a tipicidade do bairro às manifestações culturais como o fado, as festas populares, a procissão e ainda à figura da Severa; os indianos mais facilmente atribuíam essa tipicidade à ideia de antigo, histórico e ao bairrismo.28
59Repare-se que os comerciantes portugueses, a par de identificarem algumas características típicas relativamente ao bairro, mais rapidamente reconheciam a perda do bairrismo com o envelhecimento da população e a entrada de gente de fora, como ainda eram aqueles que mais associavam ao bairro atributos depreciativos, normalmente expressos pela degradação do edificado, a miséria, a sujidade, o problema da droga e dos sem-abrigo.
60Os comerciantes indianos, por seu lado, se bem que admitissem a existência de alguns problemas sociais e urbanos não os enfatizavam, fazendo menção da atividade comercial para singularizar a principal característica do bairro, observando que o comércio foi o que valorizou o bairro, até então marcado pela prostituição, tascas e bares. Neste sentido, os indianos, apesar de referirem que aumentou a concorrência no comércio causando alguns empecilhos ao desenvolvimento das suas atividades, foram quem mais enfatizou as melhorias urbanísticas efetuadas nos últimos anos.
61Dir-se-ia que as opiniões sobre o bairro, conforme expressas pelos comerciantes portugueses e indianos, enfatizam, no plano simbólico, determinados símbolos, identidades, traços culturais e urbanos que primam pela continuidade, daí a singularidade do bairro.
62No entanto, as significações imaginárias do bairro intersectam-se com as diferentes experiências urbanas desses indivíduos, como ainda se entrecruzam com a forma como percebem as diferentes práticas e dinâmicas que caracterizam a atualidade social e urbana do bairro. Aqui é promissor pensar que o processo de consolidação e reconfiguração da imagem simbólica do bairro sofre constantes interferências de lógicas contraditórias, ambíguas e ambivalentes. Refletindo-se, numa perspectiva mais ampla, num elaborado processo de invenção do bairro como contexto onde tanto existe a tipicidade e a diversidade social e cultural como um conjunto de liminaridades que evocam a sua existência como contexto estigmatizado.
63Um engenheiro que foi viver para a Costa do Castelo refere que não frequenta os cafés e tascas do núcleo do bairro porque a “frequência não é da melhor […] não é para se frequentar é para ir lá comprar cigarros, […] essas tascas aí, são os antros aí desses tipos […], são tipos do pequeno gamanço, do tráficozinho de droga e tal” (Branco 1992: 79). Curiosamente, esse mesmo engenheiro, compara ainda a marginalidade da Mouraria com aquela encontrada nos bairros negros situados nos centros das cidades norte-americanas. E uma free-lancer, também nova-residente, referiu que falta na sua zona uma “creche infantil de qualidade”, porque
“lá com aquelas criancinhas todas, quer dizer, uma grande misturada […] às tantas, em vez de falar, saía de lá completamente estúpido […], cheio de arranhões, todos sujos, nojentos com o ranho a cair. […] O problema são os putos que lá estão, aquilo é dos putos do bairro. […] Se houvesse pessoas suficientes, se as pessoas fizessem logo uma coisa muito mais cara que os outros não pudessem […], isso tudo bem.” (Branco 1992: 80)
64Os fragmentos acima são demonstrativos de uma clara demarcação social e espacial que os de fora fazem relativamente aos de dentro. E, nesse sentido, Branco (1992: 81) observou que os novos residentes (os de fora) estavam sempre a referir que residiam numa zona de fronteira com o bairro: na Rua Marquês de Ponte de Lima ou na Costa do Castelo. Essa autora observou ainda que os novos residentes se sentem discriminados por pagarem rendas mais altas, assinalando que tal pode potenciar conflitos, até porque, certas vezes, são assediados para pagarem obras de recuperação na casa dos vizinhos. Um outro aspecto também assinalado por Inês Branco é que alguns dos novos residentes quando para ali foram morar tiveram problemas de arrombamento e destruição dos seus automóveis, mas na medida que os antigos moradores perceberam que eles eram residentes deixaram de “fazer mal ao carro”. O Sr. Marcos, por exemplo, viveu alguns anos na Costa do Castelo, assinalou que nunca teve problema com o seu carro porque logo que foi para ali viver estabeleceu contactos com os toxicodependentes que andavam pela sua rua, observando que muitos outros moradores tinham problemas de roubos. Contudo, o Sr. Marcos resolveu mudar de casa e quando perguntei porque não ia procurar casa para o núcleo da Mouraria, respondeu:
“Na Marquês de Ponte de Lima não dava porque ali era mesmo a boca (do tráfico) e dentro da Mouraria não dá […], é muito pesado e quando tem rusga eles fecham o bairro e lá só se entra ou sai mostrando os documentos, senão a pessoa vai para a esquadra. Já viu chegar em casa e ter que mostrar os documentos?”
65Segundo D. Madalena, que apesar de não residir no bairro é funcionária numa das instituições existentes na freguesia, a má fama da Mouraria não é de agora, pois o avô que já tem 86 anos de idade “conta horrores” do bairro. Para ela, as pessoas do bairro são muito fechadas por causa da “conotação que o bairro tem e que por isso somente contam coisas quando já têm alguma intimidade, porque o bairro é conotado com bêbedos, prostitutas e agora com os toxicodependentes”. É ainda curioso observar que, alguns dias depois da troca de impressões com D. Madalena, houve um grande alarido no bairro por causa de uma notícia publicada no jornal A Capital (28.07.1999) e cuja capa tinha como principal título: “Novo Casal Ventoso no Martim Moniz”.29
66A má imagem da zona, é por exemplo, evidenciada num artigo da revista Visão (09.09.1993) no qual, ao ser comentada a “agressão urbanística” que ali teve lugar e que “os lisboetas odeiam”, é resumidamente apresentado o plano de requalificação urbana do Martim Moniz – que deu lugar à atual praça. A evocação feita à má imagem do Martim Moniz também é patente numa entrevista dada pelo presidente da Junta de Freguesia de Santa Justa, em 1996, sendo inferida a necessidade de todos as manhãs se efetuar uma “limpeza especial” na área devido à sujidade deixada pelos sem-abrigo:
“Existem áreas onde vivem os ‘sem-abrigo’ que infelizmente têm maior sujidade. Enquanto não for transformado o Martim Moniz, temos de dar-lhe a melhor imagem possível. No Martim Moniz são obras, é o cartão dos sem-abrigo, são sacos de plásticos, são restos de comida… Tem de haver uma limpeza especial, rápida e eficaz. Todos os dias de manhã temos de fazer, com a CML, uma limpeza a essas áreas, para que quando a cidade começa a funcionar esteja completamente limpo.” (Boletim Informativo da Junta de Freguesia de Santa Justa, 1.º trimestre de 1996)30
67Entretanto, a imagem de que a zona é suja também aparece associada à marginalidade, podendo essa evocação aparecer descrita como uma “insegurança real” que, entretanto, é provocada pela população flutuante que ocupa as arcadas do Centro Comercial da Mouraria, que fazem frente com a Praça do Martim Moniz, e “que continua a ser um dos pontos mais multiculturais da cidade”, mas também “é convidativa para os sem-abrigo” (JN, 11.04.1999). Afinal, “exclusão social afecta higiene urbana” (JN, 14.10.1999) e o Martim Moniz é uma das áreas que encabeça a lista dos locais de maior concentração dos sem-abrigo na cidade de Lisboa (Pereira e Silva 1997, 1999) e que, segundo um vereador da Câmara Municipal de Lisboa, constituem “legiões de dispensáveis criados pela sociedade neo-liberal” (cfr. cit. JN, 14.10.1999). A tendência para a localização dos sem-abrigo no bairro é tão visível que o arquiteto José Manuel Fernandes, ao comentar a qualidade do projeto arquitetónico da Praça do Martim Moniz, segundo ele comparável às praças centrais de Saragoça e de Sevilha, sugeriu:
“Porque não edificar, na vasta encosta a poente, entre escadinhas, o hospital e o castiço bairro de Santana, um grandioso Palácio dos Sem-Abrigo, para os que sobrevivem agora a custo entre as arcadas do Centro Comercial da Mouraria? O sítio da cidade é adequado (são como que as portas da Lisboa Oriental, pobre mas real); o programa parece ter futuro, como equipamento e símbolo solidário.” (Revista do semanário Expresso, 07.02.1998)
68“Mouraria vive em polvorosa”, foi o título principal do Jornal de Notícias de 13.03.1998, assinalando as “cenas diárias de pancada no centro comercial do bairro envolvendo gangs rivais de imigrantes africanos”, promovendo desse modo uma intensa vociferação no bairro de que a culpa da má fama era o Centro Comercial da Mouraria, pois afinal foi ele quem “desgraçou” o bairro. E no dia 17.06.1999 foi feita uma rusga na Praça do Martim Moniz intitulada “Operação Caril”, para detenção dos membros dos gangues dos telemóveis, dominados por asiáticos e africanos que ali faziam chamadas internacionais fraudulentas:
“Uma rusga na Praça do Martim Moniz redundou anteontem na detenção de 14 estrangeiros ilegais e na apreensão de 92 telemóveis. A operação denominada Caril, acontece depois de os comerciantes da zona terem entregue um abaixo-assinado a [ao Presidente da CML] manifestando preocupação com o clima de insegurança.” (Público, 19.06.1999)
“[Presidente da CML] reconhece que o processo de reabilitação urbana do Martim Moniz falhou. E que a culpa é do clima de insegurança da zona.” (Idem)
“ ‘A insegurança tem crescido nos últimos tempos, mesmo após as duas primeiras rusgas’, refere, preocupado J.N., um dos líderes da Comissão de Lojistas do Martim Moniz, formada precisamente para mudar a má imagem daquela praça.” (Ibidem)
69Mas o negócio das chamadas telefónicas fraudulentas tornou-se numa das imagens de marca da zona do Martim Moniz. Por exemplo, num artigo da revista Visão (16.03.2000) sobre a internacionalidade da Mouraria e, sobretudo, do Centro Comercial da Mouraria, ao serem comentadas as várias possibilidades de ali serem efetuadas chamadas por custos abaixo da tabela oficial, é referido que “a zona do Martim Moniz já ganhou fama, merecida, de ser um local onde as falcatruas com os telefones são mais que muitas”.
70A freguesia do Socorro e a Avenida Almirantes Reis (eixo Baixa-Arroios) detêm, na geografia da insegurança na cidade de Lisboa, uma especial relevância no número de delitos contra pessoas, viaturas e residências. Segundo o estudo sobre a “Segurança e vitimação na cidade de Lisboa”, desenvolvido pela Universidade Católica, a freguesia do Socorro é uma daquelas onde mais acontecem crimes relacionados com a delinquência (Público, 06.03.2000). Num segundo estudo, também desenvolvido pela equipa da Universidade Católica, a Avenida Almirante Reis é apontada como uma das zonas prioritárias ao nível da intervenção por parte das forças de segurança pública (Público, 20.02.2001).
71Observe-se que no estudo que Esteves (1995) desenvolveu sobre a relação entre a geografia da criminalidade urbana e a geografia da percepção da insegurança, a Mouraria e o Intendente são das áreas mais evocadas como sendo perigosas e onde os inquiridos não desejavam fixar residência. No entanto, de acordo com a autora, existem muitas discrepâncias entre a imagem / mapa mental da população quanto às zonas da cidade percebidas como mais inseguras e o mapa das reais ocorrências de criminalidade. Se bem que a zona do Intendente tenha muitas ocorrências denunciadas na polícia, o mesmo não se passa relativamente ao bairro da Mouraria. E aqui observe-se que quando se trata de demarcar a má fama daquela zona da cidade, o nome que mais normalmente vem à baila acaba por ser o da Mouraria. E, nesse sentido, repare-se ainda como se dá a recuperação da ideia de que a extensão do território do bairro é grande – sendo aqui englobado o Intendente como as freguesias de São Cristóvão / São Lourenço e Santa Justa.
“Os habitantes da freguesia sentem uma marginalização, já que quando montam arraiais na Rua da Palma e neles se dão incidentes ou actos de violência nos bares do Intendente, as notícias publicadas nos jornais, no dia seguinte, dão esses factos como ocorridos na Mouraria, quando afinal se passaram noutras freguesias. Será caso para dizer que uns comem os figos e a outros rebenta a boca.” (O Dia, 26.07.1994)
72Repare-se ainda que, no mesmo artigo do jornal O Dia, vinha sublinhado que a “prostituição e a criminalidade não habitam na Mouraria”, referindo-se à opinião do Presidente da Junta de Freguesia do Socorro, que procurava demarcar-se da inferência ao facto de as prostitutas serem do bairro da Mouraria, pois “na sua maioria não são de cá e o seu número é reduzido”, observando ainda que os crimes que mais ocorrem na freguesia se dão devido à toxicodependência, sendo sobretudo delitos contra viaturas que, mesmo assim, “é uma situação pouco frequente”.
73É interessante também ressalvar que, numa entrevista realizada, em 1998, com o subcomandante da 6.ª Esquadra da 2.ª Divisão da PSP, situada na Rua da Mouraria, a tão nomeada marginalidade e criminalidade no bairro e na freguesia do Socorro foi relativizada, tendo sido observado que o tráfico de narcóticos é em pequena escala e está localizado em determinadas zonas (ruas Marquês de Ponte de Lima e das Olarias e Largo das Olarias). De acordo com esse interlocutor, os principais problemas são devidos ao pequeno traficante que também é consumidor e que, por sua vez, comete atos de delinquência sobretudo relacionados com furtos. Relativamente ao problema da prostituição, foi referido que a sua maior incidência é nas freguesias de Santa Justa e dos Anjos, encontrando-se nessa última a zona do Intendente. Segundo o comandante, os principais riscos do bairro estariam relacionados com problemas ambientais como incêndios e desmoronamento de edifícios devido ao acentuado estado de degradação do parque edificado.
74Contudo, em finais do século XX, a Mouraria ainda continua a ser referida como o “parente pobre” dos outros bairros, um contexto com “gente de faca na liga” e como um bairro que “causa dores de cabeça”…
“O parente pobre dos núcleos históricos de Lisboa: não tem um único espaço verde e muitas das casas que não estão em ruínas, têm, como disse ao JN o tesoureiro da Junta do Socorro, ‘usos preocupantes’. Tantas vezes rotulada de zona de má reputação – ‘gente de faca na liga’ é uma expressão que ainda hoje se associa ao castiço bairro –, a Mouraria afugentou desde sempre os nobres e os burgueses. Hoje como ontem, os seus cerca de 4.500 habitantes são, na sua maioria, gente modesta. Mas, como confessou ao JN Vítor Gouveia, tesoureiro da Junta local […], a grande dor de cabeça da freguesia são os muitos imigrantes asiáticos e africanos que ali vão parar, ocupando em regime de aluguer de cama, casas sem as mínimas condições sanitárias, os sem-abrigo que pernoitam nas arcadas do Centro Comercial […].” (JN, 11.04.1999)
75Mas “chaga social” foi o termo utilizado pelo Jornal da Região (02.04.2001) para retratar a mistura de droga e prostituição que atravessa o eixo Baixa-Arroios, onde se situa a Mouraria e o Martim Moniz, e que no jornal é considerado com um eixo “invadido por marginais de toda espécie”.31 Veja-se um excerto do artigo:
“O problema, diz o Presidente da Junta de Arroios, é que aquela artéria – uma ‘espinal medula de Lisboa, com muito comércio – funciona como sítio de passagem entre o Casal Ventoso e a Curraleira’. É uma espécie de ‘grande corredor dos drogados’. E, na passagem, ‘se precisam de dinheiro para mais um chuto, assaltam mais alguém’. Quanto à concentração de imigrantes entre o Martim Moniz e o Intendente, R. N., presidente da Junta de Santa Justa diz que ‘não provocam problemas de maior’. Já para um funcionário de uma empresa no Intendente, não há dúvida que ‘a maior parte não tem documentos’. ‘Há aí muitas prostitutas zairenses, que chegam a Espanha, são postas na fronteira da Andaluzia e vêm para aqui’, comenta, acrescentando: ‘A polícia não revista ninguém.’ Um outro trabalhador no Intendente há 30 anos: ‘Esses imigrantes, africanos, paquistaneses, indianos, moldavos e kosovares, que andam para aí em grupo, não tenho nada contra eles, mas nunca os vejo a trabalhar e quem não trabalha vive de quê? De negócios ilícitos. Qualquer dia fazem disso um Bronx!’”.
76Contudo, “trazido para a ribalta pela polémica do fracassado elevador do castelo, o bairro enche o olho, visto de fora, mas é desolador olhado por dentro” (Público, 02.04.2001),32 foi a introdução de um artigo que procurava retratar a degradação dos edifícios do bairro, onde a insalubridade local aparece mencionada por relação às evocadas contradições da Mouraria:
“Percorrer os becos e travessas, deambular pelas ruelas e escadinhas da encosta que liga a Baixa ao castelo é sempre uma experiência contraditória. De um lado, o gozo dos olhos, a imagem do conjunto, uma espécie de vista aérea, distante embora próxima, o espírito do lugar, o peso do séculos e a paisagem humana – de novo e cada vez mais mestiçada por tons de chocolate e línguas bárbaras. Do outro, a descida à terra, os grandes planos deprimentes, a precariedade dos edifícios e as condições de habitação lastimáveis – a herança das vielas sombrias e insalubres.” (Idem)
77Um outro exemplo de como são abordadas as contradições do bairro pode ser expresso pelo dilema constituído pelo par tradição como bairro típico / tradição como bairro multiétnico. Como exemplo, tomo uma notícia do jornal Público (17.05.1996) em que era assinalado o debate promovido na sequência da apresentação pública do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria. Portanto, de acordo com a notícia, enquanto o representante camarário defendia que a vocação da Mouraria passava pelo turismo e pela cultura (leia-se: multiculturalidade), o Presidente da Junta de Freguesia do Socorro reparou que o bairro precisava de estabelecimentos que pudessem receber turistas sublinhando, entretanto, que era necessário um restaurante típico e uma Casa de Fados, e no decurso do debate um assistente da plateia comentou: “’Não será que os indianos, que são muçulmanos, não estão agora a tentar reconquistar aquela que já foi a sua encosta?’ Não houve respostas. Apenas, e novamente a afirmação do vereador de que é preciso ‘não hostilizar os indianos’” (Público, 17.05.1996).
78Observe-se ainda que, na revista do semanário Independente (02.04. 1999) foi dedicada uma atenção especial ao “mundo” na Almirante Reis. Nesse artigo, para além de ser traçada uma breve síntese da história dessa avenida e da sua sina como via “desdita” e “tabu”, “assombrada com néons de desgraça que se vêem muito longe”, Fernando Caetano, o autor do artigo, ironicamente lança uma questão que procura saber se a repugnância que se sentia pelos mouros que viviam nas encostas que margeiam a avenida do lado oriental, “terá escorrido […] pela encosta abaixo e ficado incrustada no leito da Avenida?”, ao ponto de ela ser tão mal dita pelos lisboetas: “Porque se hoje os cristãos se alteraram um pouco (e as ‘naturais repugnâncias’), os judeus e os mouros também. Hoje os não-cristãos lisboetas são indianos, africanos e chineses e continuam misteriosamente atraídos pelo sítio.”
79No artigo “Centro Comercial da Mouraria – um mundo português”, Fernanda Câncio referiu a estranha coincidência entre o CCM estar localizado no bairro da Mouraria e também ter o nome do bairro, pois
“para quem goste de símbolos não deixa de ser uma interessante coincidência. No vocabulário dos portugueses as palavras mouro (ou moiro) e mouraria têm significados muito curiosos: de árabe e muçulmano e infiel e pagão, num crescendo de “sinónimos” hostis que redundam na ideia de inimigo, a escuro e trabalhador (‘trabalhar como um mouro’, ‘mourejar’) e pobre (‘quem não tem padrinho morre mouro’) e até irado, assanhado e colérico, eis um exemplo mais que perfeito da contaminação mútua da linguagem, da História e dos (pre)conceitos que demonstra bem a tarefa gigantesca a que se propõe a correcção política. E que, traduzindo para a mouraria e simplificando o sentido das coisas, daria qualquer coisa como sítio dos estrangeiros, dos inimigos, dos excluídos, daqueles de quem se deve guardar distância.” (JN, Notícias Magazine, 14.09.1997)
80A imagem do Centro Comercial da Mouraria (CCM) enquanto uma espécie de paradigma da multiculturalidade coloca-o, inclusivamente, no cerne de um dilema político e cultural que transita entre a intenção de destruição do “mamarracho” que enfeia o bairro e a sua preservação como símbolo de um espaço pluralista. Neste sentido, julgo que é pertinente citar, uma vez mais, um outro fragmento do artigo de Fernanda Câncio, pois ele permite compreender um pouco melhor os dilemas que se colocam relativamente à definição de uma imagem do bairro:
“A verdade é que o CCM tem o condão raro de unir num mesmo saco as opiniões dos dois principais contendores pela Câmara de Lisboa,33 Ferreira do Amaral e João Soares. O último chegou mesmo, numa entrevista à revista Grande Reportagem há quatro meses atrás, a comprometer-se a derrubá-lo caso ganhe as eleições. Hoje tempera a resolução com alguns postulados politicamente correctos: ‘O que eu disse é que gostava que aquilo desaparecesse. Mas o que tenho feito desde sempre é afirmar Lisboa como uma cidade plural. E gostava de deixar claro que há ali coisas únicas do ponto de vista do comércio que têm de ser conservadas.’ Conservadas como e onde? ‘Eu estou-lhe a referir uma vaga intenção que está dependente de uma série de factores. Em primeiro lugar, tenho de ganhar as eleições, não é? Mas mesmo que se venha a optar pela demolição é primeiro preciso chegar a acordo com os proprietários do edifício e lojistas. O que há a ser mantido como espaço multicultural terá que ser ali. Naquele sítio.’ Sempre entusiasmado com a transformação da praça do Martim Moniz, que não se cansa de repetir estar naquele estado desde o tempo de Duarte Pacheco, o presidente da Câmara garante que depois das obras feitas […] o centro da Mouraria ainda surgirá mais claramente como ‘uma excrescência’. Do ponto de vista arquitectónico e talvez por outras razões ainda: ‘Também lhe digo que aquele lugar, e eu conheço-o muito bem, tem características muito complicadas. Metade das lojas não estão ocupadas e além do comércio de especiarias e das lojas chinesas e indianas há ali muita droga e muita marginalidade. E durante a noite aquilo é uma espécie de centro de acolhimento dos sem-abrigo.’ […] A única coisa que falta entender (ou não) é porque exactamente ali, assim, que se juntaram as tais vozes plurais que João Soares – e todos nós afinal – tanto tem em apreço.” (JN, Notícias Magazine, 14.09.1997)34
81A destruição do CCM voltou, contudo, a ser tema de conversas e notícias jornalísticas por causa de um incêndio deflagrado no seu primeiro andar na noite de 24.05.01, vindo a afectar algumas das lojas que faziam frente com a Rua da Mouraria. “Negação urbanística”, “insegurança” e “indisciplina”, “falta de sintonia com o bairro” são algumas das expressões mais utilizadas para referenciar a necessidade de se repensar a continuidade ou não do CCM:
“ ‘Este centro comercial é o mais fiscalizado de Lisboa, tendo sido aplicadas há poucos dias 30 multas por falhas de segurança. Os proprietários das lojas são muito indisciplinados em termos de segurança’, disse Vasco Franco [vereador responsável pelo pelouro da Segurança).” (Público, 26.05.01)
“Considerado por muitos como ‘uma negação urbanística’, há muito que o CCM é contestado. Os próprios moradores daquele típico bairro alfacinha exigem agora a sua demolição. Também o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa […] defendeu que o edifício ‘não está em sintonia com o bairro da Mouraria’.” (A Capital, 25.05.01)
82Saliento ainda que no editorial do Boletim Informativo da Junta de Freguesia de Santa Justa (do 4.º trimestre de 1997), da autoria daquele que à época era o presidente dessa Junta, já era reivindicada não só a destruição do CCM como também a do Centro Comercial do Martim Moniz sendo, ao mesmo tempo, referido que a culpa não é dos comerciantes que ali se instalaram:
“Existe hoje um Martim Moniz empobrecido do ponto de vista ambiental, arquitectónico e cultural, devido à implantação dos dois centros comerciais. / A este propósito é preciso que se diga, que os comerciantes que nele se fixaram não têm qualquer culpa, no entanto, acredita este executivo, que há necessidade de encontrar formas de enquadramento, para quem ali faz as suas compras encontre locais aprazíveis, que dê gosto visitar. / Quanto aos agentes económicos e trabalhadores dos centros comerciais do Martim Moniz, poderão sempre contar com a minha solidariedade enquanto eleito nesta autarquia.”
83Observo que o fragmento supracitado é de um autarca filiado no Partido Comunista Português (PCP), para assim mostrar que tais tipos de reivindicações não são descoincidentes com o que é proposto por outras forças políticas. Um outro exemplo significativo é que em decorrência do incêndio ocorrido no CCM em 24.05.01, membros do Partido Social Democrata (PSD) também se referiram à necessidade de destruição dos dois centros comerciais existentes na zona como de um plano urbanístico que permitisse qualificar o Martim Moniz (cfr. Público, 01.06.01).
84Repare-se, entretanto, que em tais discursos políticos a evocação feita à necessidade de destruição desses centros é fundamentada pela alegada falta de qualidade física e arquitetónica de ambos edifícios, sendo estrategicamente garantida a defesa do comércio ali realizado por diferentes grupos étnicos. Mas nesses discursos também é inferida a importância de se tornar a área mais aprazível, de modo a dar gosto de visitar, um aspecto que denota como a área é associada a uma má imagem. Aqui é recorrente observar que tais centros comerciais não se encontram abandonados nem tão-pouco sem clientela, pois os negócios ali realizados têm clientes e os dois centros comerciais são frequentados por um diferenciado número de indivíduos, isto é, são usados e apropriados, contudo e sobretudo, por não-brancos.
85Ai, Mouraria! Bairro aclamado como típico e popular, e mais recentemente como multiétnico. Bairro desdito como marginal e inseguro. Imagens desenhadas ao sabor das narrativas, das notícias, das festas e das ocorrências criminais. Mas que sobretudo se espelham e devolvem a imagem refletida, nas práticas e personagens que ocupam os espaços público e semipúblico do bairro. Imagens que historicamente se vão reproduzindo e reconfigurando, alterando ou não os personagens, as ações e as circunstâncias, continuando o bairro a ser conotado com a má fama e a insegurança.
Continuidades e inovações nas imagens e visões da Mouraria
Nunca se deve confundir a cidade com o discurso que a descreve. E contudo entre eles há uma relação. (Calvino 1992)
86Saudosamente recordada pelo seu pitoresco e peculiaridade cultural de sina fadista, a Mouraria é um bairro popular que, contraditoriamente e ambiguamente, também é repelido por essas mesmas características, entretanto exacerbadas enquanto vício, crime, atrofiamento urbano, miséria e insalubridade. Uma estranha combinação que, convertida em tipicidade e tradição, tornou-se tema para a autorrepresentação do bairro nos arraiais e nas marchas populares da cidade, sendo sobretudo evocado o mito da Severa. Mais recentemente, a ideia de que o bairro é secularmente atravessado por dinâmicas multiétnicas e multiculturais também tem contribuído para a invenção de uma outra tradição que, por sua vez, se espelha no par património / histórico e, curiosamente, recupera a lenda de Martim Moniz. Mas quer a versão popular e típica, quer a versão multicultural do bairro são atravessadas por um elaborado processo de segregação socio-espacial que, ao acentuar as tantas contradições, oposições e complicações do bairro, acabam por alimentar a imagem do bairro como espaço estigmatizado (ver quadro 33).
87No processo de consolidação e reconfiguração das imagens identitárias, verifica-se que, a par da continuidade de determinados traços que são utilizados para caracterizar a Mouraria, outros vão sendo indexados ao campo das significações imaginárias do bairro. Nesta perspectiva, em finais do século XIX e na primeira metade do século XX a Mouraria foi evocada através dos seus tipos sujos, brigões, boémios, fadistas e pelas prostitutas, mas também pelo seu pitoresco urbanístico e pela sua peculiaridade sociocultural. Entre os anos 30-60, a defesa do pitoresco é contraditoriamente associada à defesa de uma imagem urbana de higiene e civilização, e se bem que os outros bairros populares da cidade tenham sentido a ameaça da destruição, ela de facto foi impiedosa com as tão mal afamadas ruas, edifícios e gente da Mouraria. Um símbolo do vício que em plena década de 70 era noticiado a partir dos restos de uma destruição atroz, por onde insistentemente ainda se realizava a procissão e as festas populares.
88As décadas de 70 e 80, ainda marcadas pelo ideal da renovação urbana, deram lugar ao Centro Comercial da Mouraria (CCM), um edifício urbanisticamente controverso e que se transformou, com o Hotel Mundial, numa espécie de polos opostos do chamado convívio multiétnico: num deles a multietnicidade é símbolo de uma cultura historicamente localizada, no outro a multietnicidade é transfigurada em turismo, local de instalação para turistas. Rapidamente, o CCM começou a ser designado localmente e também na imprensa como “mamarracho”, enquanto endogenamente também é imaginado como parecido com as prisões norte-americanas (“como aquelas que passam nos filmes”, “parece a prisão Sing-Sing”). Em meados dos anos 80, entretanto, o bairro é foco de uma outra política urbana que, em vez de o renovar, visa a recuperação e reabilitação do seu património histórico e urbano. E aqui observe-se que o processo de reapropriação do património urbano e as dinâmicas de intervenção urbanística parecem inscrever-se no espaço público, reinventando cenários e imagens do que é tradicional e típico ou, como referiu Bourdin (1984), criando novas maneiras de pensar e representar o espaço. No ímpeto das revitalizações, uma nova imagem vai sendo construída e inventada como tradição multiétnica. Enquanto, de outro lado, a lenda de Martim Moniz é recuperada com alguma significância simbólica.
89Fins do século XX, princípios do século XXI, os espaços públicos do bairro são cada vez mais ponto de encontro de diferentes etnias e essa visibilidade não passa despercebida aos olhos de um qualquer transeunte ou dos fazedores de imagens da cidade.
90Mas a procissão ainda atravessa as ruas do bairro e da cidade; os arraiais populares englobam a casa, a rua, o bairro e a cidade num só espaço; a marcha continua a representar determinados símbolos emblemáticos do bairro e a percorrer as passarelas da cidade; as relações de vizinhança são intensas; a prostituição continua; os delitos aumentaram; os sem-abrigo subsistem; a toxicodependência e o tráfico de droga são reais; a ilegalidade e a marginalidade existem; as casas caem e incendeiam-se; e tais características estimulam a invenção de metáforas urbanas que também são fazedoras de imagens – endógenas e exógenas – do bairro.
91Contudo, as metáforas mais evocadas para mencionar o bairro tanto contribuem para o processo de segregação e estigmatização territorial como para o processo de emblematização do bairro. Pelo que, face à complexidade que tem lugar na Mouraria, pareceu-me fundamental a realização de uma leitura tripartida da sua realidade social, cultural, simbólica e urbana. Aqui foi, então, importante perceber como os de fora constroem imagens identitárias do bairro a partir de determinados personagens, situações e espaços que servem como temas para a invenção: (1.º) da tradição popular, (2.º) da tradição multiétnica e (3.º) de estigmas territoriais.
Notes de bas de page
1 Costa (1984b, 1988, 1999) tem chamado a atenção para a existência de uma interligação entre os vetores internos e externos na produção de identidade cultural de Alfama, e que nessa interligação tanto existem relações de comunicação como de dominação simbólica. Neste sentido, julgo que tais considerações também devem ser tidas em conta no que respeita à produção de imagens identitárias da Mouraria.
2 DaMatta (1981, 1990, 1991, 1994, 1996) tem procurado salientar a importância de realizar uma leitura tríplice da sociedade brasileira. Ciente de que existe alguma ousadia da minha parte em adaptar essa perspectiva de análise para o caso em questão, é interessante, entretanto, verificar como ela fornece instrumentos de análise que ajudam a interpretar e a conhecer melhor alguns dos processos de reconfiguração da imagem identitária do bairro ou, melhor dizendo, a ambiguidade subjacente às relações que dinamizam tais processos.
3 Eça de Queirós (1988), no romance Os Maias, narrou do seguinte modo um crime levado a cabo na Rua da Mouraria: “[…] uma rapariga com o ventre rasgado à navalha por uma companheira, vindo a morrer na rua em camisa, dois faias esfaqueando-se, toda uma viela em sangue”.
4 Segundo Marques (1967: 177), na primeira metade do século XX a noção de pitoresco foi frequentemente utilizada para descrever os antigos arruamentos e edifícios da cidade.
5 Por exemplo, no Guide Touristique de Lisbonne (1950), a Mouraria é referida como um bairro menos poético, mais sombrio e arruinado do que os outros bairros típicos da capital.
6 A destruição dos bairros populares foi, por amplos sectores da sociedade, considerada como condição impreterível para o progresso e a civilização de Lisboa. Tais ideais já vigoravam desde as últimas décadas do século XIX e alastraram pela primeira metade do século XX. Neste sentido, é considerável o papel que a imprensa diária teve na apelação da destruição desses bairros. Barata (2001: 60), tomando como referência artigos publicados no Diário de Notícias em princípios do século XX, destaca expressões que apelavam à imperiosa necessidade de melhorias nos “decrepitos bairros da Lisboa antiga”, onde a “hygiene, e até a justiça social” desses “bairros sombrios e viscosos” contrastavam com os “bairros luminosos e arejados”.
7 Exemplos de algumas manchetes de jornais desde 1980: “Dia de procissão é festa na Mouraria” (Guia de A Capital, 16.07.1983), “Povo põe futuro nas mãos da Senhora da Saúde” (Correio da Manhã, 09.05.1994), “Procissão encheu ruas da Mouraria – Devoção à Senhora da Saúde nasceu do milagre do fim de duas pestes” (Jornal de Notícias, 10.05.1999), “Lisboa celebrou a Senhora da Saúde” (Diário de Notícias, 10.05.1999), “Tarde de Procissão pelas ruas de Lisboa – Nossa Senhora da Saúde voltou à cidade” (Público, 08.05.2000).
8 Aqui é consideravelmente importante o momento de folclorização e institucionalização de um modelo de festa na cidade conforme à ideologia do Estado Novo. Neste sentido, Cordeiro (1995: 112), ao citar Brito (1982), refere que para tal foi fundamental o concurso da aldeia mais portuguesa, prolongando-se tal ideal na defesa de um “‘bairrismo’ local, de base regionalista”. Pelo que a correspondência entre a aldeia e o bairro permitiu que esse último prevalecesse “como modelo de interpretação da diversidade da realidade urbana lisboeta: uma realidade que só se conhece mitificando, idealizando esses bairros pobres de um centro histórico já, na altura, bastante degradado e envelhecido […]”. Pois, por detrás da defesa da aldeia ou do bairro mais típico, assentava-se um “complexo processo de construção social e simbólico: de invenção de comunidades homogéneas, detentoras de especificidades particularizantes – sendo a diversidade inter-aldeias, ou inter-bairros, a única possível – que se constituem como elementos estruturantes da vida nacional e/ou urbana, e que põem em marcha todo um jogo de interacções capazes de produzir alianças entre distintas camadas sociais e o poder político”.
9 Segundo Cordeiro (1995: 134-141), a evolução dos festejos da cidade desde finais do século XIX até finais do século XX pode ser faseada em quatro períodos distintos: (1.º) finais do século XIX e princípios do século XX, caracterizado por uma maior espontaneidade com pouca intervenção do poder municipal; (2.º) décadas de 10-20 do século XX, identificadas como uma fase de transição, marcada por uma primeira fase de menor intensidade das cerimónias festivas; entretanto, os festejos foram retomados com maior exuberância a partir dos anos 20, despertando o interesse dos intelectuais da época e de uma elite cultural ligada ao poder municipal; (3.º) décadas de 30-70, o período em que se verifica a folclorização dos festejos e a institucionalização de um modelo vigorosamente estimulado pela ideologia do Estado Novo; esse período tem como auge os anos 50 e entrou em decadência nos anos 70; (4.º) década de 80, período de revitalização dos rituais festivos que haviam sido interrompidos durante o período de mudança de regime político, verificando-se a tendência para, cada vez mais, o ritual das marchas populares ser oficialmente integrado no ciclo das comemorações públicas de Lisboa. Ainda a respeito das marchas populares e das festas da cidade, ver Mendes (1991a, 1991b); Ramalho (s/d); Brito et al. (1990).
10 Publicação da Câmara Municipal de Lisboa.
11 A par da interferência de outros aspectos, como por exemplo: o romance e a peça Severa (Dantas 1901), a adaptação da peça para opereta em 1909 e o filme de Leitão de Barros com data de 1931, cujo roteiro é baseado no romance de Júlio Dantas.
12 Aqui não estou preocupada com a validade ou não das dinâmicas desencadeadas pelo processo de reabilitação urbana, pois apenas tenciono compreender a repercussão de uma determinada representação sobre o complexo processo de construção de imagens socio-espaciais.
13 Juntamente com a sua Direção Municipal de Reabilitação Urbana (DMRU) e a Empresa dos Bairros Históricos de Lisboa (EBAHL).
14 Numa conversa com um técnico ligado à reabilitação urbana, foi-me sugerido que era importante revitalizar as tradições antigas porque a originalidade de determinadas manifestações culturais se estava a perder. Como exemplo, mostrou-se dececionado com o facto de a genuinidade na organização dos arraiais da cidade já não existir, desse modo indiciando uma espécie de nostalgia que tinha relativamente às tradições passadas e que, segundo ele, se foram perdendo com a transformação dos arraiais em negócios controlados por determinadas pessoas que somente visam o lucro.
15 Em 2001, na página do Partido Socialista sobre Autarquia (observa-se que a página já não se encontra online), vinha referido uma notícia sobre um megaprojeto para a Mouraria da responsabilidade do Gabinete Local. Na notícia era salientado que um dos principais objetivos desse projeto era “potenciar a maior riqueza da zona: a diversidade étnica” e, para tal, pretendiam: “Transformar fachadas e lojas, fechar algumas ruas ao trânsito, criar percursos exclusivamente pedonais e pensar em novas formas de organizar o estacionamento […]. […] Depois de um encontro entre alguns membros da autarquia lisboeta e responsáveis das diversas etnias, o gabinete começou a fazer os inquéritos à população local para a envolver no processo. A ideia chave é associar as regras arquitectónicas e urbanísticas da Mouraria à diversidade étnica da sua população. ‘Queremos fazer algo na zona que esteja de acordo com quem a vai utilizar. Os comerciantes e moradores locais têm uma palavra a dizer’, explicou Paulo Silva. No final dos inquéritos, que deverão terminar em Dezembro deste ano, o gabinete avança com os projectos de planificação do espaço comercial no sentido de o transformar de forma a espelhar as diversas etnias que ali se reúnem todos os dias. ‘A especificidade da Mouraria é uma riqueza que devemos potenciar e não esconder’, acrescentou o responsável pelo Gabinete.” Mais ao fim da notícia é, então, observado que “a encosta da Mouraria foi, desde sempre, coabitada por cristãos, mouros e judeus […]”.
16 À época vereador responsável pelo pelouro da Reabilitação Urbana da Câmara Municipal de Lisboa.
17 O arquiteto José Manuel Fernandes comentou que, apesar da feliz obra levada a cabo na construção da Praça do Martim Moniz e da sua importância simbólica, a solução estética que celebra o “mártir da conquista de Lisboa, o Martim Moniz […] é um pouco descritivo demais (as ‘portas’, os ‘guerreiros’, etc.)” (revista do semanário Expresso, 07.02.1998).
18 Este painel está posicionado na saída da estação de Metro do Martim Moniz, no sentido das ruas José Serrano e Barros Queirós, Hospital de São José, e ruas da Palma (poente) e de São Lázaro.
19 Não deixa de ser curiosa a correspondência entre a ideia de uma “Lisboa de todas as cores” (Agualusa 1999) – e que no roteiro foi traduzido para United Colours of Lisbon – com o anúncio da Benetton (United Colours of Benetton). Numa outra perspectiva, António Pinto Ribeiro, num artigo de opinião para o jornal Público (16.11.2000), observou a existência de um certo risco na utilização do conceito de multicultural como proposta de integração forçada das diferentes comunidades étnicas através do efeito de “benettonização” da sociedade.
20 A Câmara de Lisboa tem vindo a publicar roteiros temáticos para se passear na cidade, sendo estes distribuídos gratuitamente nos postos de turismo da municipalidade. Os três primeiros títulos publicados foram: A Lisboa de Saramago (Alves 1999); Lisboa nos Passos de Pessoa (Dias 1999); Lisboa, Cidade de Exílios (Agualusa 1999). Esse último roteiro procura traçar um percurso por uma Lisboa a que o autor chama de todas as cores, servindo a Mouraria como ponto de abertura do roteiro. Repare-se ainda que, após esses primeiros títulos, foram publicados três outros roteiros, um sobre a visita de poetas estrangeiros à cidade (Feijó 2000), outro sobre Pepe de Carvalho, espiões e heróis da cidade (Montalbán 2000) e um terceiro sobre o falsificador Alves dos Reis (Mota 2000). Portanto, à exceção do roteiro pela cidade colorida das etnias, todos os outros especificam a relação entre determinadas personalidades e a cidade. Neste sentido, é de ter em consideração a particularidade do roteiro sobre a cidade de todas as cores, no sentido em que, a par da existência de diferentes etnias na cidade, ele permite corroborar a ideia da construção de um campo de significações de um imaginário da cidade que se fundamenta na positivação da multietnicidade e do pluralismo.
21 Observo que para os moradores do bairro estes mesmos traços característicos funcionam como algo que se deve evitar, como se por detrás dessa percepção fosse assinalado o perigo de poluição simbólica (Douglas 1976). Por exemplo, certo dia estava sentada num dos bancos da Rua da Mouraria a conversar com uma portuguesa residente no bairro, quando em determinado momento comentei que iria dar uma volta no CCM, ao que ela prontamente respondeu: “Ih! Ali, com todos aqueles africanos, chineses […] e aquelas farinhas e aqueles cheiros esquisitos lá deles […], porque a menina não vai ao outro (referindo-se ao Centro Comercial do Martim Moniz), lá é mais arejado, é mais bonito!”
22 A respeito da construção de imaginário de Lisboa a partir dos guias e roteiros turísticos, consultar o trabalho de Henriques (1996).
23 Em finais de junho de 2001, a Câmara Municipal de Lisboa organizou uma Feira Multiétnica na Praça do Martim Moniz que, segundo me contaram, não contou com a afluência dos de dentro.
24 Sob o lema “Direitos Iguais e Documentos para Todos”, no dia 14.09.1999 houve uma outra manifestação promovida pela Rede Anti-Racista (RAR – composta, entre outras, pelas seguintes organizações: SOS Racismo, Frente Anti-Racista e Olho Vivo).
25 A sala do Grupo Desportivo da Mouraria onde se realizam sessões de fado chama-se “catedral do fado”. Salienta-se ainda que a designação “templo do fado”, muitas vezes, também aparece associada à Mouraria.
26 A ideia de que a Mouraria desempenha um importante papel nas estatísticas do crime já vem sendo referenciada desde finais do século XIX (Castilho 1967).
27 Uma das perguntas do inquérito efetuado aos comerciantes visava perceber como eles identificavam os atributos que melhor caracterizavam a Mouraria. Esta questão era aberta, pelo que procedi a uma análise de conteúdo das repostas fornecidas, e identifiquei as expressões mais frequentemente utilizadas para caracterizar a Mouraria, não tendo tido a preocupação de definir uma representatividade estatística para as respostas dadas, apenas associei as principais expressões a um conjunto de categorias que explicitassem melhor como o bairro era classificado. A figura 11 apenas ilustra esta análise.
28 Associada à categoria antigo apareciam expressões como: Lisboa velha, as ruas e edifícios velhos, património de Lisboa, as ruas tortas e velhas.
29 Este foi um dia de grande agitação no bairro, muitos tinham debaixo dos braços um exemplar do jornal que, entretanto, logo pela manhã cedo esgotou nas bancas de revistas das redondezas. Durante todo o dia, o tema das conversas girava em torno de uma ideia central: “até já chamam isto de Casal Ventoso […].” Eram muitos os que tinham uma opinião a dar ou um acontecimento para relatar sobre um toxicodependente seu conhecido. Mas rapidamente também comentavam que quem vendia no Martim Moniz não eram os brancos (que, segundo opinião local, vendem no eixo das ruas Marquês de Ponte de Lima / Amendoeira / Largo do Terreirinho). D. Ana traçou o seguinte comentário: “Falam daqui como se fosse o Casal Ventoso, mas quando se prende gente nunca é de cá”, salientando que quem assim fala não conhece a Mouraria, porque o “Casal Ventoso é que era um bairro perigoso”, observando ainda que existia uma má fama relacionada com a Mouraria, mas que nem sempre essa reputação correspondia à verdade. Entretanto, essa senhora nunca foi ao bairro do Casal Ventoso, mas curiosamente socorre-se da mesma lógica que imputa má fama à Mouraria ao transferir essa conotação para o Casal Ventoso. Sobre esse bairro, consultar Menezes (1993a, 1993b, 1994, 2000; Menezes, Rebelo e Craveiro (1992); Chaves (1999a, 1999b, 2000).
30 É conveniente ressalvar que à data em que o presidente da referida junta de freguesia esboçou este comentário, o Largo do Martim Moniz encontrava-se em obras por motivo da construção da praça ali instalada desde setembro de 1997. Após a conclusão das obras, os sem-abrigo passaram a concentrar-se nas arcadas do Centro Comercial da Mouraria. O reforço do policiamento e o aumento das ações de limpeza por parte dos serviços de saneamento da CML, sobretudo a partir do ano 2000, refletiram-se na diminuição dos sem-abrigo nas arcadas do referido centro.
31 Jornal semanal colocado gratuitamente nas caixas do correio.
32 Referência feita à controvérsia em torno da criação de um elevador para o Castelo num edifício da Rua do Poço do Borratém. Salienta-se que, face à imposição camarária que levou ao despejo daqueles que habitavam no referido edifício, moradores da freguesia do Socorro e freguesias limítrofes mostraram-se indignados pela forma como se procedeu à referida intervenção, alguns mais velhos até evocaram os tempos da destruição da Baixa da Mouraria. Repare-se ainda que, desde princípios do século XX, diferenciados projetistas têm imaginado a construção de um elevador que permita ligar o Martim Moniz ao Castelo de S. Jorge. Consultar o artigo de Francisco Silva Dias intitulado “Utopias para o Martim Moniz” (Lisboa - Urbanismo, Março / Abril, 1999, n.º 4) e o artigo “Projectos sobre as colinas da cidade – Lisboa suspensa” (Público, 22.01.2001).
33 Referência feita à campanha eleitoral (1997) para a Câmara Municipal de Lisboa em que os principais protagonistas foram Ferreira do Amaral (Partido Social Democrata – PSD) e João Soares (Partido Socialista – PS), tendo esse último ganho as eleições.
34 Veja-se ainda a seguinte notícia: “João Soares admite demolição do Centro Comercial da Mouraria” (Público, 02.12.1996).
Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.
A Europa é o Cacém
Mobilidades, Género e Sexualidade nos Deslocamentos de Jovens Brasileiros para Portugal
Paula Togni
2022
Mouraria, Retalhos de Um Imaginário: Significados Urbanos de Um Bairro de Lisboa
Marluci Menezes
2023