Introdução
p. 29-69
Texte intégral
1O hall está quase silencioso e a temperatura ambiente não é muito alta. As portas de vidro na entrada se abrem automaticamente conforme os visitantes entram e saem do prédio. O barulho das pessoas sendo chamadas, uma a uma, pelos seus respectivos números mistura-se com o barulho do abrir e fechar das portas de vidro, ritmando assim a espera das dezenas de pessoas ali presentes, munidas com as suas senhas ou formulários.
2Muitas delas apresentam sinais externos de pobreza: roupas puídas, rostos marcados por doença ou pelo consumo de álcool, barbas e cabelos mal cortados... muitos ficam em pé perto do balcão como se, por meio da presença física, pudessem acelerar o ritmo do atendimento.
3No meio deles, uma mulher com um bebê no colo espera para ser atendida. Ela bufa, assim como outros ali, fazendo questão de mostrar a sua impaciência de forma ostentatória. Ela ergue a voz e lança uma pergunta no ar, como se estivesse falando com algum funcionário da administração: “Pra1 quê fazer tantos guichês se afinal só dois ficam abertos?” Outros visitantes, porém, não aparentam estar nem um pouco apressados para que tudo isso acabe. Tal tranquilidade seria um sinal de ociosidade ou de resignação da parte dos acostumados com o guichê? Alguns perambulam pela sala, olham os demais e tecem conversas soltas, como se estar ali fizesse parte do cotidiano, como se a visita à agência da CAF fosse uma atividade diária ou uma saída como qualquer outra.
4Aos poucos, a sala vai se enchendo, e um dos agentes de atendimento o nota. Ele se dirige ao local chamado de “secção de pré-atendimento” – o primeiro lugar por onde passam os visitantes – e chama reforços. Todos ouvem o seu chamado, o que acaba causando um certo burburinho: “Mas não é muito cedo [para já precisar de mais gente]?”, “Que coisa!”. E o silêncio de outrora é rompido.
5Um senhor aproveita a oportunidade para contar o seu caso à moça ao seu lado: “Estão me pedindo um milhão [de francos] que eu nunca toquei! Eles não são capazes de tratar um caso corretamente. Mas eles não perdem por esperar: agora vai ter tribunal, vai ter oficial de justiça, o pacote todo!” Algum tempo depois, este mesmo senhor sairá dali sorridente após ter sido atendido, tecendo elogios e agradecendo a todos.
6Muitas pessoas seguram um papel nas mãos, na maioria dos casos trata-se de cartas enviadas pela própria administração. Um homem lê e relê a sua insistentemente, como se tentasse em vão decifrar a mensagem por trás daquela “notificação”. Ao ser chamado, ele se dirige ao guichê e estende rapidamente a tal carta ao agente. Quem sabe ele possa, enfim, entender o que ela está a lhe dizer.
7Do hall, longe da tensão resultante do tratamento burocrático dos casos, é possível ouvir alguns trechos das conversas travadas nos balcões de atendimento e logo se percebe que elas são banais e marcadas por um tom descontraído. Depois do cumprimento das formalidades burocráticas, como as perguntas habituais sobre a saúde das crianças e a previsão para as próximas férias, outros problemas são evocados. É comum que o agente do guichê seja tão solicitado para resolver problemas não-burocráticos quanto para resolver aqueles que estão ligados à situação administrativa dos “usuários” – mesmo que os primeiros, ao contrário dos segundos, não façam parte das suas incumbências profissionais. É o que acontece quando um visitante pede conselho sobre o que fazer com a sua filha mais velha, que terminará a escola no ano que vem sem qualificação nem perspectiva de futuro.
8Uma mulher e o seu irmão chegam à agência para pedir uma atestação de pagamento, documento este requisitado por um outro órgão administrativo. Eles se dirigem à “recepcionista” – como é chamada a funcionária encarregada de orientar os que chegam na agência – para lhe pedir que sejam atendidos prioritariamente. Ela os informa que há pessoas ali esperando há mais de uma hora. O homem insiste. Ele mostra a sua carteira de deficiente, prova administrativa dos méritos da sua solicitação. A recepcionista liga então para um outro serviço para perguntar sobre as regras de atendimento a pessoas com deficiência. Ela é informada de que não há tratamento preferencial para este tipo de caso; eles devem esperar como todo o mundo. O homem e a sua irmã reclamam, dizem que vão falar com o diretor e que existem razões de sobra para lhes “meter a mão na cara”. Algum tempo depois, eles acabam por se sentar e esperar serem chamados.
9Neste momento, a sala está praticamente lotada. Um dos agentes respira fundo antes de anunciar uma pane no sistema, sem previsão de volta. Um novo burburinho emerge, trazendo à tona uma irritação quase generalizada. Alguns vão embora, e os que ficam não sabem quanto tempo deverão ainda esperar e muito menos se os seus casos serão solucionados. Uma jovem levanta a voz: “Não é possível! Eu não aguento mais! Faz 45 minutos que a gente espera aqui e agora vamos ter que voltar outro dia e tudo isso porque eles perderam os nossos documentos!” O seu namorado tenta acalmá-la. “Isso acontece, não é culpa deles. Pode acontecer com todo mundo.” Como a moça, outros também levantam a voz ou adotam posturas similares demonstrando cansaço. Após tais reações, a sala volta ao estado inicial de calmaria.
***
10Os acontecimentos acima expostos foram observados nas salas de espera da Caixa de prestações familiares. Eles nos permitem pensar a maneira pela qual se opera a entrada – no sentido físico do termo – dos visitantes nas instituições, instituições estas constituindo o nosso terreno de pesquisa, e mais precisamente as agências da CAF.
11Tais observações também introduzem as questões que gostaríamos de tratar nesta obra, abrindo assim espaço para o nosso objeto de análise: a vida no guichê de atendimento e os diferentes usos deste atendimento dentro de uma administração.
12A vida no guichê é o trabalho cotidiano da administração; um universo feito aparentemente de rotina e anonimato, mas cujo equilíbrio é precário e cujos protagonistas não podem nunca ser reduzidos aos papéis padronizados que a instituição espera que eles adotem. A vida no guichê é também – e de fato – feita de identidades que se recompõem, de vidas singulares que se contam e as quais, de uma certa maneira, são determinadas no secreto de uma cabine de atendimento de um órgão administrativo.
13Os usos do atendimento são definidos como sendo o conjunto de regras que organizam as condições da relação administrativa e que garantem o bom funcionamento desta. Na maioria das vezes, tais regras não são escritas, mas transmitidas oralmente.
14Além de regras, a relação administrativa é marcada por funções e utilidades diversas. Os “usuários” não vêm apenas procurar aquilo que a instituição deve, oficialmente, lhes dar; além de soluções para problemas administrativos, as pessoas também chegam para pedir conselho, consideração e expressar seus sofrimentos e ressentimentos. Assim, o trabalho feito no guichê por estes “pequenos burocratas”2 não é nunca exclusivamente burocrático: ele pode se tornar tão facilmente um trabalho de assistência moral como um teste de resistência.
15Para abordar essas diferentes dimensões e desfazer-se, pois, de preconceitos frequentes e fortemente enraizados e de discursos administrativos sobre a administração que são, de igual modo, arraigados e recorrentes, três temas principais guiarão a nossa reflexão.
16O primeiro é o da identidade e dos papéis sociais que são adotados e desempenhados no balcão de atendimento. E aqui gostaríamos de voltar à questão da ficção produzida e, ao mesmo tempo, questionada pelo encontro burocrático. Tal ficção constrói duas entidades como sendo supostamente contrárias uma à outra: indivíduo versus administração.
17Primeiro, tal ficção mostra burocratas dotados de uma função precisa e precisamente codificada. E coloca que, ao exercerem tal função, eles perderiam suas características individuais a tal ponto que poderiam perfeitamente trocar de lugar uns com os outros, sem que isso alterasse o trabalho efetuado. Ora, nossas observações mostram que tal pressuposto está longe de corresponder com a realidade. A função destes burocratas está envolta de uma relativa incerteza. Na maioria das vezes, o público não conhece as atribuições desses funcionários, e os outros agentes da instituição – e até os próprios atendentes no balcão – têm por vezes uma vaga ideia do que realmente acontece no guichê.
18Tal imprecisão permite que esses agentes definam seus papéis com uma certa liberdade. E o que intervém fortemente neste processo de definição são as mais diversas disposições sociais (experiências, idade, preceitos morais, etc.) destes burocratas. Longe do ideal-tipo weberiano do burocrata exercendo suas atividades sine ira e studio, sem ódio e sem paixão – e a partir daí, sem “amor” ou sem “entusiasmo” (Weber 1995: 300), tais agentes evocam frequentemente o trabalho como sendo um lugar de forte engajamento pessoal dizendo, inclusive, que por vezes a visão pessoal se sobrepõe à postura profissional.
19Se, de um lado, há a ficção do burocrata impessoal, do outro, existe a ficção do usuário-padrão – e esta está igualmente longe de ser o que de fato acontece dentro das agências da Caixa de Prestações Familiares. Isso porque, em primeiro lugar, a diferença socioeconômica entre os beneficiários é grande. Por isso, o tratamento de cada caso implica necessariamente um trabalho de ajuste de cada situação ao(s) auxílio(s) em questão. Além disso, os próprios benefícios disponíveis são diferentes. Existem, por exemplo, aqueles destinados às pessoas em situação de precariedade (como a renda mínima de inserção, o auxílio para pai solteiro/isolado ou mãe solteira/isolada ou ainda a ajuda para deficientes físicos), assim como os benefícios que acabam correspondendo ao público de uma certa maneira mais abastado, como é o caso das prestações para o cuidado domiciliar de crianças.
20Em segundo lugar, considerando que essas ajudas tratam do que há de mais intimamente “privado” na vida das pessoas – nascimento de filhos, casamento, separação, estrutura familiar, óbito, etc. –, a concessão de tais auxílios implica lidar com histórias singulares assim como dar o mínimo de atenção às pessoas atendidas. E aqui, novamente, alguns ajustes são necessários, mas desta vez entre as especificidades biográficas dos indivíduos e as categorias previstas para o tratamento destes.
21Ou seja: nada de burocratas impessoais nem de usuários-padrão, mas sim agentes sociais portadores de disposições pessoais e que, em certas condições e até certo ponto, são levados a exercer o papel do burocrata ou o do usuário – ambos mais ou menos padronizados, ambos mais ou menos impessoais.
22Nesta perspectiva, é necessário mostrar como acontece uma espécie de transubstanciação do indivíduo em burocrata ou em usuário. Para isso, os efeitos de tal transformação devem ser considerados – sem que se esqueçam, é claro, de seus limites. Para os agentes administrativos, essa transubstanciação está ligada a obrigações (referentes à posição de agente), mas ela é também um recurso útil para reduzir o estresse e lidar com situações difíceis. E ainda: a discricionariedade do trabalho no guichê faz com que os atendentes nunca estejam inteiramente presos a um conformismo burocrático.
23Quanto aos indivíduos que aceitam se moldar à imagem de um usuário-padrão, usando por exemplo termos e categorias administrativas para traduzir a sua situação pessoal, eles acabam, quando o fazem, obedecendo à regra burocrática; mas, parafraseando uma outra máxima de Max Weber, eles não a obedecerão a não ser que lhes seja mais interessante e frutuoso obedecê-la do que desobedecê-la.
24Tal postura de obediência é frequente, mas não é sistemática e é sempre problemática. Quando realizada, a ficção do burocrata enfrentando o usuário facilita a resolução dos problemas administrativos e permite a manutenção da rotina burocrática. Mas isto não acontece sempre, muito pelo contrário. Primeiro, porque o esquecimento temporário das disposições individuais pode, de uma maneira ou de outra, falhar. E em segundo lugar, como mostraremos mais adiante, o sucesso das interações administrativas requer algo além de uma simples conformidade aos papéis institucionalmente definidos.
25O segundo tema-guia desta reflexão é o da regulação das tensões e da produção do consentimento – e de maneira geral, o da manutenção da ordem institucional. Este tema se justifica pois o guichê das agências da CAF é marcado por um conjunto de tensões.
26Nós citaremos, por enquanto, apenas as principais. Primeiramente, como em toda administração, é no balcão que se revela, denuncia e, em parte, se soluciona aquilo que faz parte do próprio funcionamento burocrático: as picuinhas, os erros e os atrasos da administração.
27Em seguida, mesmo se as agências da Caixa – como o próprio nome o indica – são antes de tudo instituições distribuidoras de recursos, algumas de suas práticas podem, no entanto, aparentar sanções. A supressão ou a diminuição de pagamentos são um exemplo, ou ainda a exigência do reembolso de somas recebidas indevidamente e até mesmo o recurso ao processo judicial em caso de fraude.
28Além disso, o nível de importância de tais rixas e sanções administrativas se dá de maneira proporcional à dependência financeira das pessoas: quanto mais um beneficiário for dependente das prestações recebidas, mais peso essas sanções terão para ele. Ou seja, o que pode ser simplesmente uma pequena intempérie para aqueles que são financeiramente autônomos, como reembolsos ou cortes, para os que não o são pode se transformar em um verdadeiro drama.
29Atualmente – e aqui citamos uma outra fonte de tensão –, a secção de atendimento das agências da CAF reúne agentes sociais em situação precária e que são marcados pelo fracasso e pelo ressentimento com o “sistema”, o qual é simbolizado por uma instituição desse tipo. Nesta perspectiva, os atendentes da CAF tratam do sofrimento social do público e, ao mesmo tempo, eles mesmos acabam sendo representantes da ordem social causadora de tais sofrimentos. Assim, quando esse público composto de “excluídos” se dirige em primeiro lugar ao balcão de atendimento, tais pessoas podem acabar por exercer uma espécie de violência reativa sobre os agentes.
30Por fim, as agências da Caixa de Prestações Familiares e os seus guichês de atendimento são lugares marcados por uma tensão entre “franceses da gema” e “estrangeiros”. Os imigrantes são acusados de serem indevidamente assistidos – e na maioria das vezes tais acusações são feitas a não-europeus, magrebinos, turcos e africanos. Estas pessoas são vistas como aproveitadoras das prestações sociais pelo facto de terem muitos filhos e/ou de enganarem o “sistema” de alguma forma. Tais visões constituem um dos elementos geradores das tensões mencionadas.
31O grande número de pessoas de origem estrangeira na sala de espera é, deste ponto de vista, interpretado de maneira racista como sendo uma “prova” da dependência abusiva dos imigrantes. E os preconceitos raciais ganham ainda mais força quando os “pequenos brancos” originários de classes populares fragilizadas pelo desemprego passam a ser confrontados fisicamente aos “estrangeiros” e colocados no mesmo nível de pessoas imigrantes das quais eles esperam se diferenciar.
32Eis, pois, um lugar repleto de tensões de todo o tipo. No entanto, a violência continua sendo algo raro por ali. Testemunham-se, claro, algumas disputas; de uma cabine à outra, os agentes contam uns aos outros as histórias que eles ouviram – mais do que viram ou viveram – de socos e confrontos físicos. E mesmo se a agressividade verbal é frequente, a violência física é, por sua vez, exceção. O que se pode dizer é que o clima é, regularmente, o da calmaria antes de uma tempestade que nunca chega.
33Assim, faz-se necessário mostrar como as tensões são, de diversas maneiras, controladas ou ao menos mascaradas; reconstituir as vias pelas quais são aceitos os procedimentos e as respostas institucionais aos problemas individuais; e, por fim, estabelecer os limites desta manutenção cotidiana da ordem institucional.
34Terceiro e último tema-guia: os usos da instituição, suas funções e suas transformações conjuntas. Antes de tudo, parar tratar dos usos – nos dois sentidos da palavra –, nós nos basearemos em dois postulados clássicos da sociologia das instituições.
35Primeiro postulado: uma instituição existe apenas por meio dos usos que se fazem dela. Nenhuma instituição existe por ela mesma; toda a instituição se concretiza não só quando ela define suas práticas, mas também quando as suas práticas a definem.
36Segundo postulado: nenhuma instituição, por mais coercitiva que seja, pode fazer com que se faça efetivamente uso dela da maneira institucionalmente recomendada. Sobre as instituições que nos interessam aqui, a combinação de diversos fatores (que serão expostos adiante) fez com que uma proporção crescente de indivíduos viesse das categorias mais desprovidas da sociedade, transformando assim a estrutura social da população de visitantes. De um certo modo, esta transformação de população está ligada às utilizações feitas no e do guichê. Isto porque uma vez que a estrutura social dos visitantes muda, mudam também as práticas e as expectativas destes em relação à instituição.
37Os usos que os visitantes fazem do guichê mudaram, sendo agora, dentre outros, um uso menos “autônomo” em termos (e vocabulário) administrativos. Ou seja, há uma menor conformidade às práticas institucionalmente prescritas. Também, tais usos se modificaram no sentido de que agora os pedidos são diversos: eles vão além do serviço estritamente burocrático até à expectativa de um diálogo maior ou ainda de soluções de problemas “pessoais” – ou seja, problemas não apreciáveis em termos de “dossiê”. Essas novas utilizações por parte dos visitantes não modificaram apenas as práticas dos próprios atendentes, que precisam agora se adaptar e responder a solicitações até então inéditas. Mais do que isso: estes funcionários podem agora cumprir suas vocações “sociais”.
38Ao mesmo tempo que tais mudanças dos usos da instituição, as funções desta também foram transformadas: de uma instituição “para as famílias” – e, por isso, incumbida de políticas natalistas e/ou familiares –, a Caixa de Prestações Familiares tornou-se gradualmente um dos principais organismos de tratamento público da miséria. E se antes já não se reduziam as funções dos guichês e das agências da CAF a deveres oficiais de atribuição de auxílios, de informação e de tratamento de dossiês, não se pode muito menos fazê-lo agora, no atual contexto.
39Lugar de recepção dos chamados (pudicamente) “excluídos”, o guichê é mais do que nunca um lugar de socialização, socialização esta entendida como a manutenção das relações sociais e do aprendizado das normas sociais. E mais do que nunca, as interações no guichê são a ocasião de atribuir identidades e impor regras de conduta – o que pode ser, por vezes, feito com uma certa violência. À manutenção da ordem institucional evocada acima, convém acrescentar que a relação administrativa contribui à manutenção da ordem social feita pela instituição.
40Identidades e papéis sociais; gestão das tensões; usos e funções da instituição: eis os três temas-guias destacados acima e que se interligam uns aos outros, formando assim a trama da nossa análise.
41Em primeiro lugar, o papel desempenhado pelos indivíduos está em parte ligado à produção do consentimento. Quando confrontados aos profissionais da administração, os visitantes são colocados em uma situação de requerentes, sendo quase sempre profanos em matéria de administração. Consequentemente, os visitantes estão predispostos a uma “identificação passiva” (Kaufmann 1994) durante as interações.
42De maneira certamente diferenciada de acordo com as suas posições sociais, eles são de maneira geral levados a se conformar com o papel institucionalmente prescrito e a aceitar as normas da instituição – pelo menos na hora do cara a cara com um agente no guichê. Assim, adotar um perfil administrativo significa também se comportar de maneira pouco chamativa.
43Os funcionários, por sua vez, dispõem de uma margem de manobra muito diferente. Ocupando uma posição de força e beneficiando de uma certa independência no trabalho, eles definem mais ativamente os seus próprios papéis. Eles podem particularmente alternar entre posturas mais “pessoais” (como se mostrarem mais compreensivos, mobilizarem competências ou valores próprios) e posturas mais formais ligadas às suas funções burocráticas.
44Este jogo duplo também se dá de acordo com a distância social que separa o agente do visitante. Uma aparência leve (ou leveza aparente) é construída para que se obtenha – de maneira “dócil e gentil” – a submissão do visitante. E isto é feito de modo ainda mais eficaz quando um dado visitante é tratado com consideração, ao mesmo tempo em que ele é lembrado da necessidade de se conformar às regras.
45Esta “mão de ferro dentro de uma luva de pelica”, como a nomeia um funcionário, ou ainda essa duplicidade inerente às interações burocráticas, possibilita aos que sabem manejar tais interações de se tornarem donos da situação, assegurando assim a produção do consentimento.
46Em segundo lugar, evocamos novamente os diferentes usos da instituição – e do guichê – para continuar a entrelaçar os três temas-guias da nossa reflexão. Tratar novamente destas utilizações nos permitirá adotar uma visão mais equilibrada da relação dos “usuários” à instituição: os beneficiários não são “vítimas passivas” desprovidas de liberdade e isentas de tácticas; esses indivíduos não apenas se conformam ao papel esperado deles pela instituição. Eles podem muito bem se aproveitar das falhas institucionais e fazer com que a ordem pacífica da instituição se torne problemática. Eles podem acomodar-se à instituição, mas também acomodá-la. E é jogando com a redefinição de papéis – e em particular o papel do atendente – que os novos usos do guichê acabam fazendo a instituição se adaptar.
47Antes de desenrolarmos e entrelaçarmos esses três temas-guias ao longo de todo o livro, gostaríamos de indicar os princípios de análise que orientaram tanto a nossa pesquisa quanto as vias empíricas pelas quais ela seguiu.
Quadro de análise e desenvolvimento da pesquisa
48Primeiramente, nós evocaremos aqui três problemas aos quais fomos confrontados a fim de darmos uma visão geral do quadro de análise. O primeiro concerne a construção das relações no guichê das administrações públicas como um objeto de investigação científica. O segundo está ligado à questão da identidade, e o último à ambiguidade das relações de dominação. Em segundo lugar, trataremos das características do terreno de observação assim como das condições nas quais esta pesquisa se deu.
a) As relações do guichê: do problema social ao objeto sociológico
49Sem dúvida, o guichê é aquilo que incarna melhor o modelo tradicional da administração e das relações que esta mantém com o seu público. Como escreve Jacques Chevallier, “o guichê representa a ilusão perfeita e a mais evocadora de um tipo distanciado e autoritário de relação: colocado em posição de pedinte ou de mero solicitante, o administrado é submetido à boa vontade do funcionário, sem esperar poder ultrapassar a barreira material e simbólica que separa o querer do público e a boa vontade do agente” (Chevallier 1983: 21). Uma boa ilustração de tal submissão é o fato de a maioria das pessoas entrevistadas considerarem que “aquele que está atrás do balcão” representa o “típico funcionário público” (Chevallier 1983: 76).
50De muitas maneiras, este caráter simbólico do guichê e das relações tecidas nele explica a razão por que ambos tenham sido o objeto da atenção política e institucional. Inclusive, tal atenção política aconteceu bem antes de o guichê e de as relações no guichê se tornarem objeto da observação científica de pesquisadoras e pesquisadores em Ciências Sociais. Ainda está para ser escrita a história da invenção e da evolução do guichê das administrações. Tal história viria reconstituir as formas concretas das relações entre
“o Estado e os cidadãos” ou entre “a administração e os usuários”. Essas relações – ao menos no caso francês – estão entre os problemas construídos e tratados nos programas ditos de “reforma” e, posteriormente, de “modernização” (do Estado ou da administração ou do serviço público, dependendo do período). Devido à falta de trabalhos que tratem de outros períodos além do contemporâneo, nós nos contentaremos aqui em citar apenas alguns exemplos. O primeiro é extraído de um documento de concepção do programa de modernização do Estado, o qual foi implementado durante o regime de Vichy (Archives nationales 1940):
No governo, existe uma vontade de reformar a França. O público não tem esta vontade. Ele compreenderá que alguma coisa mudou no dia em que, através de sua relação com o Estado, ele veja este mesmo Estado respeitar-se a si mesmo. Esse autorrespeito pode ser visto no estado de conservação dos locais públicos e na maneira de se vestir dos atendentes. Escritórios sujos, salas de espera sempre pequenas demais, uma espera desorganizada diante dos guichês provocando filas, vestuário regularmente incorreto ou até mesmo desleixado dos empregados, estupidez com os usuários – e ainda mais se estes tiverem a aparência de pobres coitados, etc. – são sinais notórios que confessam a fraqueza do Estado. Tais fatos não são universais; eles são muito frequentes e herdados de uma displicência ocorrida nos últimos anos. Se esta situação mudar, se o público encontrar locais organizados e limpos, funcionários bem-vestidos e amáveis, o sentimento que tudo mudou na nação surgirá. E então será um bom começo para a instauração de uma disciplina civil.3
51Um outro exemplo é retirado da Comissão Administração e Produtividade. Criada em 1955, ela trata do problema do atendimento ao público nas administrações referindo-se a um ideal de transparência: a administração deve ser uma “casa de vidro” (Legendre 1968: 523). Sobre o que nos concerne mais diretamente, Pierre Laroque, fundador da Sécurité sociale4 e depois presidente da União Nacional das Agências da Caixa de Prestações Familiares (UNCAF, na sigla em francês) aborda, na mesma época durante reuniões públicas e assembleias gerais, a questão das “relações públicas” e dos “problemas de contato com os usuários” (Catrice-Lorey 1973; Inspection générale des affaires sociales 1963).
52Na metade dos anos 1960, os responsáveis da UNCAF retomam a questão, mas sob o ângulo de uma “frequentação excessiva” dos guichês, a qual indicaria um mau funcionamento dos serviços, sendo os atrasos e erros vistos como a causa das visitas; uma primeira grande pesquisa estatística é lançada em 1964, seguida por uma outra em 1973 (Catrice-Lorey 1973). Outras administrações passam a se preocupar com tais questões, como mostra, por exemplo, a circular do primeiro-ministro publicada em 10 de abril de 1976 a qual preconiza “o desenvolvimento das funções de atendimento ao público” e a “personalização das relações administrativas” (Sadran 1983).
53Mais recentemente, as relações administrativas no guichê foram integradas aos programas de modernização do serviço público tais como elas tinham sido desenvolvidas na França desde o início e, sobretudo, no final dos anos 1980 (Sapin 1983; Ministère de la fonction publique et des réformes administratives 1990; Belorgey 1991; Wiener 1991; Zémor 1992). Ao mesmo tempo, o atendimento nas instituições públicas – e, de maneira geral, a relação administração-administrados – tornou-se um dos principais temas das reflexões sobre esta “modernização”, sendo considerado como um elemento a ser modernizado e ao, mesmo tempo, como um vetor de modernização (Chevallier 1992; Jobert 1992; Strobel 1993; Warin 1997).
54Inúmeros são os trabalhos, circulares, programas de formação, mudanças, etc. a esse respeito. Em 1992, um “estatuto do usuário” reafirma os princípios do serviço público nas “relações com o público” e preconiza melhoras concernindo as “populações desprovidas”. O ano de 1994 é designado pelo ministro da Função Pública como o “Ano do Atendimento” nas administrações. Em 1995, a CNAF lança o projeto “Linha do público”, que coordena uma série de iniciativas no domínio da relação com os usuários. Em 1997, uma lei é votada sobre as relações dos usuários com a administração...
55Não se trata aqui de analisar as condições de emergência do atendimento nas administrações como uma questão política e institucional, nem de tratar do vasto conjunto das políticas institucionais de comunicação pelas quais se transformaria a relação com o usuário. Esse trabalho já foi parcialmente feito para o período recente – mesmo considerando que, na maioria das vezes, tal trabalho é mais prescritivo do que analítico –, além de que ultrapassa as ambições desta obra. No entanto, é preciso chamar a atenção para os efeitos destes múltiplos investimentos públicos e institucionais sobre o objeto da nossa pesquisa.
56Antes de tudo, esses investimentos afetam as práticas dos protagonistas das relações construídas nos guichês: revalorização dos agentes, uma vez que estes estão no centro das atenções; exigências suplementares ou ironia dos usuários diante das mensagens de um atendimento modernizado – como, por exemplo, as reinterpretações irônicas de slogans como “Mova-se com os Correios”, “Com a SNCF (companhia nacional francesa de trens), tudo é possível!”, ou, para a CAF, “Ela torna a vida mais fácil”.
57Além disso e sobretudo, a construção político-burocrática da relação com a administração pode obstruir a compreensão do que realmente se trata quando se está no guichê. Assim, o fato de que “a relação com o público tenha se tornado um ponto essencial no discurso modernizador” (Weller 1998), aliado com a integração frequente de pesquisas nos programas de modernização das administrações, traz o risco de imposição da problemática “modernizadora” das instituições ao trabalho dos pesquisadores. E isto ocorre, de fato – e de maneira frequente, como mostram as pesquisas francesas dos anos 1990 citadas anteriormente. Ora, tal perspectiva da “modernização” aborda de maneira parcial e tendenciosa a relação com a administração.
58Inclusive, esta proximidade problemática – em todos os sentidos do termo – dos trabalhos de pesquisa com os programas institucionais causa problemas de vocabulário. As categorias mais frequentes de “usuário”, “cliente” ou “cidadão” não são universais nem isentas de uma dimensão normativa.
59É no período entre as duas guerras mundiais que a noção de usuário se sobrepõe às de administré ou assujetti,5 assim como a noção de serviço público se impõe a uma concorrente, a de poder público. O termo “usuário”, utilizado em direito administrativo desde os anos 1920, mas mais frequente nos anos 30, aparece então na intersecção de uma tendência do direito administrativo da III República, da economia social e do pensamento socialista do fim do século XIX (Daviet 1995). A estes três, são associados todos os mitos da concepção tradicional do serviço público (como o de “igualdade perante o serviço público”).
60Desde o fim dos anos 1970, a própria noção de “usuário” concorre com outra, a de cliente. Este termo, na sua versão americana, não tem a mesma conotação mercantil da versão francesa. Na França, ele foi primeiramente utilizado na área de gestão (Saias e Montebello 1979) e depois, como no Quebec, passa a ser utilizado como emblema das políticas neoliberais de alinhamento dos serviços públicos às lógicas da iniciativa privada (Quatrebarbes 1996; Quin 1997; Warin 1997).
61Como acontece de maneira geral nas políticas neoliberais europeias, essa transformação do “usuário” em “cliente” foi, em parte, inspirada pela Grã-Bretanha de Margaret Thatcher (Jeannot 1997) e reproduzida por organismos como a OCDE (OECD 1987, 1996). Além das suas prescrições quanto às práticas dos agentes da administração, a noção de cliente faz obstáculo à análise, pois tal noção alimenta a ideia fictícia de um consumidor livre em suas escolhas e de uma relação igualitária e isenta de dificuldades com a administração (Pinto 1990).
62E enfim, esta relação é cada vez mais pensada em termos de cidadania – o que não significa que tal leitura não sofra de algumas ambiguidades. A temática da cidadania está ligada ao problema da relação do indivíduo com o coletivo, ao qual ele deveria supostamente pertencer, e do status que o próprio indivíduo ocupa nesta coletividade. Esta temática liga-se à temática do atendimento, ambas tratando da relação com a coletividade por meio de uma perspectiva individualista.
63No contexto particular do sistema político-administrativo norte-americano, o “encontro burocrático” – bureaucratic encounter – pode, assim, ser analisado como uma forma de se relacionar com a política, do mesmo modo que o são os encontros com governantes (Jones et al. 1997; Moon, Serra e West 1995), o pagamento de impostos e o voto (estes vistos como sendo algumas expressões mais frequentes da cidadania) (Hasenfeld 1985: 622).
64Para Steven Peterson (1998), por exemplo, o encontro burocrático é uma forma importante de participação política das “pessoas ordinárias”. Para estas, a vida política consistiria mais no uso de programas públicos – e em particular os sociais – ou no contato com os agentes da administração do que no sair de casa para ir votar. Michael Lipsky parte de uma definição mais ampla e mais sociológica de cidadania, ressaltando o lugar que esta ocupa nos encontros com os agentes de base da administração pública: ela viria socializar os indivíduos às expectativas do serviço público sobre eles, dando-lhes um lugar na comunidade política ou ainda determinando aqueles para os quais se aplicam as sanções ou os serviços do Estado (Lipsky 1980).6
65Nada impede, pois, de se falar em cidadania ao se referir à relação com a administração, mas sob a condição de utilizá-la como conceito útil à descrição de práticas e não como um ideal (Leca 1991 [1986]). No entanto, na França, tal termo é utilizado mais da segunda maneira. Os discursos institucionais que o mobilizam entram no terreno da abstração política e acabam mais enobrecendo do que analisando, de fato, as práticas administrativas. Associando a relação com a administração pública aos valores positivos de adesão voluntária e autonomia, esses discursos acabam revelando finalidades e virtudes mais prescritivas do que descritivas.
66Sujeito a, administrado, usuário, cliente, cidadão... todas essas palavras são colocadas em armadilhas porque elas possuem conotações que as associam a seus usos sociais. E por isso elas são, explicitamente ou não, portadoras de uma teoria unificadora da relação com a administração. Além disso, nenhuma delas pode dar conta da diversidade das práticas, situações e questões constitutivas de tal relação.
67Deixaremos em aberto esta questão da qualificação dos agentes sociais engajados na relação administrativa, utilizando termos diferentes em função das situações e dos problemas a serem tratados e, sobretudo, em função das nomenclaturas, como a de visitante ou beneficiário (que são as mais utilizadas nas agências da CAF) que não prejulgam o caráter da relação administrativa.
68Deixemos para trás o terreno das problemáticas político-institucionais e avancemos para o da análise sociológica da relação administrativa. As perspectivas são variadas, indo da socio-economia das “relações de serviço” – visão esta que vai além das relações administrativas –, passando pela análise “do nível inferior” das políticas públicas – a qual não considera apenas o guichê, mas integra nas suas reflexões a confrontação entre os agentes e as utilizações do serviço público (Warin 1993) – e chegando, por fim, ao estudo das políticas administrativas (Bouchard 1991). Alguns artigos (Katz e Danet 1972; AA.VV. 1991) e revistas da literatura norte-americana (Katz e Danet 1973;7 Goodsell 1980), europeia (Grunow 1991) e francesa (Weller 1998)8 listam inúmeros trabalhos com abordagens extremamente diferentes entre eles. Não citaremos todos estes trabalhos aqui.
69Sobre os trabalhos franceses a respeito das relações de guichê, uma de suas principais tendências seguidas é a da microssociologia interacionista. Alguns trabalhos inspirados pela análise goffmaniana das relações de serviço (Goffman 1968)9 reconstituem as maneiras pelas quais as diferentes lógicas destas relações (civil, técnica e contratual) se entrelaçam. E ao fazerem-no, os autores ressaltam as trocas implícitas ocorridas nestas relações, assim como a construção das imagens do serviço público e suas lógicas contraditórias (como a lógica comercial e a de controle) (Joseph 1988).
70De maneira geral, os problemas desses tipos de abordagem estão ligados a um interacionismo radical que reduz o social a um conjunto de efeitos da interação (Bourdieu, Bouhedja e Givry 1990; Corcuff 1995).10 Neste sentido, o estudo das relações de guichê tende regularmente a uma descrição extenuante das interações de cara a cara, e acaba desvencilhando-as de outras relações sociais nas quais elas mesmas estão inscritas (organização institucional, posição e trajetória dos indivíduos, efeitos posteriores da interação, etc.). E é por isso que existe o risco de a relação com a administração ser reduzida a uma dimensão linguística, onde os efeitos e as causas, assim como as lógicas específicas da interação, tendem a desaparecer em uma análise linguística sofisticada (Boisset e Dartevelle 1994; Lacoste 1995).
71Além disso, se a categoria genérica de “relação de serviço” tem algumas virtudes em termos analíticos, pelo fato de evidenciar a aproximação ocorrida entre profissões socialmente diferentes (como exemplifica Goffman sobre a proximidade entre médico e garagista), tal categoria esconde, porém, as especificidades da relação com os serviços públicos. Com isso, ela acaba por integrar o “discurso gerencial”, segundo o qual a relação administrativa seria uma troca comercial (Demailly 1998).
72Se a nossa análise quer, como o faz a microssociologia interacionista, descrever de maneira precisa as práticas individuais e levar em conta a experiência individual do mundo social (Joseph 1998b), ela tenderá igualmente a uma perspectiva mais geral de tais práticas e experiências. E, com isso nós nos aproximamos dos trabalhos de Michael Lipsky quando este se interessa pelo lugar que os indivíduos ocupam nos serviços públicos e mostra assim como o conjunto de ações individuais faz emergir as políticas públicas.
73Desse modo, ele evidencia “the policy-making roles of street-level bureaucrats”, sendo os chamados street-level bureaucrats (como o agente do guichê) aqueles que tomam parte na fabricação das políticas. Isto não significa, portanto, que a história das políticas públicas se reduz à junção de tais práticas cotidianas. As políticas são igualmente moldadas por processos mais gerais, como a crise fiscal.
74Além disso, a obra de Lipsky evita uma separação microssociológica, uma vez que ele se focaliza na atualização das estruturas sociais na rotina cotidiana da administração. O autor estuda tal atualização, dentre outras maneiras, partindo da ativação dos estereótipos sociais e raciais, ligando as relações burocráticas às características da sociedade em questão – um pouco como faz Michel Crozier (1963)11 ao analisar o “fenômeno burocrático” como “fenômeno cultural francês”.
75Tentar-se-á, pois, neste livro aplicar às relações de guichê a distinção necessária entre “aquilo que é próprio da situação e aquilo que está em situação” (Goffman 1988: 208),12 isto é, chamar a atenção para o fato de que “a verdade da interação nunca está inteiramente na interação, ou seja, ela nunca está na forma com que a interação se mostra” (Bourdieu 1987: 151).13 E aqui citamos o trabalho de Lipsky evitando, ao mesmo tempo, graças a uma perspectiva mais empírica e monográfica, o principal limite que pode ser sublinhado de sua obra: o seu grande nível de generalização que acaba por apagar as diferenças entre os agentes com status tão diversos quanto um policial e um professor (Moore 1987).
76Assim, a análise proposta aqui é a de tentar reconstituir aquilo que das interações no guichê está ligado à estrutura social nas quais elas mesmas, as interações, estão necessariamente inscritas (posições sociais respectivas, condições socioeconômicas, lugar da instituição no tratamento dos problemas sociais). E o faremos sem omitir aquilo que é próprio do desenrolar da interação. Além disso, nossa análise tem por preocupação reconstituir os efeitos sociais mais gerais causados pelas relações entre os indivíduos: o que Lipsky nomeia “policy-making role”, ou seja, os efeitos de socialização por meio da inculcação de normas sociais nos usuários e as transformações da instituição por meio das ações dos usuários no guichê.
77Gostaríamos também de chamar a atenção para o fato de que tais reflexões não estão somente ligadas a uma preocupação metodológica (frequentemente citada) de articular os níveis “micro” e “macro” de uma realidade social. Inclusive, tal distinção entre níveis é questionada por historiadores, historiadoras e cientistas sociais (Giddens 1987 [1984]14; Schwartz 1993; Lepetit 1993; Revel 1994).
78Focalizar-se nas microrrelações pode, de fato, ser a melhor maneira de tratar o caráter socio-estrutural da relação com a administração. A leitura proposta por Robert Castel (1989: 34) de Manicômios, Prisões e Conventos, de Erving Goffman, fornece a esse respeito um ponto sólido de referência, ao afirmar que “a organização institucional impõe uma descrição fragmentada porque a realidade descrita é fragmentada, uma vida feita de fragmentos quebrados, despedaçados pelos cortes feitos pela dinâmica institucional”. Da mesma maneira, se bem que de formas evidentemente diferentes, as relações administração-administrados constituem uma realidade fragmentada pelo tratamento de uma série de indivíduos e não de um coletivo.
79Basear a análise nas interações no guichê não é uma escolha feita apenas por preferência teórica – o que significaria correr o risco de se perder em descrições anedóticas que viriam tratar de uma dimensão residual da ação pública. Mas sim e sobretudo, tal análise vem mostrar a característica estrutural do tratamento burocrático de indivíduos a partir de atos individuais. Seria deste modo que este “pequeno objeto” – como são consideradas as relações nos guichês administrativos – poderia, no fim de contas, vir revelar dimensões muito maiores. O estudo das interações administrativas permite uma melhor compreensão não somente do funcionamento da administração, mas também do processo de definição e atualização das regras institucionais, além de permitir um melhor entendimento de como é produzida, efetivamente, a ação do Estado.
80Além disso, este “pequeno objeto” vem revelar as contribuições da administração estatal para os mecanismos de identificação social. E tais contribuições são feitas de maneira particular dentro dos órgãos estatais, isso porque tais órgãos são perpassados pelas características do próprio Estado ao qual pertencem: um Estado-providência em recomposição e que vem redefinir as novas caras da “questão social”.
81Ao estudar as formas concretas dos mecanismos de identificação administrativa e as práticas graças às quais o consentimento é produzido e a ordem institucional mantida estaremos, no final das contas, trazendo luz às condições de manutenção da ordem institucional e as contribuições das instituições estatais para tal manutenção.
b) Papéis, identidades e instituição
82Este caminhar reflexivo (acima exposto) foi o mesmo que nos levou a tratar da vida no guichê sob o ângulo dos papéis sociais e das construções identitárias. Analisar uma instituição implica, necessariamente, analisar os papéis sociais que a fazem existir. Era o que já afirmava Everett Hughes (1937) ao dizer que “a história de uma instituição é a história do crescimento e da transformação das funções constitutivas dos papéis dados aos indivíduos que compõem a instituição”.
83Nesta mesma perspectiva, Peter Berger e Thomas Luckmann (1986: 101 em diante)15 definem a ligação existente entre os papéis individuais e a institucionalização: as instituições não podem existir a não ser pelo modo como os papéis relacionados à instituição são exercidos. E, como coloca Jacques Lagroye (1997a: 8), “a relação com a instituição é, antes de tudo, a relação com aquele que tem um papel na instituição [...], ela é antes de tudo a compreensão dos indivíduos que vivem na instituição, e o fato de eles exercerem um papel dentro dela nos dá uma ideia do que é a instituição”.
84A questão da identidade, quando interligada com a questão dos papéis sociais, nos permite ressaltar a figura daquele que, no período histórico particular da pesquisa, é visto como um problema para o tipo de relação social que nós observamos. Essa abordagem possibilita também inscrever esse “pequeno objeto” dentro de transformações sociais muito mais amplas.
85Se nos situamos em um nível bem geral, pode-se dizer, juntamente com Claude Dubar (1996), que a importância da noção de identidade está amplamente ligada com o questionamento das instâncias de socialização que afetam as sociedades contemporâneas. A questão da identidade é colocada de maneira particular no momento em que os mecanismos tradicionais de obtenção dos status sociais – e, consequentemente, os próprios status – são colocados em dúvida ou, pelo menos, são redefinidos por um conjunto de diversas transformações – conjunto esse mais conhecido pelo termo genérico de “crise” (como a crise do desemprego resultante do enfraquecimento da estrutura familiar tradicional).
86Em seguida, abordar a questão da identidade para tratar da relação administrativa significa levar em conta o lugar cada vez mais importante que as burocracias de Estado ocupam nos processos de identificação pessoal (Goffman 1975 [1963]). De fato, o processo de burocratização, tal qual ele é observado em um país como a França, contribuiu para fazer da administração um lugar fundamental para a produção de identidades; “identidades de papel” (Dardy 1990) que materializam a aquisição individual de um status, o que acontece precisamente na inscrição nos registros civis (Noiriel 1993) e na concessão de carteiras, como a de identidade, de estudante ou de eleitor (Offerlé 1993).
87Mas nem tudo acontece por escrito ou é registrado em papel, mesmo nas administrações. É também no encontro cara a cara no guichê da Prefeitura (Dardy 1994) ou no escritório da Agência Nacional do Emprego (ANPE, na sigla em francês) (Demazière 1992) que se constroem e se “negociam” as identidades. Como foi mencionado anteriormente, essas construções identitárias estão longe de ser pacíficas na relação administrativa; faz parte do trabalho cotidiano do guichê ter que resolver os conflitos inevitáveis entre as construções administrativas e as construções individuais das identidades dos beneficiários. E é justamente porque a identidade causa problemas nesta relação administrativa que uma análise nesse sentido parece ser necessária.
88E por fim, juntamente com Gérard Noiriel, podemos pensar que os procedimentos estatais de identificação exercem um papel central na interiorização da coerção (Noiriel 1991). Com a evolução do Estado-providência, mais “estigmas” são colocados sobre os corpos dos indivíduos. “Agora, é o próprio indivíduo que solicita as coerções impostas pelo poder. Para integrar as múltiplas categorias do direito que foram construídas pela sociedade democrática nacional, o ser humano moderno deve constantemente fazer com que a sua aparência seja vista como legítima” (Noiriel 1991: 313). E mais especificamente, o desenvolvimento de técnicas de identificação ocorrido ao longo do processo de evolução das legislações e das ajudas sociais mostra que o Estado-providência pode ser considerado como um instrumento eficaz de interiorização da dominação política. Os procedimentos de identificação observados aqui durante o curto tempo de interações face a face se inscrevem, como poderemos ver, em processos maiores; e as relações entre indivíduos por meio das quais tais processos se realizam estão em parte ligadas a mecanismos muito mais gerais, a saber: os de reprodução da ordem social.
89Enfim: crescimento da burocracia nos processos de identificação e peso importante desses processos na interiorização da coerção. Isto posto, não seria necessário relembrar de tais processos, nem de suas características gerais e duradouras, se eles não se apresentassem com uma particular acuidade no período contemporâneo.
90Em primeiro lugar (e nós não nos atardaremos neste ponto pois ele será trabalhado posteriormente), as instâncias tradicionais de socialização são colocadas em questão e, por vezes, tais instâncias se mostram ausentes para uma parcela importante da população desempregada ou sem redes estáveis de sociabilidade – como, por exemplo, a família e o círculo de amigos. Esta ausência faz com que as administrações, pelo fato de serem abertas ao público, se tornem um lugar importante de relação humana e de uma experiência de si mesmo. Neste sentido, não há outro momento em que o guichê de uma administração pública seja ainda mais um espaço de diálogo e de “exposição da pessoa” do que quando o “vínculo social” se quebra (Ion e Peroni 1997).
91Em segundo lugar, a identificação administrativa de indivíduos obteve recentemente uma importância inédita devido às transformações ocorridas nos procedimentos da ação pública. Tais transformações correspondem a uma tendência de se priorizar o tratamento individual dos problemas sociais em detrimento do tratamento coletivo. Uma amostra disso são as chamadas “novas políticas sociais”, cujo ótimo exemplo é a renda de inserção para os mais pobres (RMI, na sigla em francês).
92Essas políticas sociais são baseadas na personalização de procedimentos, que tem como marca o uso recorrente de contratos, e na importância cada vez maior dada à constituição de biografias administrativas (Astier 1995; Astier 1996). Além do RMI, podemos também citar outros dispositivos e instituições, como as missões locais para a empregabilidade de jovens (Jellab 1997), as comissões contra o endividamento ou ainda os programas sociais de moradia.
93Tais transformações impactam a própria definição das funções de uma “burocracia de base”, a qual passa agora a se encarregar de um conjunto de problemas individuais muito mais do que de problemas constituídos coletivamente (Bourdieu 1993a: 222-223).16 Essas mudanças também contribuem, de maneira bem concreta, para o aumento da frequência dos conflitos diretos entre a administração e os administrados. Além disso, elas também vêm redobrar os desafios de identificação administrativa dos casos individuais.
c) Relação administrativa e relação de dominação
94Como as linhas acima já indicam, analisar as relações no guichê de uma administração significa também tratar de uma relação de dominação. Repetir uma tal evidência faz-se, no entanto, necessário, nem que seja para contrabalancear a onipresença de um discurso irônico (evocado acima), o qual trata, dentre outras maneiras, da relação administrativa como sendo uma relação comercial. É nas interações administrativas que se impõem, de maneira concreta e interiorizada, as categorias do Estado: no caso do objeto desta pesquisa, tais categorias são aquelas que possibilitam ou não o acesso a auxílios.
95Este inculcar de categorias pode ser violento quando se trata de impor aos indivíduos um status que eles recusam – “Vocês não querem dar o braço a torcer, mas vocês formam um belo casal!”, como eu já ouvi um dia no guichê – ou quando, a contrario, a concessão do status é negada – “Não, você não pode ser considerada uma mãe de família”.
96Esta identificação por categorização impõe aos indivíduos formas obrigatórias de verem suas próprias vidas. Ela confere-lhes um lugar, mesmo se tal lugar não é o que eles desejam ou reivindicam. De igual modo, essas categorias não são somente um linguajar administrativo feito de nomenclaturas institucionais: elas são também categorias de julgamento. E quando aplicadas, elas vêm reconfortar, nas suas posições, aqueles que correspondem às normas em vigor – a de uma família estável, por exemplo. Mas para os que a observam de longe, tal aplicação de categorias tem mais a aparência de um processo de estigmatização.
97Assim, a violência não está apenas onde achamos que ela esteja – como nos mostram bem as lágrimas e a angústia visível dos usuários que ouvem suas dificuldades serem traduzidas pela boca de agentes administrativos ou ainda as pessoas que estão simplesmente perdidas em meio à tanta complexidade administrativa. Deste modo, esta pesquisa vem mostrar a gama complexa das relações de dominação, uma vez que vem reconstituir tais relações em sua dimensão mais concreta. E isto é feito de três maneiras: em primeiro lugar, este trabalho mostra que a dominação burocrática não é o resultado de uma administração anônima que aplicaria regras de maneira automática. A dominação ocorre por intermédio de indivíduos que não são meras engrenagens, mas sim pessoas cuja posição de autoridade autoriza julgamentos e prescrições; julgamentos e prescrições estes que não são exigidos pelo funcionamento administrativo, mas sim possibilitados por este.
98Alguns episódios do campo de pesquisa ilustram bem tal dominação: agentes no guichê, em suas respectivas posições de força, se veem no direito de questionar ou ainda de dar ordens a usuários, testemunhando assim muito mais de seus próprios valores pessoais do que de uma regra administrativa – “Talvez você deva parar de trocar de parceiro” ou ainda “E trabalho, você realmente está procurando um?”.
99Em segundo lugar, esta pesquisa permite tratar de uma ambivalência presente na relação com a instituição: de um lado, a relação produz o “vínculo social” e, do outro, a coerção. Ao mesmo tempo que tal ambiguidade ajuda as pessoas a “encararem” as dificuldades, ela também as coloca – e as faz ficarem – no seu lugar. Claudine Dardy mostra que quando se trata da ligação entre identidade e documentos administrativos, “tais documentos passam a ser tanto papéis que restringem, controlam – podendo ser até formas de controle estatal –, quanto papéis provedores de identidade. A identidade de cada um de nós – ou ao menos uma certa forma de identidade – se faz e se refaz nestes papéis administrativos, ela se desenha, se desvanece ou se afirma” (Dardy 1990: 13). O mesmo acontece nas relações de guichê: elas alternam entre reconforto e sanção e formam, ao mesmo tempo, vetores de imposição normativa e de “integração”.
100Todavia, nem tudo é dominação, e (em terceiro e último lugar) os beneficiários e as suas práticas não poderiam ser compreendidos se nós déssemos a eles apenas a categoria homogeneizadora de “dominados”. Alguns trabalhos de pesquisa, como o de Michel Messu (1990), alertam contra uma visão manipuladora e muito recorrente nas análises de políticas públicas que acaba por conferir aos beneficiários de ajuda e assistências sociais o papel de “vítimas”. A análise proposta aqui leva em conta tal alerta ao mesmo tempo em que busca evitar o oposto, ou seja, uma concepção exagerada das práticas dos usuários como sendo exageradamente “estratégicas”.
101De maneira geral, a aplicação mecânica de uma análise em termos de dominação pode mascarar e simplificar a diversidade de práticas, impedindo assim uma abordagem capaz de dar conta da complexidade do real. Entretanto, por outro lado, é igualmente verdade que não é possível tratar da complexidade das práticas que trataremos aqui se se abandonar a análise em termos de dominação, sob o argumento de que nem tudo se resume a lógicas de dominação – o que normalmente é feito por uma conceitualização estreita e redutora da dominação como sendo uma coerção pura e simples.
102Assim, tentar-se-á praticar o difícil exercício da “alternância”, como propõem Claude Grignon e Jean-Claude Passeron (1989): alternar entre a reconstituição das relações de dominação e as práticas que escapam ou limitam a dominação. É nesta perspectiva que proporemos algumas hipóteses complementares, tais como a hipótese de um mutismo e a de uma agressividade que nos ajudarão a pensar tais práticas levando em consideração esses dois pontos de vista da dominação.
103Tais hipóteses e descrições serão feitas na terceira parte deste livro, dedicada à descrição de “todas as formas circunstanciais de afirmação de não-dependência: o afastar-se (desaparecer quando a dominação não desaparece), a autoafirmação agressiva pela provocação, pela contestação ou pelo deboche e ainda a ostentação de uma força política, econômica ou física contrária...” (Grignon e Passeron 1989: 79).
d) Terreno de pesquisa e protocolo de observação
104Mesmo se as análises propostas visam trazer à luz a relação administrativa de uma forma geral, elas se baseiam em um tipo específico de administração e, por isso, as suas especificidades devem ser levadas em conta. O fato de a Caixa de Prestações Familiares distribuir recursos faz com que a relação seja consequentemente diferente de uma relação de cunho mercantil própria a outros serviços públicos, como, por exemplo, a SNCF (sigla em francês para a companhia nacional de trem), a EDF (sigla em francês para a empresa distribuidora de energia) ou os Correios.
105Com tais serviços, a proximidade é maior com a área comercial ou, como acontece em numerosos serviços municipais e em cartórios, o encontro burocrático se dá por meio de um pedido de inscrição ou de um documento administrativo. Se as instituições estudadas têm particularidades, e se a nossa pesquisa não pode ter a pretensão de querer englobar as múltiplas formas possíveis da interação administrativa, tentaremos mesmo assim fazer com que os resultados aqui expostos possam servir a outras pesquisas.
106Primeiramente, os trabalhos e observações complementares que tratam da relação no guichê de outras administrações nos fornecerão elementos de comparação necessários para que nós estabeleçamos as condições para a generalização de diferentes pontos de vista. Pode-se, inclusive, pensar que os principais processos observados aqui estão longe de concernir apenas aos casos estudados.
107Nas instituições observadas, a questão da relação com os usuários é colocada de uma maneira bem precisa e particular, e isso porque o número de visitantes aumentou consideravelmente, assim como as transformações que vieram afetar a composição social do público atendido. Por isso, pode-se pensar que as transformações das relações de guichê ocorridas em instituições que, como a CAF, são expostas mais diretamente à miséria, tendem hoje a ocorrer também em outras administrações – e de maneira cada vez mais recorrente e atingindo um maior número de serviços.
108O funcionamento de quase todas as instituições é afetado pela “exclusão”: é no guichê que as instituições são concretamente confrontadas a ela, além de que se espera destas uma certa luta contra a exclusão (Jeannot 1996). As pesquisas sobre o tratamento de “populações desfavorecidas” nas políticas de atendimento de diferentes órgãos administrativos ilustram abundantemente esta ligação entre “exclusão” e funcionamento institucional (Comité interministériel de l’évaluation des politiques publiques 1993). Problemas como o da gestão da distância social ou da consideração do sofrimento alheio são, deste modo, muito menos específicos à Caixa de Prestações Familiares, mesmo se nesta eles são mais visíveis e ocorrem há mais tempo.
109A pesquisa de campo foi feita em duas agências da CAF, uma na cidade de Béville e outra em Dombourg (os nomes são fictícios), ao longo do ano de 1995. Esses dois organismos – comparáveis em tamanho17 – cobrem toda (Dombourg) ou uma parte (Béville) das respectivas regiões, cada uma composta de uma zona central (57 000 e 45 000 habitantes, aproximadamente), de zonas urbanizadas com uma forte presença de imigrantes, assim como de zonas rurais.
110A composição social dessas populações é parecida, com Béville tendo uma proporção levemente maior de beneficiários em situação de precariedade. Utilizando apenas este indicador, a proporção de beneficiários de auxílios sociais do governo é de 15,7% em Béville contra 10,5% em Dombourg, sendo respectivamente de 7,4% e 5% para a renda mínima de inserção (RMI), de 6,15% e 4,5% para a prestação para adultos com deficiência e de 2,15% e 1% para o auxílio a pai solteiro/isolado ou mãe solteira/isolada.18
111Esses números colocam os dois casos estudados acima da média nacional das agências da CAF, nas quais 10% dos beneficiários recebem a Renda Mínima de Inserção. Os trabalhos realizados em outras agências nos permitirão colocar em perspectiva as observações aqui propostas e relativas às condições de atendimento. É preciso ressaltar que as condições de atendimento estão menos sob tensão nos organismos de médio porte do que nas agências das grandes aglomerações urbanas, onde o fluxo de visitantes e o tempo de espera são maiores e o ambiente é mais agressivo.19
112A observação foi feita em dois escritórios centrais da CAF, mas também em diversas “filiais” de atendimento (lugares que não são propriamente escritórios do órgão, mas que têm horários específicos de abertura para o atendimento do público da CAF). Esta diversidade de locais nos permitiu ver situações diferentes no que condiz às condições de atendimento e à composição social da população. O trabalho de campo foi organizado em sequências de ao menos uma semana completa e, por vezes, algumas semanas consecutivas. Os períodos de observação foram escolhidos de maneira que fosse possível incluir os momentos de forte pressão (como o mês de agosto, quando os direitos são recalculados) e os períodos mais calmos, quando os visitantes são menos numerosos e os assuntos a tratar menos conflituosos.
113A pesquisa ocorreu ao longo de pouco mais de seis meses, durante a primavera e o verão de 1995. A observação direta foi a principal técnica utilizada. De maneira pontual, as salas de espera ou as reuniões entre os agentes do guichê também foram observadas. Mas são sobretudo as interações cara a cara no guichê que são o objeto de nossas observações.
114Ao total, observamos aproximadamente 900 interações desse tipo, com um tempo de duração variando entre alguns minutos e mais de uma hora. No guichê, eu estava do lado dos agentes de atendimento. E fora combinado que, em caso de ser levantada algum tipo de questão ou de surpresa por parte dos visitantes – o que poderia acontecer por conta da minha presença silenciosa e das minhas anotações –, eu seria apresentado como estagiário, o que era credível tendo em vista a minha idade no momento da pesquisa (29 anos). No entanto, esta pequena mentira não foi necessária, porque os raros visitantes que notavam a minha presença com surpresa me identificaram automaticamente como estagiário.
115Muitos dias foram necessários para me familiarizar com as interações e adquirir o mínimo de conhecimento técnico necessário para compreendê-las. Precisei também de alguns dias para passar do estado de observação no qual tudo é anotado pelo motivo de que, segundo os manuais de etnografia, “tudo tem um significado” (Griaule 1957; Beaud e Weber 1997).20 Aos poucos, um manual de observação foi estabelecido a fim de traçar três séries principais de elementos.
116Primeiro, o tom geral e a evolução da interação em questão (cordialidade, agressividade, alternância de registros “pessoal” e estritamente administrativo). Em seguida, os beneficiários e suas práticas. Para estabelecer a posição social, eu pude acrescentar às informações observadas (Peretz 1998: 90)21 (como vestimenta e vocabulário utilizado) as informações que apareciam na tela do computador (situação da família, prestações recebidas e rendia). Neste sentido, eu anotava tudo o que pudesse ser utilizado dos gestos e palavras das pessoas como indicador de uma maior ou menor interiorização das regras administrativas: a maneira de exporem seus problemas, o fato de trazerem ou não a documentação – e o fazerem em qual ordem, e em qual estado estavam tais documentos, etc.
117Eu acordei uma atenção particular a todas – e foram numerosas, diga-se de passagem – as situações problemáticas, ou seja, situações nas quais expressavam-se, direto e reto, os questionamentos em relação à própria instituição, os pedidos de justificação, a angústia pessoal. Eu aproveitava o máximo possível a ausência do agente – se ele fosse, por exemplo, fazer uma cópia ou procurar um documento – para iniciar uma conversa com os beneficiários. E estes quase sempre me contavam suas histórias pessoais e dificuldades encontradas no tratamento administrativos de seus dossiês.
118O terceiro eixo de observação é o das práticas profissionais dos agentes do guichê: as suas maneiras de se dirigirem aos beneficiários, o nível de envolvimento na relação (tempo acordado, marcas de solicitude, eventuais conselhos ou opiniões pessoais...), os diferentes modos de gerenciar não só situações delicadas, mas também a exposição ao sofrimento pessoal dos atendidos (mesmo que não englobando uma parte quantitativa, esta pesquisa se aproxima das preconizações feitas por Jean Peneff (1995) quanto à observação em série de situações de trabalho profissional no trato com o público).
119Regularmente, e sobretudo após uma interação problemática, eu questionava o agente em questão sobre a sua opinião da interação que havia acabado de acontecer. Aos poucos, com uma proximidade se estabelecendo entre nós – entre mim e o agente –, o atendente vinha por iniciativa própria me falar de suas impressões e opiniões, uma vez o encontro finalizado.
120A unidade das estruturas das interações permitiu que estas – as interações – fossem observadas e, posteriormente, tratadas de maneira sistemática. O fato de elas seguirem um padrão acabou por produzir poucos efeitos de lassidão, estes inerentes à repetição.
121Em contrapartida, foi-me necessário trabalhar para evitar dois tipos de atitude às quais eu poderia ser levado a ter: tratando-se de indivíduos pertencentes às parcelas mais desprovidas do espaço social, era antes de tudo a inclinação ao julgamento moral que deveria ser controlada; e isso quer fosse em situações nas quais eu mesmo poderia ser influenciado pela atitude desdenhosa ou agressiva de um agente frente a uma pessoa pobre julgada por ele como não merecedora ou, ao contrário, estando diante de um beneficiário fraudulento ou inutilmente violento.
122Em seguida, foi-me preciso controlar os efeitos da emoção causada pelo acúmulo de histórias pessoais em sua maioria desoladoras. Ambos os problemas se transformaram rapidamente em instrumentos de pesquisa: de fato, a autorreflexão sobre potenciais atitudes moralizadoras e sobre as condições para se controlar as emoções se mostraram úteis para refletir sobre como os próprios agentes gerenciavam tais problemas.
123Tratemos agora dos possíveis efeitos da minha presença sobre o desenrolar das interações observadas: o clássico “paradoxo do observador” (Schwartz 1993). O fato de eu ter sido enviado por duas direções da instituição – primeiro a do organismo central (a Caixa de Prestações Familiares) e, em seguida, a das agências da CAF – poderia suscitar um temor nos agentes de que a minha presença resultasse em algum tipo de controle e de avaliação do trabalho deles (Schwartzman 1993).
124Tal temor pôde ser visto, no terreno de pesquisa, em um caso particular no qual notava-se uma correção hiperbólica da linguagem e um zelo tão ostentatório para com a “satisfação do usuário” que tais atitudes vieram a ser suspeitas: a funcionária em questão colocava pela primeira vez em prática – e pelo único fato da minha presença – os conselhos que havia recebido durante um estágio de formação alguns meses antes. Um outro agente insistiu bastante para que se aplicassem os “métodos” sobre os quais ele havia se vangloriado um pouco antes, durante uma de nossas entrevistas:
Nós discutimos entre nós para ver o que faríamos se você viesse, dissemos que nós fazemos normalmente. Nós falamos que tentaríamos ser [...] como somos normalmente. Nós tentamos agir como agimos normalmente, mas agora não é mais verdade, a gente faz atenção ao que a gente fala, viu. Eu não tô falando que eu não falo desse jeito quando você não está, mas é verdade que tem uma pequena diferença. Causa um pouco de incômodo. E talvez agora nós tomamos mais tempo para explicar as coisas pras pessoas, até para que você mesmo entenda melhor aquilo que é feito. (Christine Duval)22
125Existem, então, efeitos próprios à situação de observação, mas, fora os casos indicados anteriormente, eles parecem afetar pouco as práticas dos agentes de atendimento. A presença frequente de verdadeiros estagiários contribuía para aproximar o desenrolar da pesquisa com as situações habituais do cotidiano das agências. Eu, inclusive, acabei descobrindo ao longo da pesquisa que eu era considerado pelos próprios agentes como um estagiário, como ocorreu em situações em que eles vinham me explicar as dificuldades técnicas para o tratamento de tal e tal pedido.
126Além disso, a duração da pesquisa permitiu que a observação não fosse deformada pelo controle dos agentes; com o tempo, os funcionários pareciam se esquecer do olhar exterior sobre eles, descontraindo-se e não mais alterando as suas práticas ordinárias. Isto foi, inclusive, relatado por escrito por atendentes em seus comentários sobre as suas experiências da pesquisa.
127Sobre os beneficiários, os efeitos da minha presença são de mais difícil apreensão. Certos elementos fazem pensar que ela, a minha presença, pouco afetava os seus comportamentos. Eles se dirigiam apenas ao funcionário no guichê e faziam como se eu não estivesse ali. Um casal começou até a discutir, depois que o agente se ausentou do guichê, se eles deveriam ou não apresentar certos documentos e se estes não fariam com que seus benefícios diminuíssem, como se ninguém pudesse ouvi-los.
128Entretanto, conversando com os agentes, eu percebi que a minha presença, sendo a presença de um terceiro, acabou por influenciar a postura de alguns visitantes, como aqueles que se contiveram mais na hora de exporem os seus problemas pessoais, assim como aqueles que adotavam com menor frequência comportamentos agressivos. “Fica claro que, com a sua presença, eles ficavam um pouco apreensivos de falar” (Frédéric Galopin). “É verdade que eles gostam bastante de contar as histórias deles, mas quando você está lá do lado eles não contam da mesma maneira” (Frédérique Rouet).
129De forma menos frequente, a minha presença fez com que alguns teatralizassem, porque, afinal, agora havia um público para os assistir – a minha pessoa, no caso. E mesmo que seja necessário lembrar e ressaltar todos esses elementos, eles não parecem prejudicar a validade do material recolhido.
130Às observações diretas acrescentam-se as entrevistas. Aquelas que foram realizadas com 22 agentes de atendimento em duas agências da CAF foram, tanto quanto possível, feitas após eu ter passado muitas horas com eles no guichê. As trocas informais e as experiências compartilhadas nessas ocasiões serviram de chamarisco para entrevistas posteriores ou como momentos que vieram corroborar as entrevistas.
131As entrevistas, quanto a elas, foram conduzidas de maneira leve e flexível, tendo por pontos de articulação quatro grandes temas: a trajetória pessoal e profissional, o cargo de agente de atendimento (considerações gerais sobre a função, o lugar do agente na instituição, as mudanças que afetaram o cargo); a relação ao cargo (ressentimentos, satisfações, perspectivas, etc.); e o quarto e mais aprofundado, as práticas profissionais (táticas, maneiras de trabalhar, caracterização das relações com os beneficiários). Essas entrevistas foram complementadas com discussões informais durante refeições ou dentro dos escritórios e que foram possíveis graças a uma presença constante e relativamente longa no terreno.
132E, por fim, 120 entrevistas mais diretas e rápidas foram feitas com os usuários, antes e depois do atendimento, na sala de espera. Essas, por diferentes razões, foram difíceis de realizar. Primeiramente, as conversas eram truncadas, pelo facto de que os entrevistados tinham pouco domínio da expressão oral, o que acabou por produzir um sentimento de incômodo. Em segundo lugar, muitas pessoas recusavam as entrevistas inúmeras vezes porque elas me viam como um pesquisador a serviço da instituição; instituição esta que lhes gerava desconfiança ou ressentimento. E tais sentimentos eram ainda mais expostos na presença dos outros visitantes ali nos bancos ao lado da sala de espera. Tais recusas continuaram a ocorrer mesmo depois dos meus esforços para negar tal cooperação com a instituição.
133Durante as entrevistas, a maioria dos entrevistados respondia de maneira prolixa, usando três principais categorias de resposta: a primeira sobre o tempo de espera, a segunda com um “tudo ocorre bem/mal”, e a terceira com “eles são amáveis/não amáveis”. E é aí que reside o problema: as questões tratando dos acontecimentos mais comuns normalmente são respondidas de maneira breve ou, por vezes, elas não são nem mesmo respondidas. Numa espécie de mutismo, as pessoas não falam nada sobre acontecimentos corriqueiros porque, afinal, “não há nada de interessante para se dizer”. Ou ainda, ao serem questionadas sobre fatos banais, algumas pessoas aproveitam para falar de outra coisa (quantas vezes eu não fui confrontado com interlocutores tagarelas que não paravam de falar de assuntos muito distantes da pesquisa). Sem dúvida, tal dificuldade se deve à própria situação de entrevista: os entrevistados, uma vez expostos ao olhar alheio, se interessavam em chamar a atenção para suas dificuldades pessoais e problemas de gestão de seus casos, muito mais do que em falar sobre a experiência relacional com o guichê.
134Entretanto, essas entrevistas serviram para afinar certas hipóteses relativas à diversidade e à repartição social das relações institucionais. E isto a partir das indicações dadas sobre, dentre outros aspectos, a situação familiar e profissional, os motivos, a frequência e o desenrolar das visitas.
135Dadas tais precisões, adentremo-nos nos bastidores do guichê. Na primeira parte, apresentaremos a economia geral da relação administrativa tal como ela é observada dentro das agências da Caixa de Prestações Familiares. Insistiremos, precisamente, na assimetria dessa relação que reúne um atendente, investido de autoridade pela instituição para a qual ele trabalha, e um visitante, em posição de requerente e mais frequentemente desprovido de recursos que o permitiriam se colocar de igual para igual com o agente. Será também a ocasião de questionar as implicações e os efeitos sociais desta relação interindividual.
136As trajetórias, as práticas e os papéis dos agentes serão abordados na segunda parte. A análise do jogo duplo no qual eles se lançam, agindo de maneira alternada – de um lado como simples representantes de uma função oficial e, de outro, como indivíduos dotados de uma história pessoal, de competências e disposições próprias –, fará com que seja possível revelar as modalidades de controle das relações no guichê.
137Este controle não tem, no entanto, uma eficácia absoluta, e os visitantes não são vítimas passivas desprovidas de margem de manobra e de tática. A terceira parte virá, neste sentido, como uma contrapartida das duas antecedentes, apresentando as falhas e os questionamentos da manutenção da ordem institucional.
Notes de bas de page
1 Nota da tradutora: os erros do discurso oral foram mantidos pelo autor e marcados em itálico nesta tradução.
2 Nota da tradutora: o autor utiliza o termo “petits fonctionnaires” para se referir aos funcionários que trabalham no atendimento ao público.
3 Agradeço a Didier Geogarkakis pela transmissão desse documento.
4 Nota da tradutora: o termo “Sécurité sociale” refere-se ao sistema francês de dispositivos e de instituições majoritariamente públicas que têm por objetivo proteger os indivíduos de situações adversas da vida, os chamados “riscos sociais” (doenças, acidentes de trabalho, velhice, etc.).
5 Nota da tradutora: os termos “administré” (literalmente: administrado por) e “assujetti” (literalmente: sujeito a) possuem ambos uma conotação de passividade e submissão. Entretanto, no contexto político local, “administré” pode por vezes ser o equivalente de “os que constituem algo”. “Assujetti” é atualmente usado no sentido de “sujeito a impostos”.
6 A obra citada de Michael Lipsky também pode ser encontrada em português, como, por exemplo, em Burocracia de Nível de Rua. Dilema do Indivíduo nos Serviços Públicos (Brasília: Enap, 2009), edição expandida.
7 Sob a direção de Brenda Danet e Elihu Katz, este artigo lista numerosos trabalhos, das mais variadas orientações (do interacionismo simbólico aos especialistas da administração pública) e com diferentes campos de pesquisa (polícia, hospital, serviço social, etc.) e de diferentes países (Estados Unidos, Israel, Paquistão, etc.).
8 Nesta edição, encontra-se igualmente uma amostra de trabalhos franceses nas cinco sessões de La relation de service dans le secteur public, op. cit., e mais especificamente nas sessões III a V, Actes du colloque “À quoi servent les usagers?”, organizado em 1991.
9 A obra de Erving Goffman citada pode ser encontrada em português, como, por exemplo, sob os seguintes título e edição: Manicômios, Prisões e Conventos (São Paulo: Editora Perspectiva, 2019), 9.ª edição.
10 O trabalho de Philippe Corcuff também pode ser encontrado em português: As Novas Sociologias: Construções da Realidade Social (Bauru: EDUSC, 2001).
11 A obra citada de Michel Crozier também pode ser encontrada em português, como a versão sob os seguintes título e edição: O Fenômeno Burocrático (Brasília: Universidade de Brasília, 1981).
12 O artigo citado de Erving Goffman, publicado na obra organizada por Yves Winkin, foi publicado em português sob o título Os Homens e os Seus Momentos (Lisboa: Relógio d’Água, 1999).
13 Para a versão em língua portuguesa da referência bibliográfica de Pierre Bourdieu citada pelo autor, ver, por exemplo, Coisas Ditas (São Paulo: Editora Brasiliense, 1990).
14 O estudo de Anthony Giddens pode ser encontrado em português: A Constituição da Sociedade (São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009).
15 Para a versão em português da obra de Peter Berger e Thomas Luckmann consultar, por exemplo, A Construção Social da Realidade (Petrópolis: Editora Vozes, 2004), 24.ª edição.
16 O trabalho de Pierre Bourdieu citado pelo autor pode ser encontrado em português, por exemplo, no volume publicado sob o título A Miséria do Mundo (Petrópolis: Editora Vozes, 2012), 8.ª edição.
17 Respectivamente, 70 000 e 66 000 beneficiários. A nível nacional, a população média é da ordem de 75 000 beneficiários por cada agência da CAF.
18 Fonte: Relatórios anuais, 1995 (os números foram arredondados para o registro decimal mais próximo).
19 É o que mostra a pesquisa complementar feita por meio de um questionário à agência da CAF na região de Lyon. O trabalho foi feito por estudantes da Faculdade de Sociologia da Université Lyon II sob a minha direção e a de Bertrand Ravon. Deixo aqui os meus agradecimentos aos estudantes concernidos na realização desta pesquisa.
20 Para a versão em português da obra de Stéphane Beaud e Florence Weber, consultar, por exemplo, Guia para Pesquisa de Campo: Produzir e Analisar Dados Etnográficos (Petrópolis: Editora Vozes, 2014), 2.ª edição.
21 O livro citado de Henri Peretz pode também ser encontrado em português: Métodos em Sociologia: A Observação (Lisboa: Temas e Debates, 2000).
22 Cada atendente é designado por um pseudônimo. Uma lista com os seus respectivos indicadores biográficos, como nome (fictício), cargo e idade, consta em anexo no final deste livro.
Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.
A Europa é o Cacém
Mobilidades, Género e Sexualidade nos Deslocamentos de Jovens Brasileiros para Portugal
Paula Togni
2022
Mouraria, Retalhos de Um Imaginário: Significados Urbanos de Um Bairro de Lisboa
Marluci Menezes
2023