Apêndice
p. 221-233
Texte intégral
Critérios de classificação dos espigueiros
1Diversos têm sido os critérios adoptados para a classificação dos espigueiros do noroeste da Península, conforme os autores, por vezes influenciados pelas próprias teorias acerca da génese, natureza e evolução dessas construções. Damos a seguir o resumo dos esquemas classificatórios propostos pelos principais estudiosos que se ocuparam do assunto, e cujas teorias expusemos de páginas 193 a 197.
2Classificação de Frankowski – Ao mesmo tempo que a tese da origem palafítica dos «hórreos» do norte e noroeste peninsulares, e com ela relacionada, este Autor distingue cinco grupos dessas construções, correspondentes a outras tantas regiões diversas:
1) «Hórreos» asturianos;
2) «Hórreos» de Leão, Palencia e Santander;
3) «Hórreos» galegos;
4) «Hórreos» das Vascongadas ;
5) «Hórreos» portugueses.
3Considerando certos traços morfológicos e funcionais específicos destes vários «hórreos», podem estabelecer-se três categorias:
41. « Hórreos » galegos e portugueses, estreitos e alongados e com aberturas de ventilação, em relação com a sua função especializada de local de secagem e armazenagem do milho em espiga, próprio de terras húmidas – que além do mais demonstram «a mesma origem histórica dos dois povos vizinhos, tantas vezes comprovada pelos estudos etnográficos ».
52. «Hórreos» asturianos e de Leão e Palencia (estes últimos na sua forma mais antiga), que se opõem àqueles pelas suas funções de armazenagem de todos os produtos da terra, milho, trigo, batatas, favas, castanhas, carne, queijo (nos de Leão), e até roupa, servindo mesmo de vivenda no Verão; e pela sua forma maciça, de planta quadrangular quase quadrada, e sem rasgos de ventilação, sendo curioso notar que, aqui, o milho seca-se ao ar livre, pendurado em réstias do beiral do telhado ou da varanda destes «hórreos». Os «hórreos» de Leão e Palencia têm geralmente cobertura de palha.
63. « Hórreos » das Vascongadas – o «garaixe».
7Os «hórreos» asturianos (e vascos) são ora de planta quadrada, apoiados em quatro «pegollos» («hórreos» propriamente ditos), ora de planta mais alongada, e com maior número de pés e divisões interiores (« paneras ») ; e ora assentam os «pegolos» directamente no solo, ora se elevam sobre o telhado da própria casa («casa-hórreo»), ora finalmente têm a parte de baixo fechada, formando uma loja de arrumações. Os mais primitivos são singelos, de paredes lisas e fechadas; mas outros, mais evoluídos, mostram uma galeria ou varanda corrida, em toda a volta dos seus quatro lados.
8Dos «hórreos» galaico-portugueses, esboça uma classificação por formas que dependem dos diversos materiais com que são construídos, e cujas cinco categorias – que descreve na enorme variedade de formas dos seus elementos – correspondem a outras tantas fases sucessivas da evolução do próprio elemento:
1) « Hórreos » de verga entretecida;
2) « Hórreos » de madeira, com as paredes em ripado;
3) « Hórreos » de madeira, com certas partes do esqueleto já de pedra;
4) « Hórreos » todos de pedra;
5) « Hórreos » todos de pedra, com a parte de baixo fechada com paredes.
9Classificação de Lopez Soler – Este Autor, por seu turno, ao mesmo tempo que, como vimos, formula uma nova hipótese acerca da origem e evolução do espigueiro galego1, propõe uma classificação dos espigueiros galegos, únicos de que se ocupa, que, embora adopte o mesmo critério do material de que eles são feitos, diverge da de Frankowski em certos pontos. Assim, estabelece quatro categorias:
1) « Hórreos » todos de madeira (no centro e norte da zona);
2) « Hórreos » de vegetais arbustivos (na zona de Las Marinas);
3) « Hórreos » de pedra;
4) « Hórreos » mistos.
10Além destes, refere-se com frequência a «hórreos» de tijolo e cimento, embora não os considere num grupo à parte.
11Na segunda parte da sua obra, o Autor estabelece três novas classificações baseadas em certos traços dos «hórreos», que considera mais importantes:
121. Segundo os sistemas de sustentação do «hórreo», que podem ser: a) esteios ou pés direitos; b) «cepas» ou muros transversais; c) celeiros inferiores; d) base maciça.
132. Segundo a forma da câmara das espigas, que considera dependente dos materiais com que é feita: a) de varas; b) de madeira; c) de madeira e pedra; d) de pedra.
143. Segundo os materiais da cobertura: a) de telha; b) de piçarra; c) de madeira; d) de palha; podendo além disso os telhados ser de duas ou de quatro águas.
15Classificação de Walter Carlé – Este Autor – além de criticar a tese palafítica de Frankowski, quanto às origens do «hórreo» peninsular, que encontra em razões positivas de protecção contra roedores e humidade – segue fundamentalmente a classificação geográfica, distinguindo dois grandes grupos principais de «hórreos», com base na planta, no tamanho, e nas funções:
161. O «Hórreo» asturiano (que considera conjuntamente com os «garaixes» vascos); grande e de planta quadrada, simples celeiro sem traços específicos nem fendas de ventilação, destinado à armazenagem geral de vários produtos, e que se encontra nas províncias das Astúrias, leste de Lugo, Santander, Leão, Palencia e país basco;
172. O «Hórreo» galego, de planta rectangular e de menores dimensões, com grande desenvolvimento de fendas de ventilação, com funções específicas e quase exclusivas de seca e armazenagem do milho em espiga, e que se encontra, com grande número de formas e variantes, por toda a Galiza e NW de Portugal.
18Entre os tipos asturianos, o Autor distingue três classes:
1. Um tipo muito primitivo e tosco, com telhado de palha.
2. Um tipo primitivo mais evoluído, com telhados piramidais de quatro águas.
3. Um tipo desenvolvido, com galeria ou varanda a toda a volta.
19Pelo contrário, dos «hórreos» galaico-portugueses não estabelece qualquer classificação sistemática; aponta tipos diversos fundados na diversidade de materiais ou outro critério, e descreve algumas das formas sob que eles se apresentam, desenvolvendo principalmente um mapa da sua distribuição, em que procura localizar os tipos e delimitar as suas áreas respectivas.
20Classificação de Martinez Rodriguez – Finalmente, Martinez Rodriguez, depois de, num prévio trabalho analítico destes «hórreos» – Classificación tipologica de los Hórreos – ter feito, com o maior rigor sistemático, o estudo de todas as formas sob que se apresentam os seus elementos constitutivos2, e a crítica das classificações dos Autores que indicamos3, estabelece, num segundo livro – Tipos de hórreos del NW ibérico y eu distribución geografica4 – (com omissão, de resto, do caso português, que no seu primeiro trabalho considerara), a sua própria classificação tipológica, que adopta, como critério diferencial, o material de que são construídos (embora não considere que este tenha grande importância) como determinante de certas formas gerais, e que correlaciona com as respectivas técnicas:
211. « Hórreos » de ramos flexíveis entretecidos em trabalho de cestaria – que podem ser de planta circular (cabazos) ou alongada (cabaceiros ou palleiros), encontrando-se os primeiros nas zonas altas e frescas onde se cultiva pouco o milho (montanhas centrais da Galiza, a sul da província da Corunha, norte da de Pontevedra, e oeste da de Lugo) e os segundos em casos dispersos em várias zonas, mas sobretudo na província de Pontevedra.
222. « Hórreos » de madeira – que mostram grande diversidade de tipos, diferindo sobretudo pelas suas proporções e entre os quais inclui, afinal, os «hórreos» largos asturianos:
23a) Tipo «mariñán» – estreitos, altos, curtos, geralmente pequenos, nas zonas baixas que rodeiam as rias da Corunha e Betanzos (Las Mariñas).
b) Tipo «palleira» – também pequenos, mas menos altos e mais largos do que os anteriores, que aparecem dispersos por muitas partes, associados com outros maiores e mais sólidos, não sendo exclusivos de nenhuma comarca, mas frequentes nas províncias de Pontevedra e Orense.
c) Tipo Salnés – largo e baixo, de forma achatada, junto com outros tipos, entre as rias de Arosa e Pontevedra.
d) Tipo « bergantinán » – grande, muito largo e curto, de planta quadrangular que às vezes se alonga, na região de Bergantiños, a oeste da Corunha.
24Além destes, considera mais três variedades, também dentro dos «hórreos» de madeira, que diferem daqueles, não pelas proporções, mas por certas características de construção:
25a. Tipo Cabañas – como o «marinán», mas mais largo.
26b. Tipo Vilalba – também como o «marinán», mas com pés maciços ou transversais.
27c. Tipo Tui – do mesmo género, mas com ripado horizontal.
281. « Hórreos » mistos, de madeira e pedra, em que distingue cinco tipos:
29d. Tipo Carral – com os topos de pedra, na região próxima de Santiago de Compostela.
e. Tipo Mondoñedo – semelhante ao anterior, numa ampla zona costeira das províncias de Lugo e Corunha, até às Astúrias e, ao sul, até à meseta lucense.
f. Tipo El Pino – construído sobre um celeiro de pedra, numa área limitada a leste de Santiago de Compostela.
g. Tipo Mahia – com os topos, o piso, e «peones» de pedra, numa área extensa, ao sul da Corunha e norte de Pontevedra.
h .Tipo Pontevedra – com toda a armação da câmara de pedra, numa zona também extensa que abrange toda a província de Pontevedra e transborda sobre as da Corunha e Orense.
302. « Hórreos » de pedra – em que distingue seis tipos, um lucense, quatro corunheses e um pontevedrês:
31i. Tipo Ribadeo (lucense), rectangular, largo, grande, alto, construído sobre celeiro, na «mariña» lucense;
j. Tipo S. Pedro de Visma (corunhês), rectangular, largo, grande, também sobre celeiro, com fendas horizontais, a oeste da Corunha.
k. Tipo Coristanco (corunhês), grande, largo, rectangular, sobre «celeiro», às vezes assente em muitos pés finos, e sócalo, fendas horizontais, obtidas com peças intercaladas, numa zona pequena, na região de Carballo.
Tipo Finisterre (corunhês), rectangular, estreito, comprido, alto, sobre pés singelos de pedra, numa área extensa, a oeste da Corunha.
l. Tipo Noya (corunhês), também rectangular e estreito, sobre pés singelos de pedra, e com fendas horizontais, mas mais curto que o anterior, na região de Noya.
m .Tipo Morrazo (pontevedrês), rectangular e estreito, fendas verticais, sobre pés singelos de pedra, em notáveis trabalhos de cantaria, na Província de Pontevedra, sobretudo a oeste, entre as rias de Arosa e Pontevedra.
323. « Hórreos » de cimento e tijolo (albañileria), mais recentes, mas que tendem a substituir os velhos tipos de materiais tradicionais:
33n. Tipo Carballo – rectangular, curto, largo, sobre um celeiro, paredes de tijolo, com ou sem plataforma, na região de Bergantiño.
o. Tipo Cedeira – rectangular, estreito, pouco comprido, sobre celeiro, paredes feitas de peças de piçarra ordenadas em séries verticais, separadas por barrotes verticais, ao norte da Corunha.
Toponímia relacionada com o espigueiro
34Acerca deste assunto, que tratamos nas formas derivadas do étimo Hórreo a pág. 158, Leite de Vasconcelos (Rev. Lus., vol. 36, pág. 315) menciona o lugarejo de Canastrês, da freguesia de Ancêde, concelho de Baião. Segundo esse Autor, Canastrês derivaria de Canastro, nome de outro lugar onde teria existido um canastro de milho, cujos habitantes seriam conhecidos pelo de canastrêses. E explica a derivação imaginativamente, supondo que «um canas-três, que fosse para longe viver, levava instintivamente os vizinhos a chamarem à casa em que habitasse, a casa do Canastrês. Formada em volta segunda ou mais casas, tínhamos um povinho. E assim se constituiria o de que se está falando».
Origem e difusão do milho (Zea mays)
35Até ao século xvi, a palavra milho usava-se em Portugal para designar o milho miúdo, ou milho alvo (panicum miliaceum, Lin.), que, como dissemos, era um dos cereais primitivos de maior importância na região de Entre Douro e Minho, mencionado em documentos já dos séculos ix a x115. Em alguns autores do século xvi, nomeadamente em João de Barros, entre outros, encontramos a menção de milho zaburro, equiparado por uns ao sorgo e por outros ao milho grosso, numa controvérsia que se relaciona fundamentalmente com o próprio problema da origem e introdução deste último cereal entre nós. A partir do século xvi, temos notícia deste milho – o zea mays – que é designado também por esta palavra, quase sempre acompanhada de outro qualificativo – milho de maçaroca, milho maez, milho grosso ou milhão – que não só veio substituir e destronar pouco a pouco o milho miúdo6, mas inclusivamente produziu uma autêntica revolução rural, a «revolução do milho», como lhe chamou o geógrafo Orlando Ribeiro, pelo enorme e rápido incremento que toma a sua cultura, constituindo «um providencial enriquecimento do património agrário»7 do nosso país, sobretudo da faixa atlântica ao norte do Mondego.
36Deixamos já entender que o problema das origens desse cereal se encontra em aberto, e que não existe uniformidade de opiniões quanto à data da sua primeira chegada à Europa, nem ao local da sua proveniência e difusão originária. Colombo trouxe-o da América, onde o viu pela primeira vez em Cuba, em 5 de Novembro de 14928 e, antes desta data, não conhecemos menções indubitáveis a ele9; mais tarde um pouco, em 1498, o mesmo navegador refere-se a numerosos campos onde o milho era cultivado, na América Central10. De facto, à data da descoberta do novo Continente, esse cereal estava aí não só muito espalhado, mas era sem dúvida uma planta muito remota, da qual se encontraram vestígios em escavações no Peru, na Bolívia, no Novo México e no Arizona11. Já Darwin mostrara a sua antiguidade no Peru, quando descobriu restos dele juntamente com dezoito espécies de conchas marinhas, numa antiga praia elevada mais de 25 m acima do nível actual do mar12. Spinden, baseado na evolução da cerâmica, julga poder afirmar que o seu cultivo, no México, se fazia já há 4000 anos13; e as amostras da gruta de Bat, no Novo México, apontam, de acordo com o rádio carbono, a data de cerca de 1500 a.C. para o provável começo do cultivo do milho, que se teria espalhado até ao Sudeste dos Estados Unidos14. Em Espanha, as primeiras experiências fazem-se, segundo certos autores, em 1500, em Sevilha, no vale de Guadalquivir15, ou em 1515, segundo outros16; e daí ele irradia seguidamente e rapidamente para vários países da Europa, França17, Alemanha, Itália, Inglaterra18 e talvez mesmo para os países balcânicos, a Roménia e a Hungria19, a princípio como mera curiosidade, mas no século xvii já como produto alimentar de grande importância, mormente na Europa do Sul e Sudoeste20.
37Em todos estes países, o novo cereal recebeu nomes diferentes – «trigo de Roma» na Lorena; «trigo da Sicília» na Toscana, e «trigo da índia» na Sicília; «trigo de Espanha» nos Pirenéus, e «trigo da Barbaria» ou «da Guiné» na Provença; no Leste da França, na Alemanha, na Áustria, na Hungria, «trigo (ou «grano») da Turquia»; na Turquia, «trigo do Egipto»; na Suíça e no Oeste da Alemanha, «trigo espanhol», ou «indiano», etc.21. E evidente que todas estas expressões, que se encontram em textos para indicarem o milho grosso, confundindo-o, por assimilação, com os outros cereais preexistentes, e parecendo apontar-lhes origens geográficas, traduzem sobretudo a incerteza que então havia na Europa acerca dessas origens; mas numerosos autores, a partir da interpretação desses textos, tomaram-nas por verdadeiros argumentos linguísticos, e construíram as mais variadas hipóteses em relação ao problema. A. Mais, por exemplo (que, de resto, consigna a expressão «trigo da Turquia» também, segundo ele, usada em Espanha), embora admitindo que tenha havido, neste campo, relações da Espanha com o Próximo Oriente através da África, parece sobretudo inclinar-se para a hipótese da difusão do milho na Europa pelo espaço mediterrâneo, via Espanha, por um lado, e via Turquia, por outro22; Lopes Soler, considerando a designação de «trigo da Turquia» dada na Itália e em outros países, como vimos, ao milho, nos primeiros tempos da sua introdução na Europa, fala na presunção de que, «ao ser transportado a Espanha procedente da América», ele «levou-se simultaneamente das índias Orientais a outros países da Europa»23; etc.24. Jeffreys, por seu turno, com base nos argumentos com que defende a sua tese arábica, fala na existência do milho em África antes da descoberta da América; etc.
38No que se refere a Portugal, encontramos também opiniões diferentes acerca da proveniência originária do milho e da data da sua introdução no país. A partir da hipótese da sua origem americana e de que quem o trouxe para a Europa foi Colombo, e considerando que a expressão do milho zaburro se refere ao sorgo, Orlando Ribeiro, tal como Humlum, diz25 que os primeiros ensaios feitos na Península – e na Europa – tiveram lugar em 1500, em Sevilha, no vale de Guadalquivir; Lautensach aceita a mesma via de difusão, mas afirma que o novo cereal entrou em Espanha em 1515, por Cadiz26; ambos, de resto, concordam que o milho veio para Portugal da Andaluzia, tendo sido experimentado pela primeira vez no nosso país nos campos do Mondego, numa data compreendida entre 1515 e 152527.
39Seja como for, em seguida à referência ao milho nos campos do Mondego, em 1525, temos menções expressas em Lamego, em 1531, portanto pouco depois dessa data; em 1533 o seu preço já tinha ultrapassado nos mercados o dos outros cereais, como o centeio, a cevada e o milho miúdo, vindo logo a seguir ao do trigo28. O seu progresso é rápido, sobretudo mercê da facilidade de rega com a água das nascentes («minas» e «presas»). Das terras frescas, ele vai invadindo as regiões montanhosas ou serranas vizinhas, a ponto de se tomar já, no século xvii, o cereal mais usado pelas gentes do Minho e da maior parte da Beira29. A sua marcha para o sul e para leste ainda não acabou e nota-se em nossos dias de modo por vezes muito sensível. No Barroso, a expansão do milho teve lugar há menos de 20 anos; Vergílio Taborda, ao percorrer essa serra, encontrou uma região onde predominava a cultura do centeio30; em 1949, porém, já é o milho que predomina nas aldeias mais ocidentais; e em Alturas do Barroso, onde há apenas algums anos pouco milho se colhia, já então ele se equiparava ao centeio31. No Noroeste, o milho substitui o milho miúdo; seguidamente, penetra no Oeste transmontano, e substitui aí o centeio e atinge finalmente a Cordilheira Central, onde, já a partir do século xviii, substitui a castanha32.
40Há cerca de oitenta anos, o milho era, de longe, o cereal dominante entre nós; cabiam-lhe 49% da totalidade das áreas cultivadas, enquanto que ao centeio cabiam 26% e ao trigo 25%. Com a descoberta dos adubos químicos, que permitiu o cultivo de terras pouco fundas, de xistos (que até então não se podiam fertilizar com estrume de curral, por não existirem gados suficientes), a área de produção do trigo aumentou substancialmente. Em 1945, para uma área cerealífera de 1140 000 hectares, já cabem 48% ao trigo, 38% ao milho e 14% ao centeio33.
41O Minho e as Beiras Alta e Litoral produzem 66% do total do milho cultivado na Metrópole; o Alentejo e a Estremadura produzem 86% do trigo; Trás-os-Montes e a Beira interior, 53% do centeio34. Este grande desenvolvimento do milho, que pouco a pouco foi substituindo o seu antecessor, o milho miúdo, ficando associado ao centeio, que, como cereal de Inverno, permite inclusivamente que se semeie milho de restiva nos campos onde o centeio, nesse mesmo ano, foi cultivado, é verdadeiramente revolucionário. As vantagens económicas do novo cereal são tão evidentes que a tradição não lhe opõe resistência, limitando-se a cultivar milho miúdo em pequeníssima escala por meras razões rituais, como sucede com a broa do Natal em Guimarães e com as filhós do Entrudo no Barroso35.
42Esse aumento do milho deve ter contribuído para que dessa sequeira rectangular que existia no século xiii tivessem surgido os actuais espigueiros galaico-portugueses36: as necessidades inerentes à cultura deste cereal, em regiões onde a sua maturação se faz, por vezes, tardiamente, e onde o Verão não está isento de chuveiros, pediam uma sequeira bastante estreita, para que o ar circulasse bem através das espigas compactas. Essa sequeira funcional e especializada é o actual espigueiro, com todas as suas variantes, que encontramos na Galiza e no Portugal Atlântico.
43Dentro da hipótese da origem americana, e segundo vários Autores, os Portugueses, após a experiência de Colombo, teriam espalhado o milho, rapidamente, pelas índias Anterior e Oriental37, e pelo Extremo-Oriente38 – a palavra japonesa para designar este cereal é haban kiki, que significa «milho miúdo dos bárbaros do Sul», os quais, segundo Humlum, deviam ser os Portugueses39 –; e também por Angola, onde teria chegado por volta de 1500 (e era conhecido pelo nome de «trigo português »)40, e pelo Congo, em 156041; e existe uma notícia, com data de 1623, acerca da sua cultura na Abissínia42. Essa enorme difusão ter-se-ia feito, possivelmente, em parte directamente pelos navegadores que das costas da América seguiam directamente para a África e o Oriente.
44As recentes hipóteses, porém, quanto à origem asiática do milho, e quanto à sua anterior existência na Guiné, obrigam à revisão do problema, e é de admitir que a acção dos portugueses em relação à sua difusão não tenha sido de uma importância tão decisiva como se supunha43. Em todo o caso, em 1652, antes portanto da fundação da Colónia do Cabo pelos Holandeses, já aí tinham os Portugueses introduzido o milho; e a palavra africander que o designa – mielie – deriva claramente do nosso termo44.
Notes de bas de page
1 A hipótese explicativa de Juan López Soler parece-nos revelar uma excessiva preocupação de lógica genética, que se afasta da realidade, e leva o Autor a conceber um processo evolutivo geral fundando-se em alguns raros casos intermediários que aparecem esporádica e isoladamente, e que nada autoriza a generalizar, tanto mais que nenhuns vestígios de outros idênticos aparecem nos demais pontos, e designadamente em Portugal. De resto, os acréscimos a que o Autor alude são posteriores à casa, e nada nos dá a sua data, que pode ser bastante mais recente – mais recente mesmo do que a de certos espigueiros que ele considera da fase final da sua evolução. Além disso, pode-se certamente supor que as solanas e patines não são uma consequência do milho, mas elementos tradicionais da casa rural desta zona, que existiam ali muito antes da difusão deste cereal, para secagem de outros produtos agrícolas, tal como sucede em diversas regiões.
2 De facto, este primeiro estudo não é propriamente uma «classificação tipológica dos «hórreos», como o seu título parece indicar, mas sim tantas classificações quantos os elementos em que eles se decompõem: A) Forma: 1) no plano horizontal – planta; 2) no plano vertical – alçado. B) Elementos arquitectónicos: a) Fundamento ou sustentação – 1) alicerces, 2) pés, 3) mós ou mesas; b) «granero» ou câmara – 1) paredes, 2) tecto; c) acessos, portas. C) Material usado. D) Elementos decorativos. Como vimos entre nós, essas classificações não são coincidentes, visto que cada forma de um elemento aparece associada a todas ou várias formas dos outros elementos, não sendo possível, com este critério, qualquer definição de tipos significativa, uma vez que se não indicam quais os elementos fundamentais.
3 Assim, nota que Frankowski não faz verdadeiramente uma classificação tipológica expressa, mas uma ordenação geográfica; e que, quando agrupa os «hórreos» galaico-portugueses segundo os materiais de que são construídos, distingue os de pedra dos igualmente de pedra mas com celeiro, em nome de um princípio diferente. Da classificação também por materiais de Juan López Soler, reconhece a sua superioridade lógica em relação à de Frankowski, mas faz reparo de que não considera uma categoria à parte os «hórreos» de tijolo e cimento; finalmente, da classificação de Walter Carlé, acentua as vantagens, que mostra sobre os outros, de ter esboçado um esquema cartográfico dos diferentes tipos, mas nota a deficiência do seu critério, que não consegue definir claramente nem tenta a sistematização dos tipos que indica.
4 In: «Las Ciencias», Madrid, Año XXIV, n.os 1-2, 1959.
5 os diplomata et chartae (portugaliae monumento histórica) mencionam este cereal com frequência.
6 Herman Lautensach, em A formação dos aspectos culturais da paisagem portuguesa, Lisboa, 1944, Separata do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 61a, 1943, pág. 10, diz que o facto de o novo cereal tomar o nome de milho, é uma prova de que veio substituir o antigo milho (miúdo).
7 Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, Coimbra, 1945,págs. 174e 183. Ver, do mesmo autor. Cultura do milho, economia agrária e povoamento in: Biblos, XVII, Coimbra, 1941.
8 A expansão e grande desenvolvimento do milho não transpuseram o continente americano, de facto, até 1492, contrariamente às afirmações mal fundamentadas de Jeffreys.
9 A hipótese de ele ter sido mencionado pelos navegadores viquingues que, em 1002, estiveram na América, parece estar hoje excluída, pois a planta a que se referiam era de outra espécie. Ver Johannes Humlum, Zur Geographie des Maisbaus, Copenhaga, 1952, pág. 33.
10 J. Humlum, ob. cit., págs. 31-32, 35.
11 J. Humlum, ob. cit., pág. 33.
12 Charles Darwin, The Variations of Animals and Plants underdomestication, vol. I, Londres, 1868, pág. 320.
13 Spinden, Ancient Civilization of México and Central America, Nova Iorque, 1917.
14 P. Bosch-Gimpera, L’Amérique: Neolitique et Pré-Colombien, in: L’Homme avant l’Ecriture (Col. Destins du Monde, I, Dir. André Varagnac), Paris, Colin, 1950, pág. 350. Em todo o caso, o milho não parece ser originário da América do Norte; além de outras razões, quase todos os grupos de índios norte-americanos conhecem lendas ou mitos que fazem referência à maneira como este cereal chegou ao seu povo, o que não sucede com as populações andinas (J. Humlum, ob. cit., pág. 35).
15 Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, pág. 174.
16 Herman Lautensach, ob. cit., pág. 10.
17 C. V. Garola, Les Céréales, Paris, 1894.
18 J. Humlum, ob. cit., pág. 29.
19 Ver, adiante, o texto correspondente à nota 9, e à nota 2 da pág. 229, acerca da hipótese de uma difusão do milho balcânico via Turquia; e também, mais adiante, pág. 231 e nota 4 a nossa opinião acerca da origem aisática do milho turco.
20 Humlum, ob. cit., pág. 29.
21 J. Burtt-Davy, Maíze, its History, Cultivation, Handling and Uses, with special reference to South Africa, Londres, 1914, tem um capítulo dedicado exclusivamente à nomenclatura (cit. por J. Humlum, ob. cit., págs., 31-32). Ver também A. Mais e I. Balassa, ob. cit.
22 A. Mais, ob. cit., pág. 544.
23 Juan López Soler, op. loc. cit., pág. 132.
24 Ivan Balassa, ob. cit., a propósito da Hungria diz, paralelamente, que os canastros de varas se integram, ali, no complexo das relações deste país com o Mediterrâneo. Os espigueiros europeus, ou pelo menos balcânicos, seriam, segundo ele, de origem americana (ver atrás, pág. 175, nota 1).
25 Orlando Ribeiro, ob. cit., pág. 174.
26 Hermann Lautensach, ob. cit., pág. 10.
27 C. da Cunha Coutinho, Origem e aclimatação do milho em Portugal, in: Bolet. da Assoc. Cent. da Agricult. Port., Lisboa, 1917, e Orlando Ribeiro, ob. cit., pág. 174.
28 Orlando Ribeiro, ob. cit., pág. 174.
29 Orlando Ribeiro, ob. cit., pág. 174.
30 Vergílio Taborda, Alto Trás-os-Montes, 1932.
31 Jorge Dias. Minho, Trás-os-Montes, Haut-Douro, «Congrès International de Geographie », Lisboa, 1949, pág. 61.
32 Orlando Ribeiro, ob. cit., pág. 183.
33 Orlando Ribeiro, ob. cit., pág. 95.
34 Orlando Ribeiro, ob. cit., lug. cit.
35 Jorge Dias, Os pios de piar os milhos, ob. cit. págs. 12-15.
36 Vid. atrás, pág. 197.
37 J. S. Fumvivall, Netherlands índia, A Studyof Rural Economy, Cambridge, 1939, pág. 18.
38 J. Humlum, ob. cit., pág. 31.
39 J. Humlum, ob. cit., pág. 29.
40 Hertha Crohn, Der Mais in der Webtwirtschaft, in: Veröffentlichungen des Instituts für Meereskunde, Série B, caderno 5, Berlim, 1928, pág. 12.
41 Agnes Arber, The Gramineae, A Study of Cereal, Bamboo, and Grass, Cambridge, 1934, pág. 32.
42 Paul Weatherwax, The Story ofthe Maize Plant, Chicago, 1923, citado por J. Humlum, ob. cit., pág. 29.
43 Não nos parece que a primeira destas hipóteses possa levar a admitir uma origem asiática do milho na Turquia que, por sua vez, poderia obrigar a rever a questão da difusão do cereal nos Balcãs e Sudeste da Europa pela via deste país (hipótese até agora considerada geralmente como fantasiosa, com base apenas numa mera razão linguística inconsistente). Ver a este respeito as notas 6 da pág. 228, 2 da pág. 229, e texto correspondente à nota 9 da pág. 228.
44 Paul Weatherwax, The Story of the Maize Plant, Chicago, 1923, citado por Humlum.
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