Outros sistemas de secagem do milho em espigas
p. 177-192
Texte intégral
Secagem ao ar livre, em réstias, ou molhos
1Além do sistema geral do espigueiro, conhecemos em várias regiões, um outro sistema de secagem das espigas do milho, em que estas, em vez de armazenadas num celeiro arejado e elevado do solo, são deixadas ao ar livre, penduradas em réstias ou molhos de qualquer ponto alto e adequado, construído propositadamente, adaptado, ou apenas aproveitado para esse fim. Encontramos esse sistema já nas Astúrias (e até na região galega confinante com essa província), onde as réstias são penduradas em espeques cravados nas vigas superiores por baixo do telhado do varandim que geralmente circunda o corpo dos largos «hórreos» característicos da região, o qual fica assim, no Outono, revestido pelo lado exterior, por um cortinado de espigas douradas1. Quando não existe «hórreo», essas réstias são penduradas da varanda das casas de habitação2. Na própria Galiza, em certos casos, o lavrador que não possui espigueiro, usa este mesmo sistema, entrelaçando as espigas pelo folhelho sobre um vime comprido ou um caule flexível, formando assim as réstias que pendura das árvores3.
2Em França, no século xviii, do mesmo modo, as espigas do milho eram atadas e postas a secar penduradas das árvores; e na Itália do Norte, elas penduravam-se, aos pares, de estacas ou cordas que se colocavam junto às casas, celeiros ou alpendres4. E parece que isto se usava também na Estónia.
3Na área oriental europeia encontra-se também este sistema, sob várias formas. Ele conhece-se na Áustria. Na Hungria, atam-se as espigas – e especialmente as que se guardam para semente – pelo folhelho, ora aos pares ou aos molhos, ora em réstias, ora em coroas, e suspendem-se sobre paus em lugares arejados por baixo dos portais ou beirais, nos alpendres, nos sótãos, etc. Em certas partes como, por exemplo, na região além-danubiana, existem colunas ou pilares junto das casas, para esse fim; e noutros lugares ainda, as réstias das espigas, como vimos em Espanha, penduram-se de árvores ou arbustos5.
4Na Jugoslávia, na Eslovénia, de modo idêntico, as espigas são postas a secar, atadas em réstias ou festões, debaixo do beiral do palheiro6. E na Macedónia, os refugiados turcos secavam também as espigas ao ar, penduradas em molhos, atadas pelo folhelho7.
5O mesmo sistema conhece-se na Ásia e América; em Bali, nas índias orientais, as espigas do milho são também atadas em grandes cachos, e penduradas de árvores8; no Japão, as espigas, penduradas em réstias, formam como que as paredes de um barraco, que é recoberto por um telhado largo de duas águas; em Timor, usa-se, para este efeito, um poste elevado, enterrado no solo, com um engrossamento ou chaço a meia altura, onde assenta uma espécie de pequena mó redonda, de tábua, enfiada no poste, e a partir da qual se dispõem radialmente as espigas aos molhos, com o grão voltado para fora (fig. 185) ; e na América, temos notícia de que os seus antigos habitantes costumavam secar igualmente o milho, pendurando as espigas atadas aos pares9.
6Em África, encontramos também, na região de Corrane, em Moçambique, a secagem do milho ao ar livre, em espigas atadas em pequenos molhos acavalados sobre varas passadas horizontalmente entre os paus dum poleiro ou tripeça assente directamente no solo (fig. 187).
7Entre nós, a secagem do milho em espiga, ao ar livre, em réstias ou molhos, é praticada regularmente nas ilhas da Madeira e Açores.
8Na Madeira, onde de resto o milho tem reduzida importância e aparece sobretudo na região de Santana, as espigas são postas a secar em pequenos molhos de cerca de uma dezena de maçarocas, que se amarram aos ramos de árvores, ou a paus passados entre esses ramos (fig. 188-189).
9No arquipélago açoreano, o milho é o cereal que maior importância possui, e o seu cultivo sobreleva o de todos os demais produtos arvenses insulares. As condições climatéricas locais de um modo geral não consentem a rápida secagem integral desse cereal após a colheita e por isso existe uma grande variedade de anexos das casas de lavoura, permanentes ou precários, em vista a essa secagem, que constituem, ao mesmo tempo, soluções de armazenamento do cereal, económicas e eficazes, por vezes muito originais, e que em certos casos se relacionam com determinadas razões circunstanciais.
10Considerando o conjunto das ilhas, esses sistemas podem agrupar-se em quatro tipos principais, três dos quais bem definidos, que designaremos por: Granéis, Barracos e Cafuões e, um último, compreendendo uma grande multiplicidade de formas mais simples, que levam os nomes de Cafuas ou Cafuões, Toldas ou Toldões, Peões, Burras, Burros ou Cavalos, Latadas, Pacas, Estaleiros, etc. Nota-se porém uma grande indecisão na nomenclatura destes elementos, usando-se, conforme as várias localidades, o mesmo termo para instalações diferentes, ou designando-se a mesma instalação por termos diferentes.
11Acerca destes sistemas açoreanos, impõem-se uma distinção essencial: por um lado, os granéis, que são instalações fechadas, em que o milho é armazenado no interior ao abrigo do tempo e das intempéries; por outro lado, os barracos, os cafuões e os outros sistemas afins destes, que são instalações abertas, em que o milho é armazenado no exterior, exposto ao sol e ao calor, à chuva, à humidade e ao frio, sem qualquer resguardo além daquele que resulta da sua adequada disposição.
12Além disso, enquanto que os barracos, cafuões e outros sistemas congéneres se destinam unicamente – e de modo estritamente especializado – ao milho, o granel possui carácter geral, servindo para a guarda de quaisquer outros produtos agrícolas, como o feijão, a fava, a cebola, o tabaco, etc., e mesmo para arrumos de coisas de natureza diferente.
13Pela descrição que a seguir faremos, ver-se-á que barracos, cafuões e demais instalações e sistemas congéneres, usados nos Açores para a secagem e armazenagem do milho, nada têm que ver com as instalações e sistemas equivalentes continentais, não sendo essas instalações e sistemas açoreanos – em que, na maioria dos casos, as espigas são armazenadas conservando grande parte do folhelho e expostas ao ar livre – conhecidos em Portugal continental, nem sendo, por outro lado, as instalações e sistemas usados em Portugal continental conhecidos nos Açores. Em Portugal continental e, nomeadamente, no Noroeste do País – e Portugal Atlântico – (onde, como nos Açores, o milho é o cereal primordial), o milho colhido no cedo é seco na eira, em espiga, e a seguir debulhado, e depois de seco guardado em grão em arcas nas lojas térreas da casa, que levam o nome de tulhas ; o milho colhido mais tarde, já findo o tempo quente, é armazenado em certas instalações anexas à casa e à eira: sequeiras, alpendres, varandões, etc., e sobretudo nos espigueiros, onde fica em espiga mas sempre completamente descamisado, guardado no interior da casota ao abrigo do tempo e das intempéries (não se suspeitando sequer da existência e da viabilidade do sistema de secagem aberta dos cafuões açoreanos). Sequeiras, alpendres e varandões são largas construções quadrangulares de térreo e andar sobradado, com paredes até ao solo, de pedra e compactas no térreo, que abre para a eira, e em ripado de madeira para arejamento do andar, que é onde se guardam as espigas; os espigueiros são estreitas construções montadas sobre pés, consistindo em pequenas câmaras com paredes de madeira ou pedra, umas e outras do mesmo modo totalmente rasgadas de fendas de arejamento, onde as espigas se guardam para ultimar a sua secagem, e onde se conservam também em perfeito estado largos meses, sendo retiradas à medida das necessidades de consumo10.
14Sem dúvida os processos de secagem e armazenamento do milho nos granéis açoreanos e nas sequeiras e espigueiros continentais aparentam certas afinidades; mas, na realidade, os formatos de uns e dos outros não só são totalmente diferentes, mas essa diferença corresponde mesmo a uma diversidade de concepções e técnicas de secagem: os granéis são câmaras largas com paredes de madeira ora fechadas ora com fendas de arejamento, servindo apenas para armazenagem e, como dissemos, funcionando geralmente como uma arrumação de carácter geral, e onde o milho é conservado em espiga mas depois de completamente seco, espalhado no chão; por seu lado, o espigueiro é uma câmara estreita, necessária e amplamente ventilada, onde as espigas ficam empilhadas, já descamisadas mas ainda por secar – e para secar –; os diferentes tipos de sequeiras são, como os granéis, câmaras largas, mas sempre arejadas, fazendo parte de um edifício maciço, anexo da eira, e rigorosamente especializadas em relação com a secagem e armazenagem do milho, e onde este é igualmente conservado em espiga já descamisado.
15A técnica de armazenagem aberta, com o milho exposto ao tempo, ao sol e à chuva, nos barracos, cafuões e cafuas açorianos, que parece ser extremamente conveniente para a conservação do grão em boas condições, foi, segundo consta, descoberta na ilha de S. Miguel por um indivíduo do Lugar dos Fenais da Luz cujo nome se ignora, supomos que em meados do século passado, tendo sido seguidamente posta em prática pelo senhor José Maria da Silveira, da Vila da Lagoa que, perante o sucesso da experiência, a divulgou pelos seus vizinhos e conhecidos11.
16Como atrás escrevemos, a palavra granel é usada já por Gaspar Frutuoso com o significado de celeiro para armazenagem e conservação do cereal, nomeadamente trigo; mas esse Autor fá-lo apenas a título de termo de comparação: «para encovar e guardar (o trigo) como em granel», sem nada dizer concretamente quanto à sua forma, e sem consentir que se possa afirmar com segurança se tinha ou não em mente um sistema afim dos silos subterrâneos, sugerido apenas pelo verbo «encovar». O Pe. Cordeiro é um pouco mais explícito, quando diz que o trigo das covas é melhor e faz melhor pão «do que o dos granéis ou celeiros das casas de fora», indigitando desse modo eventualmente a existência já então dessas instalações exteriores como os actuais granéis micaelenses.
17Celeiros para grão do tipo dos granéis micaelenses não são, como dissemos, usados em Portugal continental. Mas temos notícias da sua existência no passado em vários países da Europa húmida, na Suíça (Friburgo), na Suécia, etc., podendo talvez pensar-se que tal terá sido a origem dos granéis de S. Miguel. A ser assim, estaríamos perante mais um exemplo, a acrescentar a outros – como sejam os moinhos de vento do tipo dito «holandês» (de S. Miguel, Santa Maria, Graciosa, e Terceira), e do tipo giratório com pedestal de pedra (como os de Ouessant – Bretanha, França), do Pico, Faial e Graciosa – em que um elemento da cultura tradicional dos Açores bebe a sua origem num elemento correspondente não de Portugal continental, mas de certos países da Europa Central12.
18a) Granel – O granel é um celeiro em forma de pequena casota ou edifício fechado, de planta rectangular e paredes aprumadas, que se eleva sobre quatro ou seis pés ou esteios de pedra com cerca de um metro de altura, encimados por mesas do mesmo material –polins (Candelária), vergas (Graciosa) tinchães (Água Retorta) – ou de um baldrame ou murete de cimento ou alvenaria rebocada13, e com cobertura de duas águas, em regra de palha (Ginetes, Mosteiros, Bretanha, etc.) (figs. 190/192/195) e hoje, em muitos casos, já de telha. As paredes são de madeira, geralmente do sistema de «tábua trincada»; mas na Bretanha e nas Fumas vimos exemplos, raros, em que elas tinham na sua totalidade, ou apenas num sector, a configuração de persianas ou « venezianas ».
19As coberturas de palha têm em geral águas muito inclinadas; e nesses casos, as paredes laterais são naturalmente extremamente baixas, pouco excedendo 1 m de altura; nos outros casos, as águas têm pequeno pendor, e as paredes são mais altas, com cerca de 2 m.
20O edifício, cuja planta mede cerca de 3 a 4,5 m de comprimento por 2,5 a 3 m de largura, eleva-se a partir de uma grade composta de duas traves longitudinais, madretas (Água Retorta) tirantes (Candelária), montadas sobre os esteios, e duas vigas transversais nos topos, grosseiramente entalhadas; nesta grade assentam os barrotes que sustentam o soalho ou sobrado (Água Retorta), e erguem-se, facejando com as traves por meio de um corte a meia madeira, os pés-direitos que constituem a estrutura fundamental das paredes, em número de 4 ou 5 ou por vezes mais em cada parede; na viga frontal, dois desses pés-direitos enquadram a porta de entrada. Sobre os pés-direitos, no alto, correm os fechales ou linhas (Graciosa), travados por travessas horizontais ou quindas (Candelária) que pousam sobre os pés direitos. A armação das paredes é por vezes reforçada com barrotes oblíquos, tesouras ou espeques (Graciosa). Em alguns casos, por exemplo na Candelária, as paredes laterais deixam em cima, sob a cobertura, uma fresta aberta a todo o correr, para arejamento. A armação do telhado compunha-se de caibros dispostos em V invertido pregados em baixo nos fechales e em cima numa trave de cume corrida a todo o comprimento da casota. Num exemplo em Água Retorta, contudo, não existia trave de cume, e o ângulo do telhado era formando simplesmente pelos caibros, pregados de esquadria, não a meia-madeira, mas em posições alternadas, ficando ora um outra outro por cima.
21A entrada do granel fazia-se por uma porta – que é quase sempre a única abertura do edifício –, em regra rasgada numa das paredes de topo, sob a empena; e acede-se a ela por uma escada amovível. Nos Ginetes e na Ajuda (Bretanha), porém, vimos exemplares com uma janela – que na Ajuda era também fechada com « venezianas » – além da porta; e em Feteiras do Sul, um outro exemplar tinha mesmo duas janelas.
22No exemplo da Ajuda acima referido, o granel, interiormente, mostrava um sector a um lado, delimitado por uma fiada de prumos distanciados cerca de 50 cm uns dos outros, pousados no soalho e fixos, em cima, aos caibros da cobertura, e aos quais estava pregado um ripado, criando uma divisória com cerca de 1,50 m de altura: era nesse espaço que se encontravam as espigas.
23O granel situa-se junto à eira, e serve para a armazenagem final do milho de terras menos húmidas que se colhe completamente seco; o milho das terras frescas nunca vai directamente para lá: é posto a secar noutras instalações, ripas, cafuões ou cafuas, e só quando está devidamente seco, pelo S. Miguel, em Setembro ou Outubro, é que se recolhe no granel.
24No granel, as espigas são armazenadas ora com o folhelho (Arrifes), ora já descamisadas (Bretanha, Água Retorta, etc.). Em certos casos, elas ficam a monte, e são então totalmente descamisadas (porque vão para ali já secas); mais frequentemente, contudo, conservam-lhes parte do folhelho (virando-o para trás, do avesso) de modo a poderem ser armazenadas em manchos, para permitir certas formas normais de arrumação. Nos exemplos mais característicos, elas dispõem-se, assim preparadas, em painéis, ou serras (Feteiras do Sul); em Água Retorta, nesta mesma ordem de ideias, o granel era atravessado por quatro linhas de quatro prumos cada, que, tal como vimos no exemplo da Ajuda, em baixo pousavam simplesmente no soalho, e no alto eram amarradas com vimes aos caibros do telhado, os dois centrais a meio do comprimento destes, os outros dois juntos às paredes do granel; os manchos de espigas eram dispostos segundo cada linha de prumos: as três primeiras fiadas de manchos assentavam directamente no soalho; de seguida, passava-se uma cana que se entrecruzava nos prumos verticais e que se empurrava para baixo, até encostar àquela fiada de manchos; sobre esta dispunha-se segunda série de três fiadas de manchos, e de novo outra cana – e assim sucessivamente até ao alto, formando desse modo painéis compactos de dupla face de espigas descamisadas, presas pela base do folhelho (fig. 190). Esses painéis, ou empenas, ficam afastados uns dos outros o espaço suficiente para permitir o conveniente arejamento do granel, em média cerca de 1 palmo, conforme as condições do edifício e a quantidade de milho armazenado. Em certos casos, pouco significativos e aliás raros, as espigas armazenavam-se no granel pendurando os manchos de certos elementos da armação da cobertura (Feteiras do Sul).
25O granel ocorre – ou ocorria – principalmente na ilha de S. Miguel, só ou a par com os outros sistemas, e sobretudo na área ocidental da ilha, nos Arrifes, na Relva, na Candelária e Feteiras (onde porém predominava, sobre esses outros sistemas), na Bretanha, etc., e sendo raro na área oriental, onde falta mesmo totalmente em muitas partes14.
26Como singelos elementos decorativos, usam-se em certos casos tábuas de vista nos remates das empenas do telhado, e pináculos de madeira nos topos do cume (Candelária); e não raro o tabuado do pequeno edifício é pintado, ou aceado, exteriormente, por vezes a branco e verde (Ajuda).
27De entre os vários sistemas de secagem e armazenagem de cereais, e nomeadamente do milho, conhecidos nas ilhas, o granel é o mais caro, e por isso são poucas as unidades agrícolas que o possuem.
28b) Barracos – Os barracos, diferentemente do granel, são instalações abertas, destinadas apenas à secagem e armazenagem do milho; mas, como o granel, são também montados sobre pés altos ou esteios. Sem paredes fechadas, eles são constituídos por uma armação de madeira de estrutura rectangular e lados formados por painéis de prumos verticais e ripas horizontais, e recoberta por um tejadilho de duas águas; as espigas ficam com o folhelho (apenas duas ou três folhas, se esfolham, para formação dos manchos e sua amarração ao barraco), e na sua maior parte voltadas para o exterior, expostas ao sol, à chuva, ao frio e ao calor, e à humidade.
29Os pés, em número de quatro ou seis, de pedra ou alvenaria – os polins – para impedir a subida dos ratos, rematam em cima por mesas igualmente de pedra ou cimento, ou mostram, a meia altura, uma cinta rebocada, e escorregadia, de cimento queimado. O barraco não tem soalho; sobre os polins assenta a grade do rectângulo que constitui a base do barraco, composta de tirantes no sentido longitudinal, ligados nas cabeceiras por travessões a eles perpendiculares, encaixados, pregados ou aparafusados. O corte dos encaixes é sempre feito nos travessões e travessas, para que os tirantes e fechais fiquem inteiros e conservem toda a sua resistência. Dos tirantes elevam-se os prumos verticais – os barrotes – que constituem os painéis exteriores laterais, a espaços regulares, à razão de cerca de 3 por metro. Os barrotes, em cima, fixam-se a uma grade rectangular idêntica e paralela à da base, composta por sua vez de frechais no sentido longitudinal, e de travessas nas cabeceiras, e por vezes travessões a meio; e são travados por paus lançados dos quatro cantos diagonalmente aos prumos; nas fachadas, frontal e das traseiras, vêem-se, entre os barrotes verticais dos cantos, mais dois, que deixam um espaço aberto entre eles fazendo de entrada do barraco, ou apenas um, que vai até ao cume, que nele repousa nessa ponta; no primeiro caso, existem ainda, de cada lado, travessas de reforço lançadas obliquamente entre o barrote do canto e o barrote central desse lado; no segundo, essas travessas de reforço cruzam-se em X a toda a largura da fachada.
30Muito frequentemente, ao longo do corpo do barraco, dispõem-se mais travessões e travessas perpendiculares aos tirantes da base e aos frechais de cima, respectivamente, entre os quais se firmam, de igual modo, barrotes verticais formando, no interior da instalação, dois painéis intermédios paralelos aos exteriores laterais, deixando entre si corredores de arejamento. O tejadilho, que é o traço característico destas instalações, é de muito pequeno pendor, e assenta em caibros que avançam fora dos fechais de modo a formar beiral, por vezes muito saliente; em cima esses caibros unem-se de topo, cortados em chanfro, sobre o cume – o espigão cujas pontas apoiam em pontaletes que se erguem das travessas da grade do alto, ou desse prumo intermédio situado a meio dos lados frontais e traseiros do barraco. A cobertura é de tabuado ou telha (figs. 193/194).
31No caso geral, entre os barrotes, nos painéis exteriores laterais e interiores intermédios, prega-se, de cima a baixo, um ripado horizontal com as ripas mais ou menos distanciadas entre si, conforme o barraco está situado num local mais ou menos húmido, em média cerca de 20 a 25 cm., do qual se penduram os manchos de espigas, formando, cada painel, à vista, como que uma parede compacta de maçarocas; e então, na frente e traseiras do barraco, individualizam-se os topos dos quatro painéis revestidos de espigas (fig. 195).
32Por vezes, quando o barraco tem à frente a «entrada» que referimos, o lintel dessa abertura, entre os dois barrotes que a definem, é aproveitado para dele se suspenderem manchos de espigas; outras vezes, quando não existem painéis interiores intermédios, nessa mesma fachada do barraco, entre os barrotes dos cantos e o barrote central de cada lado, dispõe-se igualmente o ripado horizontal donde se suspendem os manchos. Por vezes, as espigas são totalmente esfolhadas, não só para levar maior quantidade, como também para permitir que se vão retirando pequenas quantidades sem se escangalhar o barraco.
33O barraco, com o seu tejadilho protector e fachadas abertas permitindo um amplo arejamento, é eminentemente próprio para a secagem e armazenagem do milho em regiões de alto nível de pluviosidade e humidade. E, tal como sucede com o granel, ele ocorre, nos Açores, apenas em S. Miguel, e sobretudo no Sudeste da ilha e na região das Furnas15, onde predomina sobre os demais sistemas usados na ilha, pela sua conveniente adequação a esse meio natural, particularmente húmido.
34c) Cafuão – O cafuão, na sua forma mais característica e representativa, é também, como o barraco, uma instalação aberta, montada, como o granel e o barraco, sobre pés altos, e assente numa armação de madeira de base rectangular; mas, diferentemente desses outros dois tipos, os barrotes que constituem os painéis laterais do corpo do edifício são inclinados, formando duas águas com grande pendor, e sem qualquer cobertura ou tejadilho. As espigas, como dissemos e tal como nos barracos, ficam com o folhelho, e voltadas para o exterior, expostas ao tempo e às intempéries.
35Os pés, igualmente em número de quatro ou seis, têm o aspecto de pilares de alvenaria, ou, em casos mais raros, colunas de pedra, sólidos, bem acabados e rebocados – os polins ou vergas –, igualmente de secção quadrada, com cerca de 1 a 1,5 m de altura; por vezes, em vez de pés isolados, vêem-se muretes longitudinais paralelos. Sobre estes elementos, assenta a armação da base do cafuão – a mesa –, composta, como no granel e no barraco, dos fechais a cada lado, travadas por cabeças ou travessas nos topos, sobre as quais pousam as traves centrais da edificação, quando existentes; e não raro – e sobretudo quando se torna necessário mais espaço para armazenagem de cereal – improvisa-se sobre estas um estrado – o sobrado – feito de tábuas atravessadas ao comprido, onde se guardam as espigas geralmente já esfolhadas.
36Os barrotes inclinados que formam os painéis laterais ou águas do cafuão – as pernas –, são lançados aos pares, simetricamente, dos frechais, em baixo, de modo que as pontas de ambos se encontram, no alto – a coroa – onde se pregam entre si; e geralmente não existe a trave do cume. A distância entre cada par de pernas não deve exceder um metro e, consequentemente, o seu número varia conforme o comprimento do cafuão (fig. 198).
37No interior da instalação, cada par de pernas, a um pouco mais de meia altura, é reforçada por uma travessa horizontal – a cruz ou os olivares ou alivares – sobre a qual corre de lés-a-lés, no sentido longitudinal, uma vara horizontal, que firma melhor o conjunto das pernas; e em cada painel lateral, ou água do cafuão, é pregada uma vara oblíqua, que vai de um canto inferior ao canto superior oposto, alternando a posição no outro painel do cafuão. A essas duas varas, que mantêm as pernas no seu devido lugar, e, semelhantemente, conferem maior solidez à armação, dá-se o nome de tesouras; em alguns casos, essa tesoura dispõe-se no interior do cafuão, passada do meio das travessas da base do lado frontal ou traseiro do cafuão, ao meio da cruz do lado oposto.
38Com muita frequência, a meio dos lados frontal ou traseiro do cafuão vê-se, na bissectriz do ângulo formado pelas duas pernas, um barrote vertical – o pé-direito ou forca da cruz (Nordeste – S. Miguel) pregado em cima à cruz e em baixo à travessa da base desse lado; noutros casos, o pé-direito é substituído por dois paus também verticais – as portinholas – pregados em cima às extremidades da cruz, e, em baixo, aos topos das traves longitudinais centrais, que enquadram a entrada para o interior do cafuão16.
39Nas pernas que estruturam os painéis laterais, ou águas, do cafuão, assenta um ripado de réguas de madeira pregadas, ou de canas amarradas com vimes; e é nesses elementos – pernas, mais raramente, e ripas, segundo a regra geral – que seguidamente se vão colocando as fiadas de manchos; e, quando o cafuão se enche completamente, colocam em cima, no lugar da trave do cume, uma cana ou ripa, onde se pode igualmente amarrar mais uma fiada de manchos de espigas.
40As dimensões dos cafuões são muito variáveis; em média, eles medem 3 a 4 m de comprimento por 1,20 m de largura; e 3 m de altura; mas vêem-se exemplares muito maiores, com 10 e mais metros de comprimento e 5 m de altura.
41Existe uma forma mais precária de cafuões, em que o corpo é como o que acabamos de descrever, mas que não assenta em pilares: os barrotes das pernas partem do chão, assentes meramente em pedras chatas e em geral inclinadas, que lhes servem de sapata; e numa variante desta forma, ainda mais pobre, eles enterram-se mesmo directamente na terra (figs. 192, 195/197).
42Estes cafuões mais simples em regra não são sobradados e, a cerca de 1 m acima do solo, pregam-se nas pernas respectivas, no sentido transversal, travessas que as firmam, e sobre as quais se colocam também manchos de espigas.
43Em certos casos, as pernas ficam a descoberto cerca de 1 m e mostram, como elemento de protecção contra a subida dos ratos, cintas de chapa zincada (figs. 115, 118); noutros casos, as primeiras travessas são pregadas a menor altura, e, depois de carregados, os painéis dos manchos vêm quase até ao solo.
44Noutros casos ainda só as pernas dos topos vão até ao solo; a cerca de 1,50 m deste, nelas se pregam dois paus no sentido longitudinal, que funcionam como frechais, donde partem as demais pernas intermédias e, neste caso, a estrutura dos painéis laterais é reforçada por uma tesoura.
45Por vezes – por exemplo em Feteiras do Sul (S. Miguel), as pernas cruzam- –se, no alto, amarradas com arames, e sobre essa cruz pousa um pau que faz de cume; noutros casos – por exemplo em Várzea (S. Miguel) – esse pau ou vara fica sob o cruzamento das pernas, amarrado a elas com vimes; e em baixo, junto ao solo, e não raro pousada nos pedregulhos, uma vara comprida, de cada lado, serve de suporte da primeira fiada de manchos.
46Estes cafuões mais simples aparentam-se, pela sua forma geral, a outras toldas (Agua Retorta, S. Miguel), que servem de arrumo da cana e pendão do milho para alimento do gado, e que se assemelham estreitamente às «cabanas» que para o mesmo fim se usam no Noroeste e zona litoral do centro de Portugal continental, as quais porém nada têm que ver com a armazenagem e conservação do milho em espiga propriamente dito.
47Os cafuões que assentam sobre pés ou polins de pedra, são naturalmente inamovíveis; e o mesmo sucede muitas vezes nos que têm pernas de pau que vêm até ao solo. Mas muitas vezes estes cafuões só de pau são desmontáveis.
48Em todas as formas de cafuões, o lado das traseiras leva também um ripado normal, e é carregado igualmente com espigas, ficando com esse topo fechado; a única abertura, nesses casos, é no topo frontal, e o arejamento do interior faz-se apenas por aí e pelo fundo do cafuão, que, mesmo quando existe sobrado, é mal vedado. Em certos casos, por exemplo em Nordeste (S. Miguel), na face frontal do cafuão dispõem-se também manchos de espigas.
49Muitas vezes, nomeadamente nestas variantes mais precárias, a fachada de topo atrás – é às vezes também à frente (Feteira de Cima, Faial; Gruta de Moedo, Terceira; etc.), vê-se uma perna central que obliqua para fora.
50Estes cafuões ocorrem na maioria das ilhas, sendo muito correntes em S. Miguel, Santa Maria, Terceira – onde são grandes e bem construídos e aparecem em grupos mais ou menos numerosos – e Graciosa – onde os vimos também de grandes dimensões; escassos no Faial e no Pico, eles não se usam em S. Jorge17 nem no Corvo. E, em toda a sua área, eles são designados por nomes muito variados: em S. Miguel, arribanas (Vila Franca do Campo, Água Retorta, Ribeira Quente), cafugões (Candelária, Curral Velho), cavalos (S. Vicente), cheriques (Arrifes), palheiros (Água Retorta), secadouros (Ribeira Quente, Gorreana), serras do milho (Faial da Terra, Água Retorta), etc.; na Terceira, burras e escalões; na Graciosa, também burras; etc.
51A secagem do amendoim é feita também em cafuões do tipo mais simples, constituído por vários pares de varas grossas – as cruzes – pousadas directamente no chão, equidistantes, travadas por tesouras.
52Para os carregar, assentam junto ao chão uma primeira fiada de canas duplas e sobre ela põem uma réstea de amendoim; logo acima desta, cerca de palmo e meio, amarram outras canas, só por fora, que recebem uma segunda réstea. Espaço sim espaço não, colocam uma cana por dentro a segurar a rama, para que o amendoim não penda para o interior com o peso da baga.
53O amendoim, quando colhido perto do cafuão, é arrancado e posto neste sem amarração. No caso contrário ele é amarrado em molhos para poder ser transportado. De meia altura do cafuão para cima é amarrado em molhos, para que fique levantado, mas é colocado desamarrado.
54O amendoim permanece no cafuão para secar entre 15 dias e um mês, conforme as condições do tempo.
55d) Outros tipos – Existem ainda diversos tipos, mais ou menos afins do cafuão mas muito rudimentares, de instalações deste género, designadas, conforme as várias localidades, por diferentes nomes. Em certos casos, nomeadamente em S. Miguel e na Terceira, conhecem-se toldas ou cafuas, que são compostas de 4 ou 6 pernas, com 3 a 5 m de altura, assentes directamente no solo sobre sapatas de pedra, amarradas ou pregadas entre si no alto, e dispostas de modo a, uma vez carregadas com as espigas, formarem uma pirâmide ou um cone. A essas pernas prega-se um ripado de varas espaçadas regularmente, sobre o qual se colocam os manchos das espigas (fig. 200). A base das pernas fica descoberta cerca de 1 m, e não raro é envolvida por cintas de chapa que impedem a subida dos ratos (figs. 199/200).
56Por vezes os manchos dispõem-se não ao longo do ripado mas apenas sobre as pernas, que desse modo se individualizam, formando a tolda, um bloco compacto somente a partir de metade da sua altura (fig. 196). Nas ilhas de S. Miguel, Santa Maria, Terceira e Graciosa, as toldas, que se designam também pelos termos de peãos, estaleitos, cafuas, frades, respectivamente, são muitas vezes toscas armações de três ou quatro varas ou pernas igualmente pousadas no chão sobre sapatas de pedra e encostadas umas às outras e cruzadas no alto a pouco mais de meia altura, e amarradas nesse ponto por um arame; nestes casos não existe qualquer ripado: as espigas revestem totalmente as pernas a partir de cerca de meio metro do solo, e vão até à sua ponta superior, acima do ponto de cruzamento das pernas, deixando cada uma dessas varas nitidamente individualizada (fig. 202).
57Nos Arrifes (S. Miguel), vimos uma ripa constituída por quatro pares de pernas dispostas em X, alinhadas e bastante espaçadas, que suportavam sobre o ponto de cruzamento uma grossa vara horizontal ao jeito de trave de cume; esta armação servia de apoio a uma série de prumos verticais que pousavam no chão e encostavam – e prendiam –, em cima, a essa vara; e neles se dispunham as espigas, que formavam um painel vertical compacto, deixando a descoberto as pernas cruzadas de suporte, que o mantinha devidamente aprumado (fig. 205).
58Noutros casos, a cafua ou tolda consiste numa fieira de paus dispostos aos pares, cada par espaçado um pouco menos de 1 m do seguinte, e ligados entre si por uma vara disposta horizontalmente no alto junto à extremidade superior dos paus. Quando carregada com os manchos de espigas, a cafua mostra os paus que a compõem individualizados, revestidos de espigas.
59Mais raramente – por exemplo no Faial, em Salão – vêem-se instalações a que dão o nome de burros, que se estruturam apenas sobre dois fortes troncos de árvore enterrados no chão à distância correspondente ao comprimento que se pretende dar ao burro, e que suportam a meia altura cada um deles, em equilíbrio, dois barrotes transversais que ficam perpendiculares ao tronco, e dois longitudinais pousados nas pontas destes, formando uma grade rectangular dos cantos da qual partem, para ambos os lados, os barrotes oblíquos das duas águas do burro, que no alto assentam num cume passado entre as extremidades dos dois troncos; como nos demais casos, um ripado de varas veste as duas águas e, mais espaçadamente, as empenas frontal e traseira.
60Nesta mesma ilha, em Castelo Branco e nos Cedros, vemos burros que se estruturam a partir de um único tronco enterrado no chão e que a cerca de 1,5 m de altura, leva uma cruzeta horizontal de madeira de onde partem para cima varas oblíquas, geralmente em número de 4, que vão unir-se no topo, e nos quais se prega o ripado característico do suporte dos manchos, ou cambadas, das espigas. Uma vez carregados, estes burros tomam o aspecto de um cone ou pirâmide de espigas, elevados sobre um pé solitário, que é revestido de chapa ou mostra uma pequena mesa redonda de tábuas ou um pequeno disco, também de tábua – os torna-ratos – que de facto impedem a subida dos ratos (fig. 203).
61Também em Salão encontramos ainda uma outra solução, a que deram semelhantemente o nome de burra, que utilizava também apenas um tronco único de árvore enterrado no chão, em torno do qual, a cerca de 1,5 m do solo, amarravam as espigas, mas a partir de um disco de madeira que lhes servia de base, ficando com o aspecto de uma coluna de manchos.
62Conhecem-se também dispositivos precários para secagem e armazenagem do milho em pequenas quantidades, seja por se tratar de unidades diminutas de produção, seja como soluções de recurso, que se acrescentam a outras instalações onde já não cabem os excedentes do milho colhido. Assim, por exemplo, em S. Miguel, no Faial da Terra, vimos prolongarem para a frente os tirantes da grade da base e o pau do cume do cafuão, e aplicaram-lhe mais um par de pernas; e em Santo António, usam não raro um pau comprido que se carrega com os manchos das espigas, e que se encosta simplesmente ao cafuão ou ao peão; na Graciosa vê-se este mesmo dispositivo, mas com duas varas ligadas por um grosseiro ripado – as latadas –, do qual se suspendem os manchos e que igulmente se encostam ao cafuão (fig. 197) ou a uma parede exterior ou se guardam mesmo dentro de casa, a um canto da sala; e neste último caso, quando a casa tem uma só divisão, a latada separa dois espaços que desempenham funções diferentes18. Em alguns casos – em S. Miguel, por exemplo, na Lomba dos Cavaleiros –, e nomeadamente em anos de muito milho, nos cafuões, acima do ângulo formado pelas pernas dos topos de ambas as águas, ergue-se um pináculo de cerca de 40 cm de altura – as espigas – com o formato de um pião ou feito de pontas de barrotes, aos quais se pregam duas ripas horizontais donde se suspendem outras tantas fieiras de manchos de espigas. Noutros sítios, por exemplo na Luz (Graciosa), no Faial, no Pico (onde a cultura do milho é menos relevante), etc., o milho é posto a secar igualmente dentro de casa, pendurado pelo folhelho das traves do tecto, formando uma massa compacta que o forra inteiramente. E o mesmo sucede na ilha do Corvo: «Uma vez colhidas, as maçarocas são, depois de desfolhadas aos serões, secas ao sol. Mais tarde são amarradas em grupos de dez (cambalhões) e guardadas em casa, fazendo-se a debulha à medida que vai sendo preciso. Os cambalhões põem-se sobre varas móveis, que assentam nas sólidas traves do tecto (tirantes); por este motivo, é raro estucar-se o tecto, mesmo nas casas mais recentes»19.
63Quando as casas têm varandas – por exemplo em S. Miguel, nas Furnas secam por vezes o milho pendurando os manchos numa vara atravessada ao longo dessa varanda (fig. 208).
64Esporadicamente, por exemplo nas Lages, na Terceira, seca-se o milho em cima do telhado; e enfim, mais frequentemente – por exemplo na freguesia de S. Vicente, em S. Miguel, e em Duas Ribeiras, nas Lajes, na Terceira– nas árvores20, chegando a plantar-se plátanos com esse objectivo expresso; para tal, elas são podadas à feição, deixando-se os ramos mais grossos, que se ligam entre si de modo a formarem arcos, nos quais se colocam os manchos das espigas; os troncos são revestidos com chapas de folha, contra a rataria (fig. 206/207). Na ilha do Pico, o milho é também muitas vezes guardado, já esfolhado, nas casas da atafona.
65Como dissemos, nos Açores, na grande maioria dos casos e sistemas de secagem e armazenagem do milho, este não é desgranado e as maçarocas ou socas (Terceira), conservam grande parte do seu folhelho, que serve para as dispôr nos diversos tipos de instalações que descrevemos, nomeadamente granéis, barracos, cafuões e cafuas, toldas ou barras (conforme as circunstâncias e localidades), onde elas ficam ao ar livre, ao mesmo tempo que protegem o grão contra a exposição directa à chuva.
66Quando o milho é colhido, apartam-se as maçarocas conforme a sua qualidade: as melhores, mais sãs e graúdas reservam-se para semente e as outras seguem para os granéis, barracos, cafuões e cafuas, conforme os casos, umas e outras amarradas em manchos; as de menos boa qualidade e mais miúdas destinam-se ao consumo imediato, sendo, maioria dos casos, também imediatamente descamisadas (usando-se para tal um furador, ou fuso, que rasga o folhelho) e desgranadas, esfregando-as na pedra de debulhar, ou à mão, depois de se haver tirado uma ou duas fieiras de grãos com o mesmo furador (Pico) ou, em Santa Maria, com o malho – pau grosso com que se batem as espigas – ou ainda hoje, nas debulhadoras mecânicas; e o grão é guardado em casa, em talhões de barro, hoje por vezes em bidões, na ilha do Corvo em pipas que o mar arroja à praia21, etc. Na ilha do Pico, esse milho, antes de debulhado, é seco no forno e, a final, guardado em arcas; no Faial, depois de igualmente seco no forno, desgranado e bandejado, ou ventejado para o limpar da faúlha, é guardado em sacos, caixas ou depósitos. Em ambas estas ilhas, dentro de casa, conservam-se também as maçarocas – e mormente as mais gradas, para semente22 – sem se descamisarem, penduradas pelo folhelho das traves do tecto. No Faial, não havendo acomodações suficientes em casa, guarda-se o milho em burras e torreões, aonde se vai buscar quando acaba o de casa.
67Em S. Jorge, secam também o milho no forno, mas usam sobretudo a secagem ao sol, do cereal desgranado, sobre mantas, esteiras ou cobertores, que estendem junto das casas; para a limpeza do grão, bandejam-no com o balaio, despejando-o sobre essas esteiras ou mantas.
68Nos cafuões, porém, muitas vezes, algumas espigas desprendem-se do folhelho e caiem; são então postas a secar sobre o sobrado do cafuão, ou desgranadas, guardando-se o grão em casa como nos casos que referimos.
69O milho de pior qualidade, de grão mais miúdo, quebrado e estragado, e as pontas das maçarocas, que se cortam (desbicham. Faial), é aproveitado para os animais, depois de seco e moído.
70Mancho é um conjunto de maçarocas de milho em número variável, de cerca de 10 a 15, que se mantêm envolvidas pelo seu próprio folhelho, do qual se destacam apenas duas ou três folhas para servirem de elemento de ligação e amarração desse conjunto23.0 milho deve ser colhido bem seco, porque senão as folhas que se voltam para trás, quando se ligam as maçarocas em mancho, não aguentam o peso e rasgam-se, deixando-as cair24.
71Nestas instalações, os manchos de espigas arrumam-se sempre a partir da base e de diversas maneiras, conforme elas são: providas de ripado, que pode ser fixo, de madeira, ou amovível, de canas que se vão aplicando (que é o caso mais frequente); ou destituídas desse ripado. Quando existe ripado, os manchos dispõem-se às fieiras sobre esse ripado, parte das espigas – cerca de 7 – para dentro, e parte – cerca de 8 – para fora; se o ripado é móvel, sobre cada fieira coloca-se uma cana que se amarra aos prumos, e sobre a qual se dispõe outra fieira de manchos, e seguidamente outra cana, e assim sucessivamente; nos painéis (verticais) interiores dos granéis de Água Retorta, os manchos como vimos dispõem-se em três fieiras sucessivas, e sobre estas é que se coloca a cana, entrecruzada nos prumos, e que se empurra para baixo, de modo a assentar firmemente sobre aquelas fieiras. Nestes casos, os painéis dos barracos, cafuões, etc., ficam com o aspecto de uma parede compacta de espigas. Quando não existe ripado – o que sucede sobretudo em regiões ou em casos em que há pouco milho – os manchos são colocados em torno das pernas, igualmente com parte das espigas voltadas para dentro e parte para fora; e desse modo, à vista, as pernas individualizam-se revestidas de espigas, e ficam passagens abertas nos intervalos entre essas pernas.
72Em todos estes sistemas, os manchos dispõem-se de modo que as fiadas de espigas fiquem parcialmente sobrepostas ao jeito das telhas de um telhado, para que a água da chuva escorra devidamente sobre elas.
73Como dissemos, o cafuão geralmente não tem trave de cume; e conhecem-se vários processos para o fecho das águas dessa instalação. Quando ele se enche completamente, para as fiadas de cima os manchos são formados com um menor número de espigas, para facilitar o remate final; e, para esta última fiada, escolhem-se espigas com folhelho muito comprido, de modo que os manchos feitos com elas, dispostos sobre uma cana ou ripa situada na linha do cume, recubram as duas águas (Povoação, Lomba dos Cavaleiros). Quando não enchem o cafuão até cima, o alto dos painéis laterais é vedado com tábuas, chapas, palha, cana de milho, plásticos, etc., evitando desse modo que a chuva entre para o interior do cafuão. Por sua vez, nas toldas ou burras cónicas ou piramidais, coloca-se com frequência no alto, um alguidar de fundo para o ar, para as proteger da água da chuva.
74Por vezes, no sector frontal das águas laterais, as espigas são colocadas igualmente em manchos, mas totalmente descamisadas, com o grão à vista, para serem consumidas em primeiro lugar.
75Nos barracos das Fumas, em certos casos, as espigas são também colocadas em manchos totalmente descamisadas, para ocuparem menor espaço e desse modo aumentar a capacidade de arrumação, e permitir que elas se vão retirando para consumo diário sem escangalhar o barraco.
76No cafuão, se o milho é retirado de uma só vez, começa-se de cima para baixo, porque é mais fácil ; quando o é à medida das necessidades do consumo, fazem-no de baixo para cima.
77Em certos casos menos representativos, ou onde a cultura do milho é menos relevante e não abundam as instalações de secagem, usam-se processos muito elementares, apenas para secagem, sendo o grão, a final, guardado em casa, em recipientes como os que mencionámos.
Notes de bas de page
1 E. Frankowski, op. cit., pág. 14 e Walter Carlé, Los hórreos en el Noroeste de la Peninsula Ibérica, in: «Estúdios Geográficos», n.° 31. Madrid, 1948, págs. 288-289, grav. 9.
2 Vimos isto mesmo em Betanzos, portanto na própria Galiza.
3 Frankowski, op. cit., pág. 17, nota 2, que acrescenta curiosamente: «Claro que com isto acorrem à árvore bandos de pássaros a comerem o milho, mas o aldeão afugenta-os fixando no mais alto da árvore espantalhos dos chamados em galego andavias, que é uma espécie de vela pequena que com o vento gira com grande velocidade dando pancadas numa pequena tábua, com cujo movimento e ruído que faz os pássaros não se aproximam e o milho está seguro» – são os «regibós» ou «cacarelhos» que se usam também entre nós como espanta-pássaros de árvores de fruto em certas partes.
4 Ivan Balassa, op. cit.
5 Ivan Balassa, op. cit.
6 National Geographic Magazine, vol. LVIII – N.° 3, Set. 1930, pág. 295 e vol. LXXV – N.°6, Julho, 1939.
7 National Geographic Magazine, vol. LVII – N.° 6, Est. VII, Dezembro 1930.
8 National Geographic Magazine, vol. LXXV – N.° 3, Março 1939, pág. 340.
9 Burger, cit. por Ivan Balassa.
10 Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, Os Espigueiros Portugueses
11 Cfr. S. P., A conservação do milho em folha, «Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores», 9, 1949, p. 112.
12 Cfr. Luís Ribeiro, op. cit. Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira, Tecnologia Tradicional Portuguesa – Sistemas de Moagem, Lisboa (INIC), 1983, pp. 398-467.
13 Por vezes o espaço entre estes murates é utilizado como um compartimento de arrumações, ou despejos (S. Miguel, Ribeira Grande).
14 Encontramo-los aí unicamente nas Furnas e Água Retorta.
15 Vimos também um exemplar em Água Retorta, com dois painéis interiores intermédios.
16 Ver também Carreiro da Costa, O « cafuão » do milho – Etnografia agrícola, « Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores», 2, Ponta Delgada, 1945, pp. 87- -89. O Autor aventa que «o termo cafuão deriva de cafua, construção de colmo muito vulgar em S. Miguel, que tanto serve (...) de habitação como de lugar de arrecadação das alfaias agrícolas. Na Ilha Terceira, cafua ou cafuga é uma gruta natural aberta na rocha (...) expressão esta de cafuga que não deixa de ser curiosa se nos lembrarmos que na freguesia micaelense de Água de Pau se diz cafugão em vez de cafuão ».
17 Das Flores não temos indicações precisas.
18 Antonio de Brum Ferreira, op. cit. p. 135.
19 Carlos Alberto Medeiros, op. cit. p. 137.
20 Em S. Vicente castanheiros, incensos e canforeiras. Ver S. P. A Conservação do milho em folha, loc. cit.
21 Devemos esta informação ao nosso colega no Museu de Etnologia dr. Carlos Medeiros.
22 A semente é seleccionada entre estas maçarocas melhores por volta de Fevereiro ou Março (Santa Maria, Santo Espírito); noutros casos (por exemplo no Faial) as maçarocas para semente são guardadas em casa.
23 Em Santa Maria, pinha; na Terceira, cambada (Gruta de Moeda, Angra), mantulo (Cinco Ribeiras); na Graciosa, cambada, cambos, cambulhões; etc.
24 Estas maçarocas são também completamente descamisadas e consumidas desde logo.
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