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II. Os espigueiros portugueses

p. 37-166


Texte intégral

1Os espigueiros, assim denominados segundo a função que desempenham de instalações destinadas à recolha e armazenagem de espigas e concebidos em vista a preservá-las contra a humidade do ar e do solo e contra as depradações dos roedores (e também das aves), são construções compostas essencialmente de uma câmara estreita e arejada onde se guardam as espigas – o corpo–, com paredes de fendas, por onde circula o ar, erguida sobre uma base de pés ou muros – o assento que o isola do solo e impede o acesso dos ratos. Eles encontram-se, pelo menos actualmente, associados exclusivamente ao milho grosso (excepção feita de qualquer utilização ocasional e esporádica), a par, na generalidade dos casos, com os demais anexos da eira, alpendres ou sequeiras, que a complexa preparação deste cereal, requer; mas zonas e casos há, compreendidas na área global do milho, em que eles faltam, e a função que normalmente lhes compete é desempenhada por outro desses anexos. Por outro lado, acompanhando a progressiva e recente difusão deste cereal, eles aparecem hoje em pontos onde há pouco tempo ainda não existiam.

2A área peninsular do espigueiro, que abrange a Galiza e se define em Portugal a partir da fronteira do Noroeste, é, no nosso país, limitada a leste por uma linha que, antes de atingir Chaves, inflecte na direcção das faldas ocidentais da Padrela, cortando depois direito a Alijó; daí contorna a região do vinho do Porto (onde a cultura do milho é insignificante), ao norte e ao sul do Douro; por alturas de Armamar volta novamente para o sul, até Moimenta, e prossegue na mesma direcção, deixando porém de fora as vertentes orientais da Serra da Lapa; de Aguiar da Beira segue a Sátão e depois a Viseu, que rodeia num perímetro de cerca de 10 quilómetros em volta da cidade; engloba seguidamente todo o maciço do Caramulo, seguindo por Tondela, Mortágua e Buçaco; e volta finalmente para o norte, excluindo, a poente, as terras planas da Mealhada, Anadia e Águeda; aí inflecte para noroeste e atinge a costa por alturas de Ovar. Dentro desta área geral, situa-se numa ampla clareira negativa que abrange os concelhos do Porto, Maia, sul dos de Vila do Conde e Santo Tirso, Valongo, norte dos de Paredes e Penafiel, Paços de Ferreira, Lousada, poente do de Amarante, Felgueiras, e sul dos de Guimarães e Fafe. Por outro lado, há uma pequena mancha positiva, distante e isolada, de difusão recente, na região de Alcobaça.

3Os espigueiros portugueses – e, de modo idêntico, os galegos – apresentam-se sob uma enorme variedade de formas, que agruparemos de entrada em duas espécies fundamentais, tendo em vista a diversidade radical da sua estrutura, forma e técnica de construção, e que compreendem, em cada uma delas, vários tipos principais: Canastros de varas e Espigueiros propriamente ditos1

4Os canastros de varas constam de um corpo de varedo entretecido pela mesma técnica da cestaria, entre paus que espetam directamente no solo ou se erguem de uma grade de traves ou uma mesa de pedras ladeiras pousadas em cima de pés baixos, e têm a cobertura normalmente de colmo ou palha milha. No caso mais geral e característico, eles são de base redonda, e essa cobertura é cónica; mas aparecem também alguns exemplares – embora raros pelo menos hoje em dia – de base rectangular, com a cobertura de duas águas, e por vezes mesmo outros elementos estruturais que os aproximam de certos espigueiros propriamente ditos. No que diz respeito designadamente aos de base redonda, o arcaísmo da sua forma e facção, que corresponde a uma típica técnica neolítica, e o facto de eles se documentarem, em termos estreitamente semelhantes aos que aqui vemos, em inúmeras partes do globo, geralmente em níveis primitivos de cultura, e associados, além disso, com cultivos variados, indigitam uma origem remota para estas construções peninsulares, certamente destinadas originariamente, entre nós, à armazenagem de produtos diferentes do milho.

5A área de difusão actual do canastro de varas abrange ainda uma superfície bastante vasta do Minho serrano; ele encontra-se com muita frequência sobretudo na zona montanhosa do Soajo, Amarela e Oural, Coura, Cabreira (Vieira do Minho), e no pendor sudoeste do Barroso, no Marão, nas partes altas dos concelhos de Cabeceiras de Basto e Fafe. Essa difusão foi contudo outrora consideravelmente mais ampla, tendo deixado vestígios em regiões distantes e muito diversamente caracterizadas ; a poente, ela atingia o oceano, pela Serra d’Arga e daí para o sul até ao Lima, onde ainda se encontram exemplares dispersos, pelo vale de Âncora, donde só há pouco desapareceram, e pela zona litoral a norte de Viana do Castelo, onde, em certos pontos, não há mais de 70 anos, a quase totalidade dos espigueiros era desta categoria, na maioria mesmo de planta rectangular; a leste, no Marão (Lamas de Olo), e na vertente norte do Barroso, em Vila da Ponte; a sul, além-Douro, na Serra de Arouca; etc. Deve notar-se, porém, que esta área não é exclusiva, e que geralmente os canastros de vergas coexistem na mesma região – e até povoação – com os espigueiros propriamente ditos, uns ao lado dos outros, com funções muitas vezes subsidiárias.

6Por seu turno, os espigueiros propriamente ditos são pequenos edifícios de pedra ou madeira – ou, as mais das vezes, de ambos os materiais simultaneamente – (e hoje, em muitos casos, de tijolo e concreto), sempre de planta quadrangular, e com as paredes rasgadas por fendas para arejamento da câmara. O assento, nestes espigueiros, quase sem excepção de pedra ou alvenaria, pode ser constituído, conforme os casos, por: a) pés singelos, colunas, pilares ou esteios, dispostos aos pares, encimados por pedras salientes, que impedem a subida dos ratos, mós se correspondem uma a cada pé, mesas se cobrem um par de pés; b) pés transversais, que são blocos ou paredes paralelas entre si, dispostas perpendicularmente ao eixo do espigueiro, e que rematam em cima por mesas ou por uma laje saliente formando cornija, com o mesmo fim de protecção; c) pés maciços, de perpianho ou alvenaria, em que o rebordo superior, igualmente saliente, é já constituído pelo próprio lastro do corpo. Por vezes ainda – muito raramente entre nós –, em vez destes pés a base do espigueiro é constituída por um compartimento específico de arrecadação. Sobre o assento pousa o lastro ou grade feita de vigas de madeira ou de padieiras, laterais, e soleiras, de topos, de pedra, acima da qual se erguem os prumos de madeira ou as colunas de pedra, que sustentam os frechais de madeira, ou lintéis de pedra, laterais ou de topo, onde apoia a armação da cobertura. Peças do lastro, vigas de madeira, padieiras e soleiras de pedra ; colunas e prumos ; e frechais ou lintéis constituem o esqueleto ou a armação do corpo, onde se inserem os painéis de ripado dispostos ao baixo ou ao alto (balaústres) – este travado por cintas horizontais ou cruzetas oblíquas – ou de peças de pedra que deixam do mesmo modo entre si fendas horizontais ou verticais. Com o fim de evitar que as paredes cedam lateralmente, há, em certos espigueiros – nomeadamente nos espigueiros com o corpo de madeira –, escoras oblíquas lançadas dos prumos às pontas das mesas, nestes casos por vezes muito compridas e salientes. Finalmente, um telhado de duas ou quatro águas – e excepcionalmente de uma só – recobre o edifício.

7Dentro desta espécie geral assim caracterizada distinguiremos, por sua vez, três categorias principais, tendo em atenção a diferença fundamental da forma da câmara de armazenagem, a saber: espigueiros estreitos – estes subdivididos ainda em espigueiros estreitos de paredes aprumadas, e espigueiros estreitos de paredes inclinadas –, espigueiros largos e espigueiros altos.

8Os espigueiros estreitos de paredes inclinadas podem ter inclinação apenas nas duas paredes compridas laterais (tipo de Oliveira de Frades), ou nas quatro; e, neste último caso, eles podem ainda ter o corpo todo de madeira (tipo da Vila da Feira), ou com esqueleto de pedra (tipo de Cambra), que por vezes mostra um sistema especial de descarga por alçapão no lastro, com saídas por postigos na base maciça, que é muito elevada (tipo de Oliveira de Azeméis).

9Os espigueiros largos – que representam na realidade dois espigueiros estreitos emparelhados no mesmo edifício, separados por um corredor a meio – podem também por seu turno ter paredes aprumadas (tipo de Penafiel), ou inclinadas (tipo de Vila Nova de Gaia).

10Os espigueiros altos, que são muito escassos e pouco significativos, encontram-se por sua vez sob dois tipos diferentes, conforme as duas pequenas áreas onde aparecem: tipo de Cabeceiras de Basto e tipo de Alcobaça.

11Os espigueiros estreitos de paredes aprumadas, por seu turno, constituem uma categoria genérica na qual cabe a grande maioria dos casos, que agruparemos em quatro tipos principais, tendo em atenção apenas a forma de um único dos seus elementos estruturais, que nos pareceu mais característico:

1) Espigueiros com o corpo inteiramente de pedra (excepto a porta)

12Os elementos característicos e originais deste tipo são as paredes de balaústres ou silhares de pedra, entre os quais se rasgam as fendas de ventilação que, conforme os casos, podem ser verticais ou horizontais ; e, conjuntamente com eles, o seu telhado, em grandes lajes apoiadas em peças interiores também de pedra – as cangas- cujas juntas se vedam com peças, também de pedra. Eles apresentam-se ora sob formas muito perfeitas (tipo do Lindoso) ora muito rudes e com aspectos quase megalíticos (tipo da Serra d’Arga).

2) Espigueiros com telhados de cápeas e guarda-ventos

13Neste tipo, o traço característico e sobressaliente é na verdade essa forma especial de telhado. Cápeas e guarda-ventos são um dos velhos processos de defesa das coberturas do colmo, e mesmo da telha, usado nas casas de habitação, palheiros e cortes das nossas serras do Noroeste, e que corresponde sempre a telhados de duas águas mais ou menos estreitas. Este sistema manteve-se nos espigueiros em lugares onde já foi abandonado ou se tornou raro nas demais construções ; e neles este elemento anda sempre associado, naturalmente, a um esqueleto de pedra, pelo menos no que respeita às paredes de topo acima de cujas padieiras se erguem as cápeas e guarda-ventos.

3) Espigueiros com ripado (de madeira) vertical e telhados de duas ou de quatro águas

14Este tipo – que abrange uma grande variedade de formas, espalhadas pelas regiões mais distantes – agrupa todos os espigueiros estreitos e de paredes aprumadas, de ripado de madeira disposto verticalmente, não compreendidos na categoria anterior. De entre essas múltiplas formas, uma se destaca, com características próprias: a dos espigueiros com lastro, esqueleto e cobertura inteiramente de pedra e apenas com ripado de madeira, com uma feição inconfundível, de linhas sóbrias e proporcionadas (tipo de Caminha). Todos os demais mostram o corpo ora inteiramente de madeira (excepto a cobertura do telhado), ora com o esqueleto, todo ou parte, de pedra e ripado de madeira. A diferença entre estas duas formas é, por vezes, menos nítida do que o que se pode supor, porquanto há casos em que a pedra apenas vem substituir a madeira e não corresponde a um tipo estruturalmente independente e diversamente caracterizado.

4) Espigueiros com ripado horizontal

15O traço característico deste tipo é a disposição do ripado, implicando um grande número de prumos verticais, que lhe confere um aspecto diverso dos demais. Ele corresponde quase sempre a um corpo integralmente de madeira, e é geralmente de um nível inferior de facção.

16A área de difusão das três primeiras categorias que indicámos – espigueiros estreitos de paredes inclinadas, espigueiros largos e espigueiros altos – e bem assim os espigueiros estreitos de paredes aprumadas com o corpo inteiramente de pedra, é constituída por zonas bem delimitadas e circunscritas, formando manchas contínuas e compactas, onde elas ora ocorrem com carácter exclusivo, ora coexistem com tipos diferentes. Assim, os espigueiros estreitos de paredes inclinadas correspondem à região litoral a sul de Vila Nova de Gaia até ao Vouga, e os seus subtipos – de Oliveira de Frades, de Vila da Feira, de Cambra e de Oliveira de Azeméis – a outras tantas zonas que têm essas localidades como centro; fora dessas zonas, os respectivos tipos praticamente não existem; e, por outro lado, dentro de cada uma delas, só esse tipo se encontra.

17Com os espigueiros largos, a situação é outra: o tipo de Gaia (com paredes inclinadas), com a área da sua difusão alargando-se a terras de Gondomar, a N. do Douro, é também praticamente exclusivo, em área definida; mas o tipo de Penafiel (de paredes aprumadas), encontra-se por toda a sua área à mistura com outras categorias e tipos estreitos.

18Os espigueiros altos constituem na verdade uma categoria insignificante. As áreas de difusão de cada um dos dois tipos que nela distinguimos são também regiões contínuas e delimitadas; o tipo de Alcobaça tem aí carácter exclusivo, mas o de Cabeceiras de Basto coexiste com os demais tipos da região, nomeadamente os tipos de cápeas e guarda-ventos, e até os canastros de varas, altos, que possivelmente influenciaram a sua forma.

19Os espigueiros estreitos de paredes aprumadas, com o corpo inteiramente de pedra, encontram-se em condições comparáveis às dos tipos anteriores: o tipo do Lindoso tem uma área de difusão praticamente limitada à região serrana em torno dessa aldeia e terras vizinhas do Soajo; fora desse núcleo, aparecem alguns raros exemplares dispersos – na Serra de Vila Nova de Cerveira, etc., – em número contável, sem dúvida, mas que avultam pelo seu estilo notável; ele nunca tem carácter exclusivo: no Lindoso coexiste com o tipo de cápeas e guarda-ventos, e ripado de madeira, embora com nítido predomínio, que é ainda mais sensível no Soajo; nos demais pontos onde ocorre, é sempre excepcionalmente no meio dos outros tipos locais. O tipo de Arga também só aí existe; mas ao lado dele encontram-se do mesmo modo tipos de ripado de madeira, embora em menor número.

20Nestas diversas categorias, o traço característico respectivo anda geralmente associado de maneira regular a formas determinadas dos demais elementos estruturais, permitindo desse modo a definição mais pormenorizada do tipo respectivo (embora em si mesmas, aquelas sejam, as mais das vezes, comuns a outros tipos), e a indicação mais precisa da área que lhe corresponde. Existem sem dúvida, por vezes (nomeadamente no tipo estreiro de paredes inclinadas de Oliveira de Frades), variantes do tipo principal, a que correspondem subáreas mais ou menos restritas; mas, também aqui, elas formam manchas contínuas e independentes umas das outras. Apenas se nota, nas zonas de transição, sobreposição de caracteres, por vezes mesmo muito confusas, por influência de tipos vizinhos que ali, geralmente, coexistem sem dúvida uns com os outros.

21Quanto aos três últimos grupos, as circunstâncias são diversas conforme se trata de região ao Norte ou ao sul do Douro. Ao norte deste rio (e excepção feita do tipo de Caminha), se em relação ao elemento que caracteriza cada um, deles são morfologicamente bem diferenciados uns dos outros, todos os demais elementos aparecem na maioria dos casos indiferentemente e sob as formas mais variadas no mesmo tipo e nos outros, de modo que a definição pormenorizada de cada um deles é praticamente impossível, podendo quando muito notar-se em determinadas regiões, uma mais regular frequência ou ausência de alguns desses elementos; além disso, no que se refere à sua distribuição no espaço, eles mal se podem considerar isoladamente uns dos outros, de tal modo se encontram por toda a parte os três simultaneamente (e até juntos com as outras categorias de espigueiros) embora, sem dúvida, por vezes em proporções muito desiguais, de resto difíceis de precisar. Deste modo, a área de difusão de cada um deles, além de descontínua, irregular e de contornos incertos, é também a áreas dos demais, que correspondem, nesta zona, à própria área geral do espigueiro, notando-se apenas, nas áreas serranas, o predomínio dos tipos de cápeas e guarda-ventos; nas terras baixas, ora os de ripado horizontal ora os de ripado vertical com telhados vulgares, os primeiros mais frequentemente na zona intermédia, os outros pela orla ocidental.

22Ao sul do Douro, e sempre em relação a estes grupos, se os elementos estruturais secundários também não têm formas específicas exclusivas, em todo o caso não só a variedade de formas dentro de cada grupo é menos desordenada e a sua definição se extrema com mais nitidez, mas também a sua distribuição é mais regular e as respectivas áreas são menos dispersas e mais independentes. Assim – além do caso litoral, onde já vimos que praticamente só existem os tipos estreitos de paredes inclinadas, que por sua vez só ali existem – encontramos na região de Sobral do Paiva, com carácter quase exclusivo e apenas aí, o tipo de ripado horizontal do Marco de Canaveses; em toda a vasta zona leste e sul da área global do espigueiro, na Beira Alta e em seguida circundando o Caramulo, o tipo de corpo integralmente de madeira (excepto a cobertura) que se não é privativo dessa zona – ele é frequente no norte – tem ali uma forma muito definida e domina com exclusão dos demais. Apenas na região do Caramulo e zonas confinantes, onde se encontram os tipos de pedra e madeira, se nota maior mistura de feições, e abundância e coexistência de variantes.

CANASTROS DE VARAS

23Os canastros de varas apresentam-se, como dissemos, sob dois tipos principais, que aparecem ambos nas mesmas áreas, ao lado, de resto, de outros tipos de espigueiros propriamente ditos: 1) canastros de varas de base redonda; e 2) canastros de varas de base quadrangular. Uns e outros, a despeito do primitivismo rudimentar da sua construção mostram, conforme as regiões, certa diversidade de formas, que passamos a descrever mais pormenorizadamente.

Canastros de varas da base redonda

Canastros em varas do Soajo, Nóbrega e Oural

24Os caniços de varas do Soajo, são constituídos por um corpo encanastrado, de forma geralmente cilíndrica, assente sobre uma mesa ou estrado de madeira, e com um corucho («crutcho») de palha, que lhe serve de cobertura (fig. 52/53). A mesa, ou estrado, é formada por uma grade de quatro pranchas de carvalho, por vezes muito toscas, ligadas por entalhes e tornos, e com o vazio forrado a tábuas de soalho. Essa grade pousa em quatro pedregulhos, o que isola o caniço da humidade mas não o defende dos ratos. O caniço propriamente dito é uma espécie de cesto sem fundo, cuja urdidura é uma série de tanchões ou varas fortes de carvalho, espetadas verticalmente em buracos abertos na mesa, e na qual se tecem varas de giesta (ou, nos últimos tempos, de mimosa). O caniço tem em baixo uma abertura de descarga entre dois tanchões consecutivos, rematada como o rebordo de um cesto, que se tapa com uma tábua na ocasião em que se encheu. O corucho é um chapéu de palha centeia – ou, mais raramente, milha – assente sobre uma armação de varas, que partem, no topo, de um peão situado no vértice, prendem-se em baixo a um arco grosso, do mesmo diâmetro do caniço, e se prolongam um pouco para fora, de modo a formar um longo beiral, quando se coloca sobre o canastro. Para a sua construção, pousa-se aquele arco sobre três forqueiras espetadas no chão, de modo a ficar elevado do solo, permitindo o arranjo desse beiral. A palha, disposta em camadas concêntricas, que ficam em destaque umas sobre as outras, remata em cima segundo o processo corrente nas medas de centeio, e é vulgar terem no alto uma patela de cortiça ou lata de fundo para o ar, para protecção contra a chuva (des. 1).

Des. 1 – Soajo – Caniço de varas. Pormenores da construção

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25O corucho é assim uma peça independente do corpo e, para lançar as espigas, ele é levantado por um dos dados, como uma tampa, que se apoia, aberta para cima, em dois paus postos ao alto; o mesmo sucede para as tirar, e somente quando o canastro está quase vazio se utiliza o postigo de descarga, em baixo, deslocando-se a tábua que o fecha. Os canastros são defendidos das crianças e das galinhas envolvendo-os com tojo. As dimensões são muito variadas; o maior que vimos tinha de corpo 1,40 m de diâmetro e 1,75 m de altura.

26Embora frequentes nas aldeias do Soajo, é contudo nas vertentes da serra da Nóbrega, a sul do rio Lima, que os canastros de varas se encontram em maior número e plena vigência. Por vezes eles reúnem-se em grandes concentrações, junto dos terreiros que servem de eiras; é o que sucede por exemplo em S. Miguel, Tamende e particularmente no Barral, onde existem mais de trinta no mesmo local (fig. 53), numa versão rude e primitiva dos grupos dos espigueiros propriamente ditos vulgares nesta mesma área, e dos quais o Lindoso é o mais notável e sugestivo exemplo.

27A factura nestes exemplares é semelhante à que descrevemos do Soajo, mas a sua forma e certos pormenores diferem ligeiramente; a mesa é aqui com mais frequência feita de pedras ladeiras (geralmente duas), nas quais se abrem os buracos onde entram as varas verticais (espeques) (fig. 54). A forma do corpo é a de um tronco de cone invertido, com dimensões e larguras relativas de diâmetro muito variadas (fig. 55), e o varedo de tecer (liço) é de carvalho ou giesta2. E é costume espetar-se no alto das coruchas um ramo de oliveira, como decoração, ou talvez com qualquer vaga ideia profiláctica. Esta forma é talvez mais regular nas vizinhanças da Portela do Vade, onde o alargamento do canastro para o alto é mais constante, e é geral o uso de quatro forqueiras a ampará-los, lançadas às mesas, aqui de madeira (des. 2, fig. 56). As coruchas são lisas, não se notando as camadas de palha concêntricas. Em algumas aldeias do Oural havia ainda há poucos anos canastros deste género, mas mais primitivos, cujos tanchões verticais se espetavam no próprio solo, e o isolamento das espigas contra a humidade se conseguia apenas com uma camada de lenha miúda.

28Embora vulgarmente seja o próprio lavrador quem faz o seu canastro de varas, há homens que se dedicam à sua construção mediante paga. Dizem que o corucho é mais difícil de fazer que o próprio tecido das varas.

Canastros de varas da Cabreira, Barroso e Paredes de Coura

29Pela região serrana dos concelhos de Vieira (Cabreira) e de Cabeceiras de Basto (Barroso) os canastros de arge ou de vergueiros, também muito correntes, são de uma estrutura diferente, de grandes dimensões e de uma rusticidade ainda maior do que os que descrevemos, das terras do alto Lima.

30Os troncos de carvalhos novos que servem de varais, em número de quatro a oito, são espetados directamente na terra, ligeiramente inclinados para o exterior (des. 3, fig. 57); a cerca de meio metro do chão pregam-se entre eles uns grossos barrotes, sobre os quais se coloca o lastro, ou soalho redondo; e, em seguida começa-se, de baixo para cima, o teçume, com varas de carvalho, apenas ligeiramente espontadas, e com parte da folhagem. Este teçume forma o corpo, que chega a medir 2,50 m e mais de altura. O rebordo deste teçume de arge é rematado com uma verga ao jeito de quem cose; mas os varais prolongam-se para cima e são então golpeados pelo lado exterior, logo depois desse rebordo, e aí dobrados de modo a poderem ser amarrados no topo, a uma altura que excede 2 m, com um arame, para fazerem a armação da cobertura, que portanto não é independente do corpo. Nessa armação, que fica a descoberto, colocam-se então duas cintas horizontais a servir de ripas (fig. 58) e cobre-se o conjunto com copas de palha milha; o remate é feito pelo mesmo sistema das medas de palha de centeio.

Des. 2 – Portela de Vade, Vila Verde – Canastro de varas. A mesa e o corucho

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31Os canastros de oito varais ficam mais seguros e com uma forma redonda mais perfeita. Quando tem apenas quatro, metem-se mais varas, que não chegam ao chão, e ainda outras só de meia altura para cima, tal como sucede com as talas de cestos que alargam para a boca.

32Para lançar as espigas dentro destes canastros, afastam-se algumas copas de cobertura, de modo a abrir-se aí um buraco mais ou menos largo. E para as tirar aperta-se, com um pau aguçado, um sector do teçume junto do lastro, abrindo aí uma fenda. Para seguidamente fechar este, leva-se o teçume à posição primitiva.

Des. 3 – Teixoeiro, Cabeceiras de Basto – Canastro de vergueiro. Estrutura

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33Tendo os troncos e varedo de carvalho prontos e no sítio onde vão erguer o canastro, dois homens constroem-no em pouco mais de um dia.

34A folha da ramagem, que aumenta a protecção contra a chuva e não prejudica o arejamento, o seu tamanho avultado – pés, corpo e cobertura excedem 4 e 5 m – e a rusticidade de toda a facção, dão a estes canastros um aspecto insólito.

35Na região de Paredes de Coura os canastros desta categoria, aí chamados de verga (e em rápido desaparecimento) assemelham-se exteriormente, e nomeadamente no que respeita à forma e dimensões, aos da Portela do Vade; na realidade eles mostram certas características estruturais diferentes, que os aproximam dos do Barroso: com efeito, os vareiros ou varas verticais, que espetam no chão ou numa grade de madeira pouco elevada do solo, como no Soajo, mas que ali chegam, em cima, apenas até ao nível do rebordo do corpo, prolongam-se aqui como em Cabeceiras de Basto, para cima até poderem ser atados no alto, formando uma armação fixa sobre a qual pousa o corucho de palha milha ou centeia (aqui dizem que a palha milha «é o dado»). Nos casos em que os vareiros espetam no chão, as espigas pousam-se, como no Oural, sobre uma camada de varedo seco, ficando por isso a portinhola de descarga a 20 ou 30 cm acima do fundo (fig. 59).

36Desempenhando o papel de grade, encontram-se por vezes velhos chedeiros de carro, assentes em pedras toscas, em que os vareiros entram nos buracos dos fueiros do carro e a portinhola de descarga se situa sobre a cabeçalha. Se é certo que a base então é alongada, com cerca de 2 m por 1, o corpo pode porém tender para a forma arredondada, tal como acontece com os cestos, e o canastro apresenta um aspecto que o aproxima dos de planta redonda (fig. 60).

Canastros de varas de Fafe

Canastros de Aboim

37Pela parte norte do concelho de Fafe, nas freguesias de Aboim, Várzea Cova e Lagoa, aparecem também canastros de varas, aí chamados caniços de vergueiros, de aparência e dimensões semelhantes aos do Barroso3, em que, como ali, os paus, muito altos, de carvalho, se dispõem à volta de uma cova que se abriu com cerca de meio metro de profundidade, bem seguros e firmes com calhaus e terra com que se volta a enchê-la. Diferentemente do que ali sucede, porém, esses paus não formam eles próprios, entalhados e encurvados, a armação sobre que repousa a cobertura, mas prolongam-se a direito, sobressaindo muito acima do bordo do canastro; essa armação é formada por varas, em número de cerca de vinte, escolhidas com forqueira numa das pontas que se espeta no tecido, e que se amarram todas no topo, e por um arco horizontal, atado a elas, a uma certa altura: a cobertura – que é muito alta e volumosa – é de palha milha assente nessa armação, e as pontas salientes dos paus entre as quais ela se dispõe, e que ficam à vista acima dela, não a deixam escorregar (des. 4). Todas as amarrações são feitas com vergas. A lenha, ou varedo, começa a tecer-se em volta dos paus a cerca de 40 cm do solo; o melhor é o de carvalho, mas o de giesta é também muito corrente; contudo, neste último caso, as voltas do fundo que aguentam o lastro são de carvalho. O sistema de sustentação do lastro é também diferente do que vimos no Barroso, e não se usa o soalho. Depois de se firmar bem a volta inferior do teçume com pregos fortes cravadas nos paus, espetam-se, duas ou três voltas mais acima, pontas de varas que atravessam em várias direcções, irregularmente cruzadas de lado a lado, o corpo do caniço; e, seguidamente, sobre essas varas, estende-se uma camada de rama de giesta, uma gabela de palha milha e finalmente qualquer pano, pedaço de manta ou linhagem, que não deixe cair o grão que se vai soltando. As espigas metem-se antes de se colocar a palha milha da cobertura; e tiram-se como no Barroso, afastando-se umas varas a meio do teçume. Encontrando-se todo o material no sítio, dois homens fazem um caniço em pouco mais de meio dia.

Des. 4 – Aboim, Fafe – Caniço de vergueiro. Estrutura: a – pano ou linhagem;

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b – gabela de palha milha;
c – camada de giesta;
d – pontas de varas; e – pregos

Canastros de Pedraído

38Logo na vizinha freguesia de Pedraído, do mesmo concelho de Fafe, os canastros de varas não só diferem muito dos de Aboim, com sensível vantagem de duração e estabilidade, e defesa eficaz contra os ratos, mas mostram mesmo traços originais que não existem nos demais tipos que conhecemos. Com efeito, o assento é formado por uma espessa pedra arredondada, pousada sobre um bloco quadrangular de largura bastante menor, formando como que uma espécie de pé singelo único, com mó. No centro da pedra há um buraco onde entra, apertado, um mastro que desempenha idêntico papel ao da vara das medas: a armação da cobertura é feita com varas que, depois do corpo tecido, se espetam no teçume, e se vão amarrar seguidamente em cima, no topo dessa coluna central, e que só acidentalmente podem mostrar qualquer forqueira para prender ao rebordo do corpo; os paus terminam ao nível do bordo do corpo, e não se prolongam para cima, como em Aboim e no Barroso (des. 5). O corpo é tecido fora, enterrando previamente na terra os paus uns 50 cm; o trabalho é feito por dois homens, um pelo lado de dentro e outro pelo lado de fora, que com os socos calcam o varedo à medida que o vão tecendo, para o apertar; pronto o tecido, arranca-se da terra, e tece-se a parte dos paus que ficaram enterrados. Pousa-se depois o canastro sobre a pedra, e um dos homens fica do lado de dentro, em cima da pedra, e enfia o pau central no buraco a meio desta, que a vaza de lado a lado. A altura do corpo nunca atinge a que é usada em Aboim; a capucha é igual, alta e espessa, de palha milha. No fundo do tecido há um postigo de descarga, igual ao dos canastros do Soajo e Vila Verde.

Des. 5 – Pedraído, Fafe – Canastro de varas. Estrutura

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39Sem dúvida derivados destes canastros, surgem por Pedraído alguns casos em que o corpo é feito de ripado vertical, como nos espigueiros propriamente ditos, mas de planta cilíndrica, como os caniços de vergueiro, cingidos por arames. Todos os restantes pormenores – pés, coluna, capucha – são os mesmos dos canastros (des. 6).

Des. 6 – Pedraído, Fafe – Canastro redondo de ripado

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Canastros de varas da Serra d’Arga e Viana do Castelo

40De toda a área de canastros de varas da Serra d’Arga e suas vertentes para o mar e para o Lima, restam hoje alguns raros exemplares na freguesia de Outeiro, no concelho de Viana do Castelo4. A forma geral e as dimensões do seu corpo são semelhantes às dos da Nóbrega e Oural, enquanto que o seu sistema de cobertura os aproxima dos de Paredes de Coura e Barroso. Mas o seu assento e aberturas de carga são diferentes e originais, constituindo formas locais que só neles se encontram. De facto, os paus não enterram no chão como no Barroso e Aboim, nem assentam numa grade de madeira, como no Soajo e Oural, nem pousam sobre uma mesa de pedra, como em Pedraído: espetam, saindo de modo a ficarem à vista por baixo, em furos dispostos em círculo, vazados de lado a lado em toscas mesas de pedra, um pouco elevadas do chão sobre calhaus baixos amontoados sem qualquer afeiçoamento (des. 7), Para se lançarem as espigas, deixa-se num sector entre dois paus, na parte superior do teçume, um espaço formando janelo, que se tapa em seguida com um molho de palha milha, ao jeito de uma rolha. A descarga faz-se por um pequeno postigo rente à base, que se fecha com uma tábua, como no Soajo, e que dá para a eira. Os paus são de carvalho, e o varedo de salgueiro; para a capucha, emprega-se a palha milha, recoberta por uma camada exterior de colmo.

Des. 7 – Outeiro, Viana do Castelo – Canastro de varas. Estrutura. Notar o janelo de carga junto ao bordo superior

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41A duração vulgar destes canastros de varas é de cerca de quatro anos, podendo atingir seis se a madeira empregada for de boa qualidade.

42Apesar de servir de espigueiro a gente de poucas posses, com frequência ele é feito por lavradores abastados em anos de muito milho, quando o espigueiro grande não é suficiente para abrigar toda a colheita5.

Canastros de varas de planta rectangular

43Este género, hoje bastante raro, encontra-se em casos dispersos em certas zonas dos concelhos de Paredes de Coura, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca e Ponte de Lima, a par com os canastros de planta circular e com espigueiros de pedra e madeira de vários tipos. Tal como sucede com os canastros de planta redonda, é porém de supor que a sua primitiva área de difusão fosse muito mais vasta do que a actual; e que nesta ele fosse em tempos mais recuados e até fins do século passado, muito abundante6, ao contrário do que sucede hoje em dia, em que eles são excessivamente raros e difíceis de encontrar. Devese notar que o aspecto e carácter muito precários desta construção, em que se aproveita toda a espécie de materiais disponíveis – casqueiras, chapas de zinco, etc. – e de soluções, baralha as suas características tradicionais e toma por vezes difícil a definição de um tipo. Apesar disso, porém, e do seu pequeno número, tentaremos essa definição de acordo com os exemplares que pudemos observar.

Des. 8 – S. Mamede, Arcos de Valdevez – Canastro de varas, de planta rectangular. Estrutura

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44Ao tratarmos dos canastros redondos de Paredes de Coura, vimos que é aí vulgar usar-se para o estrado um velho chedeiro de carro, espetando-se as varas verticais nos buracos dos fueiros; se no alto não se der a estas varas e no varedo do teçume o jeito circular, o canastro toma uma forma alongada, intermediária entre o canastro redondo e o rectangular; de resto, mesmo neste último caso, a técnica do entrançado não permite esquinas vivas e os canastros têm sempre um tom arredondado, tanto mais acentuado quanto menor for a diferença entre o comprimento e a largura de base.

45Tomaremos portanto como protótipo deste género um pequeno canastro observado na aldeia de S. Mamede, entre Paredes de Coura e Arcos de Valdevez: nesse canastro (des. 8, fig. 61), a grade de madeira da base, com 1,50 por 1 m, assenta em blocos informes de pedra, muito baixos, e nos seus orifícios entram os vareiros verticais, dispostos em rectângulo perfeito; os dos cantos são mais grossos porque têm de aguentar as cambotas ou padieiras dos topos que sustentam a vara que serve de cume à cobertura de colmo. O tecido sobe até à altura desejada para o corpo; os vareiros são aí dobrados, seguindo até ao cume, e nele pregados. Em cima deles pousa a cobertura de colmo. A porta ocupa apenas a metade superior de um dos topos.

Des. 9 – Cepões, Ponte do Lima – Canastro de varas, de planta rectangular. Pormenores da Construção

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46Em Cepões (Ponte de Lima) um outro canastro da mesma espécie (des. 9) mostra a grade praticamente pousada no chão e sem qualquer defesa contra os ratos, com o comprimento de cerca de 3,30 m e 60 cm de largura; o soalho nela pregado é de tábuas curtas dispostas transversalmente. Em ambas as cabeceiras as varas verticais entram, no alto, em cambotas; estas sustentam a meio o cume, e de cada lado uma vara intermediária onde prega o barrotamento do telhado. A meio do comprimento do canastro há uma tesoura, em lugar da cambota, que aguenta o cume e as ripas e impede o afastamento do encanastrado. A cobertura tem por baixo uma camada de palha milha, mais resistente, e sobre ela é estendida outra, de colmo, muito delgada. A porta ocupa toda a largura das cabeceiras.

47Como última variante deste género mencionaremos ainda mais outro canastro que observámos em Paço Vedro (Ponte da Barca), e que, embora caso único no género ali, seguiu contudo o modelo de outros que existiram outrora na vizinha freguesia de Nogueira, e se pode por isso considerar um tipo local. Neste, a grade, ou mesa, mede 2,70 por 1,20 m e pousa sobre quatro pés de pedra mal talhados; nela espetam as varas verticais, ou guieiros, nos quais se entretecem as varas horizontais formando as paredes, a que chamam bandas ; a porta, numa das cabeceiras, é mais estreita do que a largura do canastro e vai apenas do fundo até meia altura do teçume, que mede 1,50 m. O telhado, de colmo, é independente do corpo: arma-se sobre dois frechais pregados em cima de quatro travessas transversais, e pousa-se simplesmente sobre as paredes de varedo; o espaço entre estas e a colmadura, nas cabeceiras, fica aberto (des. 10)7.

Des. 10- S. Tomé, Ponte da Barca – Canastro de varas, de planta rectangular

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48Vemos assim que embora todos estes canastros se possam considerar do mesmo tipo e apresentem muitos traços comuns, eles mostram entre si certas diferenças de pormenor: a porta, sempre numa cabeceira, ora é mais estreita que a largura total do canastro, ora ocupa totalmente essa largura; a sua altura é nuns casos a mesma da do canastro, noutros apenas a sua metade superior ou inferior8. Também a armação do telhado ou segue com pequenas variantes a forma geral de cobertura usada nos telhados de duas águas, ou, como no caso de S. Mamede, as varas verticais se unem em cima sobre o cume, como sucede com os canastros redondos da região do Coura e Barroso. A técnica de construção duns e doutros tem de resto, como é natural, estreita relação.

49Na área litoral, ao norte de Viana do Castelo, onde, como dissemos atrás, os canastros de varas de base rectangular dominavam sobre todos os demais tipos até há cerca de setenta anos, a sua base era geralmente feita de um tronco de carvalho, que se preferia com ligeira curvatura numa das pontas e que se abria a meio com um corte de serra; essas duas peças ligavam-se por travessas pregadas, ficando unidas na ponta encurvada e sensivelmente paralelas no restante. Como as espécies normalmente usadas não abundam por ali, as varas verticais e o próprio varedo de tecer eram de pinheiro.

50Na povoação de Lamas de Olo, na região granítica a Norte da Serra do Marão é costume erguerem, quando tal é preciso, pequenos canastros de varas, de recurso, de planta rectangular, para os quais por vezes aproveitam chedeiros de carros, portas e madeiras velhas. Os paus da armação enterram directamente na terra e prolongam-se para cima, constituindo eles próprios os prumos; aquela base apoia num entalhe neles rasgado, à altura conveniente; o tecido é de giesta e o telhado de duas águas, de colmo, muito grosseiro e tosco (fig. 64).

ESPIGUEIROS PROPRIAMENTE DITOS

Espigueiros estreitos

Espigueiros estreitos de paredes aprumadas

51Dissemos já que esta categoria, que representa a generalidade e maioria dos casos, aparece, sob vários tipos muito diferentes mas que geralmente coexistem uns com os outros, disseminados de maneira muito irregular e descontínua por toda a área do espigueiro, com excepção de pequenas manchas que correspondem a algumas das demais categorias, que aí por vezes dominam com carácter exclusivo. À parte um ou outros desses tipos, porém, todos os demais se caracterizam de modo relativamente impreciso, porque o elemento ou traço marcante que escolhemos para o definir se associa com as formas mais diversas que os demais elementos revestem, tornando impossível qualquer ordenação sistemática. Em certas regiões porém, um ou outro desses elementos ou combinações ocorrem – ou são excluídos – com maior regularidade, por vezes mesmo com carácter exclusivo. Acresce que geralmente, mormente no que respeita à região a norte do rio Douro, todos esses tipos coexistem nas mesmas zonas não se podendo mais do que, como dissemos atrás, indicar, em relação a cada um deles, uma maior ou menor densidade em certos pontos dentro da área geral deles todos – mais frequentemente mesmo, tal como o que acontece em relação a certos elementos, a ausência mais notória de alguns deles em certas partes.

52Dentro de cada um dos grupos que definimos, incluídos nesta categoria geral, tendo em vista essas formas que se nos afiguram mais características, indicaremos assim o modo como os demais traços se apresentam e se lhes acham associados nas diversas regiões onde cada um deles aparece.

I – Espigueiros com o corpo inteiramente de pedra

53Este tipo, que representa sem dúvida uma das manifestações mais notáveis não só desta classe de edifícios, mas mesmo da construção popular em geral, caracteriza-se fundamentalmente pelo emprego da pedra para toda a construção (excepto a porta) – ou seja porque, além dos elementos (assento e esqueleto) que, noutros tipos, são também de pedra, aqui são-no igualmente os balaústres verticais ou silhares horizontais, que formam as paredes com fendas, o lastro e a cobertura. O emprego da pedra nessas condições não implica, de facto, diferenças estruturais no conceito e na arquitectura do espigueiro; mas confere-lhe um aspecto inconfundível, ao mesmo tempo bárbaro e requintado, que sugere poderosas edificações de eras remotas. O espigueiro inteiramente de pedra – de resto pouco frequente em Portugal, onde aparece apenas em regiões muito reduzidas e circunscritas – apresenta-se sob duas formas principais: 1) Espigueiros com fendas verticais; e 2) Espigueiros com fendas horizontais. A primeira corresponde a duas áreas distintas, mostrando características próprias em cada uma delas: por um lado, a área do Lindoso, na zona serrana do alto Lima, compreendendo as aldeias vizinhas, e também, já na margem direita desse rio, a do Soajo, na serra do mesmo nome; ela define-se aí por uma grande perfeição de facção e luxo de elementos decorativos9. Por outro lado, nos altos da Serra d’Arga, onde, além de uma forma diferente, a construção é de uma rudeza extrema10. Este mesmo tipo, mas de fendas horizontais, nunca constitui uma forma local, aparecendo entre nós apenas em casos isolados, dispersos e excessivamente raros que, ao todo, não chegam à meia dúzia, localizados na área do Lindoso, em Parada e Cidadelhe, e um, excêntrico, na Serra de Montemuro; agrupámo-los apesar disso numa categoria especial, já pela sua excepcional beleza e interesse, já porque eles constituem, na Galiza, uma forma muito frequente, à qual os nossos estão evidentemente ligados.

Tipos do Lindoso e Soajo

54a) Fendas verticais – É sem dúvida na área do Lindoso e Soajo que este tipo se encontra representado de forma mais notável, tanto pelo número como pela qualidade dos exemplares, que oferecem, além disso, a originalidade de se agruparem em grandes concentrações ao lado do casario das povoações. Deve contudo notar-se, uma vez mais, que não é este o único tipo de espigueiro ali existente, coexistindo, pelo contrário, com o tipo de telhado de cápeas e guarda-ventos, e até, no Soajo por exemplo, com característicos canastros de varas de base circular. Em todo o caso, ele não só se documenta nesta área de modo muito abundante, mas predomina com grande relevo sobre os demais.

Des. 11 – Lindoso, Ponte da Barca – Reparar na ponta das cangas, à vista entre as peças que fazem os lintéis.

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55É no pendor do morro que o castelo coroa, fronteiro à povoação e sobranceiro à vertente que desce para o Lima, que se encontram os espigueiros do Lindoso, reunidos a esmo, todos no mesmo local, entre afloramentos de granito e grandes lajes que ora lhes servem de alicerces, ora fazem as vezes de eiras, de costas viradas ao Sudoeste donde vem a chuva, de perfil contra o fundo sombrio dos altos da Peneda e do Soajo, constituindo um dos aspectos mais sugestivos da paisagem rural da serra minhota e de todo o Norte em geral (figs. 65/66). Esse espaço, ainda hoje vedado por um tosco muro que impede a passagem do gado, foi primitivamente baldio e qualquer vizinho podia aí livremente erguer o seu espigueiro; presentemente dividido, apropriado e registado, tal já não é mais possível, e os novos espigueiros vão surgindo noutros pontos, na periferia do casario.

56Nesta forma local, o espigueiro de pedra com fendas verticais (des. 11), tem sempre o assento em pés singelos (des. 12-1), com ou sem sapata, encimados por mós ou mesas de formatos variados (des. 12-2) e bem acabados, embora o pico grosso, sendo frequente verem-se mesas nos pés dos topos e mós nos restantes. Esses pés firmam-se nos próprios afloramentos da rocha, ou então em alicerce à vista; e para que o corpo fique de nível, ora são eles próprios de alturas diferentes conforme o declive, ora é esse alicerce que os eleva (fig. 53). Sobre este assento, pousa o esqueleto do corpo, todo de peças de granito bem aparelhado: as padieiras laterais, apoiadas nas mós ou mesas, com uma pequena saliência no lado interno da base, onde pousam as lajes ou soleiras do lastro (des. 13); as colunas, aos cantos, mostrando já nas fachadas laterais o rasgo da primeira fenda; por vezes outra coluna a meio nas mesmas condições; fechando a armação em cima, os lintéis de topo, muitas vezes numa peça única para cada um, que já fazem o ângulo das águas do telhado, o da frente com a face inferior geralmente arqueada sobre a porta (des. 12-4), o de trás linear nessa face; os lintéis laterais são descontínuos e curtos, aos pares; e entre os vários segmentos inserem-se outras tantas peças em forma semelhante aos lintéis de topo, as cangas ou jugos, que vão de lado a lado e cujas pontas se notam à vista em ambos eles; é sobre esses lintéis e cangas que apoiam, de cada lado, as lajes de granito da cobertura, finas e primorosamente cortadas, iguais nas duas águas, a que dão o nome de capeados de lousas, cujo tamanho regula a distância entre as cangas, e que são um dos traços originais e mais expressivos destas construções; no cume e de laje a laje, outras peças, igualmente de granito, em meia cana, rematam as juntas e fazem a vedação da cobertura. O lastro, como dissemos, é de pedra, em fortes soleiras dispostas no sentido transversal, apoiadas num ressalto das padieiras; por isso, para aliviar o esforço pedido a essas padieiras, há geralmente um par intermediário de pés, a meio de cada padieira.

57As paredes são também inteiramente de pedra, compostas de balaústres talhados de modo a deixarem entre si as fendas de ventilação da câmara (des. 12-6); esses balaústres ou colunas verticais abrem-se em peças de cantaria em forma de paralelepípedo estreito e alto, pousadas directamente e à face sobre as padieiras laterais, e servindo de suporte em cima, aos lintéis do esqueleto; geralmente a cada balaústre corresponde um bloco de cantaria, cujas quatro quinas compridas foram cavadas em bisel, mas deixando em baixo e, em cima, uma base e uma espécie de capitel liso; a fenda forma-se assim pela junção de dois blocos vizinhos, que encostam um ao outro os rasgos, e toma a forma de uma longa seteira em gamela cujos topos rematam em redondo ou em bico, de desenhos variados. Muitas vezes, porém, a um bloco de cantaria correspondem dois (e até, mais raramente, três) balaústres; a fenda central abre-se então a meio do bloco, mas fica de aparência igual às outras. Os balaústres desse modo mostram, de frente, uma quina e não uma face; mas essa quina, do lado de fora, é cortada originando uma superfície plana muito exígua. A meio da fenda, por vezes, corre uma tira horizontal, apenas decorativa, talhada no mesmo bloco em esmeros de cantaria.

Des. 12 – Espigueiros de pedra do Lindoso

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1 – Formas de pés: a e b são as vulgares, mas também há mais toscas, como c.
2 – Formas de mós: a é a mais vulgar; há bastantes como b e abuladas; são raras as como c, com saliências que acompanmham as padieiras; e algumas são mesas que vão de lado a lado como a forma d.
3 – As recravas (dentes) são a forma usual de ligação das padieiras inferiores.
4-0 pincho servindo de lintel da porta, como em a, alterna com pincho e lintel, como em b.
5 – Pala saliente sobre a porta.
6 – Balaústres de pedra: os rasgos a e c são os mais vulgares; d é raro; vimos alguns casos de b, com «cinta» a meio.

58A porta situa-se, de acordo com a regra, na fachada de topo frontal, enquadrada pelas colunas e padieiras do esqueleto, e é, neste tipo de espigueiros, o único elemento normalmente de madeira; ela compõe-se geralmente de balaústres encaixilhados numa grade, onde se pregam as dobradiças que cravam numa das colunas; mas não raro, em vez dessa grade, ela é feita simplesmente de tábuas postas ao alto, e firmadas por duas travessas, por dentro; por vezes elas mostram alguns desenhos entalhados, designadamente o sol11. Em muitos espigueiros, porém, e tal como temos visto noutros casos, a divisão por partilhas originou a abertura de mais portas, alterando a traça primitiva; elas situam-se então nas paredes laterais, pela remoção – que não é difícil – de vários balaústres. O acesso à porta é facilitado por uma simples pedra deitada no chão, que faz as vezes de degrau tosco; é frequente mesmo utilizar-se para esse fim um dos blocos de balaústres retirado para a abertura de novas portas. O topo posterior, voltado às chuvas do Sudoeste, é também geralmente de balaústres de pedra; com frequência porém, as fendas não chegam a ser abertas, embora a forma geral dos balaústres tenha sido perfeitamente realizada12. Em alguns casos, de resto raros, essa parede foi substituída por uma porta suplementar, de madeira simples ou chapeada, resultante, mais uma vez, da ulterior divisão do espigueiro.

59Nestes espigueiros abundam os elementos decorativos, e o material de que estes são feitos avulta a sua expressão e o seu valor. No alto do lintel da porta, no topo frontal, raras vezes deixa de se ver qualquer motivo, medalhão, data, símbolo religioso, rasgo geométrico, por vezes vazado, etc. Quando a porta não é arqueada, por vezes uma segunda padieira saliente sobre ela forma uma pala, que a abriga dos pingantes (des. 12-5); e em casos muito raros, vê-se esta peça mesmo no topo da retaguarda. Os dois extremos do cume do telhado rematam com a cruz, urnas, pináculos, relógios de sol, ou outros motivos, sobre peanhas lavradas.

60No vizinho lugar de Parada, da mesma freguesia do Lindoso, os espigueiros são idênticos a estes, com uma decoração geralmente mais rica, encontrando-se em vários casos, o coração como motivo ornamental. Eles dispõem-se aos grupos, em torno de várias eiras que se seguem, em planos e níveis sucessivos, pertença de diversos vizinhos (fig. 67). No Soajo, é em volta da eira comum, em laje nativa de granito, que fica perto da parte reputada mais antiga da povoação, que se encontra o agrupamento mais denso de espigueiros – a que dão o nome de caniços – todos, aí, deste tipo, e perfeitamente semelhantes aos do Lindoso nas suas formas gerais e pormenores de construção (fig. 68). Aqui, porém, usa-se ora lastro de pedra, ora soalho de madeira; e mesmo quando ele é de pedra difere do Lindoso, porque as lajes dispõem-se no sentido longitudinal (des. 14-è); quando há soalho este assenta, como em outros tipos, em traves ou vigas corridas que encostam, pelo lado de dentro, às padieiras de pedra da base, e como estas, apoiam nas mesas do assento; sobre elas pousam os barrotes transversais, e nestes prega o soalho.

Des. 13 – Lindoso – Corte de um espigueiro de pedra – O ponteado indica as linhas da fachada

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61A cobertura oferece também, em alguns casos, a particularidade de uma espécie de guarda-vento de pedra, nos topos do capeado, que parece ter como função amparar a peanha da cruz, de ambos os lados (Desenho 14-a). Os cumes e mata-juntas de pedra são hoje raros, tendo sido na sua maioria retirados, e as juntas tomadas a cimento.

62A data mais recuada que encontramos nos espigueiros desta região é a de de 1762, num exemplar do Soajo, coberto de lajes de pedra; e, em seguida, a de 1776, em Parada, e outras poucas do fim do século xviii, sendo o maior número dos meados do século passado. Vemos assim que as formas descritas se mantêm sem alteração, nem de conjunto nem de pormenores; no espaço de duzentos anos, a única diferença que se nota é, na padieira e lintel das portas antigas, a existência de rasgos para a consoeira das portas, fazendo os gonzos.

Des. 14 – Soajo, Arcos de Valdevez

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a – Guarda-ventos de pedra, amparando a cruz;
b – Corte mostrando as lajes do lastro

63Comparados com a maioria dos espigueiros estreitos dos demais tipos que a seguir estudaremos, os espigueiros do Lindoso e do Soajo caracterizam-se pela sua grande largura e pequena altura13; no Lindoso, estas dimensões são bastante regulares e constantes: a altura, das mós ao telhado, é sempre de cerca de 1,80 m; a largura da câmara (interior), de 1,25 m; os pés têm alturas variáveis, por vezes até, como dissemos, no mesmo espigueiro, conforme o desnível do solo, mas com um mínimo de 80 cm. No Soajo, as larguras são idênticas às do Lindoso, mas com frequência a altura da câmara é mais baixa uns 15 a 20 cm.

64Contra o que acontece noutras regiões, o acabamento das cantarias dos espigueiros é aqui muito perfeito, sendo flagrante o contraste, principalmente no Lindoso, que marcam com a extrema rudeza das demais construções da aldeia.

65b) Fendas horizontais – Os espigueiros deste tipo, bastante abundantes na Galiza, são extremamente raros em Portugal, aparecendo apenas exemplos isolados entre outros tipos diferentes, nomeadamente em Cidadelhe (fig. 69) e Parada (Lindoso) (fig. 70). Eles são também inteiramente de pedra, como os anteriores, e têm com estes de comum, além disso, a forma da cobertura, a localização da porta e a decoração em geral; mas diferem fundamentalmente pelo tipo das paredes e do assento. De facto, as paredes, aqui, não são de balaústres que deixam entre si fendas verticais, mas de silhares, bem lavrados e todos iguais, formando fileiras certas, e cuja quina do lado comprido superior é cortado em bisel, formando contra o silhar de cima uma fenda, que por isso é horizontal. Em cada série vertical, as fendas ficam todas da mesma largura. Os pilares, que enquadram a porta, no topo frontal do espigueiro, são constituídos ou por colunas inteiriças de pedra, ou pelas pontas sobrepostas dos primeiros silhares laterais; a parede do topo traseiro apresenta as fendas nas mesmas condições que nos lados. Nestes dois casos, o assento é constituído não por qualquer dos três tipos de pés que conhecemos – singelos, transversais ou maciços –, mas, caso único em Portugal, nos sistemas tradicionais, por uma câmara de arrumações que abre para a eira, sob o espigueiro, alpendre ou palheiro com as mesmas dimensões de base que este, estreito, comprido e baixo, com a porta igualmente à frente, e cujo tecto é constituído pelo lastro do espigueiro, que pelo lado exterior é saliente, formando uma cornija a toda a volta, com cerca de 30 cm de largura.

66O exemplar de Cidadelhe, que se encontra um pouco a nascente da povoação, constitui uma peça notável, que avulta pelas suas proporções e pela sua facção. A sua base é mesmo composta por dois compartimentos sobrepostos com as paredes de fendas horizontais como o espigueiro, e com o piso de cima abrindo para a eira, o de baixo para um socalco, ambos com portas nos topos, a de cima à frente, a de baixo atrás; no corpo do espigueiro propriamente dito, a meio da fachada larga, de fendas horizontais, abre-se uma porta, enquadrada por duas peças verticais, que formam balaústres e fendas nesse sentido14.

67Além destes dois casos, encontramos também fendas horizontais num exemplo isolado, diferente e muito rude, em Relva (Serra do Montemuro) (fig. 72), onde a construção de pedra não constitui sob nenhum aspecto um estilo ou tradição local; ele tem cobertura de colmo e pousa sobre pedras toscas que fazem de pés, mostrando as características deste tipo apenas nas paredes dos lados e de trás. E, com certa frequência, em locais muito afastados, designadamente em Cubalhão (Serra da Peneda) (fig. 77), Arnóia (Celorico de Basto), etc., o mesmo sucede em relação somente a esse topo traseiro, em espigueiros que, por todos os demais elementos, se incluem noutros tipos totalmente diferentes15.

Tipo da Serra d’Arga

68Os espigueiros com o corpo inteiramente de pedra, do Lindoso e Soajo, são, de um modo geral, notáveis peças de cantaria, de uma feição rude e arcaica, mas de acabamento cuidado e facção perfeita. O mesmo tipo, numa forma diferente, e de facção mais tosca, encontra-se nas povoações dos altos da Serra d’Arga, nomeadamente nas Argas de Cima e de Baixo; aí, de facto, a diaclase tabular do granito e a fractura do micaxisto deram lugar a uma grande abundância de lajes naturais, que permitem a construção de espigueiros todos de pedra, de carácter por vezes megalítico, em que o trabalho de pedreiro se reduz ao mínimo e não há qualquer regularidade no modo de ligação e talhe das diversas peças, sendo geralmente os próprios blocos quem indica a solução para cada caso.

Des. 15 – Arga de Cima, Caminha

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1 – Soleiras
2 – Colunas
3 – Cangas
4 – Emparas 5 – Telhões
6 – Frechais
7 – Aduelas

69Em Arga de Cima, o assento na maioria dos casos é em pé maciço e baixo de alvenaria seca – não raro mesmo um pedaço de muro dos caminhos, sobre o qual pousa directamente o lastro, feito de soleiras mal aparelhadas; aparecem também alguns pés singelos, a que dão o nome de macacos, que então são rematados por mesas. Em Arga de Baixo, a construção é um pouco mais cuidada (fígs. 73/74) ; os pés singelos com mesas são frequentes, mas não raro também o assento é constituído por pequenos montes espaçados de lascas encasteladas (fig. 74), que não chegam a proteger contra a passagem dos ratos, sobre os quais pousam directamente, como em Arga de Cima, as soleiras do lastro, mais ou menos regulares, que vão de lado a lado e são por vezes de enormes dimensões. Quando o assento é de pés singelos, esse lastro é geralmente bem aparelhado. Do lastro elevam-se, aos cantos e a meio, a distâncias iguais, as colunas do esqueleto, lineares e fortes, talhadas a pico grosso; e sobre elas correm os lintéis. Os vãos entre as colunas são cheios com aduelas ou lascas de piçarra (micaxisto) de várias larguras, que ora formam balaústres deixando entre si fendas estreitas de arejamento, ora, mais largas, mostram essas fendas, verticais e a meio, abertas a picão (des. 15), uma ou duas por peça, conforme os casos16. As próprias juntas destas lajes dão também arejamento. A cobertura é feita de outras lascas, a que dão o nome de emparas, com as beiras apenas esmoucadas a marreta, e com as juntas recobertas por telhões, que são igualmente pedras naturais, delgadas e compridas. Esta rude e pesada cobertura apoia em cangas, que saem dos lados muito fora das colunas em que assentam, ultrapassando, em alguns casos mesmo, o beiral das emparas, e prendendo estas com um ressalto na ponta do seu rebordo superior (des. 16).

Des. 16 – Arga de Cima, Caminha

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70As cangas dos topos (que fazem de padieiras) têm às vezes um rasgo mais ou menos profundo em baixo, onde encaixam as colunas; e outro, em cima, onde apoia um dente talhado nos frechais; nas intermédias, esse rasgo é nas quatro faces engrenando nele, além das colunas, as pontas das padieiras do frechal, em rasgos correspondentes (des. 17). O rebordo inferior das cangas é direito nos dois topos, mas nas intermédias, no interior do corpo, ele é arqueado, para dar maior altura à câmara. A porta, em Arga de Cima, é geralmente a meio de uma das faces compridas; mas muitas vezes existem mais portas, resultantes da divisão do espigueiro por vários proprietários. Em Arga de Baixo ela fica quase sempre numa das fachadas compridas um pouco puxada a um dos lados, e mostra uma padieira arqueada. Alguns espigueiros – e muito antigos – em lugar de aduelas de piçarra têm as paredes de ripado de madeira; parece ser esta a feição dos espigueiros mais recentes, cujo acabamento é de resto muito menos rude.

Des. 17 – Arga de Baixo – Pormenor das cangas

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71Nas vertentes da Serra, a poente e a sul, em Arga de S. João ou Santo Oginha e Dem, os espigueiros são de um tipo diferente, com assento, esqueleto e cobertura de pedra, mas de facção cuidada, e ripado vertical de madeira, que se encontra daí em diante na orla litoral, de Vila Nova de Cerveira a Viana do Castelo, a que demos o nome de Tipo de Caminha17.

72Em Sopo, na serra de Vila Nova de Cerveira, encontram-se alguns exemplares de espigueiros inteiramente de pedra, cujo assento, esqueleto e cobertura são desse tipo litoral, mas com balaústres também de pedra, perfeitamente semelhantes aos que encontramos no Lindoso, duma facção extremamente perfeita; cada quartel, ou claro, é aí composto apenas de dois blocos de granito, onde se rasgam 4 e 5 balaústres (fig. 71).

II – Espigueiros com telhados de cápeas e guarda-ventos

73Falámos já neste processo de cobertura, muito usual nas construções do noroeste serrano. Nos espigueiros, ele aparece de facto, à mistura com outros tipos da mesma categoria, por toda a zona serrana a norte do Douro, na região granítica: nas alturas e ao longo dos vales dos rios que enquadram e cortam os maciços montanhosos, a partir do rio Minho para o sul, de Melgaço a Valença, nas aldeias da Peneda e Soajo, e nos altos a leste de Paredes de Coura; ao longo do rio Lima e pela zona alta da Amarela, Nóbrega, Ourai, até perto de Viana do Castelo; em terras de Bouro e pelos vales do Homem e do Cávado, até Vila Verde e Amares (prolongando-se, para leste, até Vila da Ponte, nas faldas setentrionais do Barroso); na Cabreira, em Vieira do Minho e Póvoa de Lanhoso, chegando a Braga; nas vertentes sul e poente do Barroso, em Cabeceiras de Basto, e depois ao longo do Tâmega até ao Celorico de Basto, no sul do concelho do Marco de Canaveses, junto ao rio Douro; e finalmente, em Trás-os-Montes, na orla da área do espigueiro, em Boticas, no extremo oriental do Barroso, na parte norte do Marão e a leste de Vila Real, em Mesão Frio e, em casos esporádicos, em Alijó (figs. 75/93).

Des. 18 – Bucos, Cabeceiras de Basto

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74Esta área corresponde de um modo geral a regiões graníticas, e é condicionada pela existência dessa pedra, porque os espigueiros deste tipo necessitam sempre dela para as paredes dos topos; e, fora certas diferenças individuais e regionais de proporções e pormenor, eles mostram por toda a parte um certo número de caracteres comuns, que completam a sua definição: assim, na quase totalidade dos casos, o assento é constituído por pés singelos, de várias formas; o esqueleto do corpo – grade ou lastro, colunas, lintéis dos topos, e algumas vezes também os laterais – é de granito, devidamente afeiçoado; o ripado dispõe-se sempre verticalmente e, em regra, é de madeira, firmado quase sempre a meia altura por uma travessa, ou cinta, a vista pelo lado exterior; contudo, no recanto da Peneda, Soajo e Amarela, e sobretudo no Lindoso, aparecem exemplares em que as paredes são inteiramente de pedra, com balaústres que deixam entre si fendas, mais ou menos trabalhadas (fig. 76); e esta particularidade é sobretudo corrente em relação à parede de topo das traseiras; muitas vezes existem colunas a meio da parede, separando e sustentando os diversos painéis de ripado (des. 19 e 20); e, nessas zonas em especial e também em Trás-os-Montes, na região do Marão e de Vila Real, elas mostram com frequência fendas de arejamento, sendo então designadas pelo nome de colunas rasgadas18. A porta situa-se sempre na parede de topo da frente, a menos que a localização peculiar do espigueiro o não permita; mas não raro, e sobretudo por razões de partilhas ulteriores, foram seguidamente abertas outras portas no ripado das paredes laterais, correspondendo a outras tantas divisões interiores do espigueiro. O lintel frontal forma normalmente um bloco único, onde assentam as cápeas; em algumas regiões serranas, eles são geralmente lineares, mas, na zona de Melgaço a Monção e em muitos outros lugares, eles são muitas vezes arqueados sobre a porta, de modo a aproveitarem a altura maior da empena (des. 21); e levam não raro aí qualquer motivo decorativo, medalhão com data, símbolo religioso, etc. O telhado é sempre naturalmente de duas águas, na generalidade dos casos de telha. Rematando o cume das cápeas são muito frequentes certos outros elementos de ornamentação, de pedra, cruzes ou pináculos, relógios de sol e até figuras, erguidas sobre qualquer peanha (figs. 80, 82/83, 87/91).

Des. 19 – Lindoso – Espigueiro de cápeas e guarda-ventos com balaústres de madeira

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1 – Pé
2 – Mó
3 – Padieira de baixo
4 – Colunas
5 – Padieira de cima
6 – Padieira
7 – Pincho
8 – Cápea
9 – Balaústres
10 – Peanha
11 – Cruz

75Em algumas destas partes, sobretudo nas terras do interior, os espigueiros existentes são todos – ou quase – deste tipo, que ali conserva os seus caracteres mais regulares; as mais das vezes porém, ele coexiste com outros, porventura em maior número, nomeadamente à medida que se caminha para as terras baixas do ocidente; em certos casos periféricos, trata-se mesmo apenas de manifestações esporádicas raras ou isoladas, encravadas na área de outros tipos mais característicos, e que, além disso, sofrem a influência destes.

Des. 20 – Lindoso – Corte dum espigueiro de balaústres de madeira

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76Nas áreas propriamente serranas, de Castro Laboreiro ao Gerês, e sobretudo na corda do rio Minho, de Melgaço a Monção, os espigueiros deste e doutros tipos – nomeadamente de telhados vulgares de duas águas sem cápeas, e também, como já vimos, os de corpo inteiramente de pedra – são, de um modo geral, baixos e largos (figs. 75,78/79). O sistema das cápeas, alteando as fachadas do topo, disfarça um pouco as proporções reais do corpo, dando-lhe um aspecto menos atarracado: os espigueiros deste tipo caracterizam-se aqui por um esqueleto espesso e forte de grossas colunas e padieiras de granito, as cápeas pouco elevadas e as águas do telhado, de telha caleira, de pequeno pendor, formando um beiral moderadamente saliente (figs. 78/79).

77Na periferia desta zona, os espigueiros de cápeas e guarda-ventos, por influência talvez de outros tipos que com eles avizinham, e da tendência geral para uma menor largura, tomam-se esguios, estreitos e altos, com proporções que o alteamento das paredes de topo ainda mais acentua: as águas do telhado, em que já se vê por vezes a telha de Marselha, têm maior pendor, e formam beirais por vezes muito salientes, que se fazem notar, bem contrastados, atrás das cápeas e guarda-ventos, também mais aguçados; em lugar dos pés singelos habituais, aparecem uns ou outros pés transversais ou maciços, com mesas ou lajeados formando cornija, usuais nos outros tipos predominantes; etc. Os demais elementos, nas suas linhas gerais, não apresentam quaisquer formas particulares; são contudo dignas de nota as portas de madeira lavrada e por vezes policromada, profusamente decoradas com motivos geométricos, símbolos religiosos, datas ou outras inscrições de grande beleza e interesse, na região da Ponte da Barca e Nóbrega, ao longo do Vade. Nessa mesma região, nos espigueiros recentes, não só se acentua a feição esguia, mas usa-se também com excepcional frequência o entablamento forrado à americana, com que se revestem as pontas dos caibros.

Des. 21 – Barbeita, Monção – Espigueiro de cápeas e guarda-ventos. Pormenores da construção

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78Na corda do baixo Lima, a oeste de Ponte de Lima, este tipo mostra guarda-ventos muito baixos e com molduras, mais decorativos do que funcionais; e o corpo assenta geralmente em pés maciços, traindo a influência do vizinho tipo que domina no litoral de Cerveira a Viana do Castelo. No sul do concelho do Marco de Canavezes, à beira do Douro, os lintéis mostram em cima junto ao vértice, um orifício redondo por onde saem francamente as pontas do barrote do cume em ambos os topos.

79Na área transmontana, no norte do Marão e a leste de Vila Real, usa-se a cobertura de lajes finas de granito; são frequentes os pequenos exemplares curtos e altos (fig. 92), de fachada despida e desgraciosa, com cápeas estreitas; em Alijó aparecem às vezes telhas sobre as cápeas, e em Boticas, coberturas de colmo (des. 22); etc.

Des. 22 – Vilarinho da Mó, Boticas – Eira, alpendre e espigueiro

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III – Espigueiros com ripado de madeira (vertical) e telhados vulgares de duas ou de quatro águas

80Este tipo caracteriza-se fundamentalmente pelo ripado de madeira vertical, e por um telhado vulgar de duas ou quatro águas, sem cápeas. Os demais elementos associam-se àqueles sob todas as formas conhecidas e combinações possíveis – as várias espécies de assentos, a localização da porta, e sobretudo os diferentes sistemas de construção do esqueleto, que pode ser ora integralmente de madeira, ora com as padieiras da base ou estas e as colunas (por vezes só as dos cantos) de pedra e os frechais de madeira – o que e muito frequente –, ora ainda, mais raramente, integralmente de pedra; e, no primeiro caso, a grade pode ser de traves emalhetadas, espigadas, sobrepostas, salientes nos quatro ou em dois topos, com ou sem escoras, etc. –; essa mistura de formas ocorre geralmente na mesma área, povoação e região, não se podendo mais do que assinalar, em certas zonas, o predomínio ou a ausência de determinadas categorias daqueles elementos, formas e sistemas, nomeadamente a construção integralmente de madeira, que em algumas áreas existe mesmo com carácter exclusivo (figs. 94/118).

81A escolha de um ou outro material é determinada por um conjunto de factores, naturais, económicos e culturais; é evidente que, em primeiro lugar, ela depende da existência ou falta de granito na região; mas esta razão só não basta para explicar sempre o tipo local, visto que há várias zonas graníticas em que todas ou a maioria das peças de que se compõe o esqueleto são de madeira, como sucede por toda a zona leste da área beiroa do espigueiro, na região compreendida entre S. Pedro do Sul e Castro Daire, nas partes serranas do Montemuro e da Lapa, em certos vales das terras de Basto, etc., onde apenas nos espigueiros recentes aparecem a grade e colunas de pedra. Por seu turno, o factor económico só por si também não explica aquela escolha: o corpo de madeira corresponde em regra a espigueiros mais pequenos e, em geral, a lavouras pobres; apesar disso, em certas regiões verdadeiramente muito pobres, como o Caramulo, estes, em obediência ao estilo tradicional, têm o esqueleto de pedra19.

82Dissemos já que este tipo representa a generalidade dos casos, e não corresponde a nenhuma área circunscrita precisa; de facto, ele aparece por toda a área geral do espigueiro, a par dos demais tipos que consideramos, excepção feita a pequenas exclusões locais, em que só existem alguns dos tipos especiais; em certos casos e regiões, porém, é este tipo que, por sua vez, possui aquele carácter, encontrando-se aí com exclusão de qualquer outro.

83Este tipo, ora com o esqueleto todo de pedra, ora apenas com a grade e as colunas (dos cantos e intermediárias, estas com frequência rasgadas) de pedra, e os frechais dos lados e dos topos de madeira, encontra-se a partir de Melgaço, em exemplos muito rudes, com assento de pés singelos encimados por mós, e telhados de duas águas; e tal como os espigueiros dos demais tipos que com eles coexistem na região, estes são largos e baixos, de aspecto atarracado, destacando-se os painéis de ripado tosco de madeira entre as grossas peças de granito do esqueleto. Os telhados são sempre de duas águas de telha celeira, assentes numa vulgar estrutura de ripas, caibros e cume, este último repousando entre os infiéis de topo e cambotas intermediárias atravessadas sobre o frechal, de coluna a coluna. Em Monção eles são em geral de uma construção descuidada, com um assento informe que mal impede o acesso dos ratos. E de Monção a Valença domina a construção toda de madeira, as traves de topo da grade espigadas nas vigas laterais, o assento de pés singelos com mós ou mesas, o ripado firmado por uma cinta a meio, do lado exterior, sem escoras e com telhado de duas águas, que na serra de Valença é ainda muitas vezes de colmo. Seguidamente, de Valença até Vila Nova de Cerveira, predomina o ripado horizontal, no tipo, a que chamam canastros de leivado (de leiva, balaústres) avizinham com os tipos de cápeas e guarda-ventos, e com os de ripado horizontal, a que chamam canastros de ripado. Os pés, ou pegões, são geralmente singelos, com mós ou mesas, mas por vezes o corpo pousa apenas sobre pedregulhos mal encastelados, que apenas o elevam do solo; o corpo ora é todo de madeira20, ora tem o esqueleto de pedra, incluindo os lintéis de topo, que são muitas vezes arqueados. O ripado vertical, ou leivado, prega em cima num barrote (que geralmente é o próprio frechal), o qual muitas vezes, sobretudo em casos antigos, entra por um buraco entre as colunas e os lintéis de topo, ficando à vista, de pontas muito salientes. As leivas, ou ripas verticais, são geralmente simples travessas de madeira; mas, por vezes, em vez delas, vêem-se tábuas largas, fendidas com um rasgo a meio. A porta não tem localização certa, às vezes num ou em ambos os topos, outras a meio de um dos lados; e neste último caso vê-se sobre ela, em alguns raros exemplos, um alteamento do telhado em água-furtada, a partir do cume, tal como sucede com certa frequência na Galiza21. Vêem-se ainda telhados de colmo e, rematando à frente as duas águas, é vulgar uma tábua de testa mais ou menos recortada (des. 23). Finalmente, descendo da vila em direcção a Caminha, o mesmo tipo começa a apresentar-se com pés maciços, numa forma que acusa semelhanças com os espigueiros do litoral de Vila Nova de Cerveira a Viana do Castelo.

Des. 23 – Paredes de Coura : Canastro de leivado

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84De Vila Nova de Cerveira a Viana do Castelo, os espigueiros apresentam-se sob uma forma diferente e muito característica, que mostra certas afinidades com os espigueiros todos de pedra da Serra d’Arga. Eles são sensivelmente estreitos, de uma facção muito perfeita, e de linhas escorreitas, extremamente sóbrias, rigorosas, com um certo tom clássico (figs. 105 e 107). O assento é um pé maciço (a que se dá o nome de massame e onde às vezes se ajeita um vão de arrumos ou galinheiro) de alvenaria, sobre o qual o lastro de pedra do corpo faz saliência, formando uma cornija a toda a volta, muitas vezes boleada na face superior; o esqueleto, totalmente de pedra, tem sempre colunas intermediárias, em número ditado pelas exigências das dimensões; os painéis de ripado inserem-se entre essas colunas que são sempre pouco afastadas; geralmente não existe a travação exterior, e a fixação dos balaústres é feita por três travessas horizontais interiores, que entram em rasgos cavados nas colunas, a meia altura, e a uns 30 cm acima e abaixo dos lintéis e padieiras, respectivamente. A porta situa-se ora no topo frontal, ora numa das fachadas compridas, a meio ou puxada a um lado. Os lintéis, servindo de frechal, também de granito, vão de coluna a coluna, e entre eles colocam-se as cangas, também de granito, que neles engrenam de modo complexo, para apoio da cobertura (des. 24-a e b), como no Lindoso. Em Gondarém (Vila Nova de Cerveira), Vilar de Mouros (Caminha), etc., essas cangas por vezes saem fora dos lintéis, lembrando uma cachorrada românica (fig. 107)22; em certos casos também, as pontas dos lintéis sobressaem ligeiramente nos topos e são lavradas em remates decorativos (fig. 105). Nas formas mais antigas, o telhado é de duas águas, muito baixas. A cobertura é frequentemente de pedra, em lajes por vezes muito delgadas, e igualmente regulares, que pousam sobre os lintéis e cangas, e com cumes em meia cana, também de pedra; outras vezes as lajes de pedra ou lanchas, são grandes blocos maciços que vão de lintel a lintel, em que se talham, na face superior, as duas ou quatro águas do telhado, cavadas na face inferior, de modo a formar abóbada, e que dispensam, desse modo, as cangas. Em certas partes, como Lanhelas, Dem, etc., a face superior das cangas, onde apoiam as lajes da cobertura, fica mais alta do que os lintéis laterais e, por isso, entre estes e a cobertura, fica uma estreita fenda comprida de arejamento (des. 24-b)– Vê-se também a cobertura em telha, rematando então numa espécie de cápea baixa, ao nível das telhas, que pode ser saliente (des. 25-a) ou à face da fachada, ao jeito de um frontão e, neste caso, pode ver-se aí qualquer elemento decorativo (des. 25-b). Dada a pequena largura do espigueiro, as duas fiadas de telhas assentam, sem caibros nem ripas, a de baixo sobre o lintel, meio saliente, formando beiral, e a de cima apoiada na trave do cume e na de baixo (des. 25-c). Actualmente, divulga-se a cobertura de cimento.

Des. 24 – Tipo de Caminha – Pormenores de construção Dem (a, b, c) e Lanhelas (d)

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85Esta mesma forma encontra-se em termos estreitamente semelhantes, nas vertentes meridionais da Serra d’Arga, mostrando contudo o topo traseiro de pedra, com rasgos como no Lindoso. Do mesmo modo que nas terras baixas, também aqui, a par destes espigueiros de facção sólida e esmerada, aparecem outros mais toscos e pobres, uns todos de madeira e com cobertura de telha, e outros cujas colunas são grosseiros esteios de pedra espetados no solo.

Des. 25 – Montedor, Viana do Castelo

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a – Cápeas rasas;
b – frontão decorado;
c – estrutura da cobertura

86Pela orla litoral de Viana do Castelo para o sul, até Esposende, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, o tipo do espigueiro, embora afim do de Caminha, no seu aspecto geral, de facção muito esmerada, no acabamento das suas peças e materiais, e até na forma dos seus elementos, difere contudo deste; como ele, o assento é de pés maciços – ou mais raramente, transversais –, e colunas com muita frequência de pedra, finas e bem desenhadas que muitas vezes entram em caixas baixas abertas no lastro; mas aqui, os balústres, de madeira, embutem em baixo em barrotes corridos sobre o lastro23, e são separados uns dos outros por pequenos tacos recortados, que originam as fendas de arejamento, e que se colocam em cima e em baixo, junto aos lintéis e padieiras, e a meio, atrás da cinta ou travessa de travação; esta fica portanto à vista, do lado exterior e, muitas vezes, é constituída por uma tira de molduras. Por vezes a porta situa-se na fachada lateral. Os telhados são geralmente de quatro águas baixas de telha, e de largo beiral saliente. Na Póvoa de Varzim e Vila do Conde, o assento é mais ou menos alto, em pés maciços. Em certos casos, vêem-se, aos quatro cantos, fazendo as vezes de escoras, peças de ferro que firmam, para os lados, as colunas ao lastro, e a que dão o nome de mãos de força. Nesta mesma região, aparecem alguns casos excepcionais, de aspectos muito notáveis, de uma excelência de facção extrema, e até por vezes com carácter monumental; os pés maciços podem então ser muitos altos, abrindo-se neles, em baixo, portas ou arcos de passagem para as traseiras da eira, com belas molduras de pedra; em Beiriz, vê-se um exemplo em que esse pé se prolonga, num dos topos, por uma escada de pedra de acesso à porta, com cerca de 20 degraus (fig. 110). E pode dizer-se que é em Vila do Conde – onde de resto não abunda – que o espigueiro atinge o mais alto nível de facção e de riqueza decorativa que conhecemos entre nós (fig. 109 e 111); mesmo nos casos modestos, os tacos recortados que separam os balaústres, conferem sempre ao edifício um aspecto requintado. A medida que se caminha para o sul, entrando na zona a norte e leste do Porto, o espigueiro desaparece completamente, e sua função é exercida pelas grandes casas de eira a que já noutro capítulo nos referimos.

87Na zona que se estende a Sul do rio Lima, de Viana do Castelo até Ponte do Lima e Barcelos, coexistem os tipos de ripado horizontal e os de ripado vertical, na mesma forma dos de Esposende ; mais perto de Ponte do Lima, porém, estes vão cedendo lugar progressivamente a outros do mesmo tipo mas inteiramente de madeira, com escoras laterais e frequentemente postigos de descarga no fundo do ripado lateral. A leste de Ponte do Lima, os de ripado horizontal dominam francamente, até à Ponte da Barca. Mas o ripado vertical volta a encontrar-se com frequência a partir da zona norte do concelho de Vila Verde, desde Aboim da Nóbrega, onde os espigueiros deste tipo mostram, como nos de cápeas que ali abundam, o assento de pés singelos com mesas, e as portas, nos topos, entalhadas e pintadas; o esqueleto é ora todo de madeira, com base numa grade, onde prega o barrotamento do soalho, ou em largas traves que encostam formando lastro contínuo, ora mais raramente, com grade, colunas e às vezes lintéis de topo de pedra, afeiçoada grosseiramente a pico. O barrotamento do soalho, neste caso, prega em duas vigas de madeira que encostam às padieiras de pedra laterais, pelo lado de dentro, e apoiam, como estas, nas mesas dos pés. O telhado é sempre de duas águas, em telha caleira, e o conjunto é de uma facção geral acentuadamente rústica.

88Este mesmo tipo, nas suas linhas gerais e género de facção, encontra-se também por Braga e pelo Baixo Minho, ora com colunas de pedra, ora de madeira, sem escoras. Em Famalicão abundam os pés maciços ou transversais – estes últimos também com lastro de pedra contínuo, com cornija saliente à volta – e aparecem exemplares de facção muito cuidada que sugerem influências dos tipos da faixa litoral da Póvoa de Varzim e Vila do Conde.

89Nos concelhos de Paços de Ferreira e Lousada, o espigueiro em geral desaparece praticamente, para voltar a aparecer apenas na zona sul dos concelhos de Paredes e Penafiel.

90Na zona leste, descendo das regiões serranas do Gerês e Cabreira, onde dominam principalmente os tipos de cápeas e guarda-ventos, os espigueiros de ripado vertical e telhados vulgares voltam a aparecer, agora com feição rústica, pela parte sul do concelho de Vieira do Minho, na linha de Bucos e Rossas à Póvoa de Lanhoso, misturados com as demais variedades, de cápeas e guarda-ventos e de ripado horizontal. Eles mostram por aí geralmente pés singelos com mós e mesas, esqueleto de pedra, excepto os lintéis, e telhados de duas águas24, mas vêem-se também alguns inteiramente de madeira, por vezes com as pontas das traves de topo da grade salientes para os lados, onde firmam as escoras. Daí para o sul até Cabeceiras de Basto e Fafe, dominam de novo as cápeas, juntamente, na Serra, com canastros de varas; e à volta desta vila os espigueiros em geral rareiam25, marcando a orla da mancha correspondente aos concelhos de Guimarães, Felgueiras, Lousada e Paços de Ferreira, a nordeste do Porto, onde eles praticamente não existem.

Des. 26 – Celorico de Basto – Espigueiro, com cintas e cruzetas

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a – pés;
b – ligação das traves da grade;
c – escoras de ferro

91Em terras de Basto, os espigueiros de ripado vertical e telhado vulgar de duas águas, encontram-se desde Cabeceiras a Celorico de Basto, nos lugares altos e, principalmente, por Cabeceiras, ao lado dos de cápeas; e ora com grade e colunas de pedra, ora todos os de madeira e com escoras, estes últimos de preferência nas terras baixas dos vales.

92Em Celorico de Basto, o assento é de pés singelos ou transversais com mesas; por vezes esses pés singelos são largos e tão próximos que encostam um ao outro, formando como que um único bloco ou pé transversal (des. 26-a). Quando o corpo é todo de madeira, as traves da grade pousam sobre as mesas, muitas vezes «ao baixo», e são ligadas entre si por travessas nelas emalhetadas ou espigadas (des. 26-b). As portas situam-se nos topos e, por vezes, nos lados, e em muitos casos há mais do que uma. As escoras laterais de madeira, firmadas do frechai às mesas, são muito correntes e, nos exemplares mais recentes, elas são mesmo de ferro26 (des. 26-c). Os balaústres ou bordões27, entram, em baixo, num rasgo aberto na trave, ou pregam encostados a uma travessa. Para travar os bordões, usam-se, além das cintas habituais – uma, a meio, perto da vila; ou duas, nas aldeias –, barrotes ou faixas exteriores de reforço, as cruzetas, cruzadas de várias maneiras em diagonal, entre prumos seguidos; e este elemento confere ao ripado um aspecto animado que a cor azul de que geralmente é pintado acentua, em contraste com o vermelhão das restantes madeiras. No ponto do cruzamento destas cruzetas, colocam-se varões de ferro com tarraxas, que prendem uma parede à outra; nos exemplares pequenos, embora sejam desnecessárias, estas cruzetas também figuram, em obediência ao estilo local, e como elemento de decoração e aparato. Os telhados são frequentemente de duas águas, mas não são raros os de quatro; por vezes o ângulo das duas águas, remata, nos topos, com uma tábua de testa recortada. Actualmente divulgam-se as colunas de granito em substituição dos prumos de madeira.

93Na região de Amarante, a distribuição é desigual: a poente, o espigueiro escasseia, para voltar a aparecer no Baixo Tâmega, pela parte sul dos concelhos de Paredes e Penafiel, duma construção pobre, com colunas de pedra, nas zonas graníticas, e todos de madeira nas xistosas, pés singelos altos e mós, as traves transversais da grade muito salientes para os lados, firmando-se nas suas pontas as escoras que partem do frechal, as portas nos topos, telhados de duas ou quatro águas – à mistura com espigueiros largos de corredor a meio, característicos dessa área, e com outros estreitos de ripas horizontais, dos tipos da Beira-Douro, que eles vão agora progressivamente substituindo28. Para nascente, as variedades deste tipo multiplicam-se : em Jazente vemos um exemplar em que, sobre cada par de pés singelos com sapata para fora e com mós, sobressaem para os lados as pontas compridas de padieiras transversais de pedra, perpendiculares ao lastro, nas quais se firmam as escoras que partem de vários pontos equidistantes ao longo da fachada de ripado; este mostra cruzetas como em Celorico de Basto, mas só na metade inferior. Na Serra da Abobreira, o tipo geral não apresenta características ou particularidades especiais, aparecendo pés singelos e transversais, mós e mesas, grades e colunas de pedra ou madeira – estas com escoras – ripado com cintas a meio, e telhados de duas águas, por vezes de colmo. No Marão, nos vales da Campeã e do alto Olo e região de Vila Real, os pés, em certos casos, são de piçarra bruta, e os telhados de placas de xisto e mais raramente colmo, muitas vezes com torrões a vedar o cume, e esqueleto de pedra ou madeira. Nas encostas Nordeste, são frequentes os rasgos nas colunas de pedra. Na região serrana do Barroso, os espigueiros deste tipo aparecem também a par dos de cápeas, e têm o corpo geralmente de madeira com as quatro travessas da grade de pontas cruzadas a meia madeira ou, pelo menos, as duas transversais de topo (e, por vezes, outras intermediárias), que ficam muito salientes, firmando-se às escoras, e o telhado, mais frequentemente de colmo. No pendor norte desta Serra, em Vila da Ponte, é mesmo este o tipo de cobertura que domina, apresentando os espigueiros – ali quase todos deste tipo – uma feição extremamente rústica (figs. 94, 96/97).

Des. 27

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a – Serra de Montemuro, Campo Benfeito
b – Vila N. de Paiva, Alhais – Canastro semelhante, mas com o lastro de pedra
c – Vila N. de Paiva, Alhais – Canastro com o corpo todo de madeira

94Ao sul de Amarante, pelo concelho do Marco de Canaveses, o tipo normal e mais frequente é o de ripado horizontal; contudo, aparecem alguns exemplares muito antigos com o ripado vertical, com coberturas de placas de xisto e até colmo – este assente, nas pontas, em placas de xisto – em telhados de duas águas: como nos de ripado horizontal, também nestes a entrada do espigueiro é um janelo, na fachada de topo, que abre apenas de meia altura para cima. As duas vigas que formam o lastro do corpo ou são de madeira ou de pedra; os prumos que nela se inserem são sempre de madeira; aos pés singelos, chamam bancos, e estes rematam por mós ou mesas, a que chamam travessões. Em Baião e Mesão Frio, continuam a ver-se, como no Marco, os dois tipos de ripado, mas a porta, sempre no topo, é já do formato habitual, a toda a altura; os pés são quase sempre singelos, com mesas e mós; o corpo é ora todo de madeira, ora com base e colunas de pedra, geralmente sem escoras; o telhado é de duas águas ou, muito raramente, de quatro, de telha ou placas de xisto.

95A sul do rio Douro, caminhando do mar para o interior, os primeiros espigueiros estreitos de balaústres verticais encontram-se no baixo concelho de Cinfães, raros, contudo, entre o grande número dos de ripado horizontal que prolongam, ali, a área do Marco de Canaveses, e que parecem ser os mais antigos. Os de ripado vertical são quase sempre com colunas e padieiras de pedra, e telhados de duas águas; e é essa a forma que actualmente parece adoptar-se de preferência. Os balaústres, de castanho, com o nome de aduelas, fixam-se pelo sistema normal do rasgo nas padieiras, que mostram pequenos sulcos que servem de escoamento. Daí para leste, pela zona ribeirinha, vai-se ao encontro da forma que seguidamente domina em toda a Beira Alta interior, desde a orla oriental da área geral do espigueiro, nos confins dos concelhos de Moimenta da Beira, Sernancelhe, Aguiar da Beira e Sátão, e que, após a interrupção que corresponde aos arredores de Viseu, volta a encontrar-se, deixando de fora as terras de Santa Comba Dão, pelas vertentes do Caramulo viradas a nascente, sul e poente, nos concelhos de Tondela29, Mortágua, terras de Buçaco, Anadia e Águeda: assento geralmente de pés transversais, com compridas mesas de pedra muito salientes30, corpo todo de madeira, ripado de balaústres que entram num rasgo aberto nas traves e frechais, e que é travado por cintas e cruzetas; escoras lançadas às pontas das mesas; e telhados de duas águas de telha caleira. Com muita frequência, sobre as mesas pousam as traves transversais da grade, dos topos e, por vezes também, das intermédias, de pontas muito salientes, e é então nestas que firmam as escoras. Em Vila Nova de Paiva, as enormes lascas de pedra, sem qualquer afeiçoamento, que servem de mesas31, onde apoiam as escoras32, que são muito longas, dão ao espigueiro um aspecto muito peculiar (figs. 117). As pontas das traves raras vezes sobressaem, e os prumos espigam nas traves compridas laterais; as cruzetas são de uso geral, e formam desenhos muito variados; em certos casos mais modernos, vêem-se lastros de pedra, que contudo são muito toscos (des. 27-b e c); recentemente esse lastro passou a ter melhor acabamento, e usam-se também colunas de pedra; assiste-se também a uma progressiva divulgação das travincas de ferro, para travação das paredes.

Des. 28 – Beira Alta

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a – Tipo de armação em que as telhas ficam seguras entre dois caibros
b – Tipo de armação com cambotas sem cume

96Na zona oriental, com muita frequência, a armação do telhado dispensa as ripas; os caibros são muito próximos, e as telhas (caleiras) ficam seguras entre dois deles, formando calhas; as fieiras inversas recobrem os próprios caibros (des. 28-a). Em Contige (Sátão), os pés não têm propriamente mesas; sobre eles pousam directamente traves transversais muito compridas e arqueadas – os jugos – onde pousa a grade e firmam as escoras, e cujo formato peculiar confere ao espigueiro um aspecto estranho (des. 29-a).

Des. 29

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a – Contige, Sátão;
b – Relva, Castro Daire

97Nas faldas do Caramulo, esta forma coexiste, em certos lugares, com os tipos dos altos da Serra, de esqueleto de pedra; o assento é por vezes de pés singelos, mas predominam os transversais ; por vezes, no mesmo espigueiro encontram-se pés transversais à frente, por baixo da porta, e singelos intermédios; a armação do telhado, de duas águas, apoia sobre cambotas de madeira num sistema que se encontra com muita frequência por toda a área, e que dispensa a trave do cume; estas peças nos topos recortam-se em redondo (des. 28-b); mas aqui, elas são pouco evidentes, pela sua pequena curvatura. Perto de Mortágua, os espigueiros têm, segundo a regra, um assento de pés transversais, mas de xisto miúdo sem reboco, e são mais largos do que o corpo do espigueiro; rematam por compridas traves de madeira que, para o efeito da prisão das escoras, desempenham o papel das mesas, como em Contige, mas que são direitas; e nelas igualmente pousam as vigas da grade (des. 30).

Des. 30 – Mortágua

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98De Águeda para leste, este tipo de espigueiro de madeira acompanha a região do xisto, até ao seu limite, já no pendor da Serra do Caramulo; em formas menos características, e à mistura com outros tipos com esqueleto de pedra, vêem-se ainda alguns em Espírito Santo de Arca, que já se situa em terras graníticas; de Águeda para o norte, o espigueiro é ainda de madeira, mas também de formas pouco características, e de resto muito raro. Ele volta a aparecer à chegada ao Vouga em casos escassos e isolados, com paredes inclinadas, como guardas-avançadas de uma difusão progressiva a partir dos tipos de Oliveira de Azeméis, mas em formas menos perfeitas.

99Na Serra de Montemuro, onde a difusão do espigueiro é de resto recente e continua a processar-se33, eles são ainda de madeira, muitas vezes com pés singelos e mesas34, e telhados de colmo (des. 27-a); entre Castro Daire e S. Pedro do Sul, e pela bacia de do rio Sul, eles são em geral pequenos, com cambotas recortadas nos topos (fig. 98 e 112). Por outro lado, na aldeia de Relva, ao lado deste tipo aparece um número considerável de espigueiros com esqueleto de pedra (excepto os frechais), e com as colunas, dos topos e intermédias, a alargarem para baixo e para fora, ficando em ressalto na base, pousadas sobre as mesas (des. 29-è).

Des. 31 – Caramulo, Tondela

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100À volta de Viseu e até S. Pedro do Sul, os espigueiros (que são ainda deste tipo, de madeira) são bastante estreitos, e com pés singelos; em certas partes, porém, – na Bodiosa, Portela de Coutros, etc., – vêem-se muitos espigueiros com grade e colunas de pedra, por vezes mal afeiçoadas – simples esteios mesmo – e pés transversais.

101Na região a poente de Vouzela e daí em direcção ao Caramulo, entra-se na área dos espigueiros de paredes (laterais) inclinadas, e esqueleto de pedra, de que adiante trataremos; mas mesmo aqui encontram-se, como veremos, espigueiros de paredes aprumadas que, no seu aspecto geral e na totalidade dos demais caracteres, nos parece deverem relacionar-se antes com aqueles; e por isso trataremos deles em conjunto com os outros.

102Nas zonas altas do Caramulo, os espigueiros têm grade de padieiras – as torças – e colunas de pedra, de uma fracção pouco cuidada. Eles são em geral pequenos; mas quando são maiores, as colunas intermédias pousam não a meio da emenda das padieiras, mas no extremo de uma delas e são aí espigadas (des. 31); os balaústres entram em rasgos abertos nessas padieiras e no frechal e, por vezes, são separados por tacos, ou cunhas ; as cintas, em número de três, entram em caixas rasgadas nas colunas, ou penetram nelas como trancas; os telhados assentam em cambotas. Em Macieira de Alcofra e Arca, os espigueiros são também de esqueleto e colunas de granito; mas aí, pelo contrário, nota-se uma certa preocupação de embelezamento e bom acabamento. Os pés, singelos e com mesas, têm por vezes as quinas cortadas e elementos decorativos simples; as colunas são sempre espigadas; umas vezes nas padieiras; outras vezes vêm abaixo destas e espigam nas próprias mesas. Neste último caso, por vezes, nos topos, a sua base fica escondida por entalhes das padieiras e das soleiras, umas dos lados, e as outras nas frentes (des. 32).

Des. 32 – Macieira de Alcofra, Serra do Caramulo. Pormenores da ligação das colunas à base

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IV – Espigueiros de ripas horizontais35

103A área global de difusão destes espigueiros é descontínua; numa primeira mancha, eles aparecem a partir do rio Minho, desde Monção e principalmente Valença, a Vila Nova de Cerveira, descendo até ao Cávado pela linha do Extremo, Ponte da Barca e Vila Verde, a leste e a oeste pelo Alto Coura, Ponte de Lima até às terras altas do litoral de Esposende, com núcleos de maior incidência em Paredes de Coura, margem esquerda do Lima e Vila Verde. Voltam em seguida a encontrar-se isolados em Santo Tirso. E, finalmente, têm a sua representação mais importante na região do Marco de Canaveses, abrangendo a zona meridional dos concelhos de Penafiel e Paredes, os concelhos de Baião e Mesão Frio e, atravessando o Douro, por Cinfães e Sobrado de Paiva, até terras de Arouca. Fora destas áreas, ele surge em casos esporádicos mais ou menos numerosos, em exemplares pobres e precários, noutras regiões, como a Cabreira, etc.

104O elemento característico fundamental deste tipo de espigueiro é a disposição do ripado, sempre de madeira, que é pregado à face de dentro de uma série de prumos verticais, espigados em baixo às traves da grade e em cima ao frechal, e distanciados uns dos outros menos de meio metro.

Des. 33

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a) Paredes de Coura – Canastro de leivado : pormenores
b) Sá, Ponte do Lima – Canastro com encontros de frechal

105Na grande área minhota, e na maioria dos casos, eles são de uma construção bastante descuidada, pobre, e por vezes muito pequenos; mas, em casos mais raros, aparecem exemplares bem acabados, e de grandes dimensões (fig. 119 e 121). O assento é constituído ora por pés singelos ou transversais, mais ou menos aparelhados, estremes ou encimados por mós ou mesas, ora, mais frequentemente, por pedras irregulares que não impedem a passagem dos ratos (des. 33). O corpo é inteiramente de madeira (excepto o material de cobertura, que é normalmente telha e, às vezes colmo)36. As traves da grade, onde se prega o barrotamento do soalho, pousam sobre esse assento, e ora terminam nos cantos a «meia madeira», ora se cruzam, ficando com as pontas salientes; mais frequentemente, apenas as dos topos, e em especial as transversais, ficam nessas condições (ou, quando o espigueiro é muito comprido, outras intermediárias), e nessas se firmam as escoras37 que de meia altura dos prumos dos cantos (e, no caso acima indicado, eventualmente de outros prumos intermediários) se lançam para os lados, para os ampararem38. Por vezes, quando estas saliências das traves laterais não existem, e as mesas de pedra do assento são suficientemente largas, as escoras firmam-se nas próprias mesas. Da grade elevam-se não só os prumos dos cantos e por vezes outros intermediários, que fazem parte da armação do esqueleto, mas outros ainda, menos fortes39, em número suficiente para não ficarem distanciados uns dos outros mais de 50 cm: é nesses prumos que, pelo lado de dentro da câmara, se prega o ripado, em réguas delgadas e compridas de poucos centímetros de largura, que deixam entre si fendas estreitas. E não raro nas paredes do topo de trás existe também um e às vezes mais desses prumos. Em cima, rematando a armação, correm, nos dois lados maiores, os dois frechais, cujas pontas sobressaem francamente à frente e atrás; esse remate é feito por barrotes ou cambotas arqueadas, passadas entre pares de prumos da estrutura, dos cantos ou de alguns intermediários; é nos frechais que firmam, em cima, todos os prumos do esqueleto ou de suporte do ripado. Por vezes, dos prumos dos cantos lançam-se, acima das escoras laterais, outras escoras para cima, que se firmam para a frente e para trás, às pontas salientes dos frechais (des. 33-b)40. As portas abrem-se normalmente num dos topos; mas são também frequentes a meio das paredes mais compridas. Não raro, elas são do mesmo ripado ou, às vezes, de balaústres verticais.

106O telhado, de duas águas, parte de uma trave de cume fixa ao alto das cambotas; a sua armação nada oferece de especial, com caibros passados do cume aos frechais, servindo de apoio às ripas horizontais intermédias, paralelas ao cume, para sustentação das telhas. Nos dois topos o telhado prolonga-se bastante para fora, formando abrigo; e, como remate, vê-se por vezes uma tábua de testa, recortada, formando guarnição.

107Na pequena mancha de Santo Tirso, os espigueiros deste tipo – de resto pouco numerosos, e em progressivo desaparecimento- são na sua estrutura idênticos aos do norte; o assento é geralmente de pés singelos, em blocos de granito ou esteios encimados por mós ou mesas, onde firmam as escoras. O corpo mostra por vezes a particularidade de um ripado duplo – o normal, pelo lado de dentro dos prumos, e outro, pelo lado de fora deles, de ripas mais finas e raras, em vista à protecção contra a passarada. Na grade, em certos casos, os barrotes pequenos, dos topos, em vez de cruzar, pousam nas traves compridas dos lados, únicas que apoiam directamente no assento. Vêem-se às vezes escoras inversas, lançadas da base dos prumos aos rebordos do beiral do telhado, tanto nos topos como nos lados.

Des. 34 – Paredes de Viadores, Marco de Canavezes. Notar o janelo na face de topo

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108Na área do Marco de Canaveses, onde este tipo possui traços especiais, ele apresenta formas mais perfeitas (des. 34). Como nos outros casos, o assento é ali formado por pés singelos de vários formatos, a que chamam bancos, ou transversais, que rematam com mós ou mesas – travessas. As vigas compridas da grade podem ser de madeira ou de pedra e, neste último caso, elas são geralmente largas e encostam uma à outra, formando um latro de pedra sobre o qual se ergue o corpo do espigueiro; quando são de madeira, cruzam a meia madeira, e ficam salientes nas pontas, levando aí uma tábua que faz de prateleira para se pousar o cesto das espigas (fig. 120); onde se usam escoras, elas apoiam-se nas pontas das traves laterais (fig. 122); mas em muitos pontos não se usam escoras, e então sobressaem apenas, por vezes, as traves compridas. Os prumos do ripado – caibros- apresentam-se como no Minho ; mas com frequência, nos cantos, são amparados, em baixo, por pontas de barrotes oblíquas passadas entre dois caibros; e não raro, de cima a baixo do painel, correm outras travessas diagonais, que reforçam a armação. Às ripas chamam latas. Os telhados são como os do norte, com cobertura de telha ou colmo, e às vezes lousa.

109Ainda como no norte, a entrada do espigueiro situa-se num dos topos, e por vezes nos dois; mas ela mostra a grande particularidade de ser apenas um janelo (constituído as mais das vezes por um ripado vertical pregado a réguas que ficam pelo lado de dento), que ocupa a metade superior desse topo; a parte inferior deste é fixa, de ripado horizontal, como as paredes, pregado em pontas de barrotes cruzados. Esta forma de porta dispensa as tábuas que, noutros sítios, se vão encostando às ombreiras à medida que as espigas sobem dentro do espigueiro. São também frequentes os postigos para a descarga, situados em baixo, onde seja mais conveniente, nas paredes dos lados ou dos topos, e muitas vezes guarnecidos com abas de madeira, apoiadas na grade, que canalizam a saída das espigas; esses postigos tapam-se com uma pequena tábua que sobe entre calhas (fig. 120 e 122).

110No restante da área, os espigueiros assemelham-se a estes, em todos os seus elementos – incluindo os barrotes diagonais de reforço – mas os janelos e postigos especiais da região do Marco de Canaveses desaparecem, e as portas, também nos topos, retomam a forma normal (des. 35). Em Entre-os-Rios nota-se a falta de pés, assentando o corpo, como nos casos pobres minhotos, sobre simples pedras baixas encasteladas. O mesmo sucede por vezes ao sul do Douro, na região do Baixo Paiva, na serra do Arressaio, e vale de Arouca, e na zona ribeirinha de Cinfães e Sobrado de Paiva (fig. 123), onde aparecem exemplares muito pequenos e toscos, com telhados de colmo, e de placas de xisto. No baixo concelho de Cinfães, e nas vertentes ao longo do Douro, onde estes espigueiros parecem representar o tipo mais antigo e o mais generalizado, chamam traves às vigas laterais, e mesas às transversais, que unem aquelas a meia madeira; o soalho prega-se a pontas de barrotes passados de trave a trave, que levam o nome de baldrames, e os prumos41 espigam nas traves. Às escoras chamam ali embirras, e em Baião fincas. Em Sobrado de Paiva, com frequência a grade de madeira assenta directamente sobre os pés singelos, faltando as mós; por vezes as mesas transversais não sobressaem para os lados, ficando espigadas nas traves laterais; outras vezes estas pousam sobre mesas compridas, muito salientes, assentes nos pés, e onde se vêm fixar as escoras (des. 35); etc.

Des. 35

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a) Sobrado de Paiva;
b) Souzelo, Cinfães

Espigueiros estreitos de paredes inclinadas

111Um dos tipos que se individualiza de forma mais curiosa dentro da categoria genérica dos espigueiros estreitos é, sem dúvida, aquele em que eles mostram as paredes inclinadas, em cima, para o exterior, que corresponde à faixa litoral compreendida entre o sul do concelho de Vila Nova de Gaia e o vale do Vouga42, prolongada para o interior ao longo do vale deste rio e por certas partes das terras de Arouca, que constitui uma zona de contacto. Nesse tipo geral distinguem-se três formas que caracterizam outras tantas áreas: 1) Espigueiros estreitos com as quatro paredes inclinadas, com assento em pés transversais, o corpo todo de madeira, na região de Vila da Feira; 2) Espigueiros estreitos com as quatro paredes inclinadas, com assento em pés maciços altos, e com lastro e colunas de pedra. Esta forma apresenta ainda duas variedades: espigueiros com pé maciço normal na região de Sever do Vouga; e espigueiros com alçapão no lastro e postigos de descarga no pé maciço, na região de Oliveira de Azeméis; 3) Espigueiros estreitos, apenas com as duas paredes laterais mais compridas inclinadas, numa região que tem o concelho de Oliveira de Frades por centro e que abrange as zonas confinantes dos concelhos vizinhos, ao Norte e ao Sul do Vouga.

I – Espigueiros estreitos com quatro paredes inclinadas

1) Tipo da Vila da Feira

112Os espigueiros deste tipo encontram-se desde Espinho à Feira, numa zona que se prolonga em arco até quase atingir o Douro pelas alturas de Pedorido. O assento é de pés transversais, muito espessos, feitos de lascas miúdas de xisto, encimados por lajes salientes; o seu número é variável, conforme o tamanho do espigueiro, ficando distanciados uns dos outros cerca de 3 m. O corpo é todo de madeira, e a inclinação das paredes é variável, principalmente nos recentes. As ripas são travadas com três cintas e nas ombreiras das portas há ganchos de ferro passados a dois prumos correspondentes da face oposta, que travam as paredes uma para a outra. A porta é sempre a meio da face comprida, e abre para a eira. Os telhados, que agora são quase todos de telha Marselha, são de duas ou quatro águas, conforme a localidade e a data da construção, sendo a tendência mais recente para as duas águas (figs. 125/126). Interiormente, estes espigueiros são divididos em dois quartéis, colocando tábuas junto às ombreiras da porta; e, no espaço diante desta, improvisam outro, de recurso, quando aqueles estão cheios e há necessidade de mais espaço. Agora é vulgar cravarem olhais de ferro na trave da grade, por baixo da porta, onde seguram a escada no momento da carga ou da descarga. No desenho 36 representamos um espigueiro de tamanho médio e vulgar, que guarda quatro a cinco carros de milho.

113Nos espigueiros que agora se constroem não se vê qualquer cinta pelo lado exterior; as ripas vêm assim de cima abaixo, sendo pregadas pelo lado exterior das traves, que deixam de ser visíveis, mesmo nas esquinas, pois as suas pontas não sobressaem; e a sua travação faz-se por cintas interiores. Esta modificação deve-se ao facto de essas pontas, e principalmente o rasgo onde entram as ripas, serem causa de rápido apodrecimento.

114Hoje, este tipo aparece com lastro de placas de cimento, no qual se abre por vezes um postigo de descarga; o telhado é também de cimento e, com frequência, o espaço sob o espigueiro é aproveitado para qualquer arrecadação.

2) Tipo de Oliveira de Azeméis e Sever do Vouga

115Os espigueiros deste tipo espalham-se da área dos anteriores para o sul até ao Vouga; são mais raros pela orla do mar, e penetram até Arouca e limite leste dos concelhos de Cambra e Sever, até ao rio Teixeira. Como os da Feira, também estes são de planta rectangular estreita, com as quatro paredes inclinadas para fora; mas, diversamente daqueles, o corpo tem sempre colunas de pedra cuja base grossa compensa o desequilíbrio da sua posição. A porta é sempre numa ou nas duas cabeceiras; os balaústres dispõem-se em leque, acompanhando as colunas dos cunhais, e são travados por três cintas. Eles assentam num pé maciço estreito, de alvenaria, ou pegão, capeado pela laje ou lastro de cantaria saliente formando cornija. Na parte poente da sua zona de difusão, de Oliveira de Azeméis para o mar, numa primeira variante deste tipo, esses pés são muito altos (2 a 4 m) e mostram a grande particularidade característica e original da existência de postigos de descarga das espigas, que neles se rasgam e se vêem sempre guarnecidos de alisares de granito de feição cuidada (fig. 127/128). Estes postigos, também chamados por Ovar frestas ou boeiros, e cujo número varia com o comprimento do espigueiro – há no geral um para cada quartel – descarregam as espigas, que caem por um alçapão aberto no lajeado de lastro, quando se desloca aferreta que os tapa, manobrada da porta (des. 37), ou se desvia a chapa por meio de uma haste de ferro terminada em argola, o fechadouro, que sai do ripado logo por cima do lastro, na vertical dos postigos, e que se atinge com uma escada que se encosta ao espigueiro no momento. As colunas de pedra têm um espigão de ferro a firmá-las ao lajeado, e outro no alto, a que se encosta o frechal. Os dois frechais são peados um ao outro por outras peças de ferro; e para impedir que as paredes cedam e se afastem, usam-se travincas de ferro, que se prendem à argola, quando as espigas atingem o nível delas.

116Em alguns lugares, como por exemplo Cocujães, onde se encontram exemplares grandes e muito perfeitos, é vulgar os pegões terem em baixo uma porta que dá comunicação entre a eira e a casa da eira encostada à sua retaguarda. E também vulgar ali a existência de portas em cada cabeceira, com acesso por pequenos patamares assentes em muros, socalcos, embutidos no pegão, por vezes com escada própria, de pedra (figs. 127/128); enche-se assim o espigueiro pelas duas extremidades, dividindo-o a meio com tábuas que se encostam às colunas ou que se metem em rasgos nelas abertos. Os telhados são de duas ou, mais frequentemente, de quatro águas baixas, com beiral saliente, de telha caleira na zona interior e montanhosa, mas já de Marselha mais perto do litoral.

117Os espigueiros são divididos em quartéis (com divisões volantes junto de cada coluna) que regulam aqui por dois a três carros de milho cada. Carregam-se bem até cima, para o que muitos têm sobre a porta um pequeno janelo, por onde se atiram as espigas; noutros casos chegam a levantar as telhas, deitando por aí as últimas espigas.

118Modernamente, com o aparecimento das debulhadoras mecânicas, muitos dos postigos e das ferretas perderam a sua utilidade, porque aqueles se encontram em nível demasiadamente baixo para que as espigas possam correr directamente para a máquina, sem ser preciso transportá-las em cestos; nesses casos, abrem-se no ripado tantos postigos quantos quarteirões, logo sobre o lastro, ficando assim em altura conveniente. Em muitos dos espigueiros que agora se constroem, esse lastro é de cimento, abaulado para fácil escoamento das águas.

119Na região de Cambra, Sever e Albergaria, a leste e sul desta zona, numa segunda variante, os espigueiros são na maioria mais pequenos e os postigos de descarga não existem; os pés assentam num soco, e são geralmente mais baixos, de boa facção, com molduras e ornatos lavrados na face do topo, sob a porta. E, ao lado dos de telha, são vulgares também os telhados de placas de xisto (fig. 133).

Des. 36 – Sanfins, Vila da Feira

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1 – Pegões
2 – Lajes
3 – Traves
4 – Cunhais
5 – Balaústres
6 – Cintas
7 – Ripas
8 – Frechal
9 – Cambotas
10 – Taveira
11 – Entablamento
12 – Meia-cana
13 – Olhais de ferro para a escada
14 – Ganchos
a – Processo actual de pregar as ripas

Des. 37 – S. Tiago de Riba Ul, Oliveira de Azeméis

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II – Espigueiros estreitos só com as paredes compridas inclinadas

3) Tipo de Oliveira de Frades

120A área geral deste tipo que, como dissemos, se caracteriza fundamentalmente pela inclinação apenas das paredes compridas laterais, ficando as dos topos aprumadas, compreende a região do vale do Vouga a poente de Vouzela e até ao Pessegueiro, as vertentes norte do Caramulo e, na margem direita daquele rio, as faldas da Serra da Arada a leste do rio Teixeira; mas enquanto que os tipos da Vila da Feira e Oliveira de Azeméis e Sever se apresentam, nas respectivas áreas, bem definidos e uniformes na totalidade dos seus elementos, com feições regulares e perfeitamente caracterizadas, o tipo de Oliveira de Frades mostra, de sector para sector desta área, e por vezes mesmo dentro de cada um deles, uma grande variedade de formas e combinações de elementos, a par umas das outras, que parecem por vezes representar sobreposições e influências recíprocas de tipos vizinhos.

121Pela margem sul do Vouga, desde Pinheiro de Lafões ao Pessegueiro, os espigueiros mostram mais geralmente pés maciços, embora haja muitos com pés transversais, constituídos então sempre por uma só peça de cantaria, e encimados por mesas43. Quando o pé é maciço, a base da câmara das espigas é naturalmente um lastro de pedra; sobre este lastro pousam então, às vezes, barrotes curtos atravessados, sobre os quais pregam as tábuas do soalho, dispostas longitudinalmente. Quando existem pés transversais e mesas, aquela base é uma grade de padieiras – as torças – de granito, e os barrotes do soalho entram em rasgos nelas abertos na face interior. As colunas inclinam-se para fora, mas só lateralmente, ficando aprumadas nas faces de topo; e são geralmente mais largas na base do que no alto, acentuando com esta particularidade a impressão de inclinação que causam (des. 38). Por vezes, mesmo, as colunas são aprumadas, ou têm apenas uma inclinação insignificante; mas esse engrossamento na base cria igualmente a ilusão da inclinação. Se a base é uma grade de torças, as colunas pousam não sobre estas, como nos tipos gerais com esqueleto igualmente de pedra ao norte do Douro, mas sobre as mesas ; e então, se as torças têm a face externa aprumada, a base das colunas sofre um pequeno desvio para ficar aprumada do mesmo modo (des. 38); mas por vezes as torças têm essa face exterior também inclinada, e então as colunas descem sem qualquer desvio até às mesas. Em todos os casos, nos topos, entre as bases das colunas, vê-se a pequena pedra que faz a soleira da grade (fig. 133). Nestes espigueiros – e de resto igualmente em todos os desta área – as colunas de pedra embutem em caixas mais ou menos fundas, cavadas no lastro ou nas mesas, certamente para compensar o desequilíbrio da sua posição. Os balaústres, em baixo, entram geralmente num rasgo cavado nas torças, o qual, por vezes, tem sulcos para fora, para escoamento das águas, como vimos em Cinfães; mas muitas vezes pregam a um barrote assente nas torças ou no lastro, e preso por ferros aí cravados; em casos mais recentes, usa-se também um barrote com um rasgo, onde eles entram como nas torças. Em cima, os balaústres prendem semelhantemente num encaixe do frechal. A travação faz-se normalmente por três cintas exteriores a que chamam faixas ou tirões (além das da base e do frechal) que as mais das vezes não estão firmadas nas colunas, pregando-se simplesmente às ripas; mais raramente, contudo, prendem-se a um ferro cravado nas colunas. Há sempre a meio do ripado um prumo de madeira (onde às vezes entalha a cinta), e nele se crava a travinca de ferro, que firma as paredes uma para a outra. Os frechais pousam em entalhes rasgados nas colunas. Como nos tipos de Tondela e Mortágua, não existe trave de cume: de frechal a frechal passam cambotas – cujos entalhes, em cima, firmam os topos das colunas e os frechais. Os telhados são de duas e, mais raramente, de quatro águas, com muito pouco pendor, e formando um beiral bastante saliente. Quando os telhados são de duas águas, as cambotas de topo mostram um recorte em arco; sobre as portas elas são lineares (des. 39-a).

Des. 38 – Ribeiradio, Oliveira de Frades

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a – Os balaústres entram as mais das vezes num rasgo das torças; mas presentemente
divulga-se um sistema de fixação no encaixe do barrote assente sobre aquelas

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a) Travanca, Oliveira de Frades;
b) Albergaria das Cabras, Arouca

122Esta mesma forma encontra-se ao norte do Vouga, na área compreendida entre este rio, a Serra da Arada e de Arouca44, e ao rio Teixeira, a poente, com predomínio, porém, de pés transversais e mesas. Na zona mais tipicamente serrana, as construções em geral são extremamente rudes, e os espigueiros têm os telhados baixos, de placas de xisto irregulares assentes num forro, com telhões de granito a vedar o cume. As cintas por vezes entram em rasgos abertos nas colunas, como trancas de porta. Os espigueiros são ali muito abundantes e, por exemplo em Semadinha, encontram-se todos a um lado da povoação, dispersos entre inúmeras pequenas eiras e casas de eira.

123Mais perto do rio, encontram-se, como em Sever e Cambra, motivos decorativos na face frontal do pé transversal do topo.

124A sul da zona ribeirinha do Vouga, ao encontro dos primeiros contrafortes do Caramulo, mais para leste, por Campia, Quetriz, Paredes Velhas, etc., encontram-se, ao lado dos espigueiros de paredes inclinadas como os de Oliveira de Frades que descrevemos, outros, mais frequentes, de paredes aprumadas e colunas direitas, sem qualquer alargamento para a base; mas, mesmo então, por todos os demais elementos, eles assemelham-se estreitamente aos outros, e pertencem sem dúvida à mesma variedade, influenciada talvez pelos tipos aprumados do Caramulo45.

125Mais para poente, a partir do Pessegueiro para a Serra em direcção a Macieira de Alcofra, o tipo assemelha-se ao de Campia, com paredes inclinadas e com colunas sem alargamento inferior46; também aqui predominam os pés transversais, que, por vezes, nomeadamente em Carrazedo do Vouga, mostram igualmente ornatos na face frontal, como em Sever. Nesta mesma área, e especialmente nessa aldeia, o acabamento da construção é muito perfeito, e são frequentes, sobre a porta, as cambotas decoradas com pinturas ou desenhos entalhados. Em Talhadas, não raro os beirais têm entablamentos de madeira bem acabados.

126Para sul do Águeda, nestas paragens, fora um ou outro caso esporádico, o espigueiro passa a ser de paredes aprumadas, ora todo de madeira, ora com o esqueleto de pedra, dos tipos do Caramulo.

127Por toda esta área, porém, ao lado dos tipos de paredes inclinadas, encontram-se numerosos casos com paredes aprumadas. Nestes, o alargamento das colunas para baixo, quando existe, pode dar muitas vezes a aparência da inclinação; nota-se assim, nesta região, a preocupação de dar às paredes uma certa inclinação maior ou menor; e mesmo, quando ela não existe na realidade, procura-se causar essa impressão pelo estreitamento das colunas para cima.

128Surgem também, por toda a parte, entre os espigueiros, aprumados ou inclinados, alguns todos de madeira, do mesmo modo aprumados ou inclinados.

129Em terras de Arouca, região de contacto e transição, encontram-se não só os tipos de Oliveira de Frades, mas também os do Montemuro, de Oliveira de Azeméis (num caso com postigo de descarga na face do topo do pé maciço) e ainda outras formas híbridas, em que aparecem traços de todos estes tipos (fig. 134 e des. 39-è); e até, na Serra do Arressaio, casos com o corpo todo de madeira e ripado horizontal, com telhado de xisto, do tipo de Sobrado de Paiva.

Espigueiros largos

130Os espigueiros desta categoria são construções de planta quadrangular larga, por vezes mesmo quase quadrada, abrigando no interior verdadeiramente dois espigueiros estreitos emparelhados, separados por um corredor a meio e cobertos por um telhado comum.

131A área principal de difusão do espigueiro largo, que corresponde à região onde ele ocorre com uma grande densidade e geralmente com excusão de quaisquer outros tipos, é uma zona que circunda o Porto, a sul e a leste, pelas duas margens do Douro. Mas encontram-se também exemplares dispersos por todo o Minho, por vezes muito antigos; aí, porém, eles constituem casos as mais das vezes isolados no meio de outros tipos predominantes.

132Esta forma geral apresenta-se sob dois tipos principais: 1) com as paredes aprumadas; e 2) com as paredes inclinadas – o primeiro, correspondendo essencialmente à região a norte do Douro, um pouco para leste do Porto, compreendida entre esse rio e as terras a ocidente da foz do Tâmega, pelos concelhos de Gondomar, Paredes e Penafiel (e também os casos dispersos minhotos); o segundo, correspondendo ao concelho de Vila Nova de Gaia, ao sul do Douro.

Espigueiros largos de paredes inclinadas

Espigueiros de Vila Nova de Gaia

133Ao sul do Porto, por toda a área do concelho de Vila Nova de Gaia e, à mistura com o tipo da Vila da Feira, no próximo concelho de Espinho, o espigueiro largo – que é aí muito numeroso – é de planta em rectângulo largo, por vezes quase quadrada, com o corpo integralmente de madeira, de ripas postas ao alto, com as paredes inclinadas para fora47. Este corpo assenta geralmente em esteios finos e altos, um a cada canto, na maioria dos casos, em que o edifício é de planta quase quadrada, e com pares intermédios, se ela é mais alongada, rematados por mós finas e abauladas na face superior, que impedem a passagem dos roedores. Por vezes, em vez de esteios, o assento é feito de pilares de tijolo, ou mesmo, raramente e em casos menos típicos ou recentes, largos pés transversais ou até um compartimento de arrecadações. Sobre estes vários tipos de assento, pousa a grade de traves, que forma canto nas esquinas, entalhada a meia madeira, e onde apoia o barrotamento do soalho. Convenientemente espaçados, dela se elevam os prumos da armação que sustentam em cima o frechal. As ripas pregam-se entre o frechal e a grade (e, nos cantos, a decrescer, ao longo dos prumos), e o remate é recoberto com vistas de tábua. A porta situa-se a meio de um dos lados menores, entre dois prumos, e não raro existe uma segunda porta em frente desta, na parede oposta (des. 40). A armação do telhado – que nos casos antigos é sempre de quatro águas desiguais, a partir de uma linha de cume as mais das vezes muito curta, apenas com poucos decímetros, e nos mais recentes é geralmente de duas águas, muito inclinadas – assenta no frechai e deixa as pontas dos caibros à vista, sob o beiral, não raro com modestos entalhes decorativos. A cobertura é de telha caleira ou Marselha. Dentro deste tipo geral, nota-se a existência de duas variedades distintas: numa delas, que é nitidamente a mais antiga, na zona interior do concelho, a inclinação das paredes é pouco pronunciada, por vezes quase imperceptível48, a forma total é mais pesada, e o ripado, como o dos espigueiros estreitos comuns, tem duas faixas horizontais a travá-los do lado exterior; os pés são sempre esteios finos de granito, encimados pelas mós (figs. 135/136). Na outra, que ocorre sobretudo nas freguesias da beira-mar, o alargamento para cima é, pelo contrário, muito acentuado, as ripas são corridas de cima abaixo sem travessas exteriores de travação, a defesa contra os roedores obtém-se muitas vezes brunindo apenas o topo dos esteios; nota-se a ausência de quaisquer elementos ou preocupação de embelezamento, o estilo da construção é seco e estritamente utilitário (fig. 137), os telhados são muito frequentemente de duas águas com grande pendor. Estes caracteres, e a falta de uniformidade das suas proporções, parecem indicar que esta segunda forma, de carácter mais técnico e funcional do que tradicional, é uma modificação recente da primeira.

134Interiormente, em frente à porta – ou entre as duas portas, quando existe a segunda – fica o corredor, que separa os dois quartéis, onde se guardam as espigas, e que correspondem, na verdade, a dois espigueiros estreitos. As divisórias deste corredor, sempre aprumadas, são de ripado disposto horizontalmente com fendas para o necessário arejamento, pregado a prumos ou paus cruzados, fixos entre os barrotes do soalho e outros aplicados à armação do telhado (des. 41). Estas divisões não oferecem grande uniformidade; nos velhos espigueiros, mais largos em baixo, as entradas dos quartéis ficam logo a seguir à porta, e vão-se fechando de baixo para cima com sucessivas pontas de tábua, à medida que as espigas sobem ; muitas vezes, nas duas extremidades do corredor, improvisa-se um estrado alto para guarda de cestos, milho de semente, batatas, etc., com tábuas passadas entre as traves das tesouras do telhado; e, no próprio corredor, também não raro se espalha qualquer outro produto em camada baixa, de forma a não prejudicar o arejamento das câmaras.

135Dissemos atrás que este tipo de espigueiro largo, de paredes inclinadas, é característico do concelho de Vila Nova de Gaia; mas ele encontra-se também ao Norte do Douro, pela orla poente do concelho de Gondomar, onde constitui igualmente uma forma tradicional, embora rara; por outro lado, na sua variante de paredes com inclinação muito acentuada, que se encontra especialmente pela orla marítima do mencionado concelho de Gaia, vemo-lo actualmente difundir-se para o sul, pela Vila da Feira e S. João da Madeira, onde o tipo tradicional é outro, de paredes do mesmo modo inclinadas, mas estreito. Nesta expansão, porém, a forma de origem é por vezes alterada, aparecendo casos com colunas de pedra ou mesmo grossos pilares de alvenaria, com o espaço sob eles aproveitado como casa de eira ou de arrumações, e que assumem frequentemente dimensões muito grandes.

Des. 40 – Palmeira, Gaia

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Des. 41 – Palmeira, Gaia. Interior

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Espigueiros largos de paredes aprumadas

Espigueiros de Gondomar, Paredes e Penafiel

136Ao norte do rio Douro, numa área confinante com o Porto, a nascente, que se estende até à foz do Tâmega, e que compreende parte dos concelhos de Gondomar, Paredes e Penafiel, por Baltar e Cete até ao rio Douro, o espigueiro largo assemelha-se aos velhos exemplares da mesma categoria, do sul do Douro, mas é sempre de paredes aprumadas (excepção feita, como dissemos, de uma pequena zona a poente do concelho de Gondomar, onde também aparecem as paredes inclinadas). O assento é geralmente de grossos pés singelos de granito, bastante altos, encimados por mós chatas; a planta do edifício é rectangular, por vezes muito alongada (fig. 139), mas não raro ela é quadrada e há mesmo pequenas zonas em que esta forma predomina (fig. 141). O corpo é todo de madeira, desde a grade aos prumos e frechais; o ripado é vertical, firmado com uma ou várias travessas horizontais exteriores; a porta abre-se a meio de uma das paredes mais estreitas, entre dois prumos, e é ela própria, por vezes, de ripado com fendas; o acesso a ela faz-se por meio de uma escada móvel, que por vezes, em cima, se prende a dois olhais cravados na trave. Em certas zonas, vêem-se, com frequência, dois postigos de descarga, nos dois cantos, em baixo, aos lados da porta (fig. 140). O telhado é sempre de quatro águas, piramidal se o espigueiro é de planta quadrada, com um cume mais ou menos longo, se ela é rectangular. A cobertura é geralmente de telhas, mas existem algumas de colmo com beiral de lousa, como nas casas da região. Certos espigueiros largos recentes, e de facção mais racionalizada, assentam sobre um alpendre ou loja de arrecadação, que abre para a eira, e que eles prolongam para cima como um mero andar sobradado. A divisão interior é idêntica à dos espigueiros largos de Vila Nova de Gaia, com o corredor a meio dos dois quartéis, a que chamam propriamente espigueiros49.

Des. 42 – Ponte do Mouro – Traseiras do espigueiro; notar os pés embutidos na actual parede

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Espigueiros largos do Minho

137O espigueiro largo de paredes aprumadas aparece também em casos dispersos, mais ou menos raros, por toda a província do Minho desde a ribeira do Ancora, em Soutelo e Riba de Âncora, a Braga – onde são relativamente frequentes –, Vieira e Amares, coexistindo com certos tipos de espigueiros estreitos, que constituem as formas dominantes nessas regiões50, e com sequeiras que por vezes incluem espigueiros. Mais do que um estilo próprio, eles seguem aí estilos e processos de construção locais, que se manifestam nesses outros tipos de espigueiros estreitos, nomeadamente as padieiras da grade, e até as colunas de pedra (fig. 144), ou a grade de pontas cruzadas ou salientes. Em Domelas (Amares), porém, onde se podem observar vários exemplares, eles assemelham-se estreitamente aos espigueiros de Penafiel, com os seus grossos pés de granito aos cantos, encimados por mós, o seu corpo de padieiras de pedra ou todo de madeira com a grade à vista, o ripado vertical com cinta exterior, a porta a meio de um dos lados mais estreitos, o telhado de quatro águas, a sua divisão interior – o corredor em frente à porta, separando as duas câmaras estreitas onde se armazenam as espigas51 (fig. 143).

138De um aspecto completamente diferente, mencionaremos ainda o lindíssimo espigueiro de Ponte do Mouro (Monção), assente em altos pés singelos de granito, de forma cónica (hoje entaipados nas paredes que fecharam o vazio sob ele, aproveitado para arrumos), rematados por mós, com as duas paredes do topo em cantaria bem aparelhada. O telhado é de duas águas, ornamentado com pináculos de granito sobre os cunhais e um dos topos do cume, e a cruz no outro. O ripado vertical, com travessas a meio, existe só dos lados, nas paredes que correspondem às duas câmaras das espigas: à frente, abre-se, a meio da fachada, a porta (que dá para um espaço amplo entre elas, desde sempre utilizado como quarto de um criado) flanqueada por duas portas-janelas, que dão directamente para cada uma dessas câmaras. Trata-se de um caso único entre nós, representando talvez uma modificação e aproveitamento de elementos pertencentes originariamente a dois velhos espigueiros estreitos; contudo, a sua forma assemelha-se ao tipo geral característico do espigueiro de uma zona galega, um pouco a norte de Pontevedra (fig. 149, des. 42).

Espigueiros altos

Tipo de Cabeceiras de Basto

139Este tipo, que conhecemos apenas na região serrana da Cabreira e do Barroso, especialmente pelo Concelho de Cabeceiras de Basto52, caracteriza-se pelo excessivo desenvolvimento dos espigueiros no sentido da altura, a partir de uma base quadrangular desproporcionadamente pequena, e pela sua estrutura e facção muito singelas e pobres. De facto, eles reduzem-se a quatro longas pernas de madeira, que espetam na terra, às quais se pregam, a uns 50 a 70 cm do solo, duas travessas que aguentam o soalho e, daí para cima, as ripas que formam as paredes da câmara das espigas, que tem uma altura média de cerca de 5 m (fig. 145). As ripas são tábuas de 15 mm de espessura, que deixam entre si fendas irregulares de 15 a 20 mm. Nos exemplares mais antigos, essas pernas são inclinadas para fora, de modo que a sua largura é maior em cima do que em baixo, e a cobertura é de duas águas, de colmo ou palha milha; uma dessas águas é de levantar, girando sobre dobradiças pregadas ao cume, sendo por aí que se lançam as espigas. Alguns exemplares mais recentes têm as paredes aprumadas, e cobertura de uma única água, geralmente de chapa, que gira então em dobradiças pregadas no alto das pernas; noutros existe também uma janela para carga, a meia altura do ripado, que abre para baixo. Em todos os casos, a descarga faz-se por uma pequena portinhola, rasgada no fundo de uma das faces (des. 43). A madeira usada é carvalho, abundante nesta região. Quando as pernas apodrecem na parte que mergulha na terra, encabeçam-nas, por vezes, com oliveira, que é muito duradoura. A existência de velhos exemplares, e a lembrança deles em pessoas idosas, permitem atribuir a este tipo uma origem anterior pelo menos ao princípio do século. A sua estrutura um pouco insólita vai sem dúvida contra qualquer sistema de construção tradicional entre nós; mas não se pode recusar a sua aproximação com os canastros de varas da mesma região, certamente muito antigos, com que estes avizinham, que em tempos mais ou menos recentes podem ter sugerido a forma a dar a novos espigueiros feitos com materiais diferentes.

Des. 43 – Rio de Ouro, Cabeceiras de Basto

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Tipo de Alcobaça

140Como dissemos, ainda hoje o espigueiro se multiplica e difunde em certas zonas serranas onde o cultivo do milho vai subindo a altitudes mais elevadas, numa expansão que não chegou ainda ao seu termo. Mas a grande mancha de difusão deste elemento está, em globo, de há muito marcada; fora dela, apenas um ou outro exemplar surge, isolado e quase sempre bastante recente (por exemplo, em Penela, Leiria, etc.).

141Numa zona reduzida do concelho de Alcobaça, contudo, onde não há um século o espigueiro era completamente desconhecido, ou inexistente, isolada bastante ao sul do limite da sua área geral, ele aparece agora como elemento bastante generalizado da casa agrícola.

142Foi em Maiorga, junto ao «campo», que há cerca de 75 anos se instalou na região o primeiro espigueiro. Um proprietário local, tendo visto sem dúvida os espigueiros do norte, e reconhecendo a sua utilidade para os milhos das terras húmidas do «campo», que cada vez se semeava em maior extensão, construiu um espigueiro, que reduziu às peças essenciais e exclusivamente funcionais53. Assim surgiu a forma do espigueiro, que se generalizou por ali, e já hoje aparece em freguesias mais do interior, principalmente em casas que não possuem eiras nem alpendres.

143Estes espigueiros que, embora não tanto como os anteriores, e com características totalmente diferentes e independentes, também se desenvolvem no sentido da altura, são todos de madeira, de construção descuidada e muito ligeira, com larguras que não vão além de 70 cm, e alturas úteis de 2 a 2,50 m, com ripas horizontais pregadas aos prumos, que constituem os próprios pés, as quais deixam fendas muito largas (mais ou menos 35 mm). O carregamento faz-se geralmente por uma das duas águas de uma cobertura de tábuas, que gira em dobradiças presas ao cume; mas também são vulgares coberturas de uma só água, de tábuas ou mesmo telha, postas depois do carregamento; em baixo, têm um postigo de descarga. Eles erguem-se muitas vezes junto a uma parede que ladeia a eira, ou agrupados, quase encostados uns aos outros, a um dos seus lados (fig. 146).

Espigueiros de tijolo e cimento

144Actualmente, espalhados por toda a área do espigueiro, mas sobretudo em localidades de feição progressiva e, por enquanto, sempre em casos isolados, encontram-se espigueiros ora inteiramente construídos em tijolos ou blocos de cimento, ora apenas com as paredes nesses materiais.

145Na zona de Monção, usam-se tijolos com buracos fabricados propositadamente na região; outras vezes são os próprios tijolos vazados que se colocam de topo para fora, de modo que o oco serve já de abertura de ventilação (fig. 147); outras ainda – em Ovar, por exemplo – essas aberturas resultam da disposição dos tijolos ou blocos, que formam desenhos com espaços entre eles (fig. 148); etc.

146Se a natureza destes materiais confere a estes espigueiros um aspecto particular e diferente dos demais, a sua grande plasticidade facilmente consente o aparecimento das mais variadas formas, ditadas pelo gosto, a fantasia, ou a ideia dos construtores, mal se podendo falar de qualquer tipo, além da sua inclusão global numa categoria à parte.

Espigueiros incorporados em sequeiras ou outros edifícios

147Referindo-nos atrás aos diferentes anexos da eira nortenha que desempenham funções específicas no processo de preparação do milho, mencionamos as sequeiras como instalações normalmente destinadas à secagem prévia das espigas antes da sua armazenagem definitiva nos espigueiros, onde se ultima essa secagem e maturação, ao abrigo da humidade e das depredações da bicharia. Em certas regiões, porém, compreendidas na área global do milho, o espigueiro falta, e aquelas duas operações têm lugar directa e conjuntamente nas sequeiras ou em instalações a elas equiparadas, como os varandões, dos quais, de resto, é difícil diferenciá-las nitidamente; tal é o caso nomedamente em terras de Guimarães e Fafe, onde as sequeiras são chamadas alpendres. Noutras regiões, embora o espigueiro exista de um modo geral, o costume local compreende também a armazenagem normal das espigas nas sequeiras, em condições idênticas às que atrás indicamos, que se usa sempre que o espigueiro falta; entre outros assim sucede, por exemplo, em certas partes dos concelhos da Ponte da Barca, Terras de Bouro, Amares, Vila Verde, Cabeceiras de Basto, e outros. Finalmente, por toda a área do espigueiro, a armazenagem das espigas nas sequeiras encontra-se com carácter excepcional, em exemplos isolados e dispersos em lavouras que, por quaisquer razões, não possuem aquele anexo. Em todos estes casos, as sequeiras são geralmente de planta aproximadamente quadrada, e têm um piso alto com qualquer parede sempre de ripado, como o espigueiro; as espigas conservam-se simplesmente estendidas no chão sobradado desse piso, que com frequência comporta ainda, para o mesmo fim, sistemas de prateleiras o mais extensas possível. Contudo, muitas vezes, mormente em regiões onde o espigueiro é conhecido mas a armazenagem nas sequeiras é também praticada com carácter normal, estas são adoptadas a essa função, mostrando, junto do ripado do piso superior, um pequeno compartimento estreito, de tabuado aberto também pelo lado de dentro, que faz de espigueiro. A parte adaptada a espigueiro é então geralmente reconhecível, pelo lado exterior, por qualquer sinal de limitação visível nos painéis do ripado da sequeira, possivelmente mesmo por uma porta.

148Entre as sequeiras naquelas condições e os espigueiros largos de corredor a meio, existe sem dúvida uma diferença fundamental, que resulta da diversidade de funções que desempenham umas e outros. Ao mesmo tempo, porém, o parentesco entre esses dois tipos de instalações, é estreito, e o seu aspecto – nomeadamente quando tais sequeiras são de pequeno vulto – muito semelhante, sendo por vezes difícil estabelecer-se a verdadeira natureza de certos casos. Veremos mesmo que há casos intermediários, que estabelecem a transição e participam da natureza de ambos.

149Esta solução é muito corrente, em grande parte do concelho da Ponte da Barca. Usam-se nessa região, como dissemos, grandes sequeiras de planta aproximadamente quadrada, com dois pisos ou apenas com um erguido sobre pilares, escada exterior e telhados de duas, ou, mais correntemente, quatro águas, onde tem lugar, no rés-do-chão ou mesmo, mais frequentemente, no andar sobradado, as malhas do milho; além disso, é também aí que se armazenam as espigas, devidamente acomodadas, num verdadeiro espigueiro interior, isolado por um tabuado tosco, com fendas de tábuas delgadas postas a prumo, que se ergue do soalho, a cerca de um metro do ripado exterior de um dos lados; por vezes, em vez de um, dispõem-se espigueiros deste género em dois e até em três lados da sequeira. Da Ponte da Barca para o Sul, por Vila Verde, Bouro e Amares, aparecem também sequeiras largas, semelhantes às que mencionámos, mas geralmente com os baixos fechados com paredes e aproveitados como alpendres, que abrigam igualmente, no piso superior, um espigueiro interior, junto a um dos seus lados de ripado aberto. Esta solução não se pode considerar recente, aparecendo em casos visivelmente antigos; na Portela do Vade podia ver-se até alguns anos um espigueiro dentro de uma sequeira, hoje transformada em habitação, a que os donos atribuem com segurança idade superior a 120 anos. Os sinais do espigueiro são ainda bem visíveis no soalho e no tecto (des. 44-è). Na região de Cabeceiras de Basto, especialmente na zona que confina com Rossas, são também muito frequentes as sequeiras com espigueiro incluído no sobrado; como na Ponte da Barca, essas sequeiras, aí chamadas alpendres, são de planta quadrangular, muitas vezes mesmo quadrada, com dois pisos: o térreo – alpendre de baixo, ou ladrilho – lajeado, onde se malha (as eiras, com efeito, são aí, com frequência, exíguas), e o de cima com uma grade de tabuado a toda a volta, a menos de 1 m do ripado exterior das faces Norte, Nascente e Poente, isolando aí um ou vários autênticos espigueiros. O lastro deste espigueiro é formado por tábuas que repousam directamente sobre a espessura das paredes do piso inferior da sequeira ou pelo próprio capeado dessas paredes, que no piso superior são constituídas apenas pelo ripado, que fica à face. O tabuado interior é disposto horizontalmente, pregado a barrotes que firmam no soalho e nos caibros do telhado; os espigueiros podem seguir-se nas três faces, individualizando-se apenas por divisões internas; mais correntemente, porém, eles são separados; e, conforme os casos, as portas são a meio ou de topo. Essas portas reduzem-se a tábuas curtas e mais ou menos estreitas, que entram numa espécie de calhas laterais, e se vão sobrepondo de modo a deixarem entre si intervalos de arejamento. O ripado exterior, ou grade, nessas três faces, prega em barrotes fixos a prumos assentes no frechal da parede do piso inferior. A fachada frontal é constituída por empanadas igualmente de ripado, de abrir ou levantar. Estas sequeiras e espigueiros não têm qualquer defesa contra os ratos, que podem causar prejuízos consideráveis54.

Des. 44

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a – Real, Penascais, Vila Verde;
b – Portela de Vade, Vila Verde,
c – Valença
d – Cunha, Paredes de Coura;
e – Feldejães, Ponte do Lima

150Pelo sul dos concelhos de Paredes e Penafiel, aparecem também sequeiras deste género, incorporando igualmente dois espigueiros; construídas quase sempre sobre um térreo fechado por paredes, os topos dos espigueiros viram-se para a fachada frontal, e mostram aí os postigos de descarga correntes na região. Nos casos, mais raros, em que essas sequeiras se apoiam em pilares, e que correspondem a exemplares de menores dimensões, elas mal se distinguem dos espigueiros largos de corredor a meio, vulgares, como vimos, por essa área, reduzidas com efeito, por vezes, a uma instalação desse tipo, em que apenas o espaço a meio do espigueiro é um pouco mais largo do que um corredor mediano (1,10 a 1,20 m). São esses exemplares que estabelecem a passagem insensível das sequeiras para os espigueiros, por semelhança formal e confusão de funções.

151Fora das zonas mencionadas, a incorporação do espigueiro nas sequeiras é menos frequente; contudo, em casos pouco numerosos e em áreas mais restritas encontramos, por seu turno, o espigueiro incorporado em alpendres ou varandões minhotos. Assim sucede em vários casos no concelho de Barcelos (figs. 151/152) por exemplo em Nine, existe um em que além da porta usual virada para a eira, há outra que dá para o sobrado do varandão, permitindo carregá-lo mesmo com tempo de chuva. Também em Averomar (Póvoa de Varzim), se pode observar um riquíssimo exemplar de varandão, num topo do qual, em ambos os lados, se encontram dois espigueiros (fig. 150). Nesta mesma freguesia, existem outros espigueiros que formam, ao nível do andar, a fachada exterior da casa de lavoura, dando muitas vezes para uma grande sala-celeiro (fig. 153).

152Em termos idênticos a estes, também pela parte do concelho de Tondela e Mortágua, correspondente às primeiras vertentes do Caramulo, se dá a incorporação do espigueiro a outra construção agrícola – o palheiro – cuja função principal é ali bem definida pelo termo que o designa; e entre o Buçaco e Agueda, nomeadamente na Póvoa do Gago (des. 45) vemos o espigueiro encostado, de topo ou de lado, ao alpendre, palheiro ou casas de eira.

Des. 45 – Póvoa do Gago, Anadia

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Des. 46 – S. Mamede, Arcos de Valdevez

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153Além dos casos apontados, em que o espigueiro é incorporado, de modo mais ou menos regular ou acidental, a qualquer desses anexos de eira, outros há em que, de modo semelhante, ele também não é independente, aparecendo porém junto de edifícios de natureza diversa, desempenhando funções que nada tem que ver directamente com as fainas da eira, como varandas, paredes da casa, cobertos, etc. Assim, por exemplo, no lugar de Real, da freguesia de Penascais (Vila Verde), existe, entre outros em condições semelhantes, um espigueiro, medindo 4m de comprimento por 75 cm de largura, e 1,70 m de altura no beiral, instalado no canto da varanda anexa a uma velhíssima casa, adaptado a esse fim, com um ripado horizontal, virado para fora e outro paralelo pelo lado interior, a porta no topo livre, e o forro do tecto pregado aos caibros do telhado (des. 44-a); numa forma diferente, perto de Valença, encontra-se um espigueiro encostado à parede de uma casa térrea e também já antiga, abrindo-se a porta do espigueiro na cabeceira virada para a habitação (des. 44-c); em Feldejães, (Ponte do Lima), numa instalação recente, há dois espigueiros de ripado horizontal dispostos paralelamente a uma certa distância um do outro, que servem de paredes a um simples coberto ou palheiro, com cobertura de chapa ondulada (des. 44-e) e, nos arredores desta vila, são frequentes casos de espigueiros, de ripado horizontal, incorporados em varandas ou outras dependências. A mesma localização se pode ver no lugar de S. Mamede, à beira da estrada dos Arcos de Valdevez para Paredes de Coura, onde um espigueiro de colunas de granito, velho e tosco, forma a parede de um amplo coberto (des. 46). Por outro lado, às vezes – como por exemplo em Cerdal (Valença), é o tejadilho do próprio espigueiro que, prolongando-se para um dos lados, forma aí um pequeno coberto de arrumações miúdas; em Cunha, Paredes de Coura, construíram há poucos anos, sobre uma loja, um andar sobradado que abriga um espigueiro de cada lado, ficando o salão a meio (des. 44-d); etc.

Elementos estruturais do espigueiro

154Como dissemos, distinguiremos na arquitectura do espigueiro duas partes principais que, por seu turno, se decompõem em vários elementos: a) o assento, e b) o corpo.

a) Assento55

155No assento, há que considerar o alicerce ou soco, os pés, e as mós, mesas ou lajes formando cornija, que os encimam e impedem o acesso dos roedores, e a que na Galiza dão o nome de « torna-ratos ».

156Soco – Quando o terreno é plano ou ligeiramente inclinado, os espigueiros geralmente assentam os pés directamente no solo, sem qualquer soco – ou, quando muito, sobre afloramentos naturais, pequenos alicerces enterrados, ou soleiras ao raso do solo56 – em regra um para cada par de pés; acompanhando então esse ligeiro declive, os próprios pés é que terão alturas diferentes, de modo que o corpo, que pousa sobre eles, fique nivelado. Se, porém, o terreno é em declive maior, ou em planos diferentes, os pés, mormente os que ficam do lado baixo, assentam muitas vezes num soco que, quando o pendor é acentuado ou o espigueiro é comprido, atinge por vezes uma altura considerável. Esse soco, tal como acontece com as soleiras, pode ser o mesmo para todos ou vários pés, ou um para cada par de pés, tomando neste último caso o aspecto de um pilar mais ou menos afeiçoado; e os pés que nele apoiam serão então todos sensivelmente do mesmo tamanho (des. 47-a). Por vezes, ainda que o terreno seja plano, o soco pode existir, como sistema que eleva o espigueiro sem aumentar a altura dos pés57.

157Ao contrário do que acontece na Galiza, onde o «zócalo» apresenta por vezes aspectos típicos, entre nós o soco, bem definido e caracterizado, e como feição regular de um tipo local, apenas se encontra na região de Sever do Vouga, sob o pé maciço dos espigueiros dessa área (des. 47-b). Por outro lado, em certas zonas reduzidas como, por exemplo, a parte do concelho de Vila Verde que sobe para a Portela do Vade, onde coexistem os tipos de ripado horizontal, de feição mais pobre, e vertical com cápeas e guarda-ventos, o soco, que aí abunda, sustentando pés singelos, aparece associado preferentemente aos últimos, tendo pois o aspecto de um sinal de melhoria de construção.

Des. 47 – Duas formas de soco: a – Vila Real ; b – Sever do Vouga

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158Com muita frequência, os espigueiros erguem-se em pés assentes sobre muros ou paredes, especialmente de eiras, casas ou caminhos, ou sobre pilares que os alteiam de modo a permitir a passagem sob eles; eles vêem-se assim por cima de portões, caminhos, etc.; e tais muros ou pilares substituem muitas vezes e desempenham a mesma função que os socos específicos (figs. 84/ /85, 101, 111, 119).

159Pés58 – Os pés são um dos elementos fundamentais e mais característicos do espigueiro, que têm essencialmente em vista elevá-lo do solo, para o proteger contra a humidade deste e o acesso dos roedores e, em certos casos, para procurar uma melhor exposição ao ar. Eles apresentam-se sob três formas principais: 1) pés singelos, de pedra – e também mais raramente de madeira –, a prumo e normalmente aos pares; 2) pés transversais, pedras largas ou pequenos muros paralelos atravessados; e 3) pés maciços, constituindo um muro corrido sobre o qual assenta o lastro do espigueiro. Consideraremos ainda o caso, raro entre nós, em que o assento do espigueiro tem exteriormente o aspecto de um bloco, como um pé maciço, mas é na realidade um recinto fechado por paredes, com a abertura de entrada num dos topos ou lados.

160Pés singelos – Os pés singelos podem ser de madeira ou pedra; os primeiros são extremamente pouco frequentes entre nós. A forma mais rudimentar de pés singelos, que corresponde geralmente aos espigueiros de nível de facção inferior, consiste em simples pedras irregulares e brutas, quando muito com um ligeiro afeiçoamento, colocadas sem qualquer ordem sob o lastro ou grade do corpo, e às vezes tão baixas que apenas o isolam da humidade do solo, sem impedirem o acesso dos ratos. Esta solução encontra-se sem dúvida em qualquer área e tipo de espigueiro; ela é sobretudo frequente nos pequenos exemplares de ripado horizontal que, de um modo geral, constituem a categoria mais pobre dos nossos espigueiros; mas aparece também bastantes vezes nos rudes espigueiros todos de pedra da Serra d’Arga. Em certas regiões, como por exemplo as terras baixas do sopé dessa mesma Serra, a sul e poente, encontra-se um tipo de espigueiros, pequenos e modestos, cujas colunas de topo do esqueleto são grosseiros esteios de pedra, que enterram directamente no solo, fazendo assim de pés, sem quaisquer mós ou mesas; as traves do lastro fixam-se em rasgos abertos nesses esteios, a poucos decímetros acima do solo.

161Os pés singelos característicos e qualificados, de pedra afeiçoada, são de formatos diferentes, mais ou menos largos, e com alturas variáveis, oscilando, nos casos mais correntes, entre 1 m e 1,50 m ; os mais perfeitos são prismas de base quadrada ou rectangular, com quinas vivas ou cortadas, às vezes com ornatos (Macieira de Alcofra, Oliveira de Frades), ou em tronco de cone ou pirâmide, de base também quadrada (des. 48); e, muitas vezes, nos dois primeiros casos, apresentam um cotovelo ou sapata na base, servindo de reforço. Eles dispõem-se sempre aos pares, e o número destes varia naturalmente de acordo com o tamanho do espigueiro, bastando os pares dos topos quando ele é pequeno, mas tornando-se necessários pares intermédios quando ele é comprido; além disso, nos espigueiros de balaústres e telhados de pedra, do tipo do Lindoso e semelhantes, em que o corpo é extremamente pesado sobre as padieiras, estas apoiam-se necessariamente sobre um maior número de pés intermédios; em ambos os casos, os pares de pés ficam geralmente equidistantes, conforme o número de quartéis ou peças – padieiras de pedra ou travessas de madeira – que formam a base ou o lastro do corpo e, acima deles, correspondem-lhe outras tantas colunas ou prumos verticais do esqueleto.

162Não raro, como é designadamente o caso com os espigueiros largos de corredor a meio dos tipos de Vila Nova de Gaia e Penafiel, os pés singelos são verdadeiros esteios talhados em granito claro e firme, e são mesmo conhecidos por essa designação; eles são então geralmente muito esguios, com 2 a 2,50 m de altura. Por vezes, os pés singelos prismáticos de base rectangular são consideravelmente largos, tocando-se quase, e formando por assim dizer um verdadeiro pé transversal, composto de duas pedras largas encostadas; isto encontra-se sobretudo em locais onde coexistem pés singelos e pés transversais, e é muito frequente nas regiões de Vila Nova de Paiva e de Celorico de Basto.

163Nenhuma destas formas corresponde a qualquer região exclusiva e, paralelamente e salvo raras excepções, em nenhuma área aparece apenas qualquer delas com exclusão das outras, podendo dizer-se, pelo contrário, que, de um modo geral, todas aparecem em inúmeras partes. Em certas regiões restritas, porém, abundam especialmente, são mesmo exclusivas, ou faltam sistematicamente, algumas: assim, por exemplo, na parte sudoeste do concelho do Marco de Canaveses, os pés singelos são quase sempre tronco-cónicos.

Des. 48 – Pés

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a – Esteio, usado nos espigueiros largos da Gaia e Gondomar
b af- Formas vulgares de pés singelos
g – Pés singelos com sapata
h – Pés singelos muito largos, formando praticamente um pé transversal
i – Pé singelo de forma cónica abaulada, muito vulgar no Marco de Canaveses
j – Pé singelo cónico (Vila Nova de Cerveira)
k – Pé singelo ornamentado (Macieira de Alcofra, Oliveira de Frades)
l – Pé transversal de um só bloco
m – Pé transversal ornamentado, em forma de «vaso» (Vila do Conde)
n – Pé transversal de lascas de xisto
o – Pé transversal mais largo que o espigueiro (Mortágua)

164Pés transversais – Os pés transversais são constituídos ora por simples blocos facejados de granito, ora por pequenos muros de pedra miúda ou xisto, revestidos ou não de argamassa (des. 48), atravessados perpendicularmente ao eixo do espigueiro, e paralelamente uns aos outros. As suas dimensões são variáveis, com altura proporcional à espessura, e mais ou menos idêntica à dos pés singelos; entre nós, os mais altos encontram-se nas regiões da Vila da Feira e Mortágua. Como os pés singelos, também os transversais, nos espigueiros pequenos, são normalmente apenas em número de dois, um em cada topo; se o espigueiro é comprido, aparecem pés transversais intermédios, especialmente sobre as pontas das padieiras, tal como os singelos. No tipo de Sever do Vouga, nomeadamente o do topo frontal, leva qualquer motivo decorativo.

165Com a maior frequência, os pés transversais alternam, nas mesmas regiões e localidades, e até às vezes no mesmo espigueiro, com os pés singelos59, nos mais diversos tipos de espigueiro ; e, do mesmo modo que aqueles, também os transversais aparecem, em casos mais ou menos esparsos, por todas as regiões. Eles são característicos do tipo de paredes inclinadas da Vila da Feira, e muito frequentes por toda a Serra da Lapa, pelos concelhos de Castro Daire e S. Pedro do Sul, e pelo sopé do maciço do Caramulo; a norte do Douro, eles aparecem associados aos luxuosos espigueiros da zona interior da Póvoa de Varzim, onde são aproveitados, como elemento decorativo opulento, em blocos de granito recortado em «vaso», com molduras e trabalho muito perfeitos; e, em formas modestas, são ainda bastante frequentes em terras do Barroso e de Celorico de Basto.

166Pés maciços – Os pés maciços aparecem associados com maior regularidade a determinados tipos de espigueiros, próprios de certas regiões, sendo muito raros fora desses casos. Mas, mesmo em algumas dessas regiões, eles coexistem com as demais categorias de pés, que ocorrem noutros tipos que também aí existem. Ao norte do Douro, eles encontram-se normalmente apenas na região de Caminha cujo tipo caracterizam, e com relativa frequência em Esposende, Famalicão e certas zonas da região de Basto (figs. 82, 103, 105, 107/108, 154), ao sul do Douro, na área litoral que vai de Oliveira de Azeméis ao Vouga e se prolonga para o interior até Arouca, Cambra e Sever, eles tomam grande vulto, constituindo a forma exclusiva, que define o tipo de espigueiros dessa região, muito elevados e de paredes inclinadas (figs. 127/131,133/134)60; no interior, fora dos casos apontados, são praticamente desconhecidos. Na região de Caminha, onde abunda o granito, o pé é muitas vezes de pedra à vista; nas regiões de xisto, e na região de Oliveira de Azeméis, ele é em geral revestido de cal. Em Sever e Cambra, o pé ergue-se sobre um soco saliente, e leva com frequência numa das faces do topo um desenho ornamental simples (fig. 133). Quase sempre o pé maciço é da mesma largura do corpo do espigueiro, que o prolonga para cima, separado dele apenas pela linha do lastro que forma cornija, em vista a impedir a passagem dos ratos; mas, num exemplo de Caldelas, o pé é mais estreito do que o resto do edifício (des. 49-d)– Os pés maciços mostram também alturas várias, desde alguns metros até poucos decímetros acima do solo, com um aspecto dum soco baixo. De um modo geral, ao norte do Douro esses pés são baixos, encontrando-se exemplos do tipo de Caminha em que eles mal se distinguem sob o lastro (fig. 105). Ao sul do Douro, na área litoral do tipo de Oliveira de Azeméis, os pés maciços são muito elevados – 3 a 4 metros de altura – porque é neles que se situam os postigos de descarga (fig. 127); na zona interior dessa área, os postigos não se usam, e o pé é consequentemente mais baixo. Aí, em alguns lugares, onde o pé maciço é alto como, por exemplo, em Couto de Cocujães, ele é com certa frequência rasgado por uma ou duas portas que dão passagem para a casa da eira encostada à sua retaguarda, ou para o caminho. Mas, mesmo quando a regra local não é essa, aparecem casos de pés muito altos, ou porque houvesse vantagem em colocar o espigueiro num nível elevado, para maior comodidade ou mais conveniente arejamento, ou por meras razões estéticas; na Póvoa de Varzim e Barcelos, por exemplo, aparecem casos desta espécie, de verdadeiro aspecto monumental, com guarnições de cantaria, escadarias altas de acesso, etc. (des. 49-a e c).

167A grande altura que por vezes atingem estes pés cria a necessidade de quaisquer sistemas de acesso, patamares ou escadas, que a seguir descreveremos, e entre os quais se destaca, pela sua originalidade, a laje de pedra fixa ao próprio pé, na face onde se situa a porta do espigueiro, e com acesso por uma escada móvel (Oliveira de Azeméis) (des. 49-b). Por vezes, como sucede no exemplo acima referido em Beiriz (Póvoa de Varzim), essa escada é fixa e de pedra, terminando em patamar que faz as vezes dessa laje, um pouco abaixo da soleira da porta (des. 49-c).

168Em certos casos, o espigueiro tem por base paredes contínuas, formando sob ele um compartimento fechado, estreito e baixo, com entrada por um dos topos ou lados, que serve para qualquer arrecadação, e que exteriormente tem toda a aparência de um largo pé maciço. Esta categoria de assento é perfeitamente excepcional e muito rara entre nós; com carácter regular, ela encontra-se apenas nos espigueiros todos de pedra, de silhares e fendas horizontais, da região do Lindoso – que são consideravelmente largos – e com relativa frequência nalguns exemplares do tipo de Caminha. No primeiro caso, nomeadamente nos dois exemplares de Cidadelhe e Parada, aquele compartimento, baixo, comprido e estreito, como o espiqueiro, faz de arrumo, com a porta ao topo dando para a eira; em Cidadelhe, como dissemos, esse arrumo sobrepõe-se a mais outro, igual, que fica ao nível de um socalco abaixo da eira, com porta no topo oposto. O tecto do alpendre inferior é o lastro do da eira, e o deste, o lastro do espigueiro (figs. 69/70). Nos exemplos de Caminha, o compartimento em questão é extremamente exíguo e acanhado, servindo as mais das vezes de galinheiro, coelheira, casota de cão ou, quando muito, de pequena arrumação avulsa, mais parecendo um aproveitamento sugerido pelo pé maciço normal característico daquela região, do que um elemento original autónomo61.

169Actualmente, em múltiplos espigueiros atípicos, em tijolo ou cimento, que surgem nas regiões mais díspares, a base, quando é fechada, aproveita-se semelhantemente para pequenas arrumações avulsas.

Des. 49 – Pés maciços:

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a) Martim, Barcelos; b) Couto de Cocujães, Oliveira de Azeméis;
c) Beiriz, Póvoa de Varzim; d) Caldeias, Amares

170Nos demais sistemas de pés, divulga-se recentemente, em certos casos, o costume de utilizar o espaço entre eles; isto tem especialmente lugar em relação aos espigueiros largos de corredor a meio da região de Vila Nova de Gaia, já ligando os quatro esteios normais por paredes de blocos ou tijolos, se o espigueiro é antigo, já construindo-o logo desse modo, se ele é feito agora.

171Na Galiza, esta forma, ao contrário do que sucede entre nós, é característica de certos tipos, e aparece com aspecto e dimensões avultadas, constituindo um verdadeiro celeiro sob o espigueiro, mais largo e sobretudo mais comprido do que ele, formando nestes casos uma plataforma em frente da sua porta62.

172Mós e mesas – Mós e mesas são peças chatas de pedra que encimam os pés singelos ou transversais, saindo fora deles, sobre as quais assenta o lastro ou grade do esqueleto do espigueiro, e cuja função é impedirem, desse modo, a passagem dos ratos para a câmara das espigas.

173As mós63 são geralmente pedras redondas, com frequência ladeiras, que correspondem cada uma a seu pé e se usam, por isso, aos pares. Elas mostram formas variadas, na maioria dos casos tronco-cónicas achatadas, ou convexas, não raro com assentos especiais para as padieiras, e mesmo, mais raramente, cilíndricas64 (des. 50-1). Por vezes elas são de cimento, ou, como sucede em alguns casos recentes na região do Porto, de chapa.

174As mesas65 são peças alongadas, que se assemelham às mós e desepenham a mesma função que estas, mas que, atravessadas de lado a lado sob o espigueiro, correspondem, cada uma, a um par de pés singelos ou a um pé transversal (des. 50-II).

175Nas regiões de xisto, as mesmas são frequentemente lascas naturais ou apenas levemente afeiçoadas, não raro muito largas; nas regiões graníticas, elas são geralmente bem lavradas, de forma regular, paralelepípedos achatados, muitas vezes com os topos arredondados, e cortados na face superior, formando superfícies cónicas só aí ou com toda a face lateral inteiramente desse jeito, ou, mais raramente, com os cantos cortados (des. 50-II).

176Os espigueiros com o corpo todo de madeira, mostram, geralmente, escoras oblíquas de apoio, que partem dos prumos e se fixam as mais das vezes, em baixo, nas pontas salientes das traves da grade; quando as mesas são compridas, porém, é muito usual essas escoras firmarem nelas e não nas traves. Em certos casos, os pés transversais não rematam por mesas, mas têm em cima uma trave larga de madeira, sobre a qual pousa a grade do espigueiro, e que faz as vezes das mesas, não no que se refere à protecção contra os ratos, mas como ponto onde apoiam as escoras; em Contige (Sátão), essas traves, conhecidas por jugos, são curiosamente arqueadas (des. 29-a).

Des. 50- Mós e mesas

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177As mós só se podem usar com pés singelos, mas os pés singelos muitas vezes têm mesas como remate; elas são muito frequentes a norte do rio Douro, e são a única forma que os espigueiros largos de corredor a meio consentem, pela grande distância que neles vai de pé a pé. As mesas têm, porém, uma área de difusão mais vasta, muito numerosas ao norte do Douro e, além disso, quase exclusivamente por toda a Beira Alta.

178Sempre que o assento é um pé maciço ou, de igual modo, um compartimento estreito, a função de protecção contra os ratos, que nos outros casos se obtém com as mós ou mesas, é aqui desempenhado pelo próprio lastro do corpo do espigueiro, que é mais largo do que ele e do que o pé, formando uma cornija saliente a toda a volta. Esse lastro é geralmente em lajes de granito ou xisto (ou ainda, actualmente, por vezes de cimento), e não raro o seu rebordo é boleado na face superior. O mesmo sistema encontra-se também, em alguns casos, associado a pés transversais, e então, se o espigueiro é de boa facção, as lajes do lastro são peças únicas de pé a pé. Finalmente, num alpendre da região de Cabeceiras de Basto, que abrigava um espigueiro interior de cada lado, via-se, ao longo das paredes exteriores que correspondiam a esses espigueiros, uma cornija saliente do mesmo género que acabamos de mencionar.

179Resta referir o sistema de protecção contra os ratos que consiste em revestir o topo dos esteios, que fazem de pés, de uma camada de cimento brunido, que desempenha as funções das mós, e que se encontra por vezes nos espigueiros largos de Vila Nova de Gaia.

b) Corpo

180No corpo do espigueiro, distinguiremos, por seu turno, a base (lastro ou grade e soalho), o esqueleto (padieiras e soleiras ou traves, colunas ou prumos, e lintéis ou frechais), as paredes, portas, janelos e postigos (e modos de acesso a eles), e processos de cobertura.

1811) Base –A base do corpo do espigueiro pode consistir num lastro, ou numa grade com soalho, que pousam sobre as diversas formas de assento que acabamos de descrever; lastro e grade são ora de pedra, ora de madeira; e esta última por vezes mesmo de ambos os materiais conjuntamente.

Des. 51

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a – Lastro sobre pés transversais b – Lastro tosco assente em mesas de pedra (Vila N. de Paiva) c – Lastro formado por duas padieiras unidas; é frequente apenas no Marco de Canaveses. e em Oliveira de Frades, com as pontas escondidas por pequenas soleiras d – As colunas apoiam directamente sobre as mesas. É sistema vulgar por Amarante, Celorico de Basto, Vila Real, Boticas. É também adoptado no tipo de Oliveira de Frades, de colunas inclinadas (d’) e – As colunas assentam nas padieiras. É também sistema muito vulgar (Arcos de Valdevez, Monção, Terras de Bouro, Baião, Cinfães, etc.). No Caramulo (e’), as colunas intermédias apoiam-se apenas numa padieira, e não nas duas como costume f – Em alguns sítios as colunas assentam não só sobre as padieiras longitudinais, mas também sobre as transversais. Vulgar no Minho e Trás-os-Montes g – Recravas na união das padieiras. Muito vulgar no Minho h – Jazente (Amarante) – Um caso em que há padieiras transversais salientes sobre cada mesa, nas quais se fixam escoras de ferro

182Lastro – Dissemos atrás que quando o espigueiro é de pé maciço, a sua base é sempre um lajeado de pedra, ou lastro, que assenta directamente sobre esse pé; a mesma base usa-se também quando o assento é um compartimento e, em certos casos, em que o pé é transversal ou singelo com mesas ; e então as lajes são ora largas peças inteiriças que vão de parede a parede, pé a pé (des. 51-a), ou mesa a mesa, ou peças compridas duplas ou triplas emparelhadas, dispostas no sentido longitudinal (des. 51-c), que vão de topo a topo, ou, nos espigueiros com pés singelos ou transversais, cobrem pelo menos várias mesas. Este lajeado muitas vezes é mais largo do que o assento, formando cornija em saliência a toda a volta do edifício, a qual faz as vezes de mós ou mesas que normalmente impedem a passagem dos ratos para a câmara; e ora é em quina viva, ora tem a face superior boleada. Sobre o lastro esguem-se as colunas de pedra ou prumos de madeira do esqueleto, que adiante descreveremos; quando a cornija é boleada, esse boleado é muitas vezes interrompido nos pequenos sectores que correspondem à base das colunas, num belo efeito decorativo. Por vezes, vê-se um lastro de pedra também em espigueiros com pés singelos e mós, o qual assenta numa grade de padieiras de pedra; esse lastro não é saliente, nem sequer fica à vista pelo exterior, e repousa num ressalto talhado no lado interno das padieiras compridas, um pouco acima das mós (Lindoso) (des. 13). Em casos muito raros, como por exemplo certos espigueiros do Marco de Canaveses e das zonas serranas do Minho e Trás-os-Montes, o lastro é constituído por duas grossas vigas de madeira, encostadas uma à outra, e pousadas simplesmente sobre as mesas dos pés singelos ou transversais que constituem o assento (des. 52-j).

183Grade – Quando os espigueiros são de pés singelos ou transversais, com mós ou mesas, o corpo, na generalidade dos casos, ergue-se porém sobre uma grade ou caixilho de pedra ou de madeira.

184A grade de pedra66 é formada por quatro padieiras, mais ou menos grossas e aparelhadas, duas longas, dos lados, e duas curtas, ou soleiras, dos topos, ligadas umas às outras por variados rasgos e encaixes, por vezes diferentes no mesmo espigueiro (des. 51). As grades ou caixilhos de madeira são do mesmo modo formadas por duas vigas ou traves longitudinais compridas67, ligadas nos topos, e às vezes também em pontos intermediários (que então correspondem geralmente a outros tantos pés e prumos) por pranchões curtos e transversais a «meia madeira», «espigados» ou «emalhetados» (des. 52). Por vezes, as soleiras da grade, nos topos – e, acima dela, os prumos e todas as demais peças desses topos – são de pedra, mas as traves laterais são de madeira, com as pontas assentes então em rasgos abertos no fundo das colunas; em alguns casos mesmo (Campeã, Vila Real), essas soleiras são as próprias mesas largas que encimam os pés.

Des. 52 – A grade

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a – No cruzamento das traves ambas as pontas sobressaem (vulgar)
b – As pontas que sobressaem são curtas e recortadas (ex. Vila da Feira)
c – Traves emalhetadas, espigadas, ou a meia madeira (Celorico de Basto)
d – Só as traves compridas se prolongam. União espigada e cavilhada (pouco frequente)
e – Por vezes as traves compridas apoiam directamente nos pés singelos
f – É a trave transversal que serve de mesa, nela espigando a longitudinal. Menos frequente (ex. Paredes de Coura)
g – A grade apoia-se sobre uma mesa de madeira; espiga dupla. Pouco frequente (ex. Sobrado de Paiva)
h-Traves compridas fortes, unidas por transversais delgadas (ex. Marco de Canaveses)
i – Disposição característica do tipo da Beira Alta interior; a grande mesa de pedra especialmente vulgar em Vila Nova de Paiva
j – As duas traves compridas, grossas e deitadas ao baixo, formam o lastro. Frequente no Minho serrano e no Barroso
k – Jugo arqueado da região de Sátão
l – As traves, postas ao baixo, cruzam a meia madeira

185Quando o espigueiro é muito comprido, e as padieiras laterais de pedra ou as traves de madeira têm de ser compostas de várias peças seguidas e emendadas, a cada emenda correspondem outros tantos pés intermédios, singelos ou transversais. Sobre essas padieiras e traves, como sobre o lastro, erguem-se as colunas e prumos do corpo do espigueiro. nos cantos e por vezes em pontos intermédios – que coincidem também com emendas e com pés –, fixas àquelas igualmente de maneiras diversas (des. 51).

Des. 53 – A pedra e a madeira na construção dos espigueiros portugueses (pedra-preto; madeira-branco)

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a – Canastro de varas de planta redonda
b – Idem de planta rectangular
c – Espigueiro alto (Cabeceiras de Basto)
d – Espigueiro largo de paredes inclinadas (Gaia)
e – Idem de paredes aprumadas (Minho)
f – Espigueiro estreito de paredes aprumadas. Telhado vulgar e corpo todo de madeira
g – Idem de ripado horizontal
h – Espigueiro estreito, com grade de pedra e corpo de madeira
i – Grade e colunas de pedra, frechais e ripado de madeira
j – Idem, com colunas intermédias
k – Idem, com telhado de cápeas e guarda-ventos
l – Idem, com lintéis de pedra
m – Idem, com colunas de pedra, e traves e frechais de madeira
n – Idem, todo de pedra excepto o ripado
o – Esqueleto todo de pedra, telhado de cápeas, ripado de madeira
p – Espigueiro todo de pedra (Lindoso)
q – Tipo misto (Lindoso)
r – Espigueiro todo de pedra (Sena d’Arga)
s – Espigueiro de paredes inclinadas, tipo da Feira
t – Idem, tipo de Oliveira de Azeméis
u – Idem, tipo de Oliveira de Frades

186Nas padieiras de pedra, quase sem excepção, as pontas terminam, nos topos da frente e dos lados do espigueiro, a meio da largura das mós, mesas ou lajes, que encimam os pés; conhecemos apenas o caso de um espigueiro de Jazente (Amarante), em que as padieiras laterais eram interrompidas, sobre todos os pés, por padieiras transversais pousadas sobre as mesas, que sobressaíam amplamente para cada lado, constituindo outros tantos pontos de apoio das escoras que amparavam os diversos prumos.

187As traves de madeira apresentam-se diversamente nos vários casos: nos espigueiros largos, terminam todas quatro no ponto em que cruzam sobre os pés; nos espigueiros delgados, o mais frequente é elas prolongarem-se para fora depois de cruzarem, também sobre os pés, ora só as transversais – e estas, ora só as dos topos, ora, quando as há, também por vezes as intermédias (em geral para nessas pontas apoiarem as escoras) – ora só as compridas, ora umas e outras. Em certos casos só as traves compridas pousam em cima de pés, e as transversais assentam sobre elas; noutros, pelo contrário, são as transversais que pousam sobre os pés, assentando as compridas por cima delas. As traves compridas são postas ora ao alto, ora ao baixo em certas áreas serranas, apresentam uma grande espessura, deixando por vezes entre si apenas uma pequena frincha (des. 52).

188Na generalidade dos casos, é num rasgo aberto das padieiras da grade que firmam, em baixo, os balaústres de madeira do ripado; quando essas padieiras são de pedra, ou quando a base é um lastro, vêem-se às vezes pequenos sulcos perpendiculares a esse rasgo, que escoam para fora as águas da chuva que escorrem pelo ripado.

Des. 54 – Formas de assentamento do soalho

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189Soalho – Quando a base do espigueiro é um lastro contínuo de pedra (ou de madeira, nos raros casos em que este se usa), não existe soalho propriamente dito68, e as espigas amontoam-se directamente sobre esse lastro. Se existe grade de pedra ou de madeira, o soalho é necessário, e o barrotamento em que este assenta apresenta-se de várias maneiras, conforme os casos. No caso mais geral, quer a grade seja de pedra, quer de madeira, nas padieiras ou traves laterais assentam as pontas dos barrotes transversais, e sobre estes as tábuas do soalho, dispostas longitudinalmente (des. 54-a). Outras vezes, quando a grade é de pedra, vêem-se umas traves estreitas de madeira encostadas a cada padieira comprida e apoiadas também nas mós ou mesas dos pés, pelo lado de dentro, onde assenta o barrotamento (des. 54-b); há também casos em que, em vez daquelas duas traves de madeira, existe apenas uma, a meio das padieiras de pedra, e sobre esta assentam directamente as tábuas do soalho (Lamas de Olo, Vouzela, S. Pedro do Sul) (des. 54-c); outros, quando a grade é de madeira, as tábuas do soalho, curtas e dispostas transversalmente, pregam-se directamente sobre as traves; etc. Quando a grade é de madeira, os barrotes transversais69 assentam nas traves, entalhados, ou espigados; em alguns casos, todos os barrotes são espigados, e os espigões atravessam as traves e aparecem do lado exterior; mais frequentemente, porém, apenas um ou outro espigão se vê nessas condições, e os demais fixam-se às traves ora por espigões curtos, ora por entalhes (des. 52-d e g).

1902) Esqueleto – Os espigueiros apresentam sempre paredes planas, as laterais mais ou menos compridas, as dos topos mais estreitas. As paredes são constituídas fundamentalmente por um esqueleto estrutural de peças sólidas, que enquadra e sustenta os painéis com fendas de ventilação70, e as aberturas de acesso e descarga; elas são ora todas de pedra, excepto a porta (como sucede nos tipos do Lindoso e Soajo, Serra d’Arga e, em casos dispersos, em Sopo (Cerveira), Parada (Melgaço), etc. (des. 53-p e r), ora todas de madeira (ripado) (des. 53-c, d, f, g e s), ora de ambos os materiais (o esqueleto todo ou parcialmente de pedra e os painéis em ripado de madeira (des. 53-e, h, i, j, k, m, n, o e u).

191O esqueleto ou estrutura é constituído pelas peças horizontais inferiores (padieiras ou traves da base) já descritas, pelas peças verticais, colunas de pedra ou prumos de madeira, e pelas peças horizontais superiores, lintéis laterais e padieiras de porta, de pedra, e frechais de madeira.

192Colunas e prumos – Este esqueleto em muitos casos é todo de pedra; se a base é um lastro, as colunas elevam-se sobre eles (des. 51-a); se é uma grade, elas, as mais das vezes, erguem-se sobre as padieiras laterais, as dos topos nos cantos ou um pouco atrás (des. 5 l-e,f g e e’), as intermédias distanciadas convenientemente, geralmente a meio das emendas (des. 51-e), ou então junto à face dessas padieiras (des. 51-e’), que correspondem a pés igualmente intermédios; por vezes, porém, as colunas dos topos ou intermédias pousam directamente sobre as mós ou mesas, que têm então a face superior plana (des. 51 -d). Em muitos casos, as colunas apenas pousam nas peças de pedra da base, lastro ou padieiras. Em Oliveira de Azeméis e Cambra, é costume existir um espigão de ferro no lastro, onde firma a coluna; noutros casos, pelo litoral minhoto e principalmente na região do Caramulo, elas entram ou espigam numa caixa aberta nesse lastro ou padieiras, por vezes bastante profundamente. Nesta última região, em certas localidades (Macieira de Alcofra, Arca, etc.), os topos das padieiras e soleiras que formam os cunhais têm um rasgo em dente, vertical, onde encaixa a coluna, que pousa – e embute – na mesa; esses dentes, de ambas as peças, escondem a base da coluna, que parece simplesmente pousada na pedra (des. 32).

193As colunas de pedra são geralmente simples esquadrias facejadas, aparelhadas com maior ou menor esmero; em certas aldeias do Montemuro, como por exemplo em Relva, porém, elas alargam para baixo e para fora (des. 29-b); na zona interior confinante com a área litoral dos tipos de paredes inclinadas, pelo contrário, elas alargam para baixo e para dentro, certamente por influência dos tipos de Oliveira de Frades. Com frequência, as colunas dos cantos são mais largas do que as intermédias e, por vezes, só as extremidades alargam, nas faces laterais, formando uma espécie de base e de capitel em recorte, geralmente convexo, só de um lado, nas dos topos, e de ambos, nas intermédias (por exemplo, em Sande, Marco de Canaveses, onde o recorte é porém côncavo). As colunas intermédias, em certas zonas, são rasgadas; e, em casos mais raros, nomeadamente nos exemplares luxuosos da zona interior da Póvoa de Varzim, em Oliveira de Azeméis, etc., essas peças são lavradas com toda a perfeição, por vezes mesmo com riqueza de molduras e frisos decorativos, nos capitéis e base, onde não faltam até florões ornamentais.

194Tratando-se de prumos de madeira, quando a base é de pedra, eles ora cravam directamente nas peças dessa base, ora espigam num barrote pousado e firmado sobre elas. Quando a base é de madeira, os prumos espigam nas traves. No Marco de Canaveses, a travar o conjunto da armação, usam-se pequenos barrotes dispostos obliquamente nos cantos.

195Na generalidade dos casos, as paredes dos espigueiros são aprumadas; mas, na região litoral ao sul do Douro, elas são inclinadas para o lado exterior. No tipo de Oliveira de Frades, o espigueiro tem colunas de pedra, e apenas as paredes laterais são inclinadas; as colunas, nas faces de topo, geralmente estreitecem para cima, acentuando a impressão causada pela inclinação. Por vezes não existe inclinação real, e apenas essa forma das colunas dá tal impressão. Outras vezes, quando as torças são aprumadas, as colunas, inclinadas, endireitam na base, a enquadrar essas torças. Em Oliveira de Azeméis, as colunas são também de pedra, mas a inclinação é nas quatro fachadas; as colunas tomam uma forma especial, com a base, delimitada por uma moldura, ligeiramente em desvio, para compensar o desequilíbrio provocado pela sua inclinação. Em Vila da Feira e em Vila Nova de Gaia, a inclinação é igualmente nas quatro paredes, mas os prumos são de madeira.

196A inclinação das paredes que caracteriza os tipos do litoral ao sul do Douro, até ao Vouga e mesmo além deste rio, e que só aí ocorrem, mas com exclusão de quaisquer outros tipos, representa uma forma antiga e tradicional71 e é explicada de modo incerto, por razões díspares; na maioria das opiniões, essa inclinação constitui um sistema de protecção contra a chuva, que bate com muito maior violência nas paredes aprumadas; segundo outros, ela tem em vista sobretudo um melhor arejamento das espigas, sem prejuízo da capacidade do espigueiro, mais estreito em baixo do que os de paredes aprumadas, e mais largo no alto, onde as espigas arejam também por cima, permitindo, além disso, a entrada de uma pessoa carregada com um cesto. É evidente que somente a chuva pouco batida pelo vento deixa de fustigar as paredes inclinadas; mas é fora de dúvida que a parte batida é a inferior, mais estreita e por isso de arejamento mais fácil, enquanto que a superior, mais larga, está protegida pelo beiral, que é ali muito saliente; por outro lado, a parte superior também pode ser larga, porque o arejamento se dá não só pelas fendas do ripado, mas pela superfície superior das espigas. Seja como for, as primeiras razões apenas têm valor nos tipos onde a inclinação é muito acentuada, e deixam de o ter quando ela é ligeira, como sucede, por exemplo, no tipo de Oliveira de Frades onde, por vezes, ela mal se apercebe e, em certos casos, como vimos, é mesmo apenas ilusória.

197Parece pois tratar-se de um elemento acima de tudo consagrado pela tradição local, que pode ter sido sugerido originariamente pela forma das paredes dos velhos canastros de varas, e que conceitos funcionais, justificados ou não, apoiavam.

198Lintéis, padieiras de porta e frechais – As peças horizontais superiores do esqueleto podem ser de pedra – lintéis laterais e padieiras de porta, de topo –, ou de madeira – frechais. Os lintéis e padieiras de porta, isto é, as peças de pedra, apoiam sempre em colunas de pedra; as padieiras de porta são blocos inteiriços que, mesmo quando existem guarda-ventos, formam geralmente uma peça única com estes (fig. 12-4a) ; por vezes, porém, elas compõem-se de duas peças sobrepostas: a padieira propriamente dita sobre a porta – que no Lindoso e Soajo, em muitos casos, tem uma pala em saliência que abriga esta dos pingantes (des. 12-5) – e, pousada nela, a peça triangular que sustenta a trave do cume do telhado, ou que, sobressaindo acima deste, forma o guarda-vento (des. 12-4b); quando a padieira é uma peça única, ela é com frequência arqueada sobre a porta (des. 21), e mostra, na face lisa acima desta, quaisquer motivos decorativos. No sul do concelho do Marco de Canaveses, o tipo de cápeas e guarda-ventos tem, às vezes, nesta peça, um buraco redondo, onde enfia a trave do cume, cujos topos ficam à vista, muito salientes72 (des. 55-a). Nos espigueiros pequenos, os lintéis podem ser peças inteiriças, que vão de coluna a coluna, apoiando-se sobre elas ou num ressalto atrás das padieiras das portas, ou engrenando nelas de maneiras diversas, ora a meias pontas cortadas que vêm à face, de pé ou deitadas, de lados alternados, ora, por vezes, por sistemas complicados de rasgos combinados (des. 12-4; 24-u e b). No tipo de Caminha, as pontas dos lintéis – e, de resto, também, correspondentemente, a das padieiras de porta e, até, como veremos, as das cangas intermédias – assim engrenadas saem fora, mostrando pontas em moldura, de um belo efeito (figs. 105, 107). Quando, porém, o lintel é composto de várias peças seguidas, as suas pontas, ajustadas também de vários modos, apoiam em colunas intermédias.

Des. 55 – Trave do cume, frechais e prisão das colunas

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a – A trave do cume atravessa as padieiras dos topos (Marco de Canaveses); b – ligações do frechal às colunas; c – prisão do frechal pela cambota; d – prisão dos frechais com ganchos de ferro (Oliveira de Azeméis);
e – peça suplementar para a prisão das colunas, num caso especial de Arcozelo das Maias (Oliveira de Frades);
f – ligação de colunas, frechais e cambotas; g – encontros de frechal (Ponte do Lima)

199Nos tipos de espigueiros em que a cobertura é de lajes de pedra, no Lindoso, Soajo, Serra d’Arga e Caminha, essas lajes repousam em fortes peças de pedra, iguais às padieiras das portas, que vão de lado a lado do espigueiro e que levam o nome de cangas ; essas cangas marcam geralmente as juntas das peças seguidas do lintel, engrenando nelas igualmente por sistemas diversos e, por vezes, muito complexos de rasgos (des. 58). No tipo de Caminha, as pontas das padieiras das portas e das cangas, cortadas em baixo, e rematando em moldura, apoiam nas pontas das peças do lintel cortadas em cima, e, como dissemos, sobressaem formando uma cachorrada que se destaca contra a linha lisa do lintel e que enriquece notavelmente o aspecto do conjunto (fig. 105). Na Serra d’Arga, vê-se um elemento semelhante, mas mais tosco: as cangas, além desse rasgo, têm outros, nas suas faces largas, onde firmam as pontas das peças do lintel que elas interrompem (des. 17); etc.

200Nos lintéis, finalmente, quando as paredes são de ripado de madeira, existe geralmente um rebaixo do lado de dentro ou um rasgo a meio da face inferior, onde entram os balaústres daquele ripado.

201Os frechais de madeira vêem-se sempre que os prumos são desse material, seja-o igualmente a grade (des. 53–f) ou seja de pedra73 (des. 53-h). Mas mesmo quando os prumos são de pedra, por vezes os frechais são de madeira, quer quando são de pedra as fachadas dos topos mas as traves laterais da grade de madeira (des. 53-m), quer quando são de pedra todas as peças verticais e horizontais inferiores do esqueleto (des. 53-i, j e k); esta forma é mesmo extremamente corrente, e constitui a grande maioria dos casos dos espigueiros de cápeas e guarda-ventos e de ripado vertical com grade de pedra. Conforme aparecem associados a colunas de pedra ou a prumos de madeira, os frechais apresentam-se sob aspectos diferentes. Se o espigueiro é de colunas de pedra, o barrote do frechal ora entra em caixas ou rasgos abertos nessas colunas, especialmente nas dos topos, ora pousa num ressalto, mormente nas intermédias74; por vezes, existem na ponta das colunas espigões de ferro que entram no frechal; outras vezes, é o frechal que apresenta entalhes onde entram as pontas das colunas (des. 55-b); em Insalde (Paredes de Coura), Parada (Melgaço) etc., por vezes, o frechal passa por um buraco aberto entre a coluna e o lintel de topo, ficando com as pontas à vista, muito salientes (des. 56-n).

Des. 56 – Forma e fixação dos balaústres

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202Tratando-se de prumos de madeira, estes ora espigam nos frechais, ora, mais frequentemente, têm um entalhe pelo lado de dentro, no qual encaixa o frechal que fica corrido, à vista, pelo lado exterior. É nos frechais que engrena o ripado, o qual sofre a pressão da carga das espigas; por isso, a firmar, em cima, aquelas peças, as cambotas (além da sua função normal de sustentação do telhado, que adiante estudaremos), têm geralmente um dente de cada lado, em que entra o frechal, que fica assim firmado para o do outro lado (des. 55-c). Por vezes, em vez da cambota, essa função é exercida por peças de madeira simples; e esta solução vê-se também, quando em vez de frechais, se usam lintéis, ficando então essas peças de madeira apenas por cima das colunas e não no espaço entre elas75.

203O frechal é muitas vezes tapado, com uma tábua de vista nua ou ornamentada com molduras ou frisos denteados (Vila do Conde, Ribeiradio), (des. 38).

2043) Paredes – As colunas ou prumos, dos topos e intermédias, entre as peças horizontais do esqueleto, lastros, padieiras, traves e soleiras da grade, em baixo, e lintéis ou frechais, em cima, sustentam, enquadram e isolam os painéis de balaústres ou o ripado, com aberturas e fendas de ventilação, que constituem propriamente as paredes da câmara do espigueiro. Essas fendas e aberturas são verdadeiramente o objectivo fundamental do espigueiro, apresentando-se sob vários sistemas e formas, conforme os tipos e os materais com que são construídas as paredes.

205Distinguiremos três casos principais, conforme as paredes com fendas são de pedra, de madeira, e de tijolo ou cimento, que correspondem cada uma delas a técnicas de construção muito diferentes.

206Paredes de pedra – Em relação a estas paredes, distinguiremos por seu turno os casos de colunas com fendas verticais, e os de silharia, com fendas horizontais. O primeiro, além dos raros exemplos isolados, documenta-se principalmente nos espigueiros inteiramente de pedra do Lindoso e Soajo, e também da Serra d’Arga, nos tipos inteiramente de pedra; e nas paredes estreitas do topo traseiro dos de pedra e madeira de certas regiões. Essas colunas ou balaústres verticais apresentam-se de vários modos nas diversas regiões. Descrevemos já o sistema da sua construção no Lindoso e Soajo.

207Em Sopo (Vila Nova de Cerveira), o mesmo tipo encontra-se em dois casos isolados muito notáveis, de três quartéis ou «claros», compostos cada qual de duas peças, de quatro e cinco balaústres, menos largos contudo do que no Lindoso; estes balaústres mostram, também, como ali, a tira horizontal decorativa, que parece imitar a cinta de madeira dos espigueiros de ripado (fig. 71). Na Serra d’Arga, esses balaústres são grandes blocos de micaxisto grosseiramente desbastados e alisados, pousados sobre o lastro e enquadrados pelas colunas e lintéis geralmente de granito, nos quais se rasgam uma ou mais estreitas fendas vazadas, distantes umas das outras mais de 20 cm. Não raro, nem mesmo tais fendas existem, e a única ventilação faz-se pela junta de todas essas peças; vêem-se então enormes monolitos maciços, de forma quadrangular que, por vezes, bastam para encher um painel entre duas colunas (figs. 73/74).

208Frequentemente, em espigueiros cujo ripado é de madeira, a parede de topo traseiro é porém toda de pedra, com balaústres, fendas verticais, rasgos diversos, para arejamento, formando desenhos (designadamente, muitas vezes, nos tipos de guarda-ventos e cápeas da região de Vila Verde e Cabeceiras de Basto; na corda do rio Lima, de Viana do Castelo a Ponte do Lima, onde os guarda-ventos são muito baixos e decorados; em Lamas de Olo, etc.); ou mesmo, mais raramente (por exemplo em casos dispersos da Serra da Peneda, em Cubalhão), com silharia de fendas horizontais. Não raro, também as colunas intermédias, nesses mesmos tipos, são rasgadas, assemelhando-se estreitamente a um bloco isolado de balaústres; muitas vezes, designadamente no Lindoso, elas são mesmo um primitivo bloco dessa espécie, aproveitado ulteriormente pela substituição da pedra por ripado de madeira, em espigueiros originariamente todos de pedra. Devido à facilidade de remoção dessas peças, é também frequente verem-se portas rasgadas de novo nas fachadas largas, que vieram ocupar o lugar de vários balaústres; isto dá-se sobretudo em virtude de partilhas, em que o espigueiro é dividido e passa a pertencer a vários herdeiros.

209As paredes de silharia e fendas horizontais, frequentes na Galiza76, são muito raras entre nós. Já nos referimos a elas e aos aspectos que apresentam nos vários locais onde aparecem, quando tratamos dos espigueiros de pedra, deste tipo, do Lindoso.

210Paredes de madeira – Nos espigueiros com paredes de madeira, consideraremos, por seu turno, dois tipos principais, conforme as ripas (entre as quais se abrem as fendas de ventilação) se dispõem em sentido vertical ou horizontal77.

211Ripado vertical – Do mesmo modo que às peças de pedra que formam as paredes do espigueiro quando dispostas verticalmente, também às ripas de madeira nas mesmas condições se dá vulgarmente o nome de balaústres78; eles são travessas, geralmente de carvalho ou castanho, com cerca de 3 a 8 cm de largura, com espessuras de 4 a 6 cm, variáveis na razão inversa da largura, que se seguem uns aos outros, face contra face, mas de modo a deixarem entre si fendas de 10 a 20 mm79. Os mais largos vêem-se nas regiões serranas; e, em certos casos, em vez de ripas individuais, eles são formados por tábuas espessas nas quais abriram, a meio da largura, rasgos contínuos, de cima a baixo, ou interrompidos a meia altura, no lugar onde normalmente se vê a cinta (des. 56-a). Por vezes, os balaústres são peças de madeira de secção quase quadrada, dispostas de maneira a virarem uma para a outra uma aresta, e não uma face; outras vezes eles viram para fora uma aresta, mas interiormente a face é plana (des. 56-b). O afastamento entre os balaústres obtém-se em muitos casos, num recorte das próprias peças de madeira onde eles foram talhados, em cima e em baixo, da largura da fenda (des. 56-d); ou então por meio de pequenos tacos de madeira, com a largura requerida para as fendas, que se colocam entre elas em cima, em baixo, e a meio, na altura da cinta (des. 56-e); não raro, esses tacos são recortados e, na região de Esposende e principalmente pela zona interior da Póvoa de Varzim, aparecem alguns verdadeiramente rendilhados. Os balaústres, em cima, ora entram numa ranhura cavada nos lintéis ou frechais (des. 56–f), ora pregam à trave do frechal ou à face exterior de um rebaixo desta (des. 56-g), ora ainda ficam presos entre duas tábuas que pregam, por fora e por dentro, ao frechal; em Insalde (Paredes de Coura), Parada (Melgaço), etc., o ripado prende também ao frechal, que, como vimos, atravessa um buraco rasgado entre o lintel e a coluna (des. 56-n). Em baixo, ora entram, como em cima, numa ranhura aberta nas padieiras ou traves da grade (des. 56–j), ora pregam a um barrote que faz de batente80, cravado nas colunas e às vezes preso às padieiras por ganchos de ferro (des. 56-m). Nos espigueiros largos de boa facção, ao sul de Penafiel, é costume os balaústres serem cortados em bisel nas pontas, e pregados às traves da grade e frechais que têm as arestas esquinadas para esse efeito (des. 56-k). Em Marinhas (Esposende), os balaústres, em alguns casos, entram em dentes rasgados, pelo lado interno da câmara, no frechal e na grade (des. 56-i).

212Por quase toda a parte, o sistema tradicional da travação dos balaústres consiste numa cinta de madeira81, que firma nas colunas ou prumos do esqueleto, a meia altura, na maioria dos casos pelo lado exterior, mas muitas vezes pelo lado interior. Estas cintas ora apenas encostam pelos topos às colunas, ficando simplesmente pregadas ao ripado, ora entram em rasgos abertos, como se fossem trancas (des. 56-0 ); quando há prumos de madeira intermédios, elas emaIhetam nestes, e entram em caixas cravadas nas colunas (des. 56-p). Em casos mais raros, elas fixam-se às colunas por espigões de ferro. Pela região serrana da Lapa, Viseu e S. Pedro do Sul, usam-se duas cintas exteriores; nos espigueiros largos, ora duas, ora três; nos de paredes inclinadas, da Vila da Feira ao Vouga, e por Lafões e Caramulo, três. No tipo de Caminha, os balaústres não têm qualquer prisão no lastro e no lintel, de pedra, e são seguros apenas por três cintas interiores – uma a meio e as outras a cerca de 20 cm do lastro e do lintel – que entram em rasgos das colunas, pelo sistema das trancas. No Lindoso, onde, ao lado dos espigueiros inteiramente de pedra, também há muitos com ripado vertical de madeira, em alguns casos, a travação das cintas não existe, certamente porque a sua pequena altura a dispensa.

213Em certas regiões, além destas cintas, usa-se, para reforçar a prisão do ripado, uma série de cruzetas dispostas obliquamente e cruzadas, formando desenhos variados, umas vezes de cima a baixo dos painéis, outras acima e abaixo, ou só abaixo da cinta. Isto nota-se com particular insistência na Beira Alta, desde o Montemuro a Mortágua; e também por Amarante e Celorico de Basto a norte do Douro. Estas cintas, impedindo a descida da água da chuva, dão causa ao apodrecimento das madeiras, e por isso nota-se, em certas regiões, nomeadamente na zona litoral entre o Douro e o Vouga, a tendência para a sua supressão e substituição por cintas interiores; este último tipo de travação, contudo, não é recente, sendo não só conhecido no tipo de Caminha, como em velhos espigueiros de Vila Nova de Gaia.

214Para impedir que a carga das espigas provoque o afastamento das paredes do espigueiro, usam-se em certas zonas ganchos de ferro que agarram as paredes uma à outra82 e que se encontram quase sempre presos permanentemente a uma argola pregada numa delas, engatando para a outra apenas quando a carga das espigas chega a essa altura. E estes ganchos de ferro prendem-se a balaústres mais largos e fortes (Oliveira de Frades), aos prumos da porta (Vila da Feira), ou à intersecção das travessas cruzadas de travação (Celorico de Basto).

215Ripado horizontal – Quando as ripas estão dispostas horizontalmente, elas pregam, pelo lado de dentro, a uma série de barrotes postos a prumo83, espigados nas traves ou padieiras da grade e no frechal, e afastados uns dos outros cerca de 50 cm. A resistência das paredes é dada unicamente pelo grande número desses barrotes, porque as ripas84 são travessas delgadas, e geralmente de madeiras fracas; mas isto reduz extremamente o custo do espigueiro e explica que, não só na região onde coexiste com o tipo de ripado vertical, ele seja muitas vezes preferido, mas até que, em áreas exclusivas de ripado vertical, surjam pequenos exemplares pobres e dispersos, de ripado horizontal. Acresce que o sistema permite a fácil substituição de qualquer ripa que apodreça.

216Em Santo Tirso, para evitar que as aves comam o milho pelos intervalos das ripas, há espigueiros com ripado duplo, tendo o exterior menor número de ripas que o interior.

217De um modo geral, as madeiras, e sobretudo os ripados, encontram-se pintados apenas com uma camada lisa de vermelhão. Em algumas regiões, porém, tal como, por exemplo, Celorico de Basto, o ripado é aproveitado para uma singela decoração, apresentando-se com duas cores, uma delas geralmente o azul, dada nas cintas e cruzetas e, por vezes, até em certos sectores dos painéis.

218Paredes de tijolo ou cimento – Actualmente, por toda a área do espigueiro, aparecem, como dissemos, espigueiros com as paredes feitas de materiais não tradicionais, tais como o tijolo, o cimento, e outros ainda: na zona de Monção, usam-se tijolos com buracos, fabricados propositadamente na região; outras vezes, são os próprios tijolos vazados vulgares, que se colocam de topo para fora, de modo que o oco serve já de abertura de ventilação; outras, ainda, em Ovar por exemplo, essas aberturas resultam da disposição dos tijolos ou blocos, que formam desenhos com espaços entre eles; etc. Por outro lado, por exemplo em Crastos (Ponte do Lima), vimos um espigueiro metálico, em Penafiel, outro, com as paredes em rede metálica; etc. – que representam uma progressiva racionalização destas construções (figs. 147/148)85.

219Escoras – Nos espigueiros todos de madeira, de ripado tanto horizontal como vertical, com muita frequência os prumos dos topos e, menos frequentemente, também os intermédios, são amparados lateralmente por escoras86 lançadas de qualquer altura desses prumos às pontas das traves transversais da grade dos topos e intermédias correspondentemente, que para isso são prolongadas para fora. Por vezes, nomeadamente quando as traves da grade não cruzam, as escoras firmam-se nas próprias mesas de pedra ou até mesmo nas mós que encimam os pés; e vimos em Jazente um exemplo em que a grade era de pedra e mostrava, sobre cada pé, padieiras transversais cruzadas, muito longas e salientes, onde firmavam as escoras, lançadas de todos os prumos.

220Nos espigueiros de ripado vertical, geralmente de uma construção sólida, as escoras faltam em muitos casos; mas elas vêem-se quase sempre nos de ripado horizontal, certamente porque a construção destes, muito fraca, as exige. As escoras partem ora de meia altura dos prumos (Valença, Paredes de Coura, etc.); ora do alto, junto ou um pouco abaixo do frechal (Sobrado de Paiva, Serra da Lapa, etc.). Na maioria dos casos elas são simples barrotes, por vezes um pouco encurvados; mas em certas zonas (Celorico de Basto), especialmente quando as mesas dos pés são pouco salientes, divulgam-se ultimamente as escoras de ferro, cuja firmeza maior supre a falta de inclinação. E na Póvoa de Varzim, estas escoras de ferro, curvas e desenhando espirais, com o nome de mãos de força, firmam no pé maciço ali usual (des. 57-a). Em Nine, para evitar que o espigueiro ceda lateralmente, usam-se por vezes esquadros de madeira, recortados, assentes nas pontas cruzadas das traves, nos dois lados das bases dos prumos de topo, que os reforçam (des. 57-b) ; e já vimos, no Marco de Canaveses, as pontas dos barrotes oblíquas, entre dois caibros, que amparam as bases destes, encostadas ao ripado.

221Em casos mais raros, nomeadamente por Paredes de Coura, Ponte da Barca e Ponte do Lima, usam-se escoras que amparam as pontas salientes dos frechais do telhado, e que partem também de meia altura dos prumos dos topos, mas para cima e para a frente; chamam-lhe em Paredes de Coura encontros do frechal ; estas escoras podem mesmo coexistir com as escoras laterais correntes, a partir dos mesmos prumos, mas para lados diferentes (des. 55-g) ; e em Gemeses (Esposende), vimos estas escoras lançadas dos prumos, dos topos e intermédios, para o lado, amparando a linha do beiral.

Des. 57

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a) Mãos de força (Póvoa de Varzim); b) esquadros (Nine)

222Acesso à câmara das espigas – Portas87 – Normalmente, os espigueiros têm uma só porta. Nos espigueiros estreitos, na maioria dos casos, ela situa-se numa das fachadas de topo. Em certos tipos e regiões, porém, como por exemplo em Vila da Feira, em muitos casos de Caminha e da Serra d’Arga, em Valença, na corda do rio Lima, de Ponte do Lima a Viana do Castelo, etc., é característica ou frequente a porta num dos lados compridos; e, em casos esporádicos, esta localização encontra-se por toda a área do espigueiro, alternando com a localização no topo. Quando a porta se situa numa fachada comprida, em obediência a um tipo local, ela fica geralmente a meio, numa disposição simétrica. Em casos mais raros como, por exemplo, nos altos da Serra d’Arga, esse estilo mostra a porta um pouco puxada a um dos lados. Em certos tipos e exemplos aparece contudo mais do que uma porta, e neste caso, a forma mais corrente mostra uma porta em cada topo; assim sucede, por exemplo, com certa frequência, no Marco de Canaveses, em Paredes de Coura, em Valença, no Couto de Cocujães, etc. Por vezes, porém, a porta normal é de topo, e a suplementar fica numa das fachadas compridas; e, mais raramente, podem mesmo ver-se as várias portas todas situadas nas fachadas compridas. De um modo geral, existe mais do que uma porta quando o espigueiro é muito comprido, ou quando há vantagem em isolar compartimentos, para armazenagem de cereal de várias qualidades ou donos; é este nomeadamente o caso quando, em consequência de partilhas por herança, o espigueiro, de entrada de um só, passa a pertencer a várias pessoas, que nele estabelecem divisórias internas, com as respectivas portas, que rasgam em qualquer altura das paredes, alterando a traça primitiva do espigueiro88. Neste caso, a distribuição da porta ou portas suplementares é perfeitamente atípica, e sem qualquer regularidade.

223Nos espigueiros largos dos tipos de Penafiel e Gaia, por seu turno, a porta rasga-se a meio de um dos lados menores, em frente ao corredor que separa os dois «quartéis». Nestes mesmos tipos, em certos casos, de resto raros, existe também uma segunda porta em frente a esta, na extremidade oposta do corredor.

224Nos espigueiros altos, não existe porta propriamente dita: em ambos os tipos, de Cabeceiras de Basto e de Alcobaça, a carga faz-se geralmente por cima, girando então o tejadilho em dobradiças fixas ao cume ou no alto das pernas; no tipo de Cabeceiras, vê-se também por vezes um janelo, que abre para baixo, a meio da altura do ripado.

225Nos espigueiros incorporados em sequeiras, as portas são geralmente interiores, dando para a sequeira, e ficam ora no topo, ora a meio do ripado que isola o espigueiro propriamente dito; e constam as mais das vezes apenas de tábuas que se vão sobrepondo à medida que o nível das espigas vai subindo dentro do espigueiro (tal como sucede nos espigueiros vulgares, a seguir à porta) e que, para mais completo arejamento, deixam entre si um intervalo razoável (muitas vezes uma ou duas fiadas de espigas postas de topo). Por vezes, como por exemplo nos espigueiros desta categoria anexos aos grandes varandões da região de Barcelos, o espigueiro, além dessa porta interior, tem outra, exterior, que dá para o topo frontal do espigueiro, virado à eira.

226As portas dos espigueiros são sempre de madeira, e de uma só folha; a sua largura é variável; em todas as circunstâncias ela é estreita, mas suficiente para dar passagem a uma pessoa com um cesto de espigas à cabeça. Nos espigueiros estreitos, e quando situadas nas fachadas dos topos, elas ocupam toda essa fachada (além das peças do esqueleto onde elas se articulam), e as suas dimensões dependem das próprias dimensões do espigueiro; excepcionalmente, porém, em Parada (Melgaço), onde os espigueiros atingem uma largura muito grande – 1,80 m, exteriormente –, vimos um caso em que entre a porta e a coluna do cunhal, de cada lado, há uma coluna intermédia, formando dois balaústres de pedra. Elas são normalmente quadrangulares ; mas em muitos casos, nomeadamente nos tipos de cápeas e guarda-ventos, o seu lado superior, todo ou só a meio, é arquedo, aproveitando a maior altura das padieiras de pedra; e nos tipos estreitos de paredes inclinadas, ao sul do Douro (e mesmo naqueles de paredes aprumadas em que as colunas estreitecem para cima), acompanhando essa inlinação, elas são consideravelmente mais estreitas em baixo do que em cima, e só aí é que têm a largura suficiente para a passagem dos cestos89.

227Nos espigueiros portugueses, nunca existe verdadeiramente uma plataforma, nem geralmente qualquer abrigo especial para a porta, além do remate natural do telhado, beiral ou entablamento, que pode por vezes ser um pouco saliente90. No Lindoso e sobretudo no Soajo, em muitos casos a padieira superior, de pedra, sobre a porta, mostra uma pala saliente, que apenas a protege parcialmente (des. 12-5). Em alguns espigueiros com portas abertas a meio da fachada comprida lateral, vê-se sobre estas uma pequena ala lateral do telhado (de duas águas) que parte do cume para a abrigar (fig. 102).

228As portas ora são maciças, de tábuas a prumo ligadas por travessas, ora, menos vulgarmente, de balaústres ou ripas, como as paredes; em Oliveira de Frades, esses balaústres entalham no caixilho da porta em rasgos em forma de bico. Essas portas de balaústres encontram-se nomeadamente numa área que circunda a serra do Caramulo, por Tondela e Mortágua, sendo os balaústres das portas travados por cruzetas como nos ripados; e também em exemplos vários nos concelhos de Vila Verde e Ponte da Barca, onde essas travessas podem ser dispostas em diagonal.

229As portas dos espigueiros geralmente não possuem qualquer decoração digna de nota; como o ripado, elas em geral são apenas pintadas a vermelhão. No concelho da Ponte da Barca, porém, aparecem com muita frequência portas ornamentadas, com motivos variados, entalhados e policromados, mormente símbolos religiosos e datas (figs. 157/162); e, na região de Barcelos e da Póvoa de Varzim, do mesmo modo que todo o espigueiro, as portas mostram grande profusão e opulência de motivos decorativos, igualmente entalhados e, por vezes, vazados (figs. 109, 111, 150/151). No Lindoso, elas são por vezes ornamentadas, mas essa decoração é pobre; em alguns casos, vê-se na travessa superior, como motivo, o sol.

230Nos espigueiros do tipo de Marco de Canaveses, não existe propriamente porta, e a abertura de carga reduz-se a um janelo na metade superior da cabeceira, ficando a inferior permanentemente fechada por um ripado; isto torna desnecessária a vedação progressiva de tábuas que, como dissemos, geralmente se vão colocando umas sobre as outras, a seguir à porta, à medida que se vai enchendo o espigueiro91. Essas portas – como de resto também a parte fixa que lhes fica por baixo – são igualmente feitas de ripas, e não de tábuas corridas.

231Postigos de descarga – Em certas regiões é corrente haver, nas paredes do espigueiro, pequenas aberturas munidas de portinholas de correr, destinadas à descarga das espigas. Estes postigos podem ver-se por Ponte do Lima, pelo Marco de Canaveses (fig. 120, 122), onde são muitas vezes guarnecidos de abas de madeira, etc. Pelo sul dos concelhos de Paredes e Penafiel eles aparecem com frequência aplicados aos espigueiros largos, e vêem-se então aos pares, nos dois cantos inferiores da fachada que dá para a eira, correspondendo aos dois quartéis em que a Câmara se divide (fig. 139).

232Onde porém os postigos aparecem com carácter mais regular e uniforme é nos espigueiros de paredes inclinadas da área de Oliveira de Azeméis, abertos não no ripado, mas no próprio pé maciço que lhe serve de assento. Estes postigos em muitos casos foram substituídos ultimamente por outros rasgados no fundo do ripado, porque aqueles situavam-se demasiadamente baixo para deixarem cair as espigas na malhadeira mecânica, de uso geral actualmente. De todas estas formas de postigo nos ocupámos quando descrevemos os vários tipos de espigueiro (fig. 127).

233Por sua vez, nos espigueiros altos de Cabeceiras de Basto e Alcobaça, a descarga faz-se por um postigo ou portinhola abertos no fundo de uma das faces (fig. 145).

2344) Telhados – Conforme a sua forma e estrutura, e o material de que são feitos, os telhados dos espigueiros podem ser de duas ou quatro águas (ora de duas compridas e dois pequenos «rodos», ora de quatro iguais ou aproximadamente iguais), e de palha, de telha caleira ou Marselha, piçarra, pedra, madeira, cimento ou mistos.

235Nos espigueiros largos, a forma tradicional e mais antiga de cobertura, até uma certa data, parece ter sido o telhado baixo de quatro águas; no tipo de Penafiel essa forma mantém-se, e o telhado é frequentemente piramidal, de quatro águas iguais; no tipo de Gaia, existe sempre uma linha de cume, as mais das vezes muito curta, apenas com alguns decímetros. Recentemente, a divulgação de um certo estilo estritamente utilitário determinou, especialmente na área a leste e a sul do Porto, o predomínio progressivo de um telhado de duas águas com muita inclinação. Nos espigueiros de planta estreita, ocorrem, simultaneamente, como formas tradicionais típicas e antigas, telhados de duas e de quatro águas (duas compridas e dois rodos nos topos), conforme os casos, os tipos e as regiões. De um modo geral, os espigueiros da zona litoral ao sul do Douro, do tipo de Vila da Feira e Oliveira de Azeméis, e também os de Esposende e ainda de outras áreas, têm telhado de quatro águas. Nestes vários tipos, largos ou estreitos, com quatro águas e telha de Marselha, são frequentes os remates do cume em pináculos de barro. Nos telhados de duas águas, estas podem ser corridas de lés a lés sobressaindo nos dois topos, ou terminarem aí, de encontro às paredes, elevadas, desses topos, que formam guarda-ventos e cápeas92. A primeira forma ocorre sempre nos espigueiros todos de pedra, do tipo do Lindoso e Soajo e Serra d’Arga, em que a cobertura é de lajes de granito, e nos de madeira, quando não são de quatro águas; ela parece ser desde há muito adoptada em Valença, Paredes de Coura, Marco de Canaveses, na maior parte dos casos da Beira Alta, etc. E já falámos do caso, raríssimo entre nós e pouco frequente mesmo na Galiza, em que, nesta forma, se vê uma pequena aba que sai a meio do cume da água frontal, formando um tejadilho em bico sobre uma porta aberta a meio da parede comprida desse lado (Paredes de Coura, Tarouquela, Valença, etc.). A saliência do telhado fora das cabeceiras dos espigueiros delgados é vulgarmente grande, pedindo por vezes um grande esforço aos frechais. Para os ajudar, empregam por Ponte do Lima e Ponte da Barca os «encontros», que são pequenas escoras lançadas da ponta destes aos prumos dos cunhais.

236A segunda forma – com guarda-ventos e cápeas – que aparece apenas nos espigueiros em que pelo menos as paredes do topo são de pedra, encontra-se mais ou menos por toda a região montanhosa a norte do Douro, na área que atrás indicámos. Estes telhados com cápeas e guarda-ventos elevados constituem um sistema tradicional e muito antigo de construção, vulgar na casa típica de muitas zonas graníticas serranas do norte do País, e que se encontra mesmo na cobertura das pequenas capelas românicas do Noroeste93.

237Nos espigueiros da região do baixo Lima, os guarda-ventos são muito pouco elevados e constituem eles próprios as cápeas, que se reduzem a uma simples moldura saliente; e o conjunto tem apenas fim decorativo. Entre Viana do Castelo e Caminha encontra-se um outro género de telhado com cápeas, em que estas ficam ao nível das telhas, fazendo lembrar as lousas que nas terras xistosas capeiam o alto das empenas, e sobre as quais assenta a primeira fiada das telhas. E é mesmo de admitir que seja essa a sua origem.

238Nos telhados de duas águas, a armação é geralmente constituída, como a de qualquer habitação local, por frechais, cume, caibros e ripas. Mas cada par de caibros é muita vez substituído por peças únicas lançadas entre os dois frechais, as quais levam então o nome de cambotas. Como vimos atrás, estas cambotas, além da sua função normal de sustentação do telhado, fazem também a prisão dos frechais e das colunas uns contra os outros, impedindo o seu afastamento.

239As cambotas têm uma forma geral triangular, com um rasgo no vértice superior para a trave do cume (sempre que este existe), e outro em cada ponta para os frechais. Na Beira Alta, as dos topos têm a face inferior recortada em arco; a da porta tem-na lisa; e as intermédias, do interior da câmara, são arqueadas em ângulo. Na zona norte, as da porta são muitas vezes arqueadas, e as demais são ora um pau grosso encurvado, ora duas pontas de barrotes pregadas, formando ângulo.

240Estas cambotas dão em certos lugares um aspecto particular aos topos dos espigueiros, como acontece por toda a zona desde Castro Daire a S. Pedro do Sul, e pelo Caramulo. Nesta região, usa-se um grande número de cambotas, que faz no geral dispensar a trave do cume. Em muitos outros sítios a beira do telhado, nos topos do espigueiro, é rematada e protegida por uma tábua de testa, direita ou recortada. Mas há zonas em que não existe tal remate, e as telhas apresentam-se nuas e desamparadas (ex.: Ponte do Lima, Ponte da Barca).

241Em alguns espigueiros mais estreitos do tipo de Caminha, usa-se um sistema particular do assento das telhas, em que a armação ficou reduzida ao cume que se apoia nas cangas de pedra; cada água é formada por duas fiadas de telhas: a de baixo assenta sobre o frechal ou lintel, formando beiral e a de cima apoia entre esta e o cume (des. 25-c).

242Num outro tipo especial de armação, muito usual sobretudo na Beira Alta, não existem ripas, e as telhas, caleiras, postas ao baixo, pousam entre dois caibros, que por isso são em grande número e convenientemente distanciados; as fiadas ao alto alternam com estas, sobre os caibros, com o aspecto dos telhados vulgares; as pontas dos caibros ficam assim à vista, por baixo do beiral (des. 28).

243O material de cobertura mais corrente outrora foi porventura o colmo, e ainda hoje não é raro, especialmente pelo Barroso, Montemuro, Estremoz, etc., e nos espigueiros estreitos aparece naturalmente associado aos telhados de duas águas; nos espigueiros largos, de telhados de quatro águas, da região de Penafiel – onde esse material é ainda muito corrente nos telhados das casas – ele usa-se também, por vezes, ao mesmo tempo que um capeado raso de lousa. Actualmente, por toda a parte predomina a telha, caleira e, mais modemamente, de Marselha. Mas, além dela e do colmo, usa-se ainda o xisto ou a lousa, o granito, o cimento e ainda outros; e em muitos casos mais do que um destes materiais ao mesmo tempo.

244As coberturas de lousa são correntes nas áreas de solo xistoso, com o cume tapado por telhas, torrões ou telhões de granito (espécie de caleiras invertidas).

245O granito usado pelo Soajo, Amarela, Arga, Viana do Castelo e Caminha, parte norte do Marão, etc., é de emprego já antigo (no Lindoso o espigueiro de data mais recuada é de 1799, e é já coberto com lajes de granito e, no Soajo, há um assim datado de 1762).

246O lajeado de lousa (Lindoso) ou as lanchas (Serra d’Arga) apoiam as suas extremidades laterais em peças arqueadas de pedra, cangas (Serra d’Arga), jugos (Lindoso), assentes nos lintéis; em certos casos, nomeadamente do tipo de Caminha, em Parada (Melgaço), etc., a ponta das cangas é mais alta do que os lintéis, e entre as lajes da cobertura, nelas assentes, e esses lintéis, fica uma fenda horizontal, que constitui mais um elemento de ventilação. Mais recentemente, estas cangas muitas vezes são de cimento. Em casos mesmo antigos dos tipos de Caminha e da Serra d’Arga, usam-se lanchas de pedra que vão de lintel a lintel, cobrindo a largura toda do espigueiro, e dispensando as cangas; estas lanchas são arredondadas na face inferior, formando uma espécie de abóbada contínua, que faz o tecto da câmara.

247Os cumes e as juntas laterais das lanchas são recobertos por outras peças de granito, em meia cana invertida, cuja face inferior, côncava, pousa nas duas peças; no cume, por vezes (no tipo de Caminha, em Parada, Melgaço, etc.), sob aquelas, há ainda outra pequena peça estreita, que faz de fecho entre as lanchas das duas vertentes. Recentemente, as juntas, mormente as laterais, são apenas cimentadas. Nos topos, atrás e à frente, sobre peanhas ou pedestais decorativos que rematam os cumes, vêem-se ornatos diversos – cruzes, pináculo, estátuas, relógios de sol, etc. – por vezes de grande riqueza. E no Soajo vê-se, em certos casos, uma espécie de guarda-ventos, pousados sobre o capeado, de cada lado, que amparam essas peanhas (des. 14-a).

248A folha de zinco não se vulgarizou, aparecendo apenas num ou noutro exemplar. A placa de cimento, pelo contrário, está a ser adoptada em todas as zonas mais progressivas, cobrindo espigueiros estreitos e espigueiros largos.

249A inclinação dos telhados está longe de ser uniforme, atingindo em certas áreas pendentes mínimas (ex.: Lafões). A saliência dos beirais também varia de região para região, chegando a atingir perto de 70 cm (Caramulo) e cerca de 20 em alguns de Viana do Castelo – as coberturas de pedra desta região por vezes saem fora dos lintéis menos de 15 cm.

Des. 58

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a b – Ligações das cangas às padieiras.
c d– Lamas de Olo e Anta (Mondim de Basto); casos especiais de telhado de granito

250Acessos à porta – O acesso à porta do espigueiro no caso normal e geral, é exterior e, as mais das vezes, sobretudo nos exemplares pouco altos, consiste apenas numa ou mais pedras toscas, soltas e encasteladas, que fazem de degrau em frente à porta do espigueiro94. Quando a entrada das espigas fica muito elevada, é necessário usar-se qualquer patamar intermédio ou escada, que geralmente é móvel e se encosta ao corpo do espigueiro, ao lastro ou à grade. É este último o caso dos espigueiros altos, e, de um modo geral, de quaisquer espigueiros dos tipos comuns, que por regra ou casualmente, tenham um assento alto. Essa escada é quase sempre de um tipo comum, mas às vezes é feita propositadamente e tem a medida certa para o fim a que se destina. Ela mostra então dois ganchos em cima, que entram em olhais correspondentes, fixos à grade do espigueiro, em frente à porta.

251Nos espigueiros da região do Marco de Canaveses, essa escada é normalmente necessária, mesmo quando os pés são baixos, visto que não existe porta propriamente dita, e a entrada das espigas se faz por um janelo elevado; essa escada é por vezes muito rudimentar, uma simples rampa de tábuas a que se pregam barrotes transversais. Nesta mesma região, vê-se também com frequência uma pequena tábua pregada às pontas salientes das vigas compridas, na face de topo, fazendo de estreito patamar onde se pousa o cesto das espigas. Essas mesmas soluções, improvisadas e precárias, encontram-se noutros lugares, nomeadamente onde não abunda a pedra e os espigueiros são de madeira.

252Em casos mais raros, os sistemas de acesso à porta, patamares ou escadas, são fixos; por vezes, é o próprio soco, quando existe, ou muro em que apoiam os pés, que servem de degraus; outras, há uma pequena pedra alta ou um pequeno muro tosco, encostado ao pé, em frente à porta; outras ainda, em qualquer muro ou edifício vizinho assenta-se uma grande laje de pedra, em situação idêntica. Finalmente, em alguns casos, vê-se uma escada de pedra que sobe à altura da porta, mas que é separada do espigueiro e fica a uma distância suficiente para que os ratos não possam passar (Sande, Marco de Canaveses).

253Excepcionalmente, os sistemas fixos de acesso integram-se na estrutura do edifício; assim, por exemplo, nos espigueiros do tipo de Oliveira de Azeméis, com um pé maciço muito alto onde se abrem postigos de descarga, usam-se, por vezes, a cerca de meio metro abaixo do lastro, na face do topo frontal do pé, uma laje saliente formando mísula ou patim suspenso, que serve para se pousar o cesto carregado de espigas que outra pessoa, em cima, despeja no espigueiro (des. 49-b)95; e, por outro lado, no espigueiro de carácter monumental de Beiriz (Póvoa de Varzim), a que já aludimos, a escada de acesso, com cerca de 20 degraus, faz parte de um enorme pé maciço, que ela prolonga, com a mesma largura que ele, no sentido longitudinal, terminando a cerca de meio metro abaixo do lastro do espigueiro, para impedir a passagem dos ratos (des. 49-c e fig. 110).

254Nos espigueiros incorporados nas sequeiras, o acesso à porta do espigueiro faz-se naturalmente pela escada de acesso ao piso superior da sequeira; e essa é ora interior, ora exterior.

Elementos ornamentais do espigueiro

255Talvez porque a função exclusiva do espigueiro é a armazenagem do cereal que representa o pão da casa até à próxima colheira e o prémio da labuta de todo o ano, em que perdura um remoto sentido mítico de fertilidade, a ele se liga obscuramente um significado que transcende a mera utilidade dos celeiros, e a sua concepção e realização são objecto de esmeros especiais. De facto, em contraste com a extrema rudeza, simplicidade e pobreza dos restantes edifícios rurais, anexos de lavoura e mesmo casas de habitação, os espigueiros distinguem-se e sobressaem notavelmente, não só pelo seu aspecto geral e singularidades de estrutura, solidez, simetria e perfeição de uma construção elaborada e complexa mas, além disso, pela harmonia das suas linhas e proporções e não raro mesmo pela riqueza e profusão de ornatos, constituindo sempre de um modo geral (e à parte apenas certos casos extremamente pobres, precários e improvisados, nos níveis inferiores de facção) uma nota graciosa e cuidada no conjunto da paisagem rural. Sob este ponto de vista, merecem atenção particular, entre outros, os espigueiros do tipo de Caminha, com lintéis cruzados, de pontas emolduradas, cangas salientes formando cachorrada, sobre as quais assentam as lajes lisas e finas da pedra de cobertura, de uma grande pureza clássica que os torna semelhantes a pequenas edículas romanas, ou os esbeltos espigueiros de paredes inclinadas dos tipos de Sever do Vouga e Oliveira de Azeméis, de forma tão original, e de um equilíbrio perfeito; ou ainda – e principalmente – os poderosos e rudes espigueiros do tipo do Lindoso e Soajo, os mais belos de todos, que em si mesmos representam já peças notabilíssimas de cantaria – e onde de resto abundam elementos decorativos propriamente ditos muito formosos –, cuja expressão arcaica mais se avoluma, nessas zonas serranas, pela sua disposição em grupos isolados ao lado das povoações, como grandes necrópoles de qualquer velha civilização, e que, como atrás dissemos, constituem um dos aspectos mais sugestivos das nossas aldeias nortenhas96.

256Acresce que muitos dos elementos estruturais do espigueiro, desde os pés e as mós ou mesas, aos balaústres e cruzetas, disposição de cangas e cambotas e sistemas de coberturas, que animam a sua arquitectura, considerados isoladamente e em algumas das suas variantes, são com frequência de um acabamento mais ou menos elaborado que as valoriza esteticamente, e que vai desde um simples aperfeiçoamento até à sua transformação em verdadeiros elementos decorativos, em que o ajustamento funcional e o trabalho artesanal se confundem com a ornamentação, ou em que esta se adapta ou sobrepõe àquele, testemunhando dessa intenção e preocupação de enriquecimento do edifício, e do sentido espontâneo e inconsciente de beleza por parte dos seus construtores.

a) Forma e acabamento de certos elementos estruturais

257Entre os elementos decorativos propriamente ditos, contam-se, numa primeira categoria, por vezes muito singela ou simples, a forma e acabamento de certas peças estruturais, próprias de determinados tipos ou regiões, em que aparecem em exemplos isolados, e que podem ser de pedra ou de madeira. Neste último caso temos, por exemplo, as pontas dos caibros dos telhados, formando o beiral, que são muitas vezes recortados à serra, repetindo o que se passa nos beirais dos telhados das casas de habitação, tanto no processo como nos desenhos (des. 38); as tábuas de testa, que rematam os topos dos telhados de duas águas, que são também igualmente muitas vezes recortadas (em S. Bartolomeu, na Serra do Viso, entre Fafe e Celorico de Basto, há exemplos dessas tábuas, muito bonitas; e em Sever do Vouga, vimos casos em que esse recorte é um denteado perfeito, a toda a volta); as cruzetas que fazem a travação exterior dos balaústres, e que, simples caibros sem ornatos ou quando muito com qualquer rincão corrido, cruzadas em diagonal, ora de cima a baixo do corpo do espigueiro, ora acima e abaixo da faixa central, ora só abaixo desta, ora em sectores isolados, desenham, nos painéis de ripado, figuras geométricas ornamentais, por vezes pintadas a cores – azul, branco, etc. – em destaque contra o vermelhão do fundo (des. 59)97, etc. Num nível mais elaborado, e ainda em trabalho de madeira, tal é também o caso das ricas molduras denteadas ou com outros lavrados que recobrem, por vezes, os frechais ou os barrotes onde firmam os balaústres, de que vimos um caso muito expressivo em Ribeiradio (des. 38); tal o é o das cintas de travação que, não raro com rincões ou singelas molduras, são do mesmo modo às vezes entalhadas com frisos decorativos; tal o é ainda o dos finos tacos rendilhados que se usam na região de Vila do Conde entre os balaústres do ripado; etc.

258E, porém, nas peças de granito que os acabamentos com intenção ornamental tomam aspectos mais notáveis; é o desenho rebuscado dos pés singelos, cónicos, abaulados, prismáticos ou piramidais, em paralelepípedo esguio, com as quinas cortadas só a meio, de modo a formar uma espécie de coluna com capitel e base (des. 48); as mesas lavradas, de topos arredondados e faces boleadas (des. 50); os lastros igualmente boleados, deixando por vezes em quina viva o sector onde pousam as colunas; as colunas de canto ou intermédias, desenhando também uma espécie de base e capitel em meia curva, côncava ou convexa, tal como nas casas de habitação; as coberturas de lajes finas e primorosamente lavradas, rematando, no cume, com telhões de granito em meia cana; as molduras lavradas, das bases e capitéis das colunas, das cápeas ornamentais dos espigueiros da região do baixo Lima (fig. 154), e de tantos outros elementos; as peças de cantaria que formam os balaústres e colunas de espigueiros do tipo do Lindoso e Soajo, de Sopo, da Peneda, com fendas rasgadas por vezes em desenhos complexos e ricos; os vazados – círculos, rosetas, ou outros – que repetem motivos simbólicos por vezes muito arcaicos e que são também fendas de ventilação, e que se vêem muitas vezes no frontão, nas paredes traseiras ou até nas colunas intermédias dos espigueiros daqueles tipos; etc.

Des. 59 – Cruzetas de travação do ripado

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1 – Pinheiro, Castro Daire
2 e 3 – Oliveira de Frades
4 e 5 – Gozende, Lamego
6 – Negrelos, S. Pedro do Sul
7 – Alhais, Vila Nova de Paiva
8 – Tecla, Celorico de Basto
9 – Marco de Canaveses – Travações do ripado
por baixo da meia porta

b) Ornamentos específicos

259O desejo de valorização e embelezamento do espigueiro vai porém mais longe do que esse mero afeiçoamento das suas peças estruturais e, em certos casos e regiões, determinados elementos, que a tal se prestam de modo mais conveniente, são normalmente aproveitados para aplicação de ornamentos específicos, completamente autónomos e independentes de qualquer função utilitária material, e que revestem mesmo, por vezes, formas muito notáveis. Esses ornatos específicos podem, por sua vez, ser de duas espécies principais: entalhados, insculturas ou esculturas, em pedra ou madeira; e pinturas, sobre certas peças de madeira.

Des. 60

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a – Terras de Bouro, Vilarinho da Furna – Padieira decorada
b – Monção, Barbeita – idem
c – Cambra, Currais – Topo frontal decorado de um pé maciço (pedra)

1) Entalhados, insculturas ou esculturas

260I) Em pedra – Entre os ornatos lavrados, nas peças de pedra, e à parte um ou outro raro motivo em certos tipos de pés singelos (por exemplo os pingentes nas quinas cortadas, em Macieira de Alcofra, na Serra do Caramulo (des. 48), e frisos, molduras, fendas, óculos rendados, e outros motivos, em lintéis, cápeas, balaústres e colunas, que já referimos, contam-se medalhões ou silvas, com datas, iniciais, nomes, símbolos religiosos e diversos, a cruz, o sagrado coração, o sol, etc., insculpidos nas padieiras das portas (fig. 156; des. 60, a e b; e 61 a); e, principalmente, pela sua riqueza e variedade, os remates de telhado – pináculos vários, pirâmides, vasos, urnas (fig. 149; des. 61 c e d), animais, por exemplo pombas98, figuras humanas (des. 62 d)99, muito frequentemente relógios de sol, não raro de formas e desenhos muito ricos (e, em alguns casos raros com grimpas de ferro) (des. 63) ; e, acima de tudo, cruzes, de todas as formas, desde as mais simples às mais elaboradas, floridas, com resplendor, etc., assentes sobre peanhas (des. 61 a e b) que se situam normalmente nos dois topos do telhado, e são quase sempre diferentes em cada um desses topos.

Des. 61 – Lindoso – Remates de telhado

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a – Fachada do canastro de decoração mais rica
b – Forma vulgar de cruz
c e d- Pirâmides e umas

261Estes ornatos encontram-se por toda a parte onde existem espigueiros com as paredes dos topos de pedra, designadamente os tipos com telhados de cápeas e guarda-ventos e os inteiramente de pedra dos tipos do Lindoso e similares; e, conforme os dois casos, assentam sobre as cápeas, ou directamente sobre as lajes de granito da cobertura. Mas eles – e nomeadamente as cruzes – são sobretudo frequentes nas zonas montanhosas dos concelhos dos Arcos de Valdevez e Ponte da Barca, onde se podem considerar característicos das formas locais do espigueiro100.

262Na mesma categoria de ornatos lavrados em peças de pedra, há que mencionar ainda a modesta decoração que se vê na face frontal dos pés maciços ou na do primeiro pé transversal dos espigueiros de paredes inclinadas de Macieira de Cambra e em alguns casos de Oliveira de Frades: despretensiosas molduras enquadrando motivos fitográficos ou geométricos, que, a despeito da sua singeleza, conferem ao espigueiro um requinte discreto (des. 60 c).

Des. 62

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a, b, c – Vilarinho de Samardã, Vila Real – Portas e balaústres ornamentados
d, e – Remates de telhado –d–Figura de rei índio, em pedra, em Valadares, Monção, e – Caçador recortado
em chapa, em Lodeiro de Arque, Cabeceiras de Basto.

Des. 63 – Remates de telhado. Relógios de Sol, em pedra

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1 – Borba (Celorico de Basto) – 2 – Lodeiro d’Arque (Celorico de Basto) – 3 – Sobreposta (Braga)
4 – S. Paio (Melgaço) – 5 – Gondomar (Vila Verde)

263II) Em madeira – Na madeira, os lavrados ou insculturas encontram-se sobretudo nas portas (e, em alguns casos raros, certos vazados nos prumos do esqueleto, especialmente nos intermédios (des. 62 b) e são, por vezes, de uma grande exuberância, riqueza e interesse. Os temas preferidos parecem ser os símbolos religiosos101; em Vilarinho da Samardã (Vila Real), por exemplo, vemos, na metade superior de uma porta de balaústres, a cruz contra um fundo de sulcos verticais e, delimitando a superfície utilizada para a decoração, aos cantos, um motivo de leques (des. 62 a). Na serra do Viso, em Fafe, vimos também portas com ornatos a meio, de cima a baixo, em serpente, ora vazados ora em relevo. Mas é principalmente numa área do Alto Minho interior, desde a Ponte da Barca à Portela do Vade e Aboim da Nóbrega, que se encontram portas mais ricamente decoradas; contudo, aí, os lavrados e insculturas são frequentemente pintados e, por isso, deles nos ocuparemos ao tratarmos das ornamentações pintadas.

2) Pinturas

264As decorações em pintura são mais raras do que as insculturas. Em alguns dos mencionados espigueiros de Oliveira de Frades, e designadamente em Carrazedo do Vouga, usam-se as pinturas sobre a grossa tábua que forma a padieira superior da porta, sob o telhado; são sobretudo motivos fitográficos, ramos floridos ou em taças, em branco, vermelho e ainda outras cores, e também motivos geométricos, que por vezes enquadram datas, e cuja composição acompanha a forma triangular dessa peça (des. 64).

Des. 64 – Carrazedo do Vouga, Sever – Ornamentações esculpidas e pintadas nas cambotas frontais, sobre a porta

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265As decorações pintadas têm contudo a sua forma mais interessante e mais rica nas portas dos espigueiros da área da Ponte da Barca à Portela do Vade e Aboim da Nóbrega, como dissemos, as mais das vezes nos tipos de cápeas e guarda-ventos, mas por vezes também nos inteiramente de madeira. Nesses casos, a pintura, policromada, é aplicada aos motivos entalhados, que se distribuem em geral por um ou vários sectores – dois, na maioria dos casos três, e por vezes quatro – em que a porta se divide.

266Os motivos mais usuais são: o escudo nacional rodeado de louros, temas naturalísticos, ramos floridos, corações, etc.; símbolos religiosos, imagens, e sobretudo o cálice e a hóstia resplandecentes, além de motivos geométricos tradicionais, rosáceas, círculos solares ou estrelados (escolhidos certamente em obediência a obscuras motivações de remota origem, mas mais pela facilidade de execução a compasso e régua do que por qualquer sentido mágico consciente102, molduras com datas ou iniciais, etc. Geralmente o cálice e a hóstia, quase sempre ladeados por ramos floridos, ocupam o sector mais alto, ficando as datas e iniciais a meio, e os motivos geométricos em baixo; num exemplo em Figueirinha (Ponte da Barca), o sector inferior da porta é de ripado em espinha, e só na parte central do sector superior existem ornatos – o cálice e a hóstia, por cima das iniciais e da data. Muito vulgarmente esses sectores são apontados apenas pelo motivo de leque que se situa aos cantos a que já nos referimos; mas não são raros também os frisos que os delimitam. E em quase todas as portas se nota o contraste entre essas partes do desenho rígido e duro em sulcos e goivadas geométricas, e os outros, de espírito naturalístico muito ingénuo (figs. 157/162, e des. 65, 66 e 67).

267Costume vivo ainda hoje, estas decorações, com as suas hóstias ou custódias estilizadas, parecem ligar a ideia do pão que o espigueiro guarda à ideia do pão consagrado na Eucaristia. As portas recentes não têm já a graça das antigas, e o emprego de purpurinas douradas e prateadas, que escurecem com o tempo, tira-lhes o encanto dessas outras, descoradas mas ricas de tons abafados e esmaecidos. Algumas dessas velhas portas, pintadas sobre a madeira entalhada, as camadas de tinta, desvanecidas e gastas, deixando aparecer o vermelhão do primitivo aparelho, harmonizadas pelo tempo, são peças deliciosas que se vão perdendo, no lento apodrecer do castanho de que são feitas103.

Des. 65 – Aboim da Nóbrega, Vila Verde – Portas insculpidas

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a) Muito velha, sem qualquer resto
de pintura
b) Mais recente, com todo o sabor das antigas.
Foi em tempos toda pintada a vermelhão

268A valorização estética do espigueiro, por meio da decoração das suas peças estruturais, encontra o seu expoente máximo de perfeição e riqueza – se não, a nosso gosto, de beleza –, nos luxuosos espigueiros das grandes casas de lavoura da região de Vila do Conde – no Gueral, em Macieira de Rates, Fajozes, etc., e sobretudo nos Arcos, onde se encontra certamente o mais notável deles todos, obra-prima de artesanato da pedra e da madeira, que urgiria preservar (fig. 163/166) os quais representam a integração de elementos que são, cada um deles, uma pequena maravilha de requinte e profusão de ornatos, primorosamente lavrados e entalhados, no mais puro gosto do último quartel do século passado104.

Des. 66 – Portas insculpidas

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a – Roçadas. Aboim da Nóbrega – Ornatos pintados; são entalhados apenas o canto das almofadas;
b – S. Pedro, idem – Ornatos entalhados e pintados; fundos pontoados com instrumento cortante

Des. 67 – Porta insculpida e pintada

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Vila Verde, Covas – Fundo ocre, com folhagem verde, zonas brancas e motivo castanho torrado

269Estes espigueiros assentam geralmente em quatro pés transversais de pedra lavrada, recortados em forma de «vaso» ou urna, com um medalhão indicando a sua data respectiva; nos Arcos e em Macieira, as molduras dos pés dos topos vêem-se também nas faces frontais; no Gueral, estes, tais como os intermédios, são recortados apenas no perfil. Os pés são equidistantes e extremamente largos e fortes, e nos Arcos têm cerca de dois metros de altura. Sobre esses pés assenta um lastro de granito, formado de peças iguais, únicas e inteiriças, entre cada dois pés seguidos; o lastro tem a quina superior cortada em bisel, excepto nos pequenos sectores onde assentam as colunas, dos topos e intermédias. As colunas, que correspondem a cada pé (e peça do lastro), mostram nas bases e a meio molduras muito profusas, que avultam ainda mais nos capitéis – prolongando em todos esses níveis os frisos das peças de madeira do ripado e dos lintéis de pedra. O ripado é vertical, em balaústres simples de castanho, separados, em cima, em baixo, e a meio, por tacos rendilhados de uma finura extrema. Nos Arcos, as tábuas de vista, em baixo, mostram uma faixa de guarnições entalhadas, em que alternam medalhões com vasos de rosas e motivos de folhas de acanto em simetria (fig. 166). A cinta, a meio do painel do ripado, e o remate deste em cima, são em frisos corridos de pequenas escamas denteadas, da maior beleza e perfeição. Nos Arcos, a porta da frente é uma peça notabilíssima, mostrando ao centro o escudo real, rodeado de uma rica moldura, a que se seguem para cima e para baixo balaústres torneados e vazados, e outras insculturas – tudo encaixilhado por um friso, contra as padieiras lisas. Acima da porta, que é arqueada, há, sob o lintel, mais outro medalhão com molduras e lavrados. A porta traseira é mais simples, embora também muito rica, com um medalhão apenas, entalhado, a meio, contra um fundo de balaústres simples, separados por tacos como o ripado; e, como na frontal, acima dela fica mais um pequeno painel com motivos entalhados. Esta porta assemelha-se, de resto, às portas frontais dos espigueiros de Gueral e de Macieira, menos ricos do que o dos Arcos. Finalmente, o telhado nos Arcos, é de quatro águas baixas, em telha caleira, e tem um beiral largo e saliente duma proporção perfeita; noturos casos, ele é de duas, por vezes forrado pelo lado interior por um entablamento muito esmerado105.

Distribuição dos diferentes tipos e sua ordem cronológica

270A distribuição dos espigueiros por tipos, ao Norte do Douro, é muito intricada, e não parece obedecer a razões objectivas definidas; a própria existência ou ausência dos principais materiais de construção, não é de modo nenhum decisiva, porque, se ela condiciona necessariamente o aparecimento de certos tipos – onde não há pedra, não há espigueiros de pedra – contudo não os determina e, como dissemos, vemos em certas regiões de pedra dominarem por vezes os espigueiros de madeira (como é o caso na Beira Alta, na área do Marco de Canaveses, etc.), e em regiões de madeira dominarem os espigueiros de pedra. As únicas localizações mais ou menos certas que se podem indicar são as dos espigueiros largos, na região de Gondomar, Paredes e Penafiel, e a dos espigueiros inteiramente de pedra, no Lindoso, Soajo e serra de Arga – ambos estes tipos, de resto, coexistindo com outros tipos nessas áreas. Por toda a província minhota, os outros três tipos de espigueiros estreitos de paredes aprumadas: com telhados de cápeas e guarda-ventos, com telhados vulgares (todos de madeira ou com o esqueleto de pedra), e ripado vertical, ou horizontal, aparecem simultaneamente por toda a parte, na mesma região, na mesma povoação, uns ao lado dos outros muitas vezes, podendo apenas notar-se às vezes uma maior frequência, ou, mais sensivelmente, a falta, de alguns deles, em determinadas partes; sem esquecer, além disso, que cada um desses tipos é definido apenas pela forma mais característica de um único elemento, e que não só todos os demais elementos aparecem nesse mesmo tipo sob todas as suas formas possíveis e que a mesma forma aparece também nos outros tipos indiferentemente, mas também que essa enorme variedade de combinações e associações de elementos se verifica, do mesmo modo, nas mesmas regiões e povoações.

271Ao Sul do Douro, a distribuição por tipos é mais regular do que ao Norte; na maior parte dessa região – sobretudo a parte leste – só é conhecido o espigueiro todo de madeira, de ripado vertical; em cada uma das várias outras regiões existe geralmente também apenas um único tipo (excepção feita nas zonas de contacto entre várias regiões, onde coexistem tipos das regiões confinantes e tipos híbridos que combinam elementos dos demais); e existem mesmo tipos que só em algumas delas se encontram como, por exemplo, na região litoral, onde aparecem os tipos estreitos de paredes inclinadas, que praticamente só ali existem.

272A mesma falta de razões definidas se nota em relação à distribuição dos espigueiros por densidade, podendo quando muito dizer-se, como é natural, que, de um modo geral, onde o milho se colhe no tarde, como sucede nas zonas serranas, os espigueiros abundam, existindo por assim dizer em todas as casas; e sendo, pelo contrário, mais escassos nas terras baixas e temperadas. Isto por vezes nota-se com grande evidência: no concelho de Tondela, por exemplo, em Campo de Besteiros, onde o milho é temporão, há muito poucos espigueiros; ao lado, em Castelões, em terras fundas, o milho é serôdio, e eles são muito numerosos.

273A escassez de referências documentais acerca do espigueiro torna muito problemática qualquer hipótese cronológica relativa à ordem segundo a qual surgiram os diferentes tipos e categorias de espigueiros que hoje conhecemos. Os velhos diplomas contêm apenas a menção do termo genérico de «Horreo»106, que nada nos diz ao certo quando à natureza desses celeiros, e potanto têm reduzido interesse para a questão. Veremos adiante que a maioria dos Autores que versaram o assunto, designadamente no que se refere aos espigueiros galegos, têm interpretado as diferenças desses tipos como estádios graduais de uma linha evolutiva única e geral, idêntica para todos os casos, em função das respectivas teorias acerca do problema das origens do espigueiro, mas que diverge e é estabelecida mesmo em direcções opostas, conforme os autores. Supomos, porém, que não deve ter havido uma evolução uniforme do espigueiro por toda a parte, e é mesmo natural que, nas diversas zonas, tenham existido desde o começo espigueiros de vários tipos e materiais.

274Com relativa frequência, os espigueiros são datados; mas essas datas são pouco significativas, porque aparecem apenas nos vários tipos em que os lintéis das portas são de pedra; quando essas peças são de madeira, as datas são raras (vendo-se apenas em algumas portas mais trabalhadas); de resto, sendo os espigueiros desta última categoria de um material de duração limitada, acabam sempre por se desfazerem; de modo que os que actualmente existem, embora todos eles relativamente mais recentes, podem sempre ser peças que vieram substituir outras iguais, mais antigas.

275No que se refere aos espigueiros de pedra, a data mais recuada que vimos é a de 1720, em Vilarinho da Fuma, num exemplar de cápeas e guarda-ventos; e seguidamente as de 1762 e 1776, no Soajo e em Parada (Lindoso) em dois do tipo local inteiramente de pedra. Nestas e noutras regiões, nas serras da Peneda, Marão, etc., encontram-se alguns espigueiros desses mesmos tipos datados dos fins do século xviii; de meados do século xix em diante, por toda a área e nos três tipos com lintéis de pedra, os exemplares são muito numerosos.

276Para os tipos estreitos de paredes inclinadas, conhecemos a data de 1750, num exemplar de Ribeiradio, do tipo de Oliveira de Frades, que era de pé maciço e que foi reconstruído em 1931 (pp. 95-96).

277Quanto aos tipos todos de madeira, de ripado horizontal e mesmo vertical, nenhuma indicação, como dissemos, existe acerca da sua cronologia; e o mesmo sucede com os tipos largos, de corredor a meio, dos arredores do Porto, a Norte e a Sul do Douro, porque os velhos exemplares que deles conhecemos não são datados; mas parece-nos de admitir que tal tipo seja muito antigo, que se manteve durante longo tempo, e que só em épocas recentes sofreu, no concelho de Gaia, a modificação de que resultou a forma que agora ali domina, principalmente nas freguesias próximas do mar, que mostra um alargamento em cima muito acentuado, um telhado de duas águas de grande pendor, a falta das travessas exteriores de travação a meio do ripado, que em baixo é pregado pelo lado exterior das traves da grade, e, de um modo geral, a ausência de quaisquer elementos estéticos e preocupações de embelezamento, em benefício de um estilo de construção seco e estritamente utilitário (p. 108).

278Certos pequenos pormenores de carácter acentuadamente técnico, que encontramos em alguns destes vários tipos, tais como os postigos de descarga de Oliveira de Azeméis, as meias portas e calhas de saída do Marco de Canaveses, etc., não parecem ser muito antigos. Em todo o caso, a sua difusão incrementa-se nos últimos anos, certamente de acordo com o crescente domínio da técnica sobre a tradição.

279Idênticas incertezas e dificuldades se encontram na determinação da cronologia relativa destes diversos tipos. Em algumas povoações ou áreas restritas pode-se, com base em informes mais ou menos seguros, colhidos localmente, ou com certas constatações significativas, apontar as formas que ali parecem ter sido as mais antigas; assim, por exemplo, em Paredes de Coura, os espigueiros de cápeas e guarda-ventos são antigos, não se construindo mais actualmente desse tipo; em certas partes do concelho de Ponte do Lima, onde coexiste o ripado horizontal e o vertical, como por exemplo em Sá, o último é de introdução recente, e o horizontal representa a forma mais antiga; e em Entre-os-Rios e Cinfães sucede o mesmo. Os próprios tipos todos de pedra, do Lindoso, que imitam balaústre e cintas, parece terem-se inspirado de modelos em madeira, portanto anteriores a eles. Em determinadas zonas como, por exemplo, em Celorico de Basto, as colunas de pedra do esqueleto são igualmente de introdução recente, e os exemplares todos de madeira são os mais antigos. Na parte sul do concelho de Penafiel, coexistem espigueiros estreitos e outros largos, de corredor a meio, uns e outros muito velhos; mas ambos os tipos estão a ser substituídos por espigueiros estreitos de ripado vertical, que representam a corrente mais recente.

280Da comparação daqueles espigueiros mais antigos com os que foram construídos em épocas posteriores e até quase aos nossos dias, constata-se que em mais de duzentos anos as formas iniciais pouco evoluíram e que os tipos actuais se encontram praticamente definidos e fixados pelo menos desde aqueles tempos107. Os exemplares de Vilarinho da Furna, do Soajo, da serra de Arga108, de Ribeiradio, etc., afora pequenos pormenores sem importância nem significado, que representam meramente o progresso dos sistemas e materiais de construção geral e maiores facilidades de transportes – a substituição dos gonzos de madeira das portas por dobradiças de ferro chumbadas nas ombreiras, e da cobertura de colmo pela de telha, primeiro caleira, depois de Marselha e, actualmente, a desta por placas de cimento; e, principalmente, nos últimos anos, a progressiva utilização de peças feitas de cimento, para balaústres, ou de tijolos para as paredes em substituição destes, dispostos de modo variável ou especialmente fabricados em vista ao arejamento – são pouco menos que iguais aos seus vizinhos do século xix e mesmo dos princípios deste.

281Dissemos atrás que em muitos lugares onde o tipo local mais antigo mostra um esqueleto em madeira, vemos hoje construírem-se espigueiros em que a grade e as colunas são de preferência de pedra; mas isto tem como causa um motivo de ordem prática – a durabilidade da pedra, que «é para toda a vida» – e, menos do que inovação ou evolução de uma forma, é antes a difusão de um modelo mais vantajoso, que já se conhecia noutras partes. A única diferença de vulto e significado, é a diminuição sensível da largura dos actuais espigueiros, relativamente a esses mais antigos, que parece corresponder a um aperfeiçoamento da técnica de secagem: enquanto que nos velhos espigueiros serranos do Lindoso e Soajo, da Peneda, dos altos da serra de Arga, e outras áreas arcaizantes (como, por exemplo, Paredes de Coura, a vertente sul da serra Amarela, etc.), da ribeira Minho, de Melgaço a Monção, etc., a câmara mede sempre uma largura interna nunca inferior a 1,20 m, atingindo no exemplar de Parada (Melgaço), na serra da Peneda – o mais largo que conhecemos – 1,80 m exteriores, os espigueiros mais modernos fazem-se com larguras interiores que regulam por 80 cm, e acusam mesmo tendência para um estreitamento ainda maior, ao mesmo tempo que aumenta a sua altura109. Mas mesmo nestas regiões, pode dizer-se que ainda hoje predominam, ou são até em alguns casos exclusivas, as formas largas e baixas, à maneira antiga; de resto, muitas vezes – como em Paredes de Coura, por exemplo – essa redução da largura é um facto muito recente. E pode-se pensar que, mesmo em outras partes onde hoje predominam inteiramente os tipos estreitos, os tenha havido outrora mais largos, porque, por vezes, encontram-se velhos exemplares dispersos com maior largura do que os demais110.

282É certamente à mesma tendência actual para a diminuição de largura dos espigueiros, por razões técnicas de melhor secagem, que se deve, na área dos espigueiros estreitos de paredes inclinadas, em Carrazeda do Vouga, por exemplo, o acentuado estreitamento para baixo que se observa também nos espigueiros mais recentes; e é curioso notar a adopção esporádica e também muito recente, da forma inclinada, que origina esse estreitamento em baixo, em áreas onde não havia espigueiros ou mesmo onde eles eram dos tipos de paredes directas, como em Vilarinho (Valongo), Leça da Palmeira, Penafiel, etc. Além desse maior estreitamento, porém, certas circunstâncias impõem por vezes inovações que se têm de enxertar nos tipos primitivos; assim, por exemplo, os postigos abertos no ripado dos espigueiros de Oliveira de Azeméis, que o emprego das debulhadoras, altas demasido para os anteriores postigos situados no pé maciço, tomou necessários, para darem nível suficiente para a descarga directa.

283De um modo geral pode afirmar-se que o espigueiro se mantém ainda com plena vigência na vida rural do noroeste do País, sem acusar sensíveis sinais de decadência, assistindo-se mesmo em geral, como dissemos atrás, à sua progressiva difusão; de facto, vêmo-lo em épocas bastante recentes marcar o seu aparecimento em áreas onde ainda há pouco não existia, não só por certas zonas montanhosas onde a cultura do milho tem igualmente progredido e passado a ocupar maiores superfícies, mas também, além dessas, por algumas terras baixas, já fazendo avançar para o sul a sua fronteira, já começando paulatinamente a ser adoptado num ou noutro ponto da mancha negativa a norte e nordeste do Porto, o que parece indicar a sua crescente aceitação, ou seja, o reconhecimento da sua conveniência. Em Albergaria das Cabras na serra de Arouca, por exemplo, é voz corrente que até meados do século passado não existiam aí espigueiros, mas apenas canastros de varas (hoje de resto desaparecidos); em Campo Benfeito, na serra de Montemuro, eles surgem pelos fins desse século, e na Gralheira, por volta de 1910. Falamos, por outro lado, da sua difusão em Alcobaça, há cerca de 75 anos; e assistimos a ela, nos últimos tempos, em terras de Penela e de Leiria111.

Localização e dimensões dos espigueiros, suas relações com a renda e forma de exploração

284Os espigueiros situam-se normalmente ao lado da eira, para onde abrem e com a qual estão relacionados, porque é para ela que são descarregadas as espigas nele armazenadas, em vista à debulha. Pelo Minho serrano, e nomeadamente no Lindoso, onde os espigueiros se agrupam longe das casas e as eiras são raras, é mesmo dentro do espigueiro que de cada vez se debulha a fornada, batendo as espigas, espalhadas junto à porta, com um pau.

285Na generalidade dos casos, a eira é individual e encontra-se, por sua vez, junto da casa de habitação, sempre que aí há local conveniente para a secagem do cereal, arejado e soalheiro. Por isso, na área atlântica, acompanhando a dispersão do povoamento característica da região, eles vêem-se isolados uns dos outros, do mesmo modo que as unidades rurais em que se integram. Em certas zonas serranas dessa área, porém, como por exemplo, em algumas aldeias da Peneda, Nóbrega, Marão, Arouca, Gralheira, etc., em que o povoamento, pelo contrário, é concentrado, os espigueiros e as eiras, igualmente junto às casas, alternam com estas, também isolados ou em pequenos grupos, a esmo no aglomerado da povoação, aproveitando quaisquer escassos recantos abertos e mais ou menos planos entre elas. Por vezes, nesses lugares, as eiras são, ou foram, comuns, nomeadamente nas partes serranas do Soajo, Lindoso, Peneda, Cabreira, Amarela, Barroso, etc., e os espigueiros concentram-se num grupo único, ou em vários grupos numerosos, ao lado do casario da povoação112, junto a essas eiras. São particularmente dignas de nota, a este respeito, as concentrações do Lindoso com mais de 50 espigueiros, todos de pedra, e do Barral (Ponte da Barca), com mais de 30 canastros de varas de planta circular. Finalmente, em certas aldeias serranas da região do Vouga, como por exemplo Sarnadinha, ou do Buçaco, as eiras, embora individuais, encontram-se todas num mesmo sítio também ao lado da povoação, com o seu espigueiro ou casa de eira juntos; os espigueiros encontram-se pois todos no mesmo local; não se trata contudo de uma concentração de espigueiros, como no Lindoso e Soajo, mas de uma reunião de eiras individuais com os seus anexos para cada uma delas.

286Por vezes, quando o local junto às eiras é pouco arejado, os pés do espigueiro tornam-se mais altos, de modo que o corpo do ripado atinja o nível das correntes do vento. De resto, essa preocupação de colocar o espigueiro em locais ou níveis mais arejados e ventosos é muito evidente e, em certas áreas do Minho, combinada com a necessidade de aproveitamento do espaço, leva à sua construção empoleirada sobre muros, socalcos, paredes da casa, pilares, a galgar caminhos ou fazer portais, etc., resultando daí, por vezes, aspectos extremamente pitorescos. Por outro lado, contudo, o espigueiro, em muitos casos – e sobretudo quando é de pequenas dimensões, de ripado horizontal ou de facção mais pobre – fica entre casas, debaixo de árvores e até de ramadas, fora de qualquer preocupação de arejamento.

287Na grande generalidade dos casos, encontram-se, na mesma região e localidade, espigueiros de dimensões muito variáveis, conforme as necessidades das lavouras a que pertencem. Não raro, por isso, vêem-se alguns exemplares muito avultados; mas a sua forma, mesmo nesses casos, obedece ao tipo local e, quando este é estreito, a sua maior capacidade obtém-se apenas à custa do comprimento, aparecendo desse modo espigueiros extremamente alongados. Assim, por exemplo, em S. Pedro (Rossas) existe um com 8 pares de colunas, sobre dezassete pares de pés singelos com mesas; outro em Lanhelas (Caminha), do tipo da região, com dez pares de colunas; outro ainda em Vila da Ponte (Montalegre), nas mesmas condições, etc.

288Como em geral, na respectiva região, os intervalos entre as colunas – chamados quartéis ou claros – são regulares e correspondem a uma medida certa conhecida, é fácil calcular rapidamente a capacidade aproximada desses espigueiros113.

289Nas aldeias serranas, o espigueiro é, por necessidade, praticamente geral e toda a gente, ricos ou pobres, possui o seu, encontrando-se por isso nessas zonas espigueiros muito pequenos; no Caramulo de Tondela, por exemplo, há exemplares minúsculos, com pouco mais de um metro de comprimento; semelhantemente, é na serra minhota que subsistem os pequenos canastros de varas.

290Nas terras baixas, o espigueiro, as mais das vezes, corresponde apenas às lavouras pelo menos medianas, e o lavrador mais pobre não o possui. Mas em certas zonas tal não sucede, e aparecem aí também exemplares muito diminutos, em regra de construção precária e barata, que fogem com frequência ao tipo local114, e sem nenhuma defesa contra os ratos115.

291Em algumas áreas, porém – por exemplo no Lindoso –, nota-se uma relativa uniformidade das dimensões do espigueiro, que indica não só um certo equilíbrio na propriedade agrícola, mas também a obediência a certos padrões de construção locais; não raro uma casa maior, em vez de um espigueiro também maior, possui vários do tamanho normal; em casos particulares essa uniformidade resulta das técnicas especiais da construção do espigueiro, como sucede com os canastros de varas, que, em cada região, são todos aproximadamente das mesmas dimensões ; mais raramente – como sucede por exemplo em Alcobaça –, é mesmo costume agruparem-se dois ou três espigueiros da mesma casa, a par, ao lado da eira.

292Não conhecemos entre nós espigueiros comunitários, mas com frequência, os espigueiros grandes, que originariamente eram de um só lavrador, passam, pelo mecanismo das partilhas, a pertencer a vários herdeiros; eles são então divididos interiormente, e mesmo a sua traça exterior é alterada, pela abertura de portas correspondentes a cada sector. Há inúmeros exemplos desta natureza nos belos espigueiros do Lindoso, onde muitas vezes dois ou três blocos de balaústres de pedra foram apeados para darem lugar a essas portas ulteriormente rasgadas116.

293O espigueiro não é propriamente um imóvel; ele é com muita frequência vendido separadamente; e, quando de pequenas dimensões, transportado, por vezes inteiro, para um novo lugar.

294Na altura da colheita, no «S. Miguel», aqueles que têm lavoura própria e espigueiro com capacidade para guardarem toda ou a maior parte da produção (o que é normalmente o caso nas zonas serranas ou de pequena propriedade), malham apenas o milho para as primeiras necessidades de fornada ou venda, escolhendo para isso as espigas em pior estado; o resto é armazenado no espigueiro, donde se vai retirando pelo ano adiante, para consumo ou venda.

295Onde a produção excede muito a capacidade do espigueiro como, por exemplo, no Minho, em geral, grande parte da colheita é logo debulhada e o milho guardado nas tulhas.

296Nas zonas ou casos de exploração indirecta, no regime de arrendamento a «caseiros», muito frequente na área deste cereal, há que considerar várias hipóteses conforme a renda, que é em espécie, é fixa ou a «meias». Se a renda é fixa, geralmente ela vai sendo paga no decorrer das colheitas, e seguidamente pelos meses adiante, à medida das necessidades, conveniências e possibilidades da malha; nesta caso, no espigueiro o caseiro guarda o milho como entende. Se a renda é a meias, o milho é «partido» à medida que se malha, quer no S. Miguel quer depois, e no espigueiro guardam-se as espigas colhidas no tarde e ainda por dividir, fazendo-se a partilha de cada vez que se malha. Por vezes a renda é paga em data estipulada pelo costume, e o milho é então todo (excepto o que se retira para pequenos gastos) guardado no espigueiro até essa ocasião. Na Ponte da Barca, por exemplo, a renda, ou «pensão» paga-se geralmente em Janeiro ou Fevereiro; em Paredes de Coura, em Março; em Cabeceiras de Basto, o mais tarde possível (no interesse do senhorio, que tem assim uma quebra menor) ; etc. Nestes casos, o espigueiro é normalmente do senhorio, e fica junto à casa deste; ele é então dividido pelos vários caseiros, com portas independentes, e a chave fica em poder do senhorio para garantia do pagamento das rendas. Em certas regiões, por exemplo, ao norte de Viana do Castelo, onde a propriedade é muito parcelada, há caseiros sem qualquer terra própria, que «fazem» a terra de vários senhorios, e o espigueiro é pertença sua.

Des. 67 – Valadares, Monção

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Notes de bas de page

1 Note-se que, em linguagem corrente, ambos os termos se aplicam indiferentemente aos dois casos. O nome de canastro é o mais vulgarizado; caniço é empregado em algumas regiões, principalmente por Valença, Caminha, Viana do Castelo e Serra d’Arga; e também nas zonas montanhosas de Fafe e Arouca. O termo espigueiro é usado com exclusão de qualquer outro, na corda litoral de Esposende a Vila do Conde, e é empregado por vezes em Entre-os-Rios, região de Basto, Viana e Serra d’Arga. No caso de espigueiros largos, ou quando incorporados em sequeiras, varandões ou palheiros, o termo espigueiro é geralmente adoptado para designar a câmara de ripado onde se guardam as espigas, mantendo o edifício o nome local de canastro, sequeiro, etc.

2 Na verdade, a forma tem pouca regularidade, havendo alguns cilíndricos, outros muito estreitos em baixo e um ou outro, raramente, chegando a estreitecer para cima. Ao corucho chamam também capelo.

3 É em Várzea Cova que nesta região se encontram os maiores canastros de varas.

4 Como dissemos, na Serra d’Arga só há poucos anos deixaram de se usar as secadeiras de varas tecidas; ainda em 1958 vimos em Arga de Baixo uma laje redonda que servira de mesa a uma delas.

5 O Outono de 1960, excessivamente chuvoso, multiplicou o número de canastros de varas.

6 Uma mulher idosa da freguesia de Vascões (Paredes de Coura) (onde o último que existia no lugar da Branda, foi destruído em 1958) informou que «dantes eles eram a eito».

7 Neste mesmo concelho aparecem, em vários pontos, outros exemplos de canastros de varas rectangulares ; mas cada um é de forma diferente, não se podendo falar num tipo local regular (fig. 49, Barral, fig. 63, Vila Nova de Muía, etc.).

8 Na fotografia apresentada por Frankowski, op. loc. cit., lâm. viii, o «palheiro» do Minho nela reproduzido é sensivelmente igual ao de Cepões, apenas a função de cambota parece ser desempenhada por uma tesoura.

9 Fora destas áreas, de facto, os balaústres e cobertura de pedra aparecem apenas em casos isolados e muito raros. Muito frequente, porém, é em espigueiros de tipo geralmente diferente, nomeadamente com telhados de cápeas e guarda-ventos, e ripado de madeira nas paredes laterais, a parede de topo das traseiras ser de pedra com rasgos no género do tipo de Lindoso.

10 Ver adiante a relação entre esta forma da Serra d’Arga e o tipo de Caminha.

11 O sol, como motivo decorativo dos espigueiros, é igualmente frequente na Galiza.

12 Por vezes também, essas fendas foram mais tarde tapadas com cimento. É também de notar que os balaústres de pedra – e de um modo geral as soluções das paredes de pedra rasgadas – formam aqui o topo posterior de quase todos os espigueiros, mesmo de outros tipos, designadamente os de telhados de cápeas e guarda-ventos, a que corresponde normalmente ripado de madeira. O mesmo acontece, de resto, em muitas outras partes, designadamente na ribeira-Minho, nas serras Amarela, Soajo, Peneda, etc., em casos dispersos e, às vezes mesmo, como regra local (como, por exemplo, na Serra d’Arga). A este respeito, ver o mesmo facto no caso dos espigueiros de pedra de fendas horizontais.

13 Esta característica aparece também nos espigueiros da região de Melgaço e dessa corda do Alto-Minho.

14 Nesta mesma localidade, além do exemplar descrito, existe outro, completamente arruinado, em que as fendas eram muito mais estreitas.

15 A este respeito ver nota 1, p. 57, em que o mesmo facto se aponta relativamente ao caso de balaústres verticais de pedra.

16 Por vezes, uma peça única ocupa um desses vãos.

17 Note-se que este tipo, que normalmente tem um pé maciço, mostra, em Santo Oginha, pés singelos com mós.

18 No Lindoso, essas colunas intermédias são muitas vezes constituídas por um bloco de um ou dois balaústres de pedra. E há um caso em que uma delas apresenta dois óculos pequenos, a par.

19 É de notar a tendência geral actual para o emprego de grades e colunas de pedra.

20 Às grades de madeira, de quatro vigas cruzadas, dão aqui o nome de mesas.

21 Além do representado no desenho e dos que vimos nesta região encontram-se alguns casos dispersos, sempre raros, por várias outras regiões como, por exemplo, Tarouquela, Cinfães (fig. 102).

22 Vimos este mesmo pormenor nos toscos e rudes espigueiros de pedra da Serra d’Arga, dos quais, de resto, como dissemos, estes se aproximam numa versão extremamente cuidada.

23 Gemeses, frechais; Marinhas, algabres ; Apúlia, dormentes. Em Belinho chamam lastro ao forro ou soalho de madeira que recobre as lajes que encimam o pé maciço.

24 Em S. Pedro (Rossas), existe um espigueiro deste género, recente, com sete quartéis, assente em oito pares de pés singelos com mesas, e com a capacidade para 30 «carros» de cereal – certamente um dos mais compridos exemplares que encontramos.

25 Como dissemos atrás, aí as funções do espigueiro são desempenhadas por grandes alpendres ou sequeiras de andar e ripado aberto, onde as espigas secam espalhadas pelo chão.

26 Segundo um informador local, há cerca de 20 ou 30 anos essas escoras apoiavam nas pontas das traves transversais da grade, que eram salientes para os lados, tal como vimos em muitos outros locais; contudo, já não encontramos nenhum exemplo dessas traves salientes.

27 Os carpinteiros desta região dizem mesmo «abordoar» um espigueiro.

28 Os espigueiros que se constroem presentemente são, efectivamente e em geral, de ripas verticais.

29 Aqui, o limite leste do espigueiro parece ser a aldeia de Molelinhos (fig. 80).

30 Em Alhais, ao conjunto de pés e mesas, que formam o assento, dão o nome de pedrastal.

31 Pedras ou estrados.

32 Escoras ou arriostas.

33 Em Campo Benfeito construiu-se o primeiro espigueiro nos fins do século passado, e na Gralheira, apenas por volta de 1920.

34 Esses pés, nomeadamente nas terras junto ao Paiva, entre Pinheiro e Reiriz, são tão baixos que não impedem sequer a passagem dos ratos.

35 Em Paredes de Coura chamam aos espigueiros deste tipo canastros de ripado, por oposição aos de balaústres verticais, a que chamam de leivado.

36 De Ponte de Lima para Paredes de Coura e Ponte da Barca, aparecem esteios de granito nos cunhais e, em certos casos modernos, este tipo pode mostrar-se de um acabamento extremamente perfeito (fig. 87).

37 Mãos francesas, Paredes de Coura; encontros de barrotes, Sá (Ponte do Lima). Quando apenas as traves transversais dos topos são salientes, com frequência as laterais compridas espigam nessas (des. 33-a).

38 Em Paredes de Coura, estas escoras aparecem apenas nestes canastros de ripado horizontal; um velho carpinteiro da região considera este elemento de introdução ali recente mas, em todo o caso, ele aparece em exemplares muito antigos.

39 Barrotes, Sá, Ponte do Lima ; caibros, Queijada, Ponte do Lima.

40 Encontros de frechal, Paredes de Coura. Este pormenor é muito frequente em Ponte do Lima e Ponte da Barca.

41 A que em Souzelo dão o nome de balaústres.

42 Veremos adiante, ao estudarmos os espigueiros largos, que estes, no tipo dos do concelho de Vila Nova de Gaia, portanto ao sul do Douro, apresentam também as paredes inclinadas; parece portanto que este traço caracteriza os espigueiros da faixa ocidental da área ao sul do Douro, e tanto os largos como os estreitos, que possivelmente influenciaram aqueles. Sobre a explicação desta forma, ver adiante, pág. 128.

43 Mesmo em Ribeiradio, um espigueiro reconstruído em 1931, com data de 1750, tinha pé maciço. Esse género de pé está de resto a ser adoptado nos que se vão construindo, muitos dos quais são de cimento, cobertos por uma placa em duas vertentes.

44 Nas zonas serranas de Arouca usavam-se antigamente canastros de varas (de castanheiro), de que no Morejal ainda resta lembrança nítida.

45 Em Paredes Velhas vimos um espigueiro com paredes inclinadas com data de 1872.

46 Nos casos mais modernos, a tendência para a inclinação das paredes é muito acentuada.

47 Deve notar-se que, nesta zona, no meio do enorme número de espigueiros largos, surgem alguns raros espigueiros delgados, com carácter híbrido, onde se combinam traços dos largos daqui e dos delgados da Vila da Feira.

48 Parece haver ou ter havido, casos de paredes verticais, muito raros.

49 Ao edifício total chamam aqui canastro.

50 Ao sul do Douro, fora da área de Gaia, os espigueiros largos dispersos são extremamente raros; conhecemos, por exemplo, um caso em Eiras (Tondela).

51 Note-se que, nesta região, as sequeiras se apresentam por vezes com o aspecto exterior destes espigueiros largos. As funções e divisão interior de uns e das outras são, porém, distintas.

52 Conhecemos também um em Bessa (Boticas), no pendor oriental do Barroso.

53 Segundo o senhor Joaquim Ramos André, velho de perto de 90 anos, perfeitamente lúcido, foi o proprietário António Henrique Domingos quem montou o primeiro espigueiro. Mais tarde alguém ergueu outro de paredes de verga, comprido, que não deu grande resultado.

54 Num exemplar em S. Nicolau, falam-nos de uma quebra de mais ou menos 10 rasas nos 10 «carros» que ele comporta, o que significa cerca de 2,5%.

55 O termo assento colheu-se em Paredes de Coura, e designa o conjunto dos pés e das mesas.

56 Estes elementos, de resto, importam naturalmente sobretudo no que se refere aos espigueiros de pedra, cujo peso exige maiores cuidados nas suas bases.

57 Na aldeia de Parada (Melgaço), na Serra da Peneda, há um espigueiro, de pés singelos, que se ergue sobre mesas assentes numa segunda ordem inferior de pés singelos.

58 Com efeito, o nome pelo qual este elemento é mais vulgarmente conhecido, é o de pé. Ouvimos pegões em Esposende, Paredes de Coura, Ponte do Lima, Feira e Ovar ; peões, na Serra de Montemuro; peirões, no Caramulo e também prumos e pilares; pés direitos, em Oliveira de Frades; esteios, em Vila Nova de Gaia ; massame, em Viana do Castelo e Serra d’Arga. Este último é dado apenas ao maciço; pés direitos, só a pés singelos, e esteios apenas a pés singelos muito altos.

59 Na Galiza, de acordo com Martinez Rodriguez, os pés transversais neste caso ficam nos extremos, e os singelos no meio; tal regularidade nem sempre existe em Portugal.

60 Eles aparecem mesmo além do Vouga, por exemplo em Ribeiradio, onde constituem forma antiga – existe aí um exemplar datado de 1750, de pé maciço – e onde parece que se volta agora a adoptar esse sistema. Ver p. 95, nota 1.

61 Noutros casos esporádicos, em regiões diferentes, observa-se, por vezes, um aproveitamento semelhante de pés maciços.

62 Martinez Rodriguez fala, além destes, de pés em peças de cantaria lavrada; parece-nos porém que estes não constituem uma categoria independente, e que se devem incluir em qualquer das demais categorias, nomeadamente pés singelos ou pés transversais, conforme os casos.

63 Mós é o nome mais corrente por que são conhecidos : em Mesão Frio (Penafiel) registámos o termo rodas.

64 Martinez Rodriguez fala ainda de mós quadrangulares grandes sobre pés singelos intermediários, formando como que uma plataforma a meio das paredes laterais do corpo; e também de outros em que a convexidade é na face inferior – formas que não parece existirem entre nós.

65 Mesa é também o nome mais corrente por que são conhecidas. No Marco de Canaveses registamos travessões; em Cinfães, prateleiras; em Tondela, soleiras; etc. Muitas vezes chamam-lhes mós, por assimilação do seu sentido funcional com o das mós qualificadas. Por vezes dão também o nome de mesas aos pranchões transversais da grade de madeira, especialmente nos espigueiros de ripado horizontal. Estas peças nada têm que ver com a protecção contra os ratos, mas recebem o nome também por assimilação do sentido funcional acessório das mós, em certos casos, como ponto onde apoiam as escoras laterais. Ver adiante, p. 120 e p. 135.
Por outro lado, em certos sítios não dão nomes individuais e distintos aos pés e mós ou mesas, designando o conjunto do assento por um termo único – Vila Nova de Paiva, pedrastal; Reboredo (Valença), mesas; Pedraído, assento; etc. Isto, é porém, muito raro.

66 O termo é de Ponte do Lima; em Cinfães dizem mesas.

67 A que em Tondela chamam dormentes.

68 Há casos excepcionais – por exemplo em Ribeiradio, Oliveira de Frades – em que sobre o lastro de pedra pousa um soalho.

69 Em Cinfães chamam a esses barrotes baldrames; na Portela do Vade, cabeços ; em Tondela, cadeias, e, ao conjunto, relhado; etc.

70 Martinez Rodriguez menciona também paredes sem ventilação, mas apenas nos «hórreos» asturianos, que distinguimos nitidamente dos galaico-portugueses, pela sua forma, origem e funções.

71 Com efeito, em Ribeiradio, vê-se num espigueiro desse tipo gravada a data de 1750. Ver. p. 95, nota 1.

72 Vimos também um caso idêntico em Parada (Melgaço), na Serra da Peneda.

73 Esta última conbinação contudo não é frequente.

74 Em Vila Nova de Cerveira, vimos, tapando esse ressalto – e, bem assim, o pequeno sector do frechal nele pousado – uma pedra ladeira, quadrangular, fingindo a continuação da coluna.

75 Na realidade, não existem sistemas certos de prisão destas peças em cima: a firmeza da estrutura, nos dois sentidos, é dada pela engrenagem de todas elas umas nas outras, os frechais prendendo as colunas, as cambotas prendendo os frechais, ou vice-versa, etc. (des. 55-f).

76 Martinez Rodriguez, nestes casos, considera três tipos, segundo igualmente o nível da respectiva facção: 1) um tipo primitivo, com aberturas irregulares e assimétricas por separação de peças de cantaria; 2) um tipo evolucionado, com aberturas regulares e simétricas pela separação de peças geométricas da silharia (por simples separação dos silhares, deixando fendas verticais entre eles); por separação das fileiras formadas por peças alongadas, intercalando entre elas peças menores de pouca altura – fendas horizontais –, que todos eles, desconhecemos em Portugal; e por rebaixamento das beiras dos silhares na frente central de cada um – também fendas horizontais – que inclui os nossos espigueiros de pedra com silhares e fendas horizontais, do Lindoso (Parada e Cidadelhe), Peneda (Cubalhão) e Montemuro (excepcionalmente em Relva); e 3) de tipo muito evolucionado, com aberturas verticais, por separação das peças talhadas em prismas quadrangulares de pequena base, que se colocam verticalmente de modo a encostarem só as arestas, que não conhecemos entre nós; e por aberturas rasgadas em blocos largos de pequena espessura, que se justapõem sobre padieiras, que inclui os nossos espigueiros de pedra, de balaústres e fendas verticais, do tipo dos do Lindoso e Soajo e da Serra d’Arga.
Esta sua classificação tem interesse em relação à área geral conjunta do espigueiro galaico-português; na verdade, muitos dos tipos indicados não se encontram em Portugal, onde de resto os espigueiros todos de pedra não são frequentes, sobretudo os de silhares com fendas horizontais.

77 Martinez Rodriguez, sob um ponto de vista diverso, considera neste caso dois tipos conforme o seu nível de facção – um, primitivo, com fendas verticais, horizontais e oblíquas (em Portugal conhecemos apenas um caso, em Ponte do Lima, com ripas oblíquas cruzadas, em gelosia), e outro mais evoluído, de ripado vertical, com lavrados e vazados nos rebordos.

78 De facto, este nome corresponde sobretudo à região ao norte do rio Douro; ao sul desse rio ouvimos aduelas; em Paredes de Coura e na Serra d’Arga dizem leivas e leivado para o ripado (por oposição a ripado, que é apenas o ripado horizontal); em Celorico de Basto, bordões (e «abordoar um espigueiro »).

79 É raro a fenda ser mais estreita que 10 mm. Contudo, vêem-se por vezes espigueiros em que a fenda quase desaparece (Vila Viçosa, Cinfães).

80 Em Vila Franca (Viana do Castelo) esse barrote fica a 2,5 cm acima do lastro do espigueiro.

81 Na Portela do Vade e Vila Verde chamam a esta cinta aba; em Cabeceiras de Basto, arriostas. O nome mais frequente é porém faixa.

82 Esses ganchos levam o nome de: tarraxas, Celorico de Basto; travincas, Oliveira de Azeméis; ganchos, Vila da Feira; tranqueta, Ribeiradio.

83 A esses barrotes dá-se o nome genérico de caibros ; em Cinfães registamos balaústres.

84 Em Paredes de Coura e Ponte do Lima, enripado; ripagem, Portela do Vade; Marco de Canaveses, latas.

85 Martinez Rodriguez, a respeito desta categoria, menciona ainda as paredes feitas de pilares de peças regulares de xisto de tamanho igual que deixam entre si fendas verticais; balaústres de cimento, e seteiras rectangulares, estreitas e altas, abertas nas paredes – casos que ainda não vimos entre nós, mas que (especialmente os dois últimos) dada a facilidade da sua facção, é natural que se venham a divulgar com o uso do tijolo e do cimento.

86 Escoras, Celorico de Basto, Montemuro; finca.v, Baião; asas, Cinfães; arriostas, Vila Nova de Paiva, Tondela ; mãos de força, Póvoa de Varzim; mãos francesas, Paredes de Coura ; embirras, Cinfães, baixo concelho; encontros, Ponte do Lima.

87 Martinez Rodriguez inclui, nesta categoria, as aberturas de ventilação, numa sub-rubrica de «comunicação da câmara com o exterior» o que, em nosso entender, nos parece pouco acertado.

88 É principalmente nas regiões serranas, como o Lindoso, Lapa, Arga, etc., de povoamento muito aglomerado, que abundam os espigueiros com várias portas, abertas por motivo de divisão por herança; por outro lado, é geralmente esta circunstância que explica os espigueiros colectivos, que certos autores, erradamente, supõem comunitários.

89 Para muita gente é mesmo esta a vantagem que apontam para a inclinação das paredes.

90 A respeito dos espigueiros galegos, porém, Martinez Rodriguez considera, sob o ponto de vista da sua «condição», além das portas simples, como as dos nossos espigueiros, portas com plataforma anterior, que pode ser pequena – «capela» modificada e maior, ou prolongamento do piso –, ou grande, patim com ou sem balaustrada e, sob o ponto de vista da sua protecção, além das portas sem protecção ou protegidas apenas pelo beiral, outras, portegidas por uma galeria ou corredor, que ora se limita à porta, como um vestíbulo (como a «vizeira» do «hórreo» que se vê nos espigueiros da região de Lugo, abrigada sob o telhado, formada pelo prolongamento do lastro e com uma balaustrada e onde se pousam os cestos das espigas), ora é mais extensa e corre por um ou por vários ou todos os lados do edifício, com ou sem balaustrada (é nomeadamente o caso dos «hórreos» largos asturianos). Todas estas formas são, na verdade, desconhecidas em Portugal. A tábua que se pousa sobre as pontas salientes das traves compridas da grade, no topo frontal dos espigueiros do Marco de Canaveses, que adiante referimos, não é verdadeiramente uma plataforma.

91 Além deste caso, vimos este tipo de abertura também – e apenas – nos dois espigueiros de varas entretecidas de S. Mamede (Arcos de Valdevez) que mencionámos a páginas 53 e 54.
Não se pode porém aventar mais do que muito hipoteticamente que o aparecimento desse género de porta nos espigueiros do Marco de Canaveses se filia naqueles tipos primitivos, porque nem sequer podemos saber se esse elemento era neles usual.

92 Em casos muito raros – por exemplo em Cubalhão (Peneda) – aparecem espigueiros com as paredes de topo de pedra e elevadas amparando as telhas como nos casos descritos, mas sem cápeas nem guarda-ventos.

93 Vicente Lamperez y Rornea, Historia de la Architetura Cristiana Española en la Edad Media, Madrid, 1908, Tomo Primero, p. 500, fala na influência do românico religioso galego num tipo arquitectónico popular, « caracterizado pelo sabor românico do conjunto».

94 No Lindoso, é muito frequente ver-se, fazendo de degrau, um bloco de balaústres, que tenha sido apeado, ou porque foi substituído por ripado de madeira, ou porque se abriu uma porta lateral.

95 Noutras regiões, as mesas do pé, quando são suficientemente largas, podem eventualmente desempenhar uma função idêntica.

96 Ver p. 141, nota 1, acerca da expressão românica de certas construções populares do noroeste peninsular, que de resto se relaciona com a velha tradição artesanal de canteiros da gente da região.

97 Estas figuras geométricas são vulgares por grande parte da Beira Alta, e aparecem com certa frequência na região de Basto, a norte do Douro. Em algumas freguesias do concelho de Celorico de Basto, sobre o fundo vermelho habitual, destacam-se as faixas, losangos e outras figuras, em cores variadas, em que predomina o azul. Por Borba da Montanha, no norte do mesmo concelho, vêem-se mesmo certas zonas do ripado pintadas ao acaso, em azuis de vários tons; num espigueiro tinham dado, sobre um grande quadrado azul-claro, pontoadas de pincel, vermelho e azul-escuro.

98 Em Montedor (Viana do Castelo) há um belo exemplar deste motivo (des. 25 b). Abel Viana, in: Arquivo de Viana do Castelo, vol. I, p. 338, certamente com vista a esse, fala nas pombas como motivo de decoração dos espigueiros da região (bem como na habilidade dos seus lavrantes).

99 Há um belo exemplo em Valadares (Monção) num exemplar de cápeas e guarda-ventos, figurando um personagem estranho, rei ou guerreiro, coroado e vestido de saiote curto. Em Lodeiro de Arque (Cabeceiras de Basto), vê-se um caçador, em ferro do género de grimpa (des. 62 e); e no Cerdal (Valença) uma figura de homem, de barro. Actualmente divulga-se o emprego dos bonecos de barro nomeadamente galos de Barcelos e também o de bóias de vidro de redes de pesca embutidas em peanhas de cimento.

100 Walter Carlé, a propósito dos espigueiros galegos, explica o uso da cruz como elemento decorativo normal que ali se vê tanto em pedra como em madeira, e bem assim a forma geral dos espigueiros, de «capelas ou sarcófagos», na sua expressão, pela religiosidade do povo espanhol, combinada com a importância que ali é atribuída ao pão – na Galiza, de milho – na alimentação do povo: «por isso, adorna o espigueiro, onde conserva o tesouro mais valioso, com símbolos religiosos» (Walter Carlé, Los horreos en el Noroeste de la Península Iberica, in: «Estúdios geográficos», Ano IX, n.° 31, Madrid, Maio 1948, pp. 275-293, exp. 292-293). Estas mesmas considerações poderiam aplicar-se ao caso português; mas aqui a cruz usa-se apenas nos espigueiros de pedra, semelhantes aos seus congéneres galegos; e actualmente – e lamentavelmente – os donos dos espigueiros vendem-nas, sem hesitações, aos antiquários que varrem o país. O citado Autor, referindo-se à beleza e riqueza de ornatos dos espigueiros galegos, explica-a ainda por um factor temperamental – o grande sentido de beleza do espanhol – e outro étnico – a maior percentagem de sangue germânico e celta, e menor de árabe, no galego, que por isso «é diligente e de índole prática e inventiva». É evidente que se trata de uma opinião pessoal, indemonstrável e muito discutível.

101 Ver nota anterior.

102 Na verdade, poder-se-á dar à rosácea um sentido de signo solar? O sol aparece com frequência como ornato nos espigueiros galegos e em alguns portugueses da serra Amarela e do Soajo; mas se qualquer intenção simbólica houve naquela figura, ela perdeu-se, e só por inconsciente repetição e facilidade de factura se continua a usar.

103 Muitas das portas deste género, feitas na primeira metade deste século, foram entalhadas por um artista jugueiro de Aboim da Nóbrega, que empregava em ambos os trabalhos o mesmo género de decorações e de processo. Os jugos são, na verdade, simples pranchas lisas, com desenhos geométricos riscados, e uma ou outra zona circular, cortadas por goivados pouco profundos, e apresentando apenas um distante parentesco com os jugos do Baixo Minho e Douro Litoral, profusamente entalhados e vazados, de factura e acabamentos perfeitíssimos.

104 Muitos destes ornatos – que combinam motivos populares, talhas de igreja e de mobiliário burguês – mostram de resto uma identidade de motivos e até de datas em todos estes espigueiros, parecendo indigitar um autor comum para todos eles.

105 De resto, interiormente, o espigueiro dos Arcos é igualmente de uma perfeição de acabamento inexcedível, com o telhado forrado a chapa, as cambotas bem aparelhadas e todas iguais, etc.
Digno de nota é também o varandão de uma casa de Averomar (Póvoa de Varzim), na qual estão incorporados, como é ali frequente, dois espigueiros: construção esbelta, harmoniosa, de lindas colunas lavradas, e uma riquíssima faixa entalhada a meio do ripado.

106 Supomos poder-se considerar os topónimos Urros, Orros, Orreo, Urra, Urrô, Urrós e Urreiro, Orreiro e Horreiro, derivados ou relacionados com Horreum, (como entende Joaquim da Silveira, Toponímia Portuguesa, in: Revista Lusitana, 33 – Lisboa. 1935, pp. 246-247), significando por isso locais onde se encontravam celeiros para cereais. Orreo figura num diploma de doação de 960, referido a um mosteiro em lugar desconhecido mas no norte do país; Orre, num documento da mesma data, que alude a uma propriedade no actual Larim (Vila Verde); Urros (Moncorvo), no foral de 1182 (onde é escrito Orrios e Urrios, Urrus, em documentos do século XIII, e a forma actual no rol das igrejas de 1320/21); Urrô, antigo couto no concelho de Penafiel, instituído por D. Afonso Henriques, nas formas Orroo e Urroo no século xiii, e Hurroo num documento de 1422; Urra, em Portalegre, num documento do século xiii; e também, referido a outra freguesia, no concelho de Arouca, no rol das igrejas de 1235/45; Urrós (Mogadouro), nas inquirições do século XIII (na forma Hurroos num documento de 1319), etc. O Autor cita ainda os topónimos Urra, herdade de Nisa, Vale de Hurra, lugares e casais no concelho de Vila de Rei, Fundão e Loulé, Cabeço de Urra, ramo da Serra da Estrela, Urró, em Vila Boa de Queires (Marco de Canaveses), e Urreiro, Orreiro ou Horreiro nos concelhos de Marco de Canaveses, Cinfães, Resende e S. João da Madeira.
Mesmo porém que estes topónimos se refiram a antigos «horreos», nada se pode concluir quanto à natureza e forma desses celeiros, e portanto quanto à cronologia das actuais categorias.

107 Veremos adiante fig. 209, que mesmo o espigueiro representado numa gravura de um códice galego do século xiii é surpreendentemente semelhante a certas formas actuais, de silhares de pedra com fendas horizontais.

108 Na Serra de Arga, os espigueiros mais antigos, de facto, não se distinguem daqueles que ali se construíram até datas muito próximas, e isto não só naqueles que pela rudeza da sua facção constituem formas quase elementares e insusceptíveis de evolução, ou se confundem com vetustez, mas também nos outros, que mostram um acabamento perfeito e rico.

109 É interessante notar que modificação idêntica se deu, por exemplo, na Hungria no decurso do século xix, como adiante referimos.

110 Vimos casos nítidos nestas condições, por exemplo na Vila da Feira, no Marco de Canaveses, etc.

111 Apenas na região de Santo Tirso, parece notar-se uma pequena regressão no número dos espigueiros, que diminuiu porque muitos lavradores deixaram ruir os velhos espigueiros sem os substituírem; outrora, as casas de eira eram muito pequenas, e o espigueiro era indispensável para a secagem do milho; agora, preferem, por mais económico e vantajoso, construir grandes alpendres junto à eira, com amplos salões de seca, semelhantes aos dos arredores do Porto (fig. 39), dispensando o espigueiro, mais dispendioso e de funções mais restritas. Contudo, é fora de dúvida que o espigueiro se encontra num momento de crise: por um lado, o elevado custo da sua construção, concebida à maneira tradicional, com madeiras duradouras e caras, de castanho ou carvalho, combinada com a generalização do emprego das debulhadoras mecânicas, que apressam a debulha, prescindindo assim de uma secagem tão demorada, parecem militar contra ele; e de facto, vêem-se terras – em Esposende, por exemplo – em que alguns espigueiros foram deixados ao abandono por esses motivos; acresce que a deslocação da cultura do milho para o sul, em regime extensivo, onde as condições de exploração, uma vez realizado o plano de rega, serão mais económicas do que na sua área actual, pode vir a afectar essa área, e com ela, o espigueiro. Por outro lado, é fora de dúvida que, pelo menos nas terras húmidas e mais frias, onde o amadurecimento da espiga é mais serôdio e a necessidade de secagem se impõe com maior gravidade, a vantagem do espigueiro não merece discussão. Mesmo em grandes unidades agrícolas o espigueiro não parece perder o seu prestígio; é ver a densidade com que ele surgiu em França recentemente, construído em modelos inteiramente novos, acompanhando a cultura do milho, introduzida ali para alimento do gado. Parece pois que, mesmo que aumente a área das explorações agrícolas, e a técnica da cultura seja melhorada, o espigueiro não será abandonado por inútil. Novos materiais, mais baratos e práticos, imporão o abandono ou a adaptação das formas tradicionais que acabamos de estudar, transformando pouco ou muito o espigueiro do futuro; mas é natural que ele se mantenha.

112 Isto dava-se sobretudo nessas regiões, onde a proscrição do roubo permitia a guarda do cereal em local afastado das casas. No Soajo, por exemplo, pela mesma razão, as adegas ficavam um pouco retiradas das casas, e não tinham sequer chave. Vimos também uma concentração deste tipo no Caramulo (Bazaima do Monte), onde de resto elas não são frequentes.

113 Em Couto de Cocujães, por exemplo, cada quartel regula por dois a três «carros» de milho, a quarenta alqueires por carro.

114 É frequente, por exemplo, em zonas de ripado vertical, aparecerem esses outros, pequenos e mal amanhados, de ripado horizontal descuidado, apenas pousados sobre pedras mal encasteladas.

115 De resto, o descuido do homem do campo torna muitas vezes inútil a defesa contra os ratos por meio das mós ou mesas, mesmo em espigueiros grandes e de boa construção : é na verdade muito frequente encostarem ao espigueiro tábuas ou varas, ou deixarem crescer para cima deles as varas das ramadas ou das árvores próximas e esses descuidos, mais frequentes do que se pode julgar, dão lugar à instalação no espigueiro de famílias de ratos, que fazem ninho no meio das espigas e no forro do telhado, e causam prejuízos muito avultados (vimos que nos espigueiros incluídos nas sequeiras de Cabeceira de Basto, que não têm defesa contra os ratos, o cultivador calculava esse prejuízo em cerca de 2,5% – p. 109). Quando se combina uma limpeza, juntam-se os cães, gatos e até homens armados com espingardas, e levantam-se as telhas, conseguindo assim que a bicharada fuja. Mais graves que as depredações dos ratos são porém os roubos a que o milho do espigueiro está sujeito: o ladrão abre geralmente um buraco por baixo, no lastro de madeira do espigueiro, por onde retira as espigas e, em noites escuras, sem dar nas vistas, vai levando o que pode de cada vez, já que assim o desfalque não é logo perceptível, e porque em geral o lavrador não pensa em olhar para tal sítio.

116 E também na serra de Arga, em Lamas de Olo, no Marão, etc. No exemplo do espigueiro «colectivo» referido a esta última localidade, citado por Octávio Lixa Filgueiras, Armando Araújo e Carlos Carvalho Dias, in: Arquitectura Popular em Portugal, vol. I, p. 165, trata-se de um espigueiro pertencente a vários herdeiros.

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