Processos da pesca do pilado
p. 134-143
Texte intégral
1Onde a pesca do pilado se fazia com dois barcos, e nomeadamente a norte do rio Douro, em que tal forma predominava, em regra só um desses barcos – aquele que ficava parado durante o lançamento da rede (que, quando eram de tamanhos diferentes, era o maior) – levava âncora; o cabo desta – o cabo do ferro – porém, era em forma de Y – o pé-de-galinha, pernada (Âncora) ou cabo do fundo (Aguçadoura) –, correspondendo cada um dos dois braços a seu barco: chegados ao local onde se decidira ir pescar1, o barco que ia ficar parado fundeava de modo que a âncora ficasse bem àquem da área aonde se ia lançar a rede2 ; quando os barcos eram diferentes, a rede, que viera no grande (que seria esse que ficava parado), era passada deste para o pequeno (que ia dar o cerco), retendo apenas a ponta do cabo que pertencia a este último, enquanto ia dar o cerco.
2Geralmente a âncora era ainda munida de um arinque, pequena bóia de sinalização, que indicava o ponto onde ela se encontrava, para evitar que outros barcos aí viessem lançar as suas redes, que certamente se rasgariam, obrigando os donos da âncora a uma indemnização3. Em certos casos, como por exemplo Montedor, Anha e Nazaré, cada barco tinha a sua âncora, a que na Nazaré davam o nome de ferro da cabeça ; ambos os barcos lançavam o seu ferro – na Nazaré a cerca de 20 braças um do outro – cujo cabo – a amarra (Anha) –, nas bateiras ao sul do rio Douro, se prendia numa das malaguetas da proa desses barcos; mas o barco da rede, antes de ir fazer o cerco, levava esse cabo ao barco parado. Na Nazaré, além disso, o barco da rede tomava do barco parado um segundo ferro – o ferro da banda – (de cujo cabo a ponta ficava amarrada ao banco da ré do barco parado), e ia lançá-lo em sentido oposto àquele em que ficara o ferro da cabeça, para que o referido barco se não pudesse deslocar.
3Como dissemos, muitas vezes, parte da tripulação do barco parado passava para o barco da rede para facilitar o manejo e ajudar ao lançamento desta durante o cerco; e depois, para a sua alagem, ou cada qual regressava ao seu barco, ou fazia-se nova redistribuição, para que ambos os barcos ficassem com um igual número de homens e com as forças equilibradas. Assim, por exemplo, em Montedor, em que seguiam 6 homens no barco grande e 2 no caíque, este recebia outros dois daquele, ficando 4 em cada barco: ao fazerem o cerco, dois ficavam aos remos, e outros dois soltavam os cabos e rede; na Apúlia e Pampelido, em que seguiam 3 homens em cada barco, ficava um sozinho no barco parado, juntando-se os outros 2 aos 3 do barco da rede; em Angeiras, em que seguiam 2 homens em cada barco, ficava também um sozinho no barco parado, juntando-se o outro aos 2 do barco do cerco; na Murtosa, em que seguiam 4 homens no barco grande e 2 no pequeno. ficava igualmente 1 sozinho no barco parado, juntando-se os outros 2 aos 2 do barco da rede, para o lançamento desta; mas, a final, para a sua alagem, um destes voltava para o barco grande, ficando 3 em cada. Na Póvoa de Varzim, outrora. tudo seguia no barco grande: a rede, a tripulação completa, e o próprio barco pequeno – o caceio – ; este era arreado só para fazer o lanço, carregando-o então com a rede, e embarcando nele, para essa operação, 3 a 4 homens.
4O barco da rede, com a rede e a sua tripulação normal ou reforçada, deixava então a ponta do reçoeiro no barco parado, amarrada também ao banco da ré (Nazaré), e seguia a remo, «dar o cerco», geralmente com um ou dois homens a cada um dos remos, e o outro ou outros a fazerem o lançamento : ia soltando aquele cabo, inflectia, depois dele acabar, para largar a rede4, primeiro a manga até ao saco (com uma breve invocação propiciatória ao lançar este) e a seguir a outra manga, e finalmente, volvendo em direcção contrária para regressar até ao fundeadouro do barco parado, soltando o segundo cabo – a mão do barco da carreira 5. Descrevia assim um arco de círculo, em que o saco ficava a meio, e que fechava junto do barco parado.
5Chegado aí, os homens da tripulação do barco parado que tinham ido no barco de rede ajudar à manobra do cerco, passavam novamente para o seu barco; e o barco da rede amarrava um pequeno cabo a uma alça ligada ao cabo do pé-de-galinha que lhe competia e que se encontrava no barco parado, e passava-o à proa (de modo que ambos os barcos ficassem de proa voltada para a âncora, afastados um do outro cerca de 10 braças, para melhor poderem colher a rede) ; e fundeava aí também. Na Nazaré, além do cabo do ferro, o barco da rede, de regresso do cerco, tomava também do barco parado uma das pontas de um terceiro cabo – o cascão – cuja outra ponta ficava no barco parado (além dos cabos do ferro e da banda) e que passava a ligar os dois barcos durante a alagem.
6Os dois barcos assim ligados, emparelhavam então os cabos da rede, procurando, em ambos eles, a primeira marca para se acertar e iniciar a alagem.
7A alagem fazia-se com três ou dois homens em cada barco6 : primeiro colhiam-se os cabos – o reçoeiro para o barco parado ; a mão da barca para o da rede–; geralmente um dos homens –que em regra era o mestre– não puxava: apartava o peixe que vinha no saco, firmava e enrolava o cabo, e contava as marcas, para verificar se vinha certo com o do outro barco, recomendando, de acordo com esse, adiantos ou atrasos, conforme os casos7.
8À medida que a alagem avançava, os dois barcos, ligados pelo cabo do pé-de-galinha – ou, na Nazaré, pelo cascão 8–, iam-se aproximando um do outro. Depois dos cabos, colhiam-se as mangas ou bandas 9: em cada barco um homem alava as cortiças, outro os tijolos.
9A alagem fazia-se muitas vezes à mão ; mas em certos pontos – Montedor, Averomar, Vila Chã, Angeiras, etc. –, os barcos tinham um rolo ou sarilho – o carro (Montedor), polé (Aguçadoura), bolinete (Angeiras), carrela (Vila Chã) ou grade (Matosinhos)10, formado por um tambor de madeira – o cepo –, com ou sem manivela (Aguçadoura), por vezes com dupla manivela (para poder ser manejado por dois homens), e que ficava assente num pequeno cavalete de tábuas ajustado à ré ou ao banco da ré dos barcos11, para ajudar a alagem ; em Angeiras, contudo, só usavam esse aparelho para se colherem os cabos, alando-se a rede à mão (des. 34). Em Vila Chã, colocavam uma tábua – o caniço – pousada nos dois bancos centrais, a estibordo do barco parado e a bombordo do da carreira, e era para cima dela que colhiam a rede. Quando chegava o saco, os dois barcos encontravam-se lado a lado, e encostavam as proas – que se amarravam uma à outra –, formando um V, no meio do qual entrava o saco. Começava-se então a esvaziá-lo para bordo, retirando-se o pilado com rabichéis ou rodafoles pequenos (a que ao sul do rio Douro davam o nome de nassas) ; em certos pontos – Averomar, Póvoa de Varzim, Vila Chã, Angeiras, etc. –, estes rabichéis tinham uma corda amarrada a meio do arco: um homem, que se encontrava no segundo barco, empunhava esse aparelho pelo cabo, e mergulhava-o na massa do pilado do saco, enquanto outro, no barco para onde se estava a deitar esse pilado, o segurava pela corda, puxando-o logo que ele estava cheio, para cima e depois para dentro do barco, onde o despejava (des. 35). Em S. Bartolomeu do Mar os companheiros seguravam o saco com a boca aberta e, de cada barco, os mestres retiravam o pilado com rabichéis ; e semelhantemente em S. Jacinto, os companheiros alvoravam (isto é : erguiam) mesmo o saco para cima, entre os dois barcos, para o pôr mais a jeito de outro manejar essa nassa 12.
10Se havia só dois homens em cada barco, um segurava a rede de qualquer maneira, e o outro retirava o pilado do saco. No Pampelido e em Angeiras, quando já só fajtava meia dúzia de gigas para esvaziar o saco, ou quando este viera muito pouco cheio, puxava-se o próprio saco para cima e despejava-se directamente no barco.
11Esvaziado o saco, a parte da rede que estava no barco parado era atirada para o barco da rede, e procedia-se ou a um novo lanço, ou ao regresso.
12Na maioria dos casos, enchia-se primeiro o barco parado – que, como dissemos, levava mesmo, por vezes, o nome de barco da carga – a fim de se deixar o da rede livre para ir fazer novos lanços. Na Aguçadoura, onde, pelas condições da praia, a pesca só podia ter lugar com mar manso, o barco parado enchia-se mesmo até ficar com a borda ao raso da água; no Pampelido, enchia-se também primeiro o barco parado, mas não totalmente, tareando-se ambos os barcos a partir de uma certa altura. Por vezes, porém, quando o lanço era fraco, ia-se deitando o pilado ora para um dos barcos, ora para o outro (S. Bartolomeu do Mar); e na Nazaré, se o mar estava mau, repartia-se igualmente logo o pilado pelos dois barcos, de acordo com os lanços realizados.
13O pilado despejava-se no barco parado, primeiro à ré, até meio do barco, e depois à proa, também até meio do barco, deixando livre apenas um estreito escoadouro a meio, e, às vezes, o quarteirão de remar (S. Bartolomeu do Mar). Na Nazaré, enchiam primeiro à proa e depois à ré.
14Se o cardume era basto e a rede bem lançada, bastavam dois ou três lanços para encher um barco grande – uma barcada (Montedor) –; mas de uma vez, em Averomar, foram precisos doze lanços para tal. Quando se enchia também o barco da rede, esta, para os últimos lanços, vinha numa parte livre e separada do caranguejo por qualquer divisória, geralmente à ré, para que este a não rasgasse.
15Depois de cheios os dois barcos, terminado o último lanço, tinha então lugar o regresso: o cabo e a banda que haviam sido recolhidos para bordo do barco parado eram mais uma vez passados para o outro barco – o qual, fossem ambos os barcos iguais, ou fosse este mais pequeno do que aquele, era o que trazia a rede –; soltavam-se os ferros e outros cabos, e punham-se em marcha. Na Nazaré, com mau tempo, toda a companha passava para o barco da rede, e o do ponto vinha a reboque.
16Em muitos casos, e nomeadamente ao norte do rio Douro, onde com frequência, como dissemos, se ia pescar o pilado a locais muito distantes, esta remagem era extremamente dura – longas horas, na véspera, a remar, muitas vezes contra o vento; uma noite a trabalhar lançando e alando a rede, e esvaziando o saco a rabichel ; e propulsionando agora um barco carregado com algumas toneladas de pilado.
17Chegados finalmente à praia da sua proveniência, os barcos aguardavam em geral que a maré baixasse, para vararem e se proceder à sua descarga. Em Castelo de Neiva, porém, a gente de S. Romão e de S. Paio de Antas esperava pela preamar para estas operações, porque entravam pelo rio para vararem e descarregarem o pilado, e só então o podiam fazer.
18Por seu turno, onde a pesca do pilado se fazia com um só barco, nomeadamente em certos grupos piscatórios ao norte do rio Douro – Póvoa de Varzim (em tempos mais recentes) e Matosinhos –, e sobretudo ao sul desse rio, em que tal forma predominava, aquele barco, – a bateira grande, de tipos diversos, ou a lancha de tipo poveiro –, chegado ao local onde se decidira ir pescar, lançava o ferro – a fateixa –, cujo cabo – o cabo do ferro (Afurada) ou redenho (Buarcos) – ficava ligado a uma bóia. O cabo do ferro era suficientemente comprido – media geralmente 25 a 50 braças – para não só se ajustar às diferenças de profundidade, mas também para, obliquando convenientemente, manter a bóia devidamente afastada do ponto onde ia trabalhar a rede.
19A bóia, que era muitas vezes um odre, constituía, neste caso, o elemento imóvel do cerco: era junto a ela que se amarrava ao cabo do ferro a ponta do reçoeiro ou do chicote do calão (Póvoa de Varzim), quando a bateira saía a «fazer o rodo». Por isso, e porque pescavam muitas vezes à noite ou em dias de nevoeiro, a bóia, na maioria dos casos (Matosinhos, Afurada, Aguda, Esmoriz, Mira, Buarcos, etc.), era munida de uma sineta que, tocando com a ondulação do mar ou os movimentos do reçoeiro, assinalava a sua localização, indicando a direcção que a bateira devia tomar para fechar o cerco.
20Além do cabo do ferro, partia da âncora ainda um outro cabo, que prendia a uma das suas unhas ou asas (Buarcos), e que tinha na extremidade livre um arinque ; esse cabo ficava na vertical do ferro, e o arinque marcava a localização deste, para evitar que outros pescadores viessem lançar os seus aparelhos sobre ele.
21O lançamento da rede, nas suas linhas essenciais, fazia-se como quando se empregavam dois barcos: amarrada a ponta do reçoeiro ao cabo do ferro junto à bóia, a bateira ia arriando aquela cala, seguidamente a primeira manga da rede, o saco, a segunda manga, e finalmente a mão da bar ca – regressando até junto da bóia a fechar o cerco; durante o lanço, dois homens trabalhavam com a rede, e os restantes ficavam aos remos, um ou dois a cada remo, conforme a diversa composição das companhas. A bateira era então amarrada também ao cabo do ferro por meio de uma alça (que estava no barco) e um sapatilho (Buarcos), junto à bóia, e iniciava-se a alagem da rede.
22A alagem da rede, neste caso, era feita simultaneamente à proa e à ré, dois ou três homens a cada uma dessas pontas do barco, colhendo à ré a mão da barca e a manga da rede dessa banda, um a puxar as cortiças e o outro os tijolos, e à proa o reçoeiro e a manga dessa banda pela mesma forma, até à chegada do saco junto ao barco; ao colherem-se os cabos, acertava-se a alagem pelas marcas, de 10 em 10 braças.
23Nesta área não conheciam a polé e a alagem fazia-se toda à mão.
24Como no processo anterior, o saco era esvaziado para o barco com o auxílio de enxalavares13 –nassas ou rapichéis – ; e quando estava meio vazio, ou quando o caranguejo era pouco, despejavam-no mesmo directamente para bordo, como vimos fazer-se no Pampelido e em Angeiras. Um dos companheiros ia apartando o peixe que vinha junto com o pilado na rede, e que era para os pescadores ou para venda.
25Finda a alagem e vazio o saco, procedia-se a um novo lanço, até se dar por finda a pescaria do dia. De um modo geral, para carregar estas bateiras, se o pilado abundava, bastavam 2 lanços ; mas quando assim não sucedia, chegaram a ter de dar 15 lanços (Matosinhos).
26Para o regresso, o caranguejo vinha à proa e à ré (Afurada), ou apenas à proa (Costa de Lavos), ou a meio (Buarcos), mas em qualquer caso de maneira que a rede viesse numa parte livre e dele isolada por anteparos – a quartelada –, geralmente à ré (Costa de Lavos, Buarcos, etc.), para, tal como vimos atrás, evitar que o caranguejo a rasgasse.
27Da Aguda à Torreira e em Buarcos, para aliviar o barco quando a carga era pesada, o mar vivo ou agitado, ou em certas passagens mais difíceis – por exemplo, em Espinho e Esmoriz, depois de passar o «mar do banco», baixio arenoso a meio da «baía» – usavam um processo especial : levavam a bordo um ou vários sacos compridos, de rede, enchiam-nos com o que neles coubesse do pilado recolhido (usando também, para tal, os enxalavares), fechavam-nos amarrando-os bem com um cabo forte, e atiravam-nos à água assim cheios, ficando com a ponta desse cabo a bordo; era o que, de Espinho à Torreira, chamavam o saco de vaivém. Na Torreira, se iam ainda fazer mais lanços, amarravam a ponta desse saco à bóia. A final, quando vinham para terra, traziam o saco de vaivém a reboque, com um cabo de cerca de 30 m de comprimento; e depois de terem esvaziado e transportado a bateira para o areal, o saco era alado, puxando-o pelo cabo que o rebocára.
28O saco de vaivém é uma solução engenhosa, que se relaciona com o facto de, na área onde é usado, por um lado a pescaria ter lugar em frente e não muito longe da praia, e por outro o mar ser com frequência extremamente violento e as praias totalmente desabrigadas.
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* *
29Trazidos os barcos até junto da borda, e varados ou atracados, de flanco, procedia-se à descarga do pilado. A descarga era trabalho de mulheres, e cada companheiro devia mandar à praia uma mulher da sua família para cooperar nesse serviço. Os homens, ainda de bordo, enchiam, com os rabicheis ou enxalavares, os cestos, que as mulheres, à cabeça – e em certos casos, como por exemplo em Espinho, também os homens, ao ombro –, transportavam para o local onde o pilado seria despejado.
30No que se refere às companhas de gente da lavoura, as mulheres vinham para a praia à hora prevista do regresso, trazendo os carros de bois, munidos de caniços, e com os cestos e outras alfaias para a descarga, e por vezes com uma merenda para os homens comerem à chegada; logo que os barcos varavam, o carro entrava na água e aproximava-se o mais possível deles; e as mulheres despejavam no caniço os cestos com o pilado.
31Nos locais onde eram os pescadores (e cabaneiros) quem pescava o pilado, e de uma maneira geral nos casos em que ele se destinava à venda aos lavradores, estes iam buscá-lo com os seus carros aos pontos de desembarque – em Âncora, no portinho da praia; na Póvoa de Varzim, nas praias de Paimó (Aguçadoura) e das Caxinas (Vila do Conde), a que por esse motivo chamavam a «praia do pilado»; etc. –. Nestes casos, o pilado era levado nos cestos até um certo ponto do areal, onde o despejavam, formando montes – que na Póvoa de Varzim eram de 20 gigos –, que em seguida eram arrematados na lota ou vendidos imediatamente aos lavradores; muitas vezes estes encomendavam mesmo o pilado previamente aos pescadores, e ele era então levado e despejado directamente para os seus carros.
32Segundo uma estimativa aproximada, os barcos dos tipos nortenhos e da bateira da Afurada levavam uma carga correspondente a cerca de 2 ou 3 carros de bois, ou sejam outras tantas toneladas (S. Bartolomeu do Mar, Aguçadoura, Vila Chã ; Afurada, Cortegaça ; etc.). Em Âncora, contudo, falaram de 160 gigas, representando cerca de 8 carros de bois (à razão de 20 gigas por carro). Na Aguçadoura, um barco carregado «de bico a bico» trazia cerca de 100 gigos, e um caniço correspondia a cerca de 40 a 50 gigos. Em Montedor, o barco trazia cerca de 220 cestos de 2 alqueires (cerca de 6 toneladas). A grande lancha da Cova de Lavos carregaria cerca de 15 carros. Etc.
33Na Gala, que fica já sobre o rio Mondego, adiante da sua foz, se o regresso tinha lugar na preamar, as bateiras grandes atracavam ao cais, e o pilado era descarregado como dissemos; se porém o tinha na baixa-mar, não havia ali fundo para elas poderem assim encostar, e descarregavam parte do pilado para outras mais pequenas, para diminuir o seu peso.
34Depois de descarregados, os barcos ou bateiras eram alados para o alto do areal. Essa alagem fazia-se normalmente a gado, e, em certos casos – mormente nas companhas de pescadores (e cabaneiros) ao norte do rio Douro, por exemplo em Averomar –, a ombro dos companheiros (por vezes com o auxílio dos de outras companhas locais). Na Aguda, para baixo a bateira era levada pelos homens; para cima ela era-o por duas juntas de bois; na Nazaré, para baixo bastava uma junta para cada barco; para cima eram precisas 12 juntas, 6 para cada barco; as 12 juntas porém puxavam todas a cada barco, porque o barco alava-se carregado.
35No Furadouro, a bateira também se alava carregada, por 4 juntas de bois que para o efeito ficavam na praia, aguardando o regresso das companhas; e a descarga tinha lugar depois dela estar no alto do areal. Quando usavam o saco de vaivém, ele próprio, ao chegar a terra, era também despejado na bateira antes de a levarem para cima.
36O regresso dos barcos, varando na areia, a descarga do pilado e o seu transporte nos carros de bois que aguardavam na praia, e a alagem final dos barcos, constituíam um espectáculo cheio de movimento e de animação. Transcrevemos a seguir a descrição de um desses acontecimentos, referido à Apúlia, por volta dos anos de 1920 : «No dia previsto do regresso, vinham chegando à praia, à espera dos barcos que haviam saído, gentes e carros de bois, grupos de moças, com grandes chapéus de palha sobre os lenços garridos, e as saias enfaixadas, curtas, mostrando-lhes, até aos joelhos, as pernas fortes e trigueiras. E em breve, na praia, estendia-se um extenso arraial sereno, adormecido pelo sol e pelo ruído embalador do mar.
37Ao longe, os barcos eram pontos que mal se distinguiam. Mas pouco a pouco esses pontos cresceram, as velas enfunadas pela aragem ligeira. Espaçadas umas das outras, as companhas iam-se aproximando de terra, onde já um bulício quebrara o sossego de há pouco. Para junto da água, para o lugar do varadouro dos barcos mais próximos, iam descendo os carros de caniços escuros, e bois vermelhos de grandes cornos brancos. E quando aqueles chegavam, tirados para terra os remos, mastros e velas, a descarga começava. Um rapaz à proa, com um remo firmado na areia, mantinha o barco de proa virada ao mar. E enquanto do seu largo bojo dois homens enchiam, cesto após cesto, a massa translúcida de corpos e pernas movediças, as mulheres, carregando-os ao ombro, esvaziavam-nos no caniço do carro, metido na água até ao eixo, logo ali a par. Quando o barco, mais leve, se podia puxar mais para cima, e se aquietava, o carro avançava, subia um pouco ainda, afastando-se dele; e o lidar das moças tornava-se mais vivo, as ancas mais sacudidas pelo peso. E caindo do alto, escorregando pelas roupas molhadas, patinhando na areia revolvida, os pequenos caranguejos vermelhos escapavam-se em todas as direcções...
38O caniço cheio, era o carro levado até ao alto do areal. E quando o barco ficava vazio, era também ele alado, duas juntas e a ajuda dos homens, o acompanhamento da gritaria e do agitar das aguilhadas, as sogas retezadas puxando as cabeças aflitas dos bois»14.
Notes de bas de page
1 Na Nazaré, por vezes, para se certificarem se no local escolhido havia ou não pilado, faziam sondagens com um bacalhau, que os caranguejos, a encontrarem-se ali, devoravam.
2 Em Vila Chã, o cabo do ferro tinha por isso –e também para se ajustar às diferentes profundidades a que se podia pretender pescar– 100 braças de comprimento.
3 Em Vila Chã essa indemnização consistia em «pagar o dia» aos lesados.
4 Em Vila Chã, a rede, no barco da carreira, é sempre lançada – e alada – por bombordo. Ver nota 167.
5 Como dissemos, em geral a mão do barco da carreira era mais longa que o reçoeiro, de modo a consentir-lhe chegar junto do barco parado sem puxar já pelo aparelho. Ver p. 131.
6 Na Póvoa de Varzim, outrora, a alagem da rede fazia-se inteiramente de dentro do barco grande, colhendo-se uma das bandas a meio do barco e a outra à ré.
7 Como veremos, no Mindelo, o miranço mostrava à popa uma goiva por onde corria o cabo, ao colher-se o lanço (semelhante aquela que na proa protege a borda contra a passagem do cabo do ferro).
8 Aqui, começavam a puxar o cascão, para aproximar os dois barcos, quando não faltavam mais de 20 braças para a alagem do saco.
9 Em Vila Chã, por bombordo no barco da rede, e por estibordo no barco parado. Na Aguçadoura colhiam a rede pela popa. Ver nota 162.
10 Baldaque da Silva, op. cit., p. 189, menciona também este aparelho, a que dá igualmente o nome de carro. Em Matosinhos, vimo-lo ainda instalado nas janelas do 1.° andar dos armazéns das companhas, para mais facilmente se içarem para cima (onde ficam guardadas até voltarem a servir) as grandes redes da sardinha, depois de secas. Maria Alves Lima, op. loc. cit., p. 136, distingue a grade da polé, que é mais pequena e com manivela.
11 Maria Teresa Lino Neto, op. cit., fala na poli colocada também à proa do barco; mas na Aguçadoura explicaram que isso se verifica apenas com as peças da pesca da sardinha; para trabalhar ao pilado, usa-se apenas a polé à popa (Octávio Lixa Filgueiras, «O barco poveiro», p. 166, nota 257).
12 Baldaque da Silva, op. cit., pp. 248-249, falando nos «varinos», diz que o caranguejo era tirado do seio (ou saco da rede) «aos cestos, igual número para cada embarcação».
13 Na Torreira deram a esta operação o nome de ensavaliar.
14 Fernando Galhano, «A pesca do pilado na Apúlia», Cultura e Arte, Página Cultural de O Comércio do Porto de 27-VIII-1963.
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