Barracos
p. 103-112
Texte intégral
1Ao longo de todo este sector costeiro, vêem-se, ora alinhados ora dispersos junto à orla da praia, barracos de abrigo e arrecadação de barcos e aprestos de apanha de sargaço e de pesca, que também podem servir de residência temporária de pescadores e sargaceiros, e que se apresentam sob variados tipos. Baldaque da Silva, na descrição daquilo a que dá o nome de «portos de pesca» e «portos de sargaço», que são todos os locais onde essas actividades têm lugar, mesmo simples recantos da praia desertos, indica a existência desses barracos em muitos pontos, nomeadamente desde o Cabedelo de Caminha até Sedovem, e depois apenas em Vila Chã, precisando por vezes rigorosamente o seu número e localização – que não raro condizem com o que até há poucos anos subsistia–, nada porém dizendo quanto à sua forma, materiais de construção, etc. Por seu lado, Rocha Peixoto tenta uma classificação desses barracos – que parece considerar todos de tabuado – mas apenas sob o ponto de vista da classe social das pessoas a que eles correspondem ; e diz que os barracos que existiam desde o Cabedelo de Caminha até ao Gramadouro (Pedrinhas), eram abrigos ou residência temporária de sargaceiros-lavradores ; os da Apúlia, Aguçadoura e Averomar, eram abrigos e residências temporárias de gentes que cumulavam mesteres rurais e marítimos; e os de Sedovem e Vila Chã, eram residências permanentes de pescadores –constituindo portanto verdadeiras aldeias –, encontrando-se aí e em muitos outros pontos da costa para o sul até ao Algarve, «quase numa imutável traça»; nada indica, porém, do mesmo modo que Baldaque da Silva, quanto à forma desses barracos, tipo de construção, etc. Ver-se-á que, neste capítulo especial, as nossas observações e os informes por nós colhidos quanto ao passado, que a seguir passamos a expor, se afastam consideravelmente da opinião deste Autor1.
2Como dissemos atrás, em muitos casos – nomeadamente na Amorosa, Castelo de Neiva, Aguçadoura, Averomar, Mindelo, Vila Chã, etc. –, foram estes barracos o ponto de partida da constituição dos aglomerados costeiros que hoje existem naqueles locais, com uma população de cabaneiros e pescadores que aí se fixou em data recente. Por vezes, um ou outro de tais aglomerados, nos primeiros tempos da sua existência, vinham indicados nos mapas com o nome de «Barracos» das povoações rurais que lhes correspondem no interior, não raro muito antigas, nas quais residiam as pessoas a quem esses barracos pertenciam – por exemplo Barracos de Vila Chã.
3Mais tarde, acompanhando a procura crescente de locais apropriados para banhos de mar, aqueles aglomerados evoluíram no sentido de se ajustarem a essa feição, que hoje predomina, e ao novo público que lhe é próprio, com novos costumes e conceitos habitacionais, novas exigências e possibilidades materiais. E hoje assistimos não só à transformação desses aglomerados em estâncias de veraneio – como sucedeu na Foz do Neiva, no Mindelo (onde os velhos barracos desertados foram demolidos por imposição camarária), etc. – mas mesmo, como dissemos, à adaptação dos próprios barracos a pequenas casas de férias ou fins de semana de acordo com a moda generalizada de um rusticismo mais ou menos sofisticado, como está a suceder em Sedovem, nas Pedrinhas, no Facho (Fão), etc.
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4Já não é fácil reconstituir com segurança todas as formas que apresentaram, em tempos passados, mais ou menos distantes, os barracos de recolha da ferramenta do sargaceiro, e de barcos e aprestos para a pesca do pilado e peixe. Agrupados em número muito variável, eles erguiam-se em locais escolhidos pela abundância do sargaço e pela proximidade da área habitada. A sua regular implantação actual em filas ou arruamentos é relativamente recente, e foi acompanhada por uma melhoria de construção e aumento de dimensões. Eles dispunham-se, pelo menos na maior parte desses agrupamentos, a esmo pela praia, em geral mais próximos da água que actualmente ; localizavam-se assim na faixa pertencente aos Serviços Hidráulicos, que, em certo momento, passaram a cobrar o aluguer do terreno, podendo também ordenar a sua demolição sem qualquer indemnização. Isto motivou a sua construção em terrenos particulares, mais afastados do mar; construção que foi então melhorada, adoptando-se a forma que têm presentemente, ou formas intermédias entre essa e a primitiva.
5Nós encontramos barracos – e temos notícia deles no passado – a partir de Angeiras para o Norte; e nessa faixa, os mais antigos parece terem sido pequenas construções muito toscas, com paredes feitas de pedaços de granito, e cobertas de colmo ou junco (fig. 146)2. Nessas barracas ou palhoças primitivas, e nomeadamente no Mindelo, onde existiam alguns exemplares quase mergulhados na areia – hoje finalmente demolidos – a cobertura ficava tão baixa que era necessário protegê-la dos bois por molhos de tojo; ela era a quatro águas, sendo a da frente menor que a da rectaguarda. As suas dimensões eram as mesmas para todas, pouco mais de 7 metros de comprimento, para permitir a arrecadação do barco, e apenas 3 a 3,5 de largura3. A porta, de um ou dois batentes, ocupava toda a largura da fachada, e a padieira, arqueada, mal deixava passar um homem a pé (des. 26 e fig. 145).
6Quando abrigavam todo o material, ficavam estes barracos completamente atravancados; a um lado o barco, e, nas traves da armação, remos, mastros, bicheiros, e todos os demais aprestos compridos; a um canto, a lareira com a trempe e o latão ou caldeira de cozer a casca, e a masseira para o encasque das redes; e, espalhado por onde havia lugar, cordas, paus, carrelas, etc.
7No momento em que tiveram de ser reedificados mais longe do mar, a antiga forma destes barracos sofreu alterações sucessivas, incidindo sobre alguns dos seus caractéres. Destas, a primeira foi a simplificação da cobertura de colmo, que passou a ser de duas águas (des. 27) ; e seguidamente, o colmo foi substituído pela telha, e as dimensões do edifício aumentadas. Mas estes três estádios podiam observar-se em diferentes exemplares da praia do Mindelo, ilustrando a evolução dos barracos de Angeiras e Vila Chã, cujo parentesco com os dali era evidente. A sua fase final, por sua vez, constituiu um modelo que, progressivamente melhorado e ampliado, seguiram os grandes barracos que se viam ali e em Angeiras, e no próprio casario do núcleo mais denso de Vila Chã, feito à custa dos barracos preexistentes, como noutros lugares dissemos.
8Do Mindelo para o norte, o primeiro barraco que se encontrava era em Averomar. Aí, subsistia um único, mas a gente do sítio lembra-se de ter havido outros iguais, de pedra, e com telhado de colmo a duas águas, no lugar em que depois foi surgindo a actual povoação, que é recente.
9Na Aguçadoura, todo o núcleo era formado por barracos de tipo diferente, com cobertura de colmo ou palha de «borega» (da lagoa da Apúlia), a duas águas, assente em esteios de granito cravados na areia, e com todas as paredes de tabuado (fig. 146). Apesar de muito espaçosos, eles têm estreita relação com as pequenas barracas erguidas junto das habitações rurais desta região de areias, em que o lavrador guarda produtos do campo, especialmente a cebola. Estes barracos, amplos e cuidados, têm um caracter muito diferente dos demais barracos de madeira que se encontram nas outras localidades desta área. Isto deve relacionar-se com a relativa prosperidade da região, e o emprego da madeira na sua construção explica-se certamente por razões culturais, como prolongamento de uma velha tradição, e também pela dificuldade do transporte da pedra, que não existe nessa área de dunas. De resto é natural que também na Aguçadoura, pela sua vizinhança e identidade de condições com a Apúlia, existisse, como ali, uma outra forma, possivelmente mais antiga, em que as duas águas de palha desciam até ao chão, forma que neste último lugar denominavam de «lombo de burro».
10Na Apúlia, os barracos de abrigo situam-se na praia ou logo atrás, no limite do casario da beira-mar, e hoje, em certos casos, já à mistura com ele. Mas presentemente, ali, já não existe nenhum desses barracos de madeira e palha; agora encontram-se apenas duas categorias distintas de barracos : uns, de tabuado, que parecem ser predominantemente residências de pescadores, e outros de pedra, de arrecadação de sargaço e aparelhagem diversa, em ambos os casos alinhados em arruamentos rectilíneos com as coberturas de telha a duas águas, mostrando sempre o cume paralelo à rua, formando como que um telhado único, com o beiral horizontal sobre as portas (des. 28). Uns e outros apresentam formas variadas, não se podendo falar a seu respeito num modelo definido. Os barracos de pedra encontram-se de preferência mais ao sul, e os de madeira mais ao norte ; mas nas duas áreas aparecem também barracos de ambas as espécies, e ao sul vemos barracos de madeira no meio dos de pedra, servindo ora de arrecadação de sargaço, ora de residência de sargaceiros ou pescadores, enquanto que ao norte, alternando com os de madeira, se vêem barracos de pedra por vezes isolados e dispersos no areal, onde vivem também essas gentes.
11No vizinho agrupamento de Sedovem, as mesmas variedades e irregularidades se notam, existindo longos arruamentos ora de pedra ora de madeira (des. 29) a par de outros de pedra (fig. 42), os primeiros de lavradores dos lugares do interior, e também de pescadores e sargaceiros-cabaneiros, os outros apenas de lavradores. E conserva-se aí a memória da existência de barracos semelhantes aos actuais da Aguçadoura que descrevemos, mas todos recobertos de palha borega, mesmo as paredes.
12Na categoria dos barracos de pedra, aparecem aqui alguns exemplares de um tipo peculiar, isolados a esmo no areal, de forma arredondada, que merecem uma menção especial.
13Nas Pedrinhas e no Facho (Fão) os barracos são todos de pedra, e pertenciam apenas a lavradores (das Pedreiras, Fonte Boa e Gandra), que iam à praia ao sargaço, e ali arrecadavam as algas e arrumavam os seus aprestos e barcos. Nas Pedrinhas, esses barracos ora formavam longos abarracamentos únicos, ora apareciam isolados, alinhados na orla do areal ou perpendicularmente a ela, ora mais ou menos a esmo pela duna – estes últimos, do tipo arredondado que já vimos em Sedovem (des. 30 e fig. 140).
14Em Fão, eles são todos isolados, mas alinhados, alternando barracos de planta quadrangular e telhado de duas águas, com barracos de tipo arredondado (fig. 139).
15Estes últimos parece corresponderem à forma mais antiga aqui existente; eles têm uma planta grosseiramente elíptica, com o eixo maior perpendicular à linha da costa, e a porta na parte virada para esse lado. As paredes são feitas de pequenos fragmentos, bem assentes, de xisto, e às vezes de quartzites, sem reboco, com 1,80 a 2 metros de altura, excepto as ombreiras, que são de granito. Na padieira, feita de um tronco esquadrejado, cravam muitas vezes tornos de madeira, dos quais penduram a roupa molhada. E o telhado, de telha caleira, de três águas, sobre a qual pousam pedras para a segurarem contra a nortada, forma sobre a porta uma espécie de alpendre. Na rectaguarda, um pouco abaixo do cume, abra-se um pequeno postigo, que permite olhar-se para o lado da terra4. Nestes três aglomerados, os barracos de pedra dos lavradores, que, com a decadência das actividades sargaceiras por parte dessa gente, já pouca utilidade têm, estão paulatinamente a ser adquiridos pelos banhistas citadinos, que fazem deles, depois de os comporem e modificarem, casas de férias ou de fins de semana; e pouco a pouco os próprios aglomerados vão tomando o aspecto de pequenas estações de veraneio em crescimento, nas quais, por enquanto, coexistem nitidamente aspectos rústicos e urbanos (figs. 140 e 143), tendo em comum a característica de, em ambos os casos, serem habitados apenas no verão. No Facho, essa transformação articula-se mesmo no movimento de urbanização das dunas de Ofir.
16No pequeno grupo das Marinhas, os barracos antigos de pedra e colmo, que se encontravam a esmo, isolados na duna, desapareceram completamente com a venda dos barcos do pilado, sendo substituídos por pequenas casotas também de pedra, de telhado a duas águas, apenas para guarda da ferramenta dos sargaceiros ; algumas são divididas a meio, no sentido longitudinal, e têm por isso uma estreita porta de cada lado da fachada. Pelo contrário, em S. Bartolomeu do Mar, alguns dos que existem parece serem bastante antigos. Com telhados de forma variada, têm todos de comum o facto de a porta ficar a um lado, deixando um espaço fechado por parede (fig. 138). Na Foz e no Castelo de Neiva voltam a aparecer os barracos de madeira – na Foz, perdidos no meio das casas de veraneantes que vão transformando esse «porto de sargaço» numa estação balnear ; no Castelo, absorvidos pela povoação, já de grande vulto, constituída, nestes últimos decénios, a partir do desenvolvimento do núcleo composto pelos escassos barracos dos seus primeiros residentes (fig. 136) ; e hoje, apenas alguns restam, diluídos entre as construções de pedra, verdadeiras pequenas casas em número crescente, e onde já mal transparecem quaisquer traços dos barracos (fig. 137) –. Em ambos os lugares, eles encontravam-se mais afastados do mar, para o interior da duna, que é aqui íngreme e batida pela maré cheia. Mas enquanto que o Castelo possuía várias dezenas deles espalhados desordenadamente pelo areal (fig. 136), havia no primeiro apenas quatro, muito juntos e alinhados (fig. 135). A forma de uns e doutros era, todavia, idêntica, embora aparentemente diferente. Quer nuns quer noutros a porta ficava por baixo da empena dum telhado a duas águas, e era frequente uma ou outra porta pequena a um lado. Porém no Castelo, de vida marítima mais intensa e constante, quase todos os barracos apresentavam acrescentos laterais, para um ou ambos os lados, servindo alguns de habitação (des. 31).
17Ao norte do Castelo, a pequena aldeia da Amorosa surge, muito diferente, com uma fila contínua de construções de pedra alinhada frente ao mar. Como os barcos do pilado se venderam, os barracos foram transformados, alguns divididos, e as portas semi-entaipadas ; uns tinham beiral horizontal sobre a fachada, com o cume do telhado paralelo a ela, outros a empena virada ao mar (fig. 134). Logo atrás duma fila de barracos – que eram pertença de lavradores do interior –, cresceu a actual povoação de cabaneiros e pescadores, e ainda se viam aí algumas construções de madeira pouco cuidadas, hoje raras também no meio do casario.
18Para o Norte de Viana do Castelo os barracos têm forma muito irregular. Os de Montedor eram todos de pedra, de formas e telhados variados5: no lugar de Troviscoso, há ainda hoje uma linha de uns seis barracos, no porto do Lumiar, onde guardavam os barcos de pesca e do pilado e dos quais apenas um mantém o telhado intacto ; um pouco mais ao norte, na Fonte do Mar, há dois de quatro águas, com a porta a toda a largura da fachada frontal; no sopé do morro do farol, existiam ainda em 1960 dois dispersos, de planta irregular, com a porta num canto, e telhado de uma única água (des. 32). A norte do morro do farol localiza-se um outro conjunto de barracos, de pedra com cobertura de telha de duas águas, dispostos em dois grupos de cinco e três cada, voltando a empena ao mar, das quais alguns pertencem a gentes do lugar de Gaiteira, da vizinha freguesia de Afife. Hoje, alguns deles foram transformados em casas de apoio de veraneantes (fig. 132).
19Barracos a uma água encontram-se também junto da capela de Santo Isidro, a N. de Âncora. No Moledo, onde é importante a apanha do sargaço, eles estão agora dispostas em arruamentos regulares; neles se guarda todo o sargaço para venda, porque ali não o empilham na duna.
20No Cabedelo de Caminha eles eram de madeira (porque não se poderiam aí construir de pedra).
21Vemos assim que, nestes 100 km de costa, os barracos da praia tiveram e têm ainda hoje formas muito variadas. Do Minho ao Ave encontravam-se barracos de madeira – e muitas vezes sob a forma de abarracamentos mais ou menos longos – na Aguçadoura, na Apúlia, em Sedovem, Foz e Castelo de Neiva (e Cabedelo de Caminha). Exceptuando a Aguçadoura (e o Cabedelo de Caminha) em que o facto se pode explicar pelas razões especiais que expusemos, a madeira era usada nos barracos que constituem os aglomerados de gentes pobres, cabaneiros e pescadores, que deles fazem preferentemente a sua residência permanente, e que são geralmente de uma construção precária e descuidada. E lembramos que as velhas casas dos pescadores da Póvoa parece, com efeito, terem sido também desse material. Pelo contrário, a pedra existia nos barracos de lavradores6, que predominam do Minho à Apúlia, com excepção das povoações do Neiva – que é também, em geral, dessas classes de cabaneiros e pescadores. A explicação da preferência da madeira nos primeiros locais não pode estar apenas na facilidade maior de se encontrar neles esse material de construção, porque o pinhal está tão próximo deles como dos outros onde se usa de preferência a pedra. Trata-se pois certamente de uma razão cultural, e pode-se supor que cada um daqueles casos corresponde a conceitos diferentes, próprios de duas categorias também diferentes de pessoas : a casa de pedra, estável, como a casa do lavrador; a de madeira –como o barco –, para o pescador e o cabaneiro pobre, que se acomoda com uma improvisada, incerta e provisória – quase volante – como a sua vida. Ao sul do Ave, pelo seu lado, encontramos apenas barracos de pedra. Muitos desses barracos pertenciam originariamente a lavradores; mas trata-se, porém, duma sub-região desta área, que também por outros aspectos, mostra características diferentes.
22A cobertura de colmo ou junco, agora rara, foi bastante frequente, e depois abandonada por causa dos incêndios ; é ainda a de todos os barracos da Aguçadoura, onde o uso da palha para recobrir cabanas, telheiros e medas, é muito corrente.
Notes de bas de page
1 Baldaque da Silva, op. cit., pp. 73-108 ; Rocha Peixoto, «Palheiros do Litoral», Portugália, I, Porto, 1899-1903, pp. 85-86. Este último Autor, como Baldaque da Silva, alude às actividades sargaceiras desde o Minho até ao Gramadouro (Pedrinhas), ao sul de Fão ; mas não se refere ao assunto daí para o sul, depreendendo-se que tem no espírito apenas a ideia de uma apanha insignificante em Vila Chã. E, acerca dos palheiros, fala de barracos de madeira predominando quase exclusivamente na Cortegaça, Furadouro, Torreira, S. Jacinto, Tocha, «e outras praias do litoral estremenho e algarvio», e que encontra também em variada proporção, «quase numa imutável traça, em Sedovem, Vila Chã, Granja, Espinho, Cortegaça, Maceda, Quiaios, Buarcos, Lavos, Leirosa, Pedrogão, Ericeira, no Algarve por fim». Nós próprios sublinhamos as diferenças essenciais que notamos entre os barracos destas várias localidades sob o ponto de vista tanto formal como das classes a que eles correspondem : nomeadamente barracos de madeira e barracos de pedra, os primeiros de um modo geral de pescadores (e cabaneiros), os segundos de lavradores. No que se refere ao sector entre os rios Ave e Douro, o Autor alude, como vimos, a palheiros de tabuado em Vila Chã ; cremos que esta sua afirmação é menos fundamentada: 1) Existem barracos naquela região, não apenas em Vila Chã, mas nos demais portos onde se pescava ou apanhava sargaço – Angeiras (Lavra), Mindelo, etc. ; – em todos eles os barracos são do mesmo género, iguais aos que descrevemos, e em parte nenhuma, ali, se lembram de barracos de madeira. 2) A actual povoação costeira, que, como dissemos, está ainda em processo de formação, é feita em parte à custa dos velhos barracos da praia, o que atesta a relativa antiguidade destes, dos quais alguns ainda existem com a sua forma e funções primitivas; e estes são de pedra. De resto, a sul do posto fiscal da povoação, há ruínas de barracos antigos, que também são de pedra.
2 Ver nota anterior.
3 Os barracos arruinados que se vêem ao sul do posto fiscal de Vila Chã, a que aludimos na nota 110, medem 7,5 x 3 m.
4 Estas construções circulares do litoral, que aparecem em Fão, nas Pedrinhas e em Sedovem, foram pela primeira vez estudadas em profundidade por Jorge Dias, que a elas se refere em vários trabalhos: «Contribuição para o estudo das construções circulares do noroeste da Península Ibérica», Trabalhos de Antropologia e Etnologia, XI-1, Porto, 1946; «Las construcciones circulares del noroeste de la Península Iberica y las citanias», Cuadernos de Estudios Gallegos, VI, 1946, pp. 173-194 ; uma breve menção em «Las chozas de los Cabeçudos y las construcciones circulares de las citanias espanolas y portuguesas» Archivo Espanõl de Arqueologia, 70, 1948, pp. 164-172 ; e finalmente, numa revisão crítica dos demais trabalhos e de todo o material recolhido sobre o assunto, «O problema da reconstituição das casas redondas castrejas», Trabalhos de Antropologia e Etnologia, XII-1/2, Porto, 1949. Tomando posição no debate entre as teses célticas e pré-célticas acerca da explicação da forma redonda das casas castrejas, o Autor, pela análise das construções circulares existentes actualmente no Noroeste peninsular, formula a sua própria hipótese sobre o assunto, segundo a qual a casa redonda é independente de origens étnicas definidas, representando a petrificação da primitiva tenda, que por isso aparece em todos os povos numa fase inicial da sua evolução, subsistindo nos casos em que sobrevivem tipos arcaicos de economia pastoril e agrícola. Por isso Kruger limita a sua área às regiões montanhosas mais pobres e isoladas desse sector peninsular.
A forma arredondada dos barracos de Fão, contudo, nada tem que ver com isto, não se relacionando com quaisquer origens étnicas ou estádios de evolução económica : ela parece antes, segundo o Autor, explicar-se por motivos de outra ordem, circunstanciais e funcionais, tendo fundamentalmente que ver com o fim a que esses barracos se destinam : abrigos temporários de barcos e aprestos, a sua construção não precisa de ser cuidada nem dispendiosa; o xisto abunda na região, é aí um material barato e de fácil utilização, prestando-se para uma construção que dispensa cunhais, que substitui por cantos arredondados. Acresce que a forma redonda já ali era conhecida, pelo menos em moinhos, podendo isso ter sugerido a ideia desse tipo nos barracos. O que se pode dizer é que esta forma especial, que, além dos barracos, aparece na capela da Senhora da Bonança (e ainda numa casa rural do nucleo urbano de Fão), passou seguidamente a constituir, por si mesma e independen-mente de filiações mais antigas e gerais, um padrão de cultura local, que se exprime na frase que o Autor ouviu do seu informador, referindo-se à razão de ser dessa forma: «Isto é cá uma moda da gente».
5 Baldaque da Silva, op. cit., p. 86.
6 Ver nota 110.
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