Prólogo
p. 7-9
Texte intégral
1Este estudo, na parte referente à apanha das algas, representa a revisão e o desenvolvimento do trabalhoque publicámos em 1958 sobre o assunto, intitulado A Apanha do Sargaço no Norte de Portugal1, designadamente a sua ampliação às outras zonas portuguesas onde a actividade também tinha lugar – a costa central e meridional do País – e a inclusão de elementos de que só agora dispusemos, e que focam aspectos que, por essa razão, não foram então apontados. Mas, acima de tudo, ele compreende uma parte inédita, referente à pesca do caranguejo em cardumes – o «pilado» –, que, sob certos pontos de vista, se pode considerar em relação com a apanha do sargaço.
2A apanha das algas, na nossa costa, assume hoje grande importância, e a sua área presente é mesmo muito mais vasta do que dantes ; ela tem agora a sua maior incidência nos portos estremenhos dos concelhos de Setúbal, Peniche, Nazaré e Cascais (onde dantes era incomparavelmente menos vultosa do que no norte do País, ou nem sequer existia), e sobretudo nos Açores. Mas essa apanha tem uma finalidade e um carácter totalmente diferentes dos que tinha nesses tempos : no decénio de 50 iniciou-se entre nós – e de entrada nos Açores – a procura das algas agarófitas, carraginófitas e alginófitas para fins industriais – e em especial a produção do agaragar– ; e ao passo que o seu preço mais elevado interessava nessa procura, desde Caminha às praias do Algarve, grandes contingentes de populações litorâneas, que utilizavam mesmo por vezes processos técnicos muito desenvolvidos – por exemplo a recolha submarina –, a apanha tradicional, do sargaço, como fertilizante das terras, quase que deixou de se praticar, porque era menos compensadora, e porque fôra suplantada pela generalização dos adubos químicos – e como mais um aspecto da mutação que se inicia por volta de meados do século, com o surto de emigração que então se deu, abalando as estruturas mentais e materiais e marcando o declínio final da velha cultura rural do nosso Pais. Ela não desapareceu contudo totalmente, e ainda hoje, seja em casos esporádicos, por toda a parte, seja em determinados locais, como por exemplo Castelo de Neiva, Averomar e outros, a apanha do sargaço, como faina agro-marítima, assume grande vulto e apresenta as suas características de sempre. Por isso, no nosso texto, não foi possível empregar com exacto valor as expressões verbais sempre no presente ou sempre no passado. Desejaríamos que essa aparente indecisão fosse entendida como significando que a actividade sargaceira, embora perdure como dissemos, perdeu o carácter de generalidade e normalidade que tinha. Por outro lado, essa nova feição tomada pela apanha das algas fica fóra do sentido do presente estudo, que pretende apenas fixar as formas, em processo de extinção, de uma antiquíssima actividade própria da fase pré-industrial da vida do povo português, que teve a maior importância, mas de que em breve não restarão mais vestígios.
3A partir de cerca de 1940, o caranguejo em cardumes – o pilado – desertou a nossa costa, e a sua pesca, como faina específica – que era também de natureza agro-maritima – foi-se extinguindo progressivamente, até acabar totalmente, não subsistindo nem um único exemplo dessa actividade, que animou de uma maneira extraordinária a vida das nossas praias, mormente a norte do rio Douro. Por isso, a ela nos referimos sempre no passado ; e os relatos que dela fazemos e a análise dos elementos que a integraram foram extraídos de apontamentos esparsos por nós colhidos antes daquela data e de descrições da autoria de vários escritores ou estudiosos, uns e outras em regra lacunares e por vezes imprecisos, que, sempre que possível, procurámos completar com informações prestadas por pessoas que ainda participaram nessa actividade, mas que não mais pudémos comprovar e esclarecer com a observação directa actual do fenómeno e dos factos.
4Para terminar, queremos expressar os nossos agradecimentos a todas as pessoas que, com o seu interesse e compreensão, a sua boa vontade e os seus conhecimentos, nos ajudaram no nosso trabalho, e em especial ao Senhor Eng.° Henrique Vieira de Oliveira, andarilho dos velhos tempos que palmilhou, tantas vezes connosco, o Pais de lés-a-lés, e agora pós à nossa disposição o seu precisoso arquivo fotográfico de um Portugal que já não existe ; ao Dr. Eugénio Lapa Carneiro, que nos forneceu preciosas indicações bibliográficas; aos capitães e demais chefes, escrivães e outro pessoal, das capitanias e delegações marítimas de Caminha, Âncora, Viana do Castelo, Esposende, Póvoa de Varzim, Vila do Conde e Leixões, pelo acolhimento que nos dispensaram e as facilidades que nos concederam para a recolha de elementos estatísticos pertinentes ; e enfim, a todos os lavradores e pescadores a quem nos dirigimos e que, na vivacidade do seu «saber de experiência feito», conseguiram reviver ou criar, aos nossos olhos, a imagem dessas actividades extintas.
Notes de bas de page
1 Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, «A apanha do sargaço no norte de Portugal», Trabalhos de Antropologia e Etnologia, XVI, 1-2, Porto, 1958, pp. 63-170.
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