Capítulo 33. Michel Giacometti (1929-1990)
Dilemas de um colector
p. 493-505
Texte intégral
Os anos do “francês com barbas”1
1Francês, de origem corsa, Michel Marie Giacometti nasceu em Ajaccioa8deJaneiro de 1929. Tendo ficado órfão muito cedo, foi criado pelos tios maternos, com quem viveu na África do Norte, nomeadamente na Argélia colonial. Regressou a França, tendo vivido na Córsega e sobretudo em Paris, estudando, trabalhando e mantendo contactos com o mundo das artes, letras e humanidades. Teria sido em Paris que contactou com a cultura portuguesa, através da pintora Maria Helena Vieira da Silva, que conheceu (Caufriez 1992). Ainda em Paris conhece uma senhora portuguesa com quem viria a casar, antes da sua vinda para Portugal. Viajou pelos países nórdicos, demorando-se na Noruega.2 Em seguida, empenhou-se no projecto Mediterranée 56 que, segundo o próprio, teria organizado com o intuito de conhecer as tradições populares das ilhas mediterrânicas.3
2Veio a Portugal em 1958 e aqui se fixou em 1959. Tinha então 30 anos. Antes, já teria encontrado, no Musée de l’Homme, o livro póstumo de Kurt Schindler intitulado Folk Music and Poetry from Spain and Portugal que terá motivado o seu interesse e a sua primeira paixão por Trás-os-Montes.4
3Aquando dos primeiros trabalhos de Giacometti, dele se traçava um perfil na revista Arte Musical:
Nestes últimos anos, a investigação do folclore musical português tem sido praticada por um estrangeiro que, embora não seja propriamente um músico, está desenvolvendo uma actividade que se nos afigura útil. Michel Giacometti (…) estudou Letras e Etnologia. Como escritor, publicou o folheto de poesias Melika, prestou colaboração em Simoun e Les Cahiers du Sud e fundou as revistas Igloo e Ferments. Dedicando-se à crítica de arte, escreveu artigos sobre “A arte popular jugoslava”, “Derain escultor”, “Chaim Soutine”, “Um santo da pintura”, etc. Como jornalista, percorreu muitos países e publicou inúmeras reportagens em Pourquoi Pas (Bruxelas), Radio je vois tout (Lausana), Twindens Kwinder (Copenhaga), Constanze (Hamburgo) e La Revista (Barcelona).5
4Após referir a missão Mediterranée 56, o artigo debruçava-se sobre as suas vindas a Portugal, a sua responsabilidade por “uma série de emissões na Université Radiophonique Internationale sobre o folclore musical português”, e em especial sobre a edição dos primeiros discos, chamando a atenção para a importância da colaboração com Fernando Lopes Graça. A este último propósito afirmava:
Dado que Michel Giacometti não é músico, torna-se especialmente importante saber em que consiste a colaboração de Fernando Lopes Graça de que tem beneficiado. De um comunicado que recebemos dos Arquivos Sonoros Portugueses, extraímos o seguinte parágrafo: Michel Giacometti passou três meses em Trás-os-Montes, percorreu mais de 6000 Km, bom número dos quais a cavalo e a pé, viveu em quarenta e cinco aldeias nas zonas mais retiradas da província e gravou em banda magnética quinze horas de música, entre as quais Fernando Lopes Graça escolheu os quarenta e cinco minutos de música que compõem este primeiro disco. (Arte Musical 1962: 68)
5Em 1960, fundou os Arquivos Sonoros Portugueses, e até 1974, empreendeu a publicação da Antologia da Música Regional Portuguesa, com a chancela dos Arquivos Sonoros Portugueses, tendo saído os discos Trás-os-Montes (1960), Algarve (1961), Minho (1963), Alentejo (1965), Beira Alta, Beira Baixa, Beira Litoral (1970), discos estes em que a recolha é remetida para Michel Giacometti e o estudo para o próprio e para Fernando Lopes Graça. Esta Antologia da Música Regional Portuguesa foi recomendada pelo International Institute for Comparative Music Studies and Documentation. Para além desta antologia, deve-se às recolhas de Michel Giacometti e colaboradores a edição em Portugal, nessa época, dos discos: Oito Cantos Transmontanos. Francisco Domingues (1961), Cantos Tradicionais do Distrito de Évora (1965), Bailes Populares Alentejanos (1968), Bonecos de Santo Aleixo — Auto da Criação do Mundo (1968), Cantos Religiosos Tradicionais Portugueses (1971) e Pequena Antologia da Música Regional Portuguesa (1971).
6Michel Giacometti dedicou-se também à edição, no estrangeiro, de discos de música tradicional portuguesa: por vezes coincidindo parte dos trechos musicais com os saídos em Portugal, o seu nome aparecia em edições como Chants et Danses du Portugal — Trás-os-Montes (1959), Portugal (1961), Anthology of Portuguese Music. Trás-os-Montes. Algarve (1962), Visages du Portugal (1964).
7A Giacometti se continuou a dever a realização de programas radiofónicos e televisivos.6 Ficou especialmente conhecido como autor da série televisiva Povo Que Canta. Vozes e Imagens para uma Antologia da Música Popular Portuguesa (1970-1973), realizada por Alfredo Tropa, e emitida em princípio quinzenalmente pela RTP; esta série devia o seu título, Povo Que Canta, ao primeiro verso de uma canção anarquista do tempo da Guerra Civil de Espanha: “Pueblo que canta no puede morir”.7 Um excerto dum programa desta série, habitualmente designado “A mulher da roda”, ganhou o prémio do filme etnográfico em Florença em 1973 (Guimarães 2000: 253-263).
8Giacometti dedicou-se também a outras actividades de recolha etnográfica, desde literatura oral a “objectos de arte popular” (Branco & Oliveira 1994: 218-223; Galhoz 1987, 1988; Soromenho & Soromenho 1984, 1986).
9No Portugal de então, e em especial dada a sua proximidade com Fernando Lopes Graça, Giacometti era tido como um homem de esquerda, próximo do Partido Comunista Português, mais precisamente como um compagnon de route.8
Os anos da esperança
10Atente-se em especial na actividade de Michel Giacometti no Portugal revolucionário, pois data de então a elaboração do seu projecto de trabalho mais globalizante e aprofundado. Tendo em atenção o perfil pelo qual era conhecido aquando do 25 de Abril, não é de estranhar que, no Portugal de então, tenham cabido a Michel Giacometti, então pelos 45 anos, responsabilidades na reconversão da antiga FNAT no novo INATEL: assim, Giacometti integrou a Comissão de Reestruturação deste organismo, propondo-se criar um Centro de Documentação Operária e Camponesa com um Museu do Trabalho (CDOC-MT).9
11No Portugal revolucionário, o campo da educação estava também em profunda mudança, tendo sido criado o Serviço Cívico Estudantil, a ser desempenhado pelos candidatos ao primeiro ano da universidade que nesse ano não podiam lá entrar (Branco & Oliveira 1993: 9-17; Oliveira 2000: 209-328).
12Para Michel Giacometti, o Serviço Cívico Estudantil, por um lado, e, por outro, a reestruturação da FNAT, transformada em INATEL, com a criação de um CDOC-MT, eram articuláveis: mais precisamente, para a constituição deste CDOC-MT, justificar-se-ia uma vasta acção de recolha etnográfica, efectuada por uma larga quantidade de estudantes. O facto de dispor de uma grande rede de contactos que lhe permitira fazer as suas recolhas assim como o facto de já ter trabalhado com estudantes em recolhas etnográficas tornava o projecto mais exequível.10
13A esta acção de recolha etnográfica, integrada por estudantes do Serviço Cívico Estudantil, chamou Michel Giacometti Plano Trabalho e Cultura, designação que, segundo o próprio, lhe teria surgido por se lembrar de Travail et Culture da sua infância e juventude, uma organização surgida no seio da esperança desencadeada na França e nas suas colónias aquando da vitória da Frente Popular e da Libération.11 Travail et Culture foi um dos principais grupos de educação popular surgidos no pós-guerra em França e nas suas colónias norte-africanas (Branco & Oliveira 1993: 18-19, Oliveira 2000: 415-416).12 A Travail et Culture estiveram ligados investigadores do Musée de l’Homme, museu este que teve um papel importante na estadia de Giacometti em Portugal.13 Os ecos de Travail et Culture traduziram-se, pois, em português, por Plano Trabalho e Cultura (PTC).
14O PTC surgiu, assim, na gestação do Serviço Cívico Estudantil, como um projecto pessoalmente assumido por um intelectual conhecido, Michel Giacometti.
15De acordo com o seu documento-base, o PTC visaria efectuar recolhas de “música regional”, de literatura popular, de cultura material, de instrumentos musicais, assim como a realização de campanhas de educação sanitária, de programas de animação sociocultural e a colaboração em centros sociais, de modo a favorecer o associativismo; seriam estes os vectores que permitiriam contribuir para atingir
o conhecimento directo da cultura original do nosso povo, a sua análise e possível integração na cultura nacional, o esclarecimento social e político das populações rurais e a formação cívica militante dos próprios estudantes (Branco & Oliveira 1993: 19-22; Oliveira 2000: 416-418).
16O PTC seria, assim, uma recolha etnográfica acompanhada por actividades de intervenção sociocultural e política que contribuiriam para a politização popular e estudantil.
17No mesmo texto, são invocados intelectuais, tais como Fernando Lopes Graça, Manuel Viegas Guerreiro e Ernesto Veiga de Oliveira, com os quais já tinha havido ou poderia vir a haver colaboração; contudo, a direcção do projecto é inequivocamente de Michel Giacometti.
18Na prática, para além daquelas áreas de recolha mencionadas no documento-base do PTC, foram consideradas ainda outras, como a medicina tradicional, o diagnóstico das condições de higiene e saúde das populações, o levantamento das inscrições e pinturas murais, pressupostas na bagagem técnica das equipas (guiões e inquéritos levados pelos estudantes) e nas orientações dadas ao longo da sua permanência no terreno.
19O texto do PTC remete frequentemente para a mencionada proposta de criação de um CDOC-MT no INATEL, em substituição do Gabinete de Etnografia e Folclore da FNAT, proposta esta apresentada por Michel Giacometti à Comissão Administrativa daquele organismo.
20O PTC assenta no projecto maior que era o do CDOC-MT (Giacometti 1975; Branco & Oliveira 1994: 245-257).
21O projecto do CDOC-MT surgia também como um projecto militante. Assim eram equacionados os seus objectivos:
O CDOC serviria directamente e prioritariamente os trabalhadores que, de vários pontos do País, aí se deslocassem para colectivamente:
fortalecer a sua consciência de classe, mediante visitas comentadas e programas de animação sócio-cultural, utilizando meios audiovisuais e outras técnicas modernas de informação;
enriquecer o seu conhecimento objectivo do movimento operário e camponês, através do acesso fácil a documentos de toda a ordem, que testemunham a condição operária e camponesa, no passado e no presente. (Giacometti 1975: 6)
22Para recolher, tratar e divulgar os testemunhos da vida e da luta “das classes trabalhadoras e do povo português em geral contra o fascismo e a exploração capitalista”, o CDOC-MT deveria ser constituído por três sectores: a) um sector de pesquisa (a saber, de “documentação histórica do movimento operário e camponês do nosso País antes do 25 de Abril”, de “investigação de carácter etno-sociológico”, de “recolha exaustiva de todos os documentos que [respeitassem] à implicação directa das massas trabalhadoras no processo revolucionário do 25 de Abril”, bem como “o registo (…) de entrevistas a militantes políticos e sindicais, operários e camponeses, cada vez que a situação política do momento o [viesse] a exigir”; b) um sector de documentação; c) um sector de divulgação, assumido como o “sector-chave” do CDOC-MT.
23Apresentado o CDOC-MT, era no capítulo das “sugestões práticas e medidas urgentes” que o PTC era mencionado. Ao caber-lhe recolher “os testemunhos materiais do trabalho, os instrumentos musicais populares, os registos de literatura oral e música regional”, o PTC seria uma das vias pelas quais se poderia avançar imediatamente para a investigação etno-sociológica. Outra das sugestões urgentes para o Gabinete de Etnografia e Folclore da FNAT/ INATEL consistia na “recolha imediata (…) de todas as formas musicais e literárias populares, de carácter político e revolucionário, e fotografias a cores dos slogans e palavras de ordem, pinturas de paredes e grafitti”, para além do apoio ao PTC.
24Por fim, Giacometti escrevia:
Pela nossa parte, garantimos o nosso total empenho na eventual estruturação do CDOC e sugerimos, desde já, a integração nele dos Arquivos Sonoros Portugueses — onde (…) reunimos a mais importante colecção musical popular, fotográfica e etnográfica existente no País. (Giacometti 1975: 26).
25Note-se que o PTC, de acordo com o seu documento-base e com o lugar que lhe coube no projecto do CDOC-MT, não é definido como recolha etnográfica, parecendo haver da parte de Giacometti uma relutância em assumi-lo como tal e preferindo entendê-lo antes como investigação etno-sociológica. Giacometti tem o cuidado de incluir na definição o termo “sociológico”, por defender “uma perspectiva histórica e social do trabalho nas suas formas diversificadas, pelo que os objectos seriam situados no meio em que foram ou são ainda utilizados” (Giacometti 1975: 11). Nos anos 80, o PTC foi ainda definido como um “projecto de pesquisa de caracterização etno-sociológica” (Giacometti 1987: 4). A este facto não será alheio o seu combate contra o antigo Gabinete de Etnografia e Folclore da FNAT e a política de folclorização desta instituição, contra a qual há longos anos Giacometti e Lopes Graça se haviam posicionado. Neste sentido, também se deverão entender as seguintes afirmações, constantes do projecto do CDOC-MT: “a participação, necessariamente dinâmica no seio do INATEL, [da etnografia] justifica [-se], sim, mas como ciência empenhada, com os métodos que lhe são próprios, na investigação total da vida e da luta do nosso povo” (Giacometti 1975: 5).
26Na prática, no PTC, chegaram a constituir-se 32 das 38 equipas previstas, compostas por 45 raparigas e 79 rapazes. As actividades no terreno desenvolveram-se em Julho, Agosto e Setembro de 1975. A recolha etnográfica estruturou-se em torno de algumas linhas temáticas essenciais: a música regional, a literatura oral, a cultura material, a situação sanitária, a medicina tradicional e o levantamento das inscrições e pinturas murais (Branco & Oliveira 1993: 25-252; Oliveira 2000: 415-550).
27Terminada a acção, Giacometti e colaboradores debruçaram-se sobre parte das recolhas, por um lado, e, por outro, preocuparam-se com o destino a dar aos materiais conseguidos. Houve dois domínios que começaram a ser tratados. A literatura oral sobressaiu pela equipa envolvida e pela sua continuidade, tendo sido aquela em que primeiramente se tornaram visíveis os resultados do PTC. Na transcrição dos trechos de literatura oral empenhou-se Manuel Viegas Guerreiro, integrando esta tarefa num projecto de pesquisa intitulado “Recolha e Estudo da Literatura Oral Portuguesa”. Esta vertente foi a que mais depressa se materializou em obras editadas (Soromenho & Soromenho 1984, 1986; Galhoz 1987, 1988; Guerreiro 1989, inédito) (Branco & Oliveira 1994: 5, 273-278).
28A outra linha de actividade foi a cultura material. A inventariação dos objectos recolhidos e a sua classificação ocuparam Giacometti e seu grupo de colaboradores, continuando a recolher material etnográfico pelo país, quer em áreas de actuação das equipas, quer em zonas não cobertas pelo PTC (Branco & Oliveira 1994: 6).
29Não são conhecidas informações específicas, respeitantes à época, sobre a situação dos instrumentos musicais recolhidos nem sobre as gravações de música regional. Mas é sobre o material respeitante à medicina tradicional e condições de higiene e saúde populares que não se dispõe de qualquer indício de que na altura tenha sido tratado. De acordo com o testemunho de Giacometti, havia na conjuntura revolucionária portuguesa, uma preocupação com a eventual fuga de médicos do país. Assim sendo, e dada a importância da imagem dos “médicos-de-pé-descalço” na altura, a medicina tradicional apareceu a Giacometti e aos seus colaboradores como um dos recursos a utilizar numa situação crítica, pelo que importava trabalhar no seu levantamento dos produtos. Desta forma, se cruzaram, no PTC, o anterior interesse de Michel Giacometti pela medicina tradicional e o seu empenhamento na luta política e social da época. Para além disso, também a caracterização das condições de saúde e de higiene das populações se afigurava como indispensável para um rápido equacionar dos problemas do sector, sendo uma das colaboradoras de Giacometti nesta área do PTC também a responsável pela linha de acção da saúde no Serviço Cívico Estudantil (Giacometti 1990; Ferreira 1992; Intervenção 1979: 5-6).
30Nos meses agitados de 1975 e 1976, colocou-se a Michel Giacometti outra questão essencial: a da institucionalização dos materiais recolhidos no âmbito do PTC.
31Se se atender aos projectos do PTC e do CDOC-MT, os vários tipos de materiais seguiriam percursos diversos, embora a sua maior parte se destinasse a ser um dos núcleos constituintes do CDOC-MT, para cuja concretização Giacometti tentara preparar desde muito cedo o caminho.
32A primeira pista segura encontrada sobre a concretização do CDOC-MT é do Verão de 1975 e refere a sua localização em Setúbal, devendo ser uma realização conjunta do INATEL e da Câmara Municipal de Setúbal; pouco depois, a 9 de Dezembro de 1975, a Comissão Administrativa da Câmara aprovou, por unanimidade, a proposta de fundação na cidade do CDOC-MT, devendo produzir efeitos imediatos e ser transformada em escritura, o que aconteceu no dia seguinte, 10 de Dezembro, em que esta foi assinada pelos representantes das duas entidades (Branco & Oliveira 1994: 3-4).
33Entretanto, continuavam os esforços no sentido de conseguir instalações, que eram prementes devido ao volume dos objectos de cultura material recolhidos, já levados para Setúbal, e sobretudo devido ao facto de só elas permitirem a institucionalização do projectado CDOC-MT. Contudo, o processo de instalação do CDOC-MT não avançou e a sua concretização foi-se protelando enquanto as condições de acomodação dos objectos se deterioravam (Branco & Oliveira 1994: 6-15).
34Anos depois, estabeleceram-se contactos para a resolução deste problema entre a Câmara Municipal de Setúbal e o INATEL, quando nesta altura Giacometti já saíra desta última instituição. A 12 de Janeiro de 1979, foi feita nova inventariação do espólio existente: “Relação dos objectos adquiridos por elementos do Serviço Cívico existentes nas Instalações do Museu Municipal de Setúbal”. Seguiu-se, em 28 de Junho de 1979, a doação das peças à Câmara Municipal de Setúbal, sendo então assinada a “Escritura de cedência de objectos com valor etnográfico à Câmara Municipal de Setúbal pelo INATEL” (Branco & Oliveira 1994: 15-16).
35A Câmara Municipal de Setúbal tornou-se, então, a única responsável pela colecção de cultura material que há mais de três anos estava na cidade, tendo como obrigação a constituição futura daquilo que então já só se chamava Museu do Trabalho. A exposição inaugural da apresentação do projecto museológico só veio a ter lugar em 1987 e o museu, com vários outros núcleos integrantes, só foi aberto ao público em 18/05/1995 (Branco & Oliveira 1994: 16-21, Oliveira 2000: 449).
36Em suma, os percursos institucionais dos frutos do PTC foram nebulosos e intrincados. O seu principal destino, um CDOC-MT, acabou por não recolher, tratar e expor boa parte dos materiais resultantes da recolha feita pelos jovens e por se transformar num Museu do Trabalho, que integrou, entre vários outros núcleos museológicos posteriormente constituídos, uma parte das recolhas do PTC (a cultura material). Cópias da literatura oral e das entrevistas estão na Universidade de Lisboa, depositadas no Centro de Tradições Populares Portuguesas, onde foram analisadas na linha de investigação dirigida por Manuel Viegas Guerreiro. As cassetes originais da literatura popular, o material respeitante à sonoridade, os instrumentos musicais recolhidos, as fotografias e talvez as recolhas respeitantes à medicina tradicional e condições de higiene e saúde populares terão seguido os diversos passos e percalços do espólio de Giacometti. Assim, poder-se-á afirmar que, em meados dos anos 90, bem localizados no espaço, dos frutos do PTC estavam, por um lado, as recolhas de literatura oral, e, por outro, as de cultura material.
Os anos da “vida que já não tenho”
37Michel Giacometti reagiu moderadamente bem ao fim da conjuntura revolucionária portuguesa, marcado do ponto de vista pessoal pela sua saída conflituosa do INATEL e pela ausência de alternativas institucionais. Continuou a gravar literatura oral e a registar música regional. Em termos de resultados de trabalho, no pós-25 de Abril, as realizações essenciais constam de obras editadas que se reportam à música regional, a saber, os discos Alentejo. Música Vocal e Instrumental (1974), Cantos e Danças de Portugal (1981), Bonecos de Santo Aleixo (1981) e o livro, de colaboração com Fernando Lopes Graça, intitulado Cancioneiro Popular Português, cuja edição foi acompanhada por uma cassete (Giacometti & Graça 1981). Porém, neste livro, as peças recolhidas pelos autores reportam-se a recolhas anteriores a 25 de Abril de 1974.
38M. Giacometti parecia viver um momento de viragem. Numa entrevista efectuada aquando do lançamento da obra, a propósito das necessidades de estudo dos trechos musicais por ele recolhidos e acumulados, Giacometti afirmou que tal trabalho “levaria uma vida que eu já não tenho”. O que poderia sentir acontecer com outros materiais por si recolhidos. Mais adiante, na mesma entrevista, continuou: “Tenho 52 anos de idade. Não tenho saúde de ferro, longe disso. Que vai acontecer a todo este material que armazenei?” (Vieira 09/01/1982: 26). A hora era de balanço e de interrogações sobre o sentido de uma obra e de uma vida (30 Minutos, 09/10/1989; Gomes 05/08/1990; Carvalho, 17/07/1990: 23).
39Assim, nos anos 80, Michel Giacometti orientou-se sobretudo no sentido da salvaguarda ou da divulgação das recolhas já efectuadas. Foi o que aconteceu com peças da colecção etnográfica existentes em Setúbal, que foram expostas na Festa do Avante! de 1983, sendo acompanhadas pela edição de uma cassete Cantos e Ritmos de Trabalho do Povo Português e pela publicação de um texto de apoio à exposição, elaborado pelo próprio e intitulado Cultura Popular Portuguesa: as tradições artesanais (Giacometti 1983; Branco & Oliveira 1994: 17, 258, 259). A atenção de Giacometti a esta colecção etnográfica continuou, como o prova a sua participação na exposição de apresentação do Museu do Trabalho, em Setúbal, no ano de 1987, exposição esta intitulada “O trabalho faz o Homem” e acompanhada da edição de uma brochura, na qual Giacometti colaborou (Giacometti 1987, 1987a, Museu 1987). Assim como continuou a manter contactos com o Centro de Tradições Populares Portuguesas, onde estavam cópias das recolhas de literatura oral do PTC.
40Na viragem para os anos 80, decorreram também negociações entre Giacometti e a Câmara Municipal de Cascais para eventual aquisição por esta última de uma colecção de 269 objectos de “arte popular” e de 381 instrumentos musicais populares, concretizando-se a venda em 1981 e sendo este espólio encaminhado para a Casa Verdades de Faria — Museu da Música Regional Portuguesa. À Comissão Instaladora deste museu pertenceu Giacometti desde 1988 até à sua morte (Branco & Oliveira 1994: 218-223; Museu [2001]: 3-4; Exposição 2001: 20). Efectuaram-se, também na década de 1980, prolongadas negociações entre a Secretaria de Estado da Cultura e Michel Giacometti, no sentido de tratar e preservar os seus arquivos sonoros, consumando-se em 1985 a venda de parte do seu acervo, embora Giacometti tenha ficado com o seu usufruto (Praça 30/11/1990: 33; Pinheiro 1990: 169; Gomes 05/08/1990: 11, 17).
41Em 1989, Giacometti vendeu a sua biblioteca (cerca de 4000 volumes) à Câmara Municipal de Cascais, ficando mais uma vez com o seu usufruto (Gomes 05/08/1990: 11, 17; Museu [2001]: 3-4; Exposição 2001: 20). Tal como os instrumentos musicais e os objectos etnográficos, a biblioteca foi encaminhada para a Casa Verdades de Faria. O mesmo terá acontecido com centenas de fotografias.
42É, pois, nítido que a década de 1980 foi um tempo em que Michel Giacometti se preocupou essencialmente com o destino do seu espólio. Não obstante ter continuado a gravar e a recolher materiais, por exemplo, no Norte e no Alentejo (Jorge 1992: 104, 110; Gomes 05/08/1990; Giacometti 1990; 30 Minutos 09/10/1989: 18 mn 33s — 19 mn 20s), as recolhas não constituíram o sentido principal dos seus esforços nestes anos. Mesmo as estadias no terreno terão sido marcadas por desencanto e uma nostalgia da esperança, especialmente da anterior ao 25 de Abril.
43Em 1988, na busca do entendimento do Alentejo e do cante alentejano, Giacometti afirmou:
Alentejo. Um quarto de século a cruzar os teus caminhos, a penetrar a solenidade dos teus gestos, a auscultar o ritmo da tua respiração. Nestes dias últimos de Maio, estar contigo, consistentemente em ti, e esquecer a trémula agitação de uma noite baleizoeira, as tuas lágrimas de alvorada na praça de homens de Granja de Mourão de Setembro de 1963, esquecer um quase dia de 1970 e o povo de Portel nas ruas soltando uma rubra canção de Lopes Graça, ou ainda aquela tarde de fogo na Vidigueira de 1969 quando levantaste do chão a bandeira de rebeldia. Reencontrar o Alentejo, companheiro de viagem ao meu lado, e o espelho, o espelho mirífico onde vagabundeámos, prestes a agarrar, nas nossas máquinas, o eco silenciado do canto, a desafiar memórias. Nesta procura insensata de vozes inalteradas que rebentam as pedras negras do esquecimento, vislumbro a ferida mortal do teu coração, o esvanecer dos teus ritos nas vozes que não mais serão as fibras solidárias, percorrendo o teu destino. Sorrisos e calores discretos numa dezena de homens obscuros e lentos, a formar o círculo da fatalidade, de ombros cerrados, donde irrompe o canto em modas suaves e rijas, fios longínquos da fonte subterrânea que atravessa tempos infinitos. As horas correm no ar imóvel. E eis que de súbito uma voz surge, pausada e inquieta estrela do pastor, respondida pelo grito do alto. Abriram-se, de repente, os portões sagrados da memória de um povo (…) (Goulet 1997: 28mn 55s — 30mn 15s).
44São bem visíveis, neste texto, os negros presságios do tempo presente, em que apesar de tudo acontece o canto. Porém, os elementos que pontuam a memória de Giacometti e a sua relação com o Alentejo são sobretudo anteriores ao 25 de Abril e marcados por uma procura e uma identificação com o “povo”, num quadro marcado pelo peso simbólico da fraternidade e esperança sentidas num tempo vivido de luta antifascista. Este peso simbólico é bem característico da vivência das frentes populares. Ora já foi apontada a relevância destas e da Guerra Civil de Espanha no imaginário e na prática de Michel Giacometti. A sua paixão pelas paredes da conjuntura revolucionária portuguesa, visível no PTC e no projecto do CDOC-MT, remete para a importância do muralismo, também presente nas representações sobre a Guerra Civil de Espanha (Ory 1990: 503-504, Oliveira 2000: 454-455).
45Em 1990, sabendo-se muito doente, na sua última entrevista, com 61 anos, parafraseando Napoleão, também corso e de Ajaccio, Michel Giacometti afirmou: “Quando morrer, quero ser enterrado no meio do povo português que tanto amei” (Gomes 05/08/1990a: 11).
46O que aconteceu, estando sepultado em Peroguarda (concelho de Ferreira do Alentejo), após ter morrido, em Faro, a 24 de Novembro de 1990.
Bibliographie
Discografia
Giacometti, Michel (1959) Chants et Danses du Portugal. Trás-os-Montes. Paris: Le Chant du Monde
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1960) Trás-os-Montes. Lisboa: Arquivos Sonoros Portugueses/Valentim de Carvalho
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1961) Algarve. Lisboa: Arquivos Sonoros Portugueses/Estabelecimentos Valentim de Carvalho
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1961) Portugal. Hamburg: Christian Wegner Verlag
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1961) Oito Cantos Transmontanos. Francisco Domingues. Lisboa: Arquivos Sonoros Portugueses.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1962) Anthology of Portuguese Music. Trás-os-Montes. Algarve. New York: Folkways Record/Ethnical Folkways Library.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1963) Minho. Lisboa: Arquivos Sonoros Portugueses/Valentim de Carvalho.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1964) Visages du Portugal. Paris: Le Chant du Monde.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1965) Alentejo. Lisboa: Arquivos Sonoros Portugueses/Valentim de Carvalho.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1965) Cantos Tradicionais do Distrito de Évora. Lisboa: Arquivos Sonoros Portugueses/Junta Distrital de Évora.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1968) Bailes Populares Alentejanos. Lisboa: Arquivos Sonoros Portugueses/Valentim de Carvalho.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1968) Bonecos de Santo Aleixo — Auto da Criação do Mundo. Lisboa: Arquivos Sonoros Portugueses.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1970) Beira Alta, Beira Baixa, Beira Litoral. Lisboa: Arquivos Sonoros Portugueses / Valentim de Carvalho.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1971) Cantos Religiosos Tradicionais Portugueses. Lisboa: Philips.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1971) Pequena Antologia da Música Regional Portuguesa. Lisboa: Philips.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1974) Alentejo. Música Vocal e Instrumental. Lisboa: Torralta / Publitotal.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1981) Bonecos de Santo Aleixo. Lisboa: Sassetti / Diapasão / Secretaria de Estado da Cultura.
Giacometti, Michel & Graça, Fernando Lopes (1981) Cantos e Danças de Portugal. Lisboa: Sassetti / Diapasão / Secretaria de Estado da Cultura.
Entrevistas
Caufriez, Anne, Bruxelas, 07/09/1992
Giacometti, Michel, Cascais, 14/02 e 25/05/1990
Ferreira, Rosália Heitor, Lisboa, 16/12/1992
Filmografia
30 Minutos com Michel Giacometti (9/10/1989). Programa editado e coordenado por José Cândido de Sousa. Lisboa: RTP
Goulet, Pierre-Marie (1997) Polifonias. Paci è Saluta. Michel Giacometti. RTP/ France 3 Corse/ RTBF Belgique
Giacometti, Michel (1970-1973) Povo que Canta. Vozes e Imagens Para Uma Antologia da Música Popular Portuguesa. Realização de Alfredo Tropa. 37 programas. Lisboa: RT
Notes de bas de page
1 Testemunho de Joaquim Caranova, habitante da aldeia alentejana de Peroguarda, sobre o modo como era noticiada a chegada de Michel Giacometti nos seus primeiros tempos de recolhas em Portugal (Goulet 1997: 0mn 21s — 0mn 35s).
2 De acordo com Giacometti, foi numa fábrica da Noruega, através do contacto com um etnólogo, também operário como ele, que se interessou pela etnologia como ramo do saber — informações de Michel Giacometti, Cascais, 1990; ver também Gomes (05/08/1990: 11).
3 Michel Giacometti manifestava interesse pelo mundo mediterrâneo — ver, por exemplo: Gomes (05/08/1990: 11); 15; Intervenção (1979: 3); Exposição (2001); Arte Musical (1962: 68).
4 Schindler (1941). A revelação acontecida com este livro de Kurt Schindler e com a realidade transmontana foi referida por Giacometti em várias entrevistas — ver por exemplo: Pinheiro (1990: 168); Vieira (09/1/1982: 25); Gomes (05/08/1990: 11); Intervenção (1979: 2); 30 minutos… (09/10/1989: 0mn 21s — 0mn 42s).
5 Arte Musical (1962: 68). Efectivamente, encontrei o poema Melika, assinado Jean-Yves Michel, em Simoun (1952: 24-39). Nos outros periódicos, não foi encontrado qualquer artigo assinado por Michel Giacometti.
6 Giacometti terá realizado inúmeros programas radiofónicos para emissoras da RFA, Suécia, Bélgica e França; tratar-se-ia de cerca de 60 programas emitidos respectivamente para a WDR, Sveriges Riksradio, BRT e Radio-France. Ver Gomes (05/08/1990: 17), Jornal de Notícias (25/11/1990: 10), O Comércio do Porto (25/11/1990: 32).
7 Gomes (05/08/1990: 11); Praça (30/11/1990: 33); informações de Giacometti, Cascais, 1990. Os 37 programas desta série estão disponíveis no Arquivo da RTP, assim como no Casa Verdades de Faria Museu da Música Regional Portuguesa, onde existem mais 11 bobines com materiais que não foram seleccionados para os programas emitidos — Museu [2001]: 4.
8 Em 1990, Michel Giacometti autodefiniu-se como compagnon de route em entrevista a Gomes (05/08/1990: 17). Segundo Anne Caufriez, a aproximação de Michel Giacometti, durante muitos anos bastante marcado pelo existencialismo, à área dos comunistas verificou-se no contacto com a realidade portuguesa (informações de Anne Caufriez, Bruxelas, 07/09/1992).
9 Giacometti (1975). Foi precisamente a 03/04/1975 que a FNAT (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT)) se passou a designar INATEL (Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores) — decreto-lei n.° 184/75.
10 Esta colaboração de Giacometti com estudantes é expressa, por exemplo, nas palavras acompanhantes do disco Alentejo (1965): aí, é referido um “inquérito etnográfico realizado na Granja do Mourão com a colaboração de um grupo de estudantes universitários e da Cooperativa Agrícola da mesma localidade, de 1a15deSetembro de 1963".
11 Ver entrevista de Giacometti a Intervenção (1979: 5), na qual remete a designação Trabalho e Cultura para uma organização do tempo da Frente Popular em França, organização esta que, nesses anos, efectivamente não existia embora a presença e localização destes elementos na memória de Giacometti sejam significativos. Informações em parte semelhantes, associando Trabalho e Cultura à Frente Popular e à Libération, foram prestadas por Giacometti — Cascais, 1990.
12 Travail et Culture preocupava-se essencialmente com a educação popular (em especial com a formação de militantes) e com a animação cultural, tendo ainda efectuado levantamentos das realidades locais e recolhas etnográficas. Composto por trabalhadores e intelectuais, apelava à colaboração dos estudantes na educação popular e na animação cultural na Argélia.
13 Não só foi no Musée de l´Homme que Giacometti encontrou o livro de Kurt Schindler, como foi a este museu que terá ido frequentemente mostrar resultados das suas recolhas, nomeadamente ao musicólogo e etnomusicólogo André Schaeffner (1895-1980) (Pinheiro 1990: 168; Pacheco 1984: 10).
Auteur
Doutora em história contemporânea, professora no ISCTE. Pesquisas sobre a história do presente. Publicações: A Crise do Antigo Regime e as Cortes Constituintes de 1821-22. IV. A Saúde Pública no Vintismo (João Sá da Costa, 1992), Ao Encontro do Povo. I. A Missão (Celta Editora, 1992, co-autoria), Ao Encontro do Povo. II. A Colecção (Celta Editora, 1993, co-autoria), Estudantes, Povo, Revolução (Celta Editora, 2003).
Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.
Castelos a Bombordo
Etnografias de patrimónios africanos e memórias portuguesas
Maria Cardeira da Silva (dir.)
2013
Etnografias Urbanas
Graça Índias Cordeiro, Luís Vicente Baptista et António Firmino da Costa (dir.)
2003
População, Família, Sociedade
Portugal, séculos XIX-XX (2a edição revista e aumentada)
Robert Rowland
1997
As Lições de Jill Dias
Antropologia, História, África e Academia
Maria Cardeira da Silva et Clara Saraiva (dir.)
2013
Vozes do Povo
A folclorização em Portugal
Salwa El-Shawan Castelo-Branco et Jorge Freitas Branco (dir.)
2003