Capítulo 17. As Marchas Populares
A encenação da cidade de Lisboa
p. 307-322
Texte intégral
1As marchas populares de Lisboa são uma prática cultural relativamente recente, cuja emergência implicou uma ruptura com a celebração tradicional dos santos de Junho.1 Com efeito, a afirmação das marchas populares foi suportada por uma combinação inovadora: forte espectacularização, concorrência identitária de feição microlocal e enquadramento pelo associativismo e poder político. Além disso, as marchas populares constituem um exemplo singular de folclorização: ambicionam instalar uma tradição lisboeta, mas paradoxalmente recorrem, num momento inicial, a elementos pretensamente folclóricos de proveniência exógena (rural), e só depois reforçam os traços directamente associados à cidade. Portanto, pode considerar-se a tensão entre influências exógenas e endógenas e a forte componente urbana como características especiais da evolução histórica deste processo de folclorização. Como corolário lógico da tese apresentada afigura-se imprescindível a análise das marchas populares num contexto diacrónico.
Génese das marchas populares: roteiro duma tradição inventada
2Aquilo que hoje se designa por marchas populares resultou duma criação original de José Leitão de Barros para a noite boémia lisboeta. Assim, correspondendo a uma encomenda do director do centro de entretenimento do Parque Mayer para aí realizar um espectáculo inédito com capacidade de atracção popular em Junho de 1932, aquele animador cultural projectou um concurso com ranchos folclóricos dos bairros antigos da capital, inspirado nos tradicionais festejos dos santos populares de Junho. Para a execução desta ideia convidou uma série de colectividades culturais e núcleos bairristas lisboetas. A organização do evento teve um suporte privado: à empresa do Parque Mayer, principal responsável pela produção, juntaram-se os apoios dos periódicos O Notícias Ilustrado (dirigido por Leitão Barros) e Diário de Lisboa (coordenação específica dum destacado repórter, Norberto Araújo) e o patrocínio de três empresas privadas. Enquanto director do referido semanário, Leitão de Barros promoveu uma intensa campanha publicitária para anunciar a saída das “marchas populares nocturnas, com seu caracter tipico, as suas dansas, marcações, iluminaçoes e ranchos movimentados”.2
3Apesar do seu carácter inédito, este evento foi promovido como tradição festiva local, antevendo-se “a revivescência das velhas marchas populares que, de cada bairro da cidade, nas noites festivas dos santos populares se encontravam no chafariz da antiga rua Formosa (actual rua de O Século, ao Bairro Alto)” (O Notícias Ilustrado, 5/VI/1932). A também designada “marcha” dos ranchos actuou no cinema Capitólio, na noite de 12/06/1932, véspera do feriado municipal de Santo António. Participaram três grupos, representando os bairros de Campo de Ourique, Bairro Alto e Alto do Pina, respectivamente 1.°, 2.° e 3.° classificados. A marcha vencedora apresentou-se com o trajo à “moda do Minho”, a seguinte com vestes de tricana de Leiria e de camponeses estremenhos, e a última com indumentárias regionais do Douro e Estremadura. A imagética regionalista, de fundo rural e campesino, revelava-se na alacridade dos tecidos e invulgaridade da “convocação” de regiões tão diversas. Era, portanto, uma indumentária de traço folclórico (pertença do guarda-roupa Álvaro Costa), mas que nada tinha a ver com o folclore local, isto é, de Lisboa. Assinale-se, no entanto, que aquele tipo de vestuário possuía então um capital simbólico muito forte, uma vez que representava aspectos prestigiantes duma cultura material tradicional rural inscrita em percursos familiares e/ou valorizada enquanto componente dum regionalismo constitutivo da identidade cultural nacional. Também os prémios atribuídos denotavam já uma certa orientação: Prémio da Imponência (do Diário de Lisboa), Prémio da Alegria (do Notícias Ilustrado) e Prémio de Pitoresco (da empresa do Parque Mayer).
4A imprensa arregimentada fez eco deste “reencontro” com as raízes, ou melhor, da “recriação” da tradição, em textos onde se assinalava o carácter genuíno e popular do acontecimento; ampliou também a opinião do júri do concurso, a qual constituía um verdadeiro programa de intenções: “lançaram-se os fundamentos para uma grande festa anual, tipicamente portuguesa e popular, a organizar com extensão e superior critério, e que a Câmara Municipal devia tomar a si” (Diário de Lisboa, 13/VI/1932). A pressão em favor da oficialização do evento ganhava força na própria imprensa: “As municipalidades têm, além de outras missões, também a de cultivar as tradições, aproveitando o manancial inesgotável de fantasia e de alegria do povo, a fim de, por vezes, quebrar a monotonia da cidade, essa espécie de tristura contemporânea que deforma, afinal, a verdadeira índole da nossa gente” (idem, Diário de Notícias).
5A surpreendente adesão à iniciativa terá influído na sua repetição uma quinzena depois, na véspera de São Pedro. Desse modo, puderam participar mais três representações, as da Madragoa, Alfama e Alcântara (respectivamente, 1.a, 2.a e 5.a classificadas), que se juntaram às anteriores debutantes (ver quadro 17.1). A marcha vencedora apresentava-se em figurações de “ovarinas e pescadores”, recebendo os prémios de “rigor e carácter popular” (do Diário de Lisboa) e o de honra, atribuído pelo júri (Diário de Lisboa, 28/VI/1932).3 Também a Madragoa afirmava um estereótipo incontornável, mas marcando a diferença em relação à edição anterior, devido à ligação folclórica ao próprio contexto lisboeta (tal como Alfama, figurada em “severas” e “fadistas”). Registe-se ainda a manutenção dum jurado com o estatuto de “escritor e folclorista” (Gustavo Matos Sequeira). A representação de Alcântara, “em costumes galantes de criados e criadas do tempo em que vinham à rua bailar” (século XVIII), introduzia o elemento historicista na história do evento. Por outro lado, esta nova edição contou já com o apoio expresso da Câmara Municipal de Lisboa, avançado pelo seu presidente, o general Vicente de Freitas (embora a sua organização permanecesse a cargo das referidas empresas privadas). As autoridades oficiais haviam-se apercebido do alcance da iniciativa e não tardarão a tomá-la em mãos.
6De facto, perante o sucesso das primeiras edições, a edilidade lisboeta (então liderada por militares) aposta no enquadramento progressivo desta manifestação cultural, integrando nas Festas da Cidade de 1934 o relançamento das marchas, agora com 12 concorrentes e um acréscimo maciço de popularidade. Doravante, a sua consolidação como espectáculo popular obrigou a uma adequação da fórmula à concepção ideológica do regime, acentuando-se os traços historicista, tradicionalista e ruralizante. Nesse sentido, foi elaborado um regulamento municipal minucioso, contendo as condições para a “colaboração dos bairros nas Festas de Santo António”.4 Este regulamento era um instrumento fundamental para a modelação e disciplinação do fenómeno, destacando-se as seguintes regras: calendarização e determinação dos festejos que estruturam as marchas (cortejo, concursos e ronda dos bairros), submetendo os grupos aderentes à exclusividade de exibição durante o período das festas e a sanção municipal para o restante tempo de Junho; imposição dum guarda-roupa oficial, cujos figurinos deveriam estar “ajustados ao seu meio bairrista”; imposição da execução duma marcha extraordinária, designada Marcha de Lisboa ou Grande Marcha de Lisboa (propriedade da Câmara Municipal de Lisboa), a todas as marchas participantes (desde 1935); sujeição dos versos das canções concorrentes à aprovação camarária; fixação do número de pares marchantes (24) e dos músicos do cavalinho;5 imposição dum critério de avaliação fortemente subjectivo, conciliando requisitos como a iluminação, a alegria, o pitoresco, o aprumo e a distinção, com outros mais coadunantes com o acto artístico (música, versos, arte, vozes, cavalinho, marcha da rua, marcação, encenação). Por outro lado, a Câmara Municipal de Lisboa e o Governo Civil de Lisboa estipulavam como condição obrigatória a existência duma só marcha por bairro e duma só colectividade bairrista a organizar a respectiva representação, proibindo ainda a exibição de grupos concorrentes no período das festas municipais. Estas medidas facilitavam a criação de estereótipos e reduziam a riqueza criativa, visto que se restringiam os grupos participantes e não existia pluralidade de representações simbólicas relativas a cada bairro num mesmo espectáculo. Contudo, a concorrência não só persistiu como foi reforçada, ainda que com os constrangimentos enunciados, e o concurso tornou-se a componente central, acentuando a espectacularização das marchas. Por último, a comissão administrativa da Câmara Municipal de Lisboa expressava já uma orientação precisa no seu programa das festas de 1934, porquanto as marchas deviam “proporcionar à população da capital alguns dias de alegria e desenfado, mas também contribuir, com espectáculos de evocação artística e cultura histórica, para a educação do povo, fazendo ressurgir, ao mesmo tempo, alguns aspectos pitorescos da vida citadina, injustamente esquecidos” (CML 1934: s. p.). A iniciativa oficial visava, assim, conciliar as funções lúdica e educativa numa mesma proposta de cultura popular, de base historicista e folclórica. Além do mais era evidente uma atitude paternalista: o processo de disciplinação (logo, de transformação cultural) duma prática cultural popular justifica-se com o argumento da “elevação” cultural, tal como se extrai do balanço oficial para 1934 (“colocar o povo num plano superior de cultura”) ou da imprensa (“idéa feliz esta de ir até ao povo dizer-lhe como há-de fazer para transformar a sua alegria expansiva e rude no ritmo duma obra de arte”) (Comissão Executiva das Festas de Lisboa VI/1935, O Notícias Ilustrado, 9/VI/1935).
7Para a viabilização das marchas populares foi imprescindível a sanção e apoio do ministério do Interior, evidenciando não só a sua consideração a nível político superior como a consciencialização da sua utilidade propagandística para o Estado Novo (Melo 1997: 301 e ss.).6 A esta atitude não era alheia a grande adesão alcançada na estreia oficial, estimada em cerca de 300 mil espectadores no desfile da avenida da Liberdade (o que equivalia a metade da população lisboeta de então).
8A reabilitação dos tradicionais festejos populares junianos, de prováveis reminiscências pré-cristãs,7 foi possível graças à invenção duma tradição, que se propalava estar somente a recuperar (tal como se aludia no semanário de Leitão de Barros relativamente a 1932, “Há muitos anos que os festejos dos santos de junho não tinham tanto brilho” (O Notícias Ilustrado, 3/VII/1932).8 Com efeito, de acordo com a proposta de Hobsbawm, as marchas populares de Lisboa podem considerar-se uma tradição inventada, uma vez que representam um “conjunto de práticas, normalmente sustentadas por regras tácita ou abertamente aceites e de natureza ritual ou simbólica, que procura inculcar certos valores ou normas de comportamento pela repetição, o que automaticamente implica continuidade com o passado”, e que foram inventadas, construídas e formalmente instituídas e ainda por cima num período curto e datável (Hobsbawm & Ranger 1984: 1).
Evolução das marchas populares: sob o signo do passadismo
9No sentido de favorecer a aceitação e repetição do novo evento, procurou-se estabelecer continuidade com “um passado histórico conveniente” (idem).9 Tendo em conta esta necessidade de ligação ao passado, as comemorações oficiais são, inicialmente, o núcleo central que serve de pretexto para convocar os momentos eleitos da história e para consolidar esta nova prática cultural. Logo em 1934, o desfile das marchas foi marcado para 10 de Junho, então considerado o Dia da Raça e de Camões. Ainda que tendo como principal motivo de referência o festejo dos santos populares de Junho, as marchas foram também apropriadas para celebrações historicistas, todas elas relacionadas com a afirmação do estado-nação, de que o regime salazarista se considerava um legítimo servidor. Os momentos históricos eleitos são: fundação da nacionalidade (1139), celebrado em 1940; tomada de Lisboa aos mouros (1147), celebrada em 1947; dia de Camões (século XVI), celebrado em 1934, 1935, etc.; descobrimentos portugueses (séculos XV-XVII), celebrados em 1940 e em temas de certas edições; restauração da independência (1640), celebrada em 1940. Por outro lado, a identidade nacional será ainda comemorada enquanto pertença sociobiológica pelo Dia da Raça (em 1934 e 1935), e enquanto comunidade territorial, pelo Grande Desfile Popular do Mundo Lusíada (em 1973).
10Decorrente desta específica apropriação de acontecimentos e figuras históricas, foi possível projectar um evento com um enquadramento originalmente religioso-profano (ciclo das festas dos santos populares) para uma associação do elemento religioso (Santo António ganha uma centralidade progressiva, em detrimento de São João e São Pedro) com os elementos local (representado nas festas da Cidade de Lisboa) e político-propagandístico (sobretudo nas edições de 1934, 1940, 1947 e 1973). Em 1934, com efeito, as Festas da Cidade conseguiram marcar duas importantes apropriações simbólicas para o regime: Camões, um ícone até então ligado à oposição republicana, e Santo António, um santo eminentemente popular, ligado aos festejos tradicionais. Isso foi possível basicamente pela marcação do seu programa para um período que integrava as efemérides daquelas duas figuras históricas (o programa desenvolvia-se entre 8 e 13 de Junho, Camões e Santo António eram festejados a 10 e 13 do mesmo mês, respectivamente).10 Um exemplo flagrante de associação historicista entre local e nacional encontra-se na edição de 1947, integrada nas Comemorações do VIII centenário da tomada de Lisboa aos mouros — a temática diz respeito a um local concreto, mas a concepção e organização da efeméride está a cargo duma comissão nacional, o que lhe confere uma deliberada projecção nacional. Refira-se ainda que as comemorações historicistas de 1940 e 1947 reactivam as marchas, ou seja, recuperam um ritual entretanto suspenso. Também a edição de 1950 revela um forte simbolismo político, não só pelo itinerário imposto como pelo facto de esse mesmo percurso transformar o desfile das marchas numa espécie de cortejo, modalidade bastante promovida pelo Estado Novo para encenar a sua própria glória (Melo 1997: 307).
11Apesar do benefício político advindo do patrocínio da iniciativa, registou-se uma periodicidade irregular sob o regime estadonovista, tendo-se realizado apenas 18 edições nos seus 42 anos de vigência (excluídas as edições do Parque Mayer). Isto significa que se realizaram concursos oficiais em pouco mais de 1/3 deste período (+ 38%; com edições em mais de 42% do tempo, se se incluírem as grandes marchas). As lacunas existentes podem ser interpretadas à luz do contexto histórico da época. Após as edições oficias inaugurais, as marchas são interrompidas durante os tempos conturbados da guerra civil espanhola e da segunda guerra mundial (exceptua-se 1940, ver quadro). No imediato pós-guerra, persiste o vazio (nova excepção para 1947), o que se pode associar ao ambiente de crise social e do regime. Nos anos 50, as marchas impor-se-ão gradualmente, sendo disso sinal premonitório a assistência de Salazar à passagem do desfile pelo Teatro Nacional D. Maria II (Rossio), aquando da edição de 1950, e o patrocínio de figuras gradas do espectáculo. A década de 60, apesar de marcar o início da guerra colonial, é a mais favorável, com frequência ininterrupta desde 1963, o que possivelmente está ligado à aposta política no turismo, então com forte crescimento. A década de 70 é a mais fraca, o que se pode relacionar com a controvérsia em torno do resultado do concurso de 1970, uma vez que houve marchas em 1972 e em 1973, mas sem competição. Hipóteses relacionadas com causas mais directas podem ser avançadas para explicar esta irregularidade: por uma questão de variação na prioridade orçamental municipal; por, numa primeira fase, o regime sancionar a sua promoção quando havia possibilidade de ligação a um contexto comemorativista (logo, com utilidade propagandística directa e imediata), o que sucedeu no conjunto das quatro edições oficiais iniciais.
12Sob o regime democrático instaurado após a revolução de 25 de Abril de 1974, as marchas tiveram uma maior periodicidade, ainda assim irregular. Nos 27 anos de regime democrático realizou-se mais uma edição do que sob o regime estadonovista, cobrindo mais de 2/3 da sua vigência (+ 70%; + 59% do período com concursos), e igual número de edições com concurso (16). Não obstante, a retoma das marchas lisboetas não foi fácil: só regressaram em 1979, e ainda assim como “grande marcha”, e só se estabeleceram ininterruptamente desde 1987, após novo hiato (ver quadro 18.1). Hipóteses justificativas para estas novas interrupções: além da primeira explicação indicada para o período anterior, pode avançar-se o facto de então ter havido grande contestação a esta e outras práticas culturais, como, por exemplo, o fado e o futebol, respaldada na acusação de socialmente alienantes e politicamente comprometidas com a ditadura.
13Seja como for, registaram-se transformações dignas de menção. Em 1981, a escola de samba carioca Beija-Flôr participou como convidada no desfile, uma experiência que foi então criticada pelo facto de tornar inaudível a prestação das marchas.11 É também nesta edição que se inicia uma tentativa de reforço do estatuto cultural das marchas, introduzindo no júri especialistas em literatura, coreografia, cenografia e música, e, posteriormente, académicos e outros agentes culturais. Por outro lado, pela revisão do regulamento em 1982 é eliminada a imposição municipal do figurino (ainda que ressalvando a necessidade de a colectividade organizadora ter “em conta a tradição do bairro”) e tentado um novo dinamismo: “Procurar-se-á que as canções sejam reflexo de um bairro vivo que se orgulha do seu passado, mas não se queda no imobilismo saudosista e se projecta no futuro”.12 A sanção municipal terminará na revisão de 1988. Contudo, reitera-se a obrigação de cada marcha “manter o cunho tradicional do bairro”, ipsis verbis do regulamento de 1969, determinação essa que sobreviverá a todas as revisões até à actualidade.
14Curiosamente, é só com a liderança duma vereação de centro-esquerda que as marchas retomam a regularidade, com um dinamismo acrescido. Assim, entre as alterações introduzidas pela nova edilidade, destaca-se a renovação do júri (com “especialista em formas culturais populares lisboetas” desde 1991, além de outros especialistas e académicos), para credibilizar a avaliação e a aposta na formação de ensaiadores (primeiro curso em 1993), para introduzir as novas gerações. Além disso, logo em 1991 o Gabinete das Festas da Cidade divulgou entre as colectividades organizadoras a avaliação dos jurados, bem como os respectivos critérios de apreciação e pareceres sobre o futuro e inovação das marchas populares. Reforçou-se deste modo um espaço de debate em torno da finalidade do evento, já entreaberto pelas reflexões multidisciplinares da Comissão Consultiva das Festas de 1990 (ver bibliografia). Da programação para as várias edições das Festas de Lisboa, saliente-se a exposição “Trajes das marchas populares” (1995) e a renovação dos programas impressos, mais cuidados e informativos desde 1991. Também se registaram sinais contraditórios: o regulamento de 1990 impõe quotas no conjunto de 12 arcos de cada marcha, destinadas à própria Câmara Municipal de Lisboa, colectividade e santos populares; o regulamento de 1991 recupera outras disposições dos enunciados da década de 1930, designadamente as relativas à ligação exclusivista entre um bairro e uma marcha, isto é, cada bairro só pode ser representado por uma marcha. Outra continuidade, nunca discutida, remete para o facto de cada marcha ter que representar maioritariamente aspectos do seu próprio bairro (no traje, arcos e música, exceptuando a grande marcha e certos temas coreografados), sendo impossível a elaboração e confronto de visões globais da cidade. Seja como for, o evento consolida-se definitivamente como espectáculo do poder, exaltando em simultâneo a capacidade criadora bairrista e o poder político instalado.
15Cabe ainda uma análise dos vencedores dos concursos de marchas. O bairro que mais vezes venceu a competição foi Alfama (10 títulos, 2 deles ex-aequo), logo seguido da Madragoa (9, idem), e, a alguma distância, da Bica (6, 1 deles ex-aequo), do Castelo (5, idem), de Benfica (3, 2 deles ex-aequo) e da Mouraria (2). Alfama e Madragoa são os mais associados a um certo imaginário cultural lisboeta, com estereótipos como a tipicidade, o fado ou os arraiais. Dos restantes bairros, apenas Benfica não se encontra ligado àqueles dois, em termos topográficos e dum certo imaginário urbano, e é também o único que não é considerado um bairro antigo. Por outro lado, a Madragoa é primeira no período estadonovista, só sendo superada no total de vitórias por Alfama em 2000. Mesmo a Bica teve mais títulos que Alfama nos anos 60, sendo só ultrapassada por esta em 1997. Outro facto curioso de assinalar é que apenas um bairro, Campo de Ourique, esteve presente em todas as edições.
Cruzamento de identidades: o bairro e a aldeia
16Para caracterizar a influência ruralista e a sua associação ao carácter pretensamente folclórico das marchas, importa considerar um conjunto de dados: além da orientação dada às condições impostas pelos regulamentos atrás analisados, refira-se o contexto das actuações, não só ao nível do espaço como da imagética, e o conteúdo dos versos.
17Um exemplo paradigmático pode encontrar-se na edição de 1940: o concurso decorreu na Exposição do Mundo Português (em Belém), mais precisamente no terreiro das Aldeias Portuguesas, provocando um efeito de “miscigenação” de culturas populares distintas, a rural e a urbana. Esta foi uma tentativa voluntária de atribuição duma espécie de “dignidade tradicional” às marchas, com a sua elevação ao estatuto folclórico, por via da associação ao mundo rural aldeão. A talhe de foice, registe-se que esta competição estava não só desligada do lugar do desfile (a avenida da Liberdade) como do âmbito temporal habitual (e “tradicional”), já que ocorreu a 7 de Julho. Por outro lado, a comissão promotora desta edição, nomeada superiormente, projectava-a num plano de oficialização nacional (ista) desde 1938, pois era preciso “dar mais brilho às festas dos Santos Populares, em 1940, vigiando-as, estimulando-as e subsidiando-as” (cit. de IAN/TT, AOS/CO/PC-22, pt. 1, fl. 15). Jaime Lopes Dias era apresentado na qualidade de etnógrafo, enquanto jurado em 1950 e 1952. Em 1958 as Festas da Cidade de Lisboa alinhavam o reatamento do concurso das marchas a um inédito I Grande Festival Nacional de Folclore, destinado a ranchos folclóricos (Melo 1997: 308 e 213-214). As mesmas marchas regressariam em 1963, com o aval do general França Borges, então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que considerou o momento como de “restauração de uma tradição perdida”, acrescentando tratar-se de “um acontecimento aparentemente insignificante, mas de grande significado para a vida social e turística da cidade” (cit. por Miranda 1996: 41). Tanto em 1972 como em 1973, a “grande marcha” estava integrada num desfile folclórico, acompanhada de ranchos folclóricos (rurais). De resto, também após a “revolução dos cravos” se registaram cruzamentos, talvez ainda mais invulgares, como a participação maioritária de freguesias saloias na edição de 1979 (concelhos de Loures e Mafra), ou efeitos de folclorização, por exemplo a introdução da “cultura popular” como novo item de avaliação para o júri (desde 1991).
18Para além disso, tanto a indumentária como as canções das marchas evidenciam uma associação duradoira entre influências rurais e urbanas (poder-se-ia ainda juntar o tema da marcha, explorado de forma espontânea e aleatória desde os anos 60).
19A selecção da indumentária ajudou à fabricação de estereótipos relacionados com as matrizes rural e urbana. Regra geral, este fenómeno funcionou (e funciona) segundo associações facilmente perceptíveis de símbolos ou lendas e/ou respeitando grandes divisões, isto é, conforme a localização geográfica aproxime ou afaste do rio assim será predominante a ligação à actividade comercial marítima ou ao campo e à agricultura. As excepções mais salientes dizem respeito a fenómenos da cultura popular de Lisboa, como o fado e os santos populares (sobretudo o Santo António), ou a factos e associações socioclassistas ligadas à história ou lenda microlocal (bairrista). Tome-se como exemplo a edição de 1947: Campo de Ourique (“costumes populares”), Bairro Alto (“capotes brancos e fidalguinhas”), Alto do Pina (“costumes campesinos”), Mouraria (“severas e fadistas”), Graça (“fidalgotes e costumes populares”), Castelo (“soldados da guerra peninsular e costume popular”), Benfica (“saloios e saloias”), São Vicente (“sécias e peraltas”), Alfama (“marinheiros das galeotas e mulheres de capote e lenço”), Madragoa (“varinos e varinas”).13
20Os versos das canções das marchas são frequentemente tributários da tradição lírica popular — nomeadamente nas referências ao namoro e na associação da natureza ao amor (flores, plantas, pássaros, rio) —, a qual surge mesclada com referências historicistas, tradicionalistas e folclorizantes, ou simplesmente festivas e bairristas. Esta é a conclusão genérica que se retira da análise duma amostra significativa de letras, as das canções vencedoras e das “grandes marchas”.
21Apesar de relativamente consensual, a tendência para a tomada das marchas populares lisboetas como exemplo de folclorização foi alvo de contestação no interior do regime salazarista. António Ferro, o criador do SPN/SNI (Secretariado da Propaganda Nacional, depois Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo), expressa bem a volubilidade de posicionamento quanto a este fenómeno. Assim, em 1947, apesar da superior orientação do concurso das marchas através da Comissão Oficial para a Comemoração do VIII Centenário da Tomada de Lisboa aos Mouros, o director do secretariado, que também estava representado naquela estrutura, organiza uma iniciativa paralela que visava afirmar, em contraponto, a verdadeira cultura popular portuguesa. Com efeito, o Concurso dos Ranchos Folclóricos da Beira Baixa “desenhou o mapa, definitivamente, de tudo quanto existe de são, dentro do país, nas danças e no canto popular, lufada de ar fresco que pretendemos e havemos de conservar” (Ferro 1948: 20).14 Tratava-se duma premeditada contra-ofensiva de Ferro, no “sentido da purificação das nossas canções e danças populares”, porquanto estas estariam a ser “abastardadas pelo gosto ou desgosto das revistas, pelo vício das fitas, das pandeiretas e das marchas com as mãos na cintura” (idem, ibidem, sublinhados do autor). Após a convocação deste mesmo evento festivo na Exposição de Arte Popular (1936), na “Nuit Portugaise” da Exposição Internacional de Paris (1937) e nas Comemorações Centenárias (1940), Ferro começava a criticar os seus efeitos, em nome duma pureza popular (etnográfica) e duma ortodoxia cultural (Melo 1997: 309, 229-232 e 306).
22O próprio criador desdenhava a sua obra, sugerindo em 1953 a extinção das marchas de Lisboa, mas por um argumento de desactualização artística. Com efeito, Leitão de Barros denunciava a “repetição monótona e fúnebre das chamadas marchas populares, cujo interesse estaria apenas na sua espontaneidade, originalidade, sabor de imprevisto, bom gosto e inventiva, e nunca na sua formal organização standartizada onde não se sabe que mais distinguir, se o seu mau gosto oficializado, se o seu sentido de falsa alegria ou de pretensão revisteira, francamente indesejável” (IAN/TT, AOS/CO/PC-33, pt. 10, fl. 207; Melo 1997: 307-308).
23A abertura ao debate, provocada pela divulgação da opinião dos jurados em 1991, relança a controvérsia sobre o futuro do evento, permitindo o regresso de posições mais críticas. Assim, na perspectiva de Maria de Lourdes Lima dos Santos, especialista em cultura popular no júri de 1991, as “formas culturais populares de Lisboa não constituem, a meu ver, um mero repositório museológico de usos e costumes extintos. Nesta Lisboa, as marchas populares não deverão ser objecto de reconstituições passadistas em busca de uma vaga história local que já nada diz aos actuais habitantes dos bairros. Um tal modelo está esgotado e tende a produzir efeitos opostos aos que pretendia. Isto é, em vez de reforçar identidades, dilui-as à força de repetir a receita de um passado neutralizado e uniforme, onde predominam as caravelas se o bairro é da borda de água ou as hortas, saloias e fidalgos se o bairro é para o interior. Julgo que, para além de outras possíveis razões, o desinteresse por este modelo (pelo menos da parte das novas gerações) é responsável pela falta de vitalidade e de criatividade de algumas marchas”.15
De Lisboa para o mundo
24Apesar da controvérsia em torno da essência das marchas populares de Lisboa, é provavelmente o seu carácter híbrido e ecléctico que explica a forte adesão que suscitou. A sua tendência interclassista permitiu-lhe juntar esforços de vários sectores sociais: nas classes populares tem a principal base de recrutamento de marchantes, músicos, aguadeiros, restantes colaboradores e público; nos estratos de classe média (e alta) selecciona os jurados, os patrocinadores financeiros e simbólicos (isto é, padrinhos, madrinhas, etc.) e os colaboradores artísticos (compositores, poetas, ilustradores, autores da iconografia oficial, etc.). A mistura de influências rurais e urbanas talvez seja fortemente determinada pelo cruzamento entre povo e elites que subjaz à sua dinâmica. E talvez seja também a fonte de explicação para a projecção exterior das marchas.
25Seja qual for a explicação, as marchas populares lisboetas impuseram-se no imaginário nacional, de tal forma que se projectaram exteriormente e constituíram mesmo uma fórmula para imitação.16 Numa primeira fase, estas imitações representam experiências geograficamente circundantes; numa segunda fase, alastram a todo o país, sem perderem contudo o traço episódico; numa terceira fase, correspondente ao pós-revolução, consolidam-se como eventos da “área metropolitana de Lisboa” (AML).
26A primeira projecção exterior do evento dá-se em 1940, com a participação da marcha de Benfica num espectáculo nas Caldas da Rainha, partilhando o palco com um “rancho popular” de Tornada na Festa do Vinho local, numa iniciativa da Junta Nacional do Vinho. A primeira referência a uma marcha exterior a Lisboa data de 1947, quando se organizou uma representação de Almada para actuar na capital, a pretexto das comemorações do VIII Centenário da Tomada de Lisboa aos Mouros. Seguiu-se-lhe Viana do Castelo, em 1949, onde se organizou o primeiro desfile de marchas populares paralelo ao de Lisboa.17 Já nos anos 1950, as experiências de imitação multiplicam-se: Oeiras (1950), com uma marcha que assinala a sua elevação a vila (Hasse e Miranda 1995: 63);18 Évora (1952), com uma associação desportiva a assegurar continuidade desde 1953 (Boletim do Juventude Sport Clube (1952-55);19 Estremoz (1953), num despique entre cinco marchas (Banda Municipal de Estremoz 1953); Alcácer do Sal (1954), com grande longevidade; Covilhã (1954), cujo figurino ensaiado pela FNAT foi evoluindo para um concurso de ranchos folclóricos, apesar de no início se chamar concurso de marchas populares e de partilhar outros aspectos comuns com aquela fórmula, tendo ainda a singularidade da participação exclusiva de grupos dos centros de recreio popular concelhios; Montijo (1956), integrando uma marcha do Bairro dos Pescadores local nas Festas de São Pedro. Nas décadas seguintes registem-se as experiências de Setúbal, Porto (1968, um fiasco devido a forte temporal) e Amarante (1970-72) (Coutinho 1982: [11], 25, 29).
27Após 1974, salienta-se a consolidação de marchas próprias nos concelhos contíguos à capital: Mafra (em 1982 participaram 25 freguesias, sob a égide de Beatriz Costa, antiga jurada e madrinha nas marchas lisboetas), Loures, Cascais, Oeiras, Almada.20 Tornaram-se ainda incontornáveis em Alcácer do Sal (celebraram-se 30 anos em 1984), Setúbal (reactivadas em 1985), Amarante (regresso em 1980) e Sesimbra, e foram experimentadas no Barreiro (pelo menos em 1999).21 Em Setúbal, Sesimbra e Amarante a organização coube aos respectivos municípios, enquanto em Alcácer do Sal e Barreiro foi da responsabilidade do associativismo local. Relembre-se também a já aludida edição lisboeta de 1979, centrada nas 12 marchas oriundas de freguesias de Mafra e Loures, visto que a componente local reduzia-se a uma “grande marcha”.22
28Para o reforço nacional do evento foi decisivo o contributo da comunicação social: em primeiro lugar, a imprensa, sempre atenta aos eventos populares, depois a difusão radiofónica, com a Emissora Nacional a fazer a transmissão directa dos ensaios das marchas logo em 1935, e a difusão televisiva, com emissões directas desde 1963. Também o cinema ajudou à consolidação das marchas no imaginário nacional, através de filmes como a A canção de Lisboa (Cottinelli Telmo, 1933) e O pátio das cantigas (Francisco Ribeiro, 1941). Por outro lado, também as “casas de fado” lisboetas incorporaram aspectos das marchas nos seus espectáculos, como por exemplo a Adega Machado (com uma marcha) e A Severa (com uma “marcha-canção”), associando-os ao fado e ao “folclore”.
29À medida que o evento se reforça como fenómeno do turismo de massas, ganha notoriedade internacional: registem-se, como exemplos, o convite da CML a jornalistas estrangeiros para acompanhamento da iniciativa em 1990 e a actuação da marcha de Alfama nas cidades japonesas de Osaka, Ikeda e Sacai, em 1993 (Miranda 1996: 42; Boletim Informativo da Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, n.° 41, 1993).
Conclusão
30A invenção das marchas foi formulada no contexto duma cultura de massas (o Parque Mayer era então um dos principais representantes nacionais duma indústria cultural de massas e Leitão de Barros um dos seus principais agentes, ao nível da criação e divulgação), ainda que incipiente, e com uma subtil convocação de elementos da cultura tradicional. Com efeito, algumas das suas características iniciais (inserção na quadra dos santos populares de Junho, representação espectacular, competição de tipo bairrista) são reforçadas aquando da sua organização municipal (sem esquecer que a forte ligação ao apoio municipal é também uma característica das marchas). Assim, adapta-se o evento ao seu contexto “tradicional”, associando-o aos arraiais populares e desdobrando-o também por um desfile, e acentuam-se os traços de pretensa autenticidade tradicional, mas sem eliminar o elemento mais fantasista ou “teatral”. Esta orientação voluntarista de reforço da matriz folclórica acentuou o carácter híbrido das marchas, configurando-as como um cruzamento peculiar entre influências rurais e urbanas temperado pela folclorização. Não é de recusar que a própria exploração da identidade bairrista seja um reflexo deste processo de folclorização (ou, pelo menos, que se tenha reforçado exponencialmente com a sua ajuda). À força de tanto se insistir no mesmo tipo de referências, cristalizou-se um determinado imaginário citadino. Uma ideia da cidade que também foi uma ideia do país, “pobrete mas alegrete” e muito cioso dos seus costumes (por isso, a forte migração rural transporta a aldeia para o bairro citadino); hoje, com o distanciamento em relação aos tempos iniciais, aos festejos nos mercados municipais, etc., torna-se uma celebração vagamente folclorista, onde predomina o elemento saudosista. Contudo, o propósito renovador revelado em certos aspectos suscita resistências, contribuindo para a incerteza quanto à evolução próxima.
Notes de bas de page
1 Os festejos tradicionais consistiam em arraiais e bailes populares, que podiam terminar em deslocações colectivas (marchas) até às fontes (cf. Melo 1997: 295-296, sobretudo nota 304). As marchas populares de Lisboa, bem como os principais eventos e modelos oficiais do processo de folclorização sob o Estado Novo português (anos 1930 a 1950), são analisadas aprofundadamente na obra supracitada. Para uma análise mais pormenorizada das marchas ver idem, p. 295-313. Sobre este assunto pode ainda consultar-se Melo (1995) e Melo (1999).
2 Cf. Diário de Lisboa, 6/VI/1932, p. 5. Nas citações respeita-se a ortografia original. Ainformação factual sem referência bibliográfica contida no presente texto tem origem na obra de levantamento do estudioso e ensaiador José Ramalho, depositada no GEO — Gabinete de Estudos Olisiponenses (da Câmara Municipal de Lisboa).
3 Refira-se que esta reedição estava há muito prevista, tendo apenas falhado uma representação da Mouraria (ver Diário de Lisboa, 7/VI/1932).
4 Cf. Comissão Executiva das Festas de Lisboa VI/1935: fl. 1. Este documento data de 1935, mas deve ter existido uma regulamentação anterior, se não escrita pelo menos verbalizada, uma vez que certas determinações são recuperadas de 1934 (o próprio programa das marchas deste ano continha uma série de condições, (ver bibliografia) além da referência ao “regulamento e instruções da comissão” pelo Diário de Lisboa (12/VI/1932, p. [5]). Existe ainda um contrato, designado por “termo de compromisso”, em que as partes acatam as condições enunciadas na circular regulamentar supracitada, além doutras cláusulas.
5 Tipo de agrupamento musical constituído por oito instrumentos de sopro e percussão, que acompanha as marchas populares e bailes, por altura das festas dos santos populares.
6 Ao suporte oficial juntou-se a colaboração dos comerciantes lisboetas, logo desde 1934 (ver idem: 301-302).
7 Ver tese de Moisés Espírito Santo cit. Melo (1995: 24-25). Como influências determinantes para a configuração das marchas populares de Lisboa, vários autores apontam ainda as celebrações régias medievais, os festejos carnavalescos e os folguedos oitocentistas locais (ver por exemplo Comissão Consultiva das Festas de 1990 1991: 32-34 e o próprio (Leitão de) Barros [1958]: 38-39).
8 Citação erradamente datada de 19/VI/1932 em Melo 1997: 300 (nota 313). Ver ainda o testemunho do próprio (Leitão de) Barros (1958: 38-39).
9 Segundo Hobsbawm, para fazer frente a um presente em constante mutação, as tradições inventadas “procuram inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que automaticamente implica continuidade com o passado” (ibidem). Através desse processo, tais práticas procuram sustentar-se numa relação historicizante artificial, seleccionando um passado histórico conveniente.
10 A tese sobre esta apropriação simbólica foi originalmente formulada por Ruben de Carvalho (ver Comissão Consultiva das Festas de 1990-1991: 37).
11 Já tinha havido um antecedente em 1973 (ver Miranda 1996: 41).
12 Os vários regulamentos referidos foram gentilmente cedidos pelo Sr. José Ramalho. Em 1970 a CML delegou a criação do figurino às colectividades, a única excepção até à revisão de 1982, a qual se deveu grandemente à longa pressão exercida pelas colectividades participantes.
13 Cf. Comissão Executiva das Comemorações do VIII Centenário de Lisboa 1947: s. p. Amarcha de Almada, apoiada pela edilidade local, surge em “costumes simples de fantasia” (cf. Diário de Lisboa, 9/VI/1947, p. [6]).
14 Datação incorrecta para este facto em Melo (1999: 428).
15 Cit. e contestado por José Ramalho na sua “Breve história das marchas populares de Lisboa” 1995: 50 e ss. (documentação depositada no GEO/CML).
16 A listagem de “réplicas” inserida no presente estudo não pretende ser exaustiva, embora aprofunde e actualize a informação contida em Melo (1997: 310-313; e 1999: 429).
17 Uma representação bairrista desfilou isoladamente vários anos da década seguinte (ver Comissão das Festas do Bairro-Jardim 1955, apesar de aí não se referir ser continuação da edição original de 1949).
18 A datação para o exemplo de Oeiras em Melo (1999) está errada, o que resultou duma confusão a propósito da incorrecta designação da marcha local (que deve ser 7/VI/1759 e não 7/VI/1959) na legenda da imagem 31 incluída naquela fonte de informação.
19 Houve, pelo menos, quatro edições de marchas eborenses, desde 1952 (e não 1953 como surge em Melo 1999, mas sem a participação daquela colectividade na edição inaugural).
20 Sobre Mafra ver A Capital, 24/V/1983, p. 13; para os restantes ver Boletim Informativo da Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, n.° 38 (VII/1993), p. 2. Existe concurso em Loures desde 1994 (ver n.° 42 do supracitado boletim, V-VI/1994, p. 7). Suspeita-se que existam marchas nos restantes concelhos da AML mas não foi ainda possível reunir prova documental.
21 Para os exemplos de Setúbal, Sesimbra, Amarante e Barreiro ver respectivamente, Jornal de Notícias, 10/VI/1998, p. 11, Movimento Cultural, n.° 2 (I/1986), 3 (XII/1986) e 5 (XII/1988), correspondentes p. 124, 157 e 116, Coutinho 1982: [11] e 33, e Elo Associativo, n.° 7 (I-III/1999), p. 5.
22 A colaboração das referidas marchas saloias foi erradamente datada de 1973 em Melo (1995: 26).
Auteur
Mestre em história contemporânea (UNL), doutorando, investigador associado do Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa (CEHCP/ISCTE). Participou em projectos de investigação nas áreas da história contemporânea de Portugal e história da educação. Prémio de História Contemporânea da Universidade do Minho, em 1998, atribuído à sua tese de mestrado. Publicação mais recente: Salazarismo e Cultura Popular (1933-1958) (Imprensa de Ciências Sociais, 2001).
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