Capítulo 15. A polémica sobre a Farra do Boi no Brasil
p. 281-294
Texte intégral
1A costa do estado de Santa Catarina começou a ser esparsamente povoada por luso-brasileiros a partir da segunda metade do século XVII. Inicialmente, as expedições dos bandeirantes vicentistas abriram caminho para as povoações de Nossa Senhora do Desterro (1662), São Francisco do Sul (1658) e Santo António dos Anjos da Laguna (1682). Posteriormente, vai-se processar um desdobramento dessa ocupação, com a concessão de novas sesmarias na primeira metade do século XVIII. Mas é somente em meados do século XVIII que se vai efectivar a ocupação do litoral, com a migração dos casais açorianos (Piazza 1983: 139). Como parte de um esquema geopolítico amplo, o reino português, em face da política de ocupação espanhola na América do Sul, empreendeu o povoamento dos territórios fronteiros meridionais com gente de origem lusitana. Os açorianos deslocam-se para várias partes do Brasil. No entanto, a grande escala da migração vai dar-se em Santa Catarina (Laytano 1987: 139). Aí o povoamento deu-se entre 1748 e 1756, ocupando todo o litoral e tendo como ponto de partida a então povoação Desterro.
2Segundo Piazza (1983: 155), no término do processo legal de povoamento, que durou oito anos, os imigrantes açorianos suplantavam a população local existente, tendo migrado no mínimo 6.000 pessoas. Neste sentido, praticamente (re)desenharam a paisagem humana existente, estabelecendo por todo o litoral características socioeconómicas e culturais específicas.1
3Os núcleos açorianos dedicaram-se fundamentalmente à agricultura de subsistência até à primeira metade do século XIX, tendo na pesca uma actividade subsidiária. Tal fato se inverte meio século depois, com a inserção na economia monetizada e o contínuo empobrecimento do solo, após 200 anos de plantio (Beck 1984: 23-26). Embora fossem pastores em suas ilhas de origem, aqui poucas condições tiveram uma vez implantado o regime de pequena propriedade (Cabral 1972: 109-112, Beck 1984: 15). Dedicaram-se à pequena produção agrícola, utilizando força de trabalho familiar. Logo se estrutura uma indústria manufatureira, relativa à produção da farinha, confecção do linho e algodão, artefactos de barro, cestaria e madeira. Mesmo quando a pesca deixa de ser uma actividade subsidiária, a produção agrícola permanece, dada a sazonalidade da pesca e o desenvolvimento dos mercados e feiras nas pequenas vilas, principalmente Nossa Senhora do Desterro. Essa característica formação histórico-económica do chamado “homem açoriano” vai configurar a sua identidade social enquanto lavrador, pescador e artesão (Beck 1984: 20).
4Durante o século XX notaremos que, sem uma economia de projecção industrial, nos moldes dos vales colonizados por alemães, os descendentes dos açorianos — alternando seus ciclos de trabalho entre o mar e a roça, o comércio e serviços — sofrerão o estigma de um povo “indolente e incapaz”, em função do propalado fracasso material do chamado homem do litoral.2
5No final da década de 1940 realizou-se em Florianópolis o I Congresso de História Catarinense, comemorativo do segundo centenário da colonização açoriana. Com a presença de historiadores de vulto nacional, procurou-se ali iniciar um processo de reabilitação da imagem e do papel histórico desse homem litorâneo, estabelecendo as razões históricas de seu fraco desenvolvimento económico, e fundamentalmente, afirmando a sua identidade, pelo enaltecimento de suas tradições culturais (Flores 1991: cap. 3). Era preciso organizar o passado açoriano, abrindo os arquivos e colectando os dados dispersos sobre os seus costumes. Essa enorme tarefa pode ser constatada nos boletins da Comissão Catarinense de Folclore que, nas décadas seguintes, seriam um veículo activo desse processo de resgate e reabilitação. Os folcloristas produziram imenso trabalho de registro da cultura popular, deixando material valioso que tem servido para a tematização de novos estudos. Este tem sido reconhecidamente o grande mérito dos folcloristas catarinenses.
6No caso das “brincadeiras-de-boi” temos o Boletim n.º 8, de Junho de 1951, cujo texto foi assinado pelo historiador Walter Piazza. Fala-se ali não da Farra do Boi, mas do Boi-na-Vara, visto como um folguedo, um “habitualismo” ilhéu, tido como uma “revivescência da tourada-a-corda” praticada no arquipélago dos Açores. Registra a sua ocorrência durante a semana santa, por todo o litoral, e cita outras brincadeiras, como o boi-no-campo, boi-no-mato, boi-no-arame, todas com a mesma finalidade: fustigar o animal, depois matá-lo e repartir a carne entre os participantes.
7Se o leitor atento de hoje quiser saber o que é a Farra do Boi e procurar no Dicionário do Folclore Brasileiro de Luís da Câmara Cascudo (1962), encontrará o verbete Boi-na-Vara com a transcrição integral do texto de 1951 de Piazza. Deduzirá, sem maiores problemas, que se trata de uma manifestação dentre outras no contexto da cultura do boi no Brasil, a exemplo das vaquejadas nordestinas e dos rodeios gaúchos. Veja-se que até ao momento em que a farra não é problematizada pela opinião pública dos anos 1980, o seu enquadramento como folguedo popular é claro na classificação dos folcloristas. Noto que estamos aqui discutindo modos de classificação de fenómenos da cultura popular. Quando se examina, no entanto, a hemerografia sobre a polémica da Farra do Boi no período 1987-1994, verifica-se que, em poucos anos, aquilo que estava classificado como mero folguedo popular e, portanto, inscrito no inventário do folclore brasileiro, passa a ser tematizado como sinónimo de selvageria, crueldade, tortura.3 O costume de correr e brincar com o boi que, até à década de 1970, não apresentava nenhuma publicidade ou carácter de espectáculo, que se dava na inclusividade do campo, no pasto ou na praia, e se reduzia às comunidades nativas, torna-se objecto amplo de conflitos e polémicas de opinião entre entidades proteccionistas, farristas, forças legais, sectores da igreja, intelectuais e outros. Episódios brutais de repressão policial, como a ocorrida em Ganchos em 1988, protestos e campanhas nacionais e internacionais, execução de animais, acções na justiça, portarias e pareceres de toda a ordem foram comuns nesse período.4
8Será que nas campanhas públicas, o questionamento mais explícito se refere ao fato de ser a Farra do Boi “cultura ou crueldade contra os animais? Folclore ou violência? Tradição popular ou degeneração cultural?” Na perspectiva da sociedade envolvente e do estado, a pergunta mais óbvia é: — Como pode ser folclore uma tradição popular que se baseia na violência? Como associar cultura à tortura? O que parece ocorrer é que a opinião pública levanta questões difíceis de explicar se adoptarmos os modos tradicionais de classificação contidos nos antigos manuais de folclore.5 A perspectiva usual, consagrada pelos manuais, mantém até hoje o marco histórico pelo qual foi pensada a noção de folclore. Conforme a sugestiva revisão feita por Rita Segato de Carvalho e Jorge de Carvalho (1992), os conceitos de saber popular, folclore e cultura popular se assentam historicamente sobre o tripé: a) folk (correlato de povo, comunidade, classes ou camadas populares); b) nação (em nome da qual os saberes e fazeres do povo eram esquadrinhados para identificar possíveis elementos emblemáticos que pudessem ser invocados em estratégias de integração da sociedade global); e c) tradição (correlato de costume, cultura, transmissão).
9A partir desse tripé, que se formula na Europa e continua na América, se concentra toda a atenção dos estudiosos da cultura popular. No entanto os autores ressaltam que as ideias de folk, nação e tradição sempre se revestiram de ambiguidades, por serem noções difusas, difíceis de se tornar categorias analíticas (ibid.). Afinal, perguntam: — O que é o folk? Um segmento da sociedade ou um tipo de comportamento solidário de qualquer grupo social? É toda a cultura do povo relevante para a identidade da nação? Acaso não é tradicional toda a cultura?
10A confusão conceptual se deve ao fato de que a temática da cultura popular pressupunha a elaboração de uma tipologia de culturas baseada em critérios eminentemente formais. Assistimos assim a uma longa e inesgotável discussão taxonómica sobre o que é cultura popular e erudita, rural e urbana, tradicional e de massas, etc. (Carvalho, R. 1992: 10). Segundo os autores, esta “obsessão” taxonómica já não se sustenta mais porque se deve, no momento presente, levar em conta a articulação de factores sumamente complexos que, em muitos casos, ameaçam dissolver a delimitação de um campo exclusivamente tradicional da cultura popular. Factores como a produção cultural dos meios de comunicação de massa, o turismo, as migrações internas, a secularização e a urbanização acelerada, têm provocado o surgimento de novos padrões de socialidade e formas culturais transitórias distintas dos tipos consagrados de cultura (Carvalho, R. 1992: 26).
11Partindo da hemerografia, seria possível e tentador discutir, por exemplo, os dilemas do movimento ecológico embutidos na pergunta de Gabeira: “Até que ponto é ecológico salvar bois e ferir pessoas?”6
12Igualmente a questão da resistência cultural, na medida em que populações minoritárias de pescadores vêm reafirmando a sua identidade diante das tentativas de domesticação da festa.7
13Não obstante, a questão que gostaria de reter é a seguinte. Em que contexto surgem as campanhas públicas contra a Farra do Boi? De que modo a farra deixou de ser tratada como uma expressão do folclore brasileiro para se tornar um problema generalizado de segurança pública, privada e animal?
14Estou interessado aqui não propriamente nos modos de classificação das culturas populares ou do que é tido como folk na sociedade nacional mas, precisamente, nos modos de sua apropriação ou reelaboração pelo estado, pela indústria cultural ou sectores dominantes da sociedade civil.8 Os modos de apropriação de sentido funcionam como poderosas mediações ético-políticas e acabam legitimando ou não uma determinada tradição popular, conferindo ou destituindo o seu significado original.
15A outra questão correlata é a seguinte. Que ingredientes uma festa como essa possui para deixar de ser um estudo de caso do folclore e tornar-se um caso de estudo da justiça, dos ecologistas, da igreja, ou mesmo um problema psicanalítico?
16Tentarei responder à primeira questão na mesma medida em que vou fornecendo um quadro geral e retrospectivo da festa em termos regionais. Quanto à segunda, anteciparei o que penso ser seu ponto de partida interpretativo.
17O que é a Farra do Boi? Quais os seus antecedentes? Onde e quando se realiza? Quem participa? Como se desenrola?
18As denominações arcaicas da festa são muitas. Antigos farristas descrevem-na como “boi de campo”, “boi-no-campo”, “Boi-na-Vara”, “boi-no-laço”, “boi-no-arame”, “boi-solto”, “brincadeira-de-boi” ou simplesmente “Boi”. Ao que parece, tais denominações referem-se, em primeiro lugar, ao que se sucedia na comunidade quando um boi reagia violentamente às tentativas de apartação da manada.9 No quotidiano das actividades agrícolas e domésticas dos açoriano-brasileiros o gado servia e ainda serve para o transporte, tracção e alimentação. No entanto, uma família que tivesse uma parelha de bois podia se considerar abonada. Não havia grandes criadouros no litoral. O seu abastecimento em maiores quantidades advinha de uma outra corrente de povoamento, o tropeirismo, que em levas periódicas, trazia o gado em tropas dos campos de Lages para o litoral (Piazza 1983: 165-180 e CEAG/SC, 1980: 49, 52, 97). Sabemos que Desterro e o litoral fronteiriço mantiveram-se à margem do comércio lucrativo do gado, destinado principalmente às Minas Gerais. De certo modo, esses diversos nomes da festa têm a ver originariamente com as formas usuais pelas quais os homens do campo amansavam animais bravios, destinados a compor uma parelha de carro de bois, à tracção circular do engenho, ou ao comércio (Pereira 1992: 166). Por outro lado, o comércio de gado bravio ou chucro era uma actividade exclusiva do “tropeiro” (ou vaqueiro no nordeste brasileiro). Esse homem do campo detinha o conhecimento apurado das técnicas de amansamento. Relatos do século passado de viajantes estrangeiros vêm nessa direcção, descrevendo os “violentos amansamentos de bois” na ilha (Langsdorff [1803] in: 1984: 164); e a vinda das “tropas” do Rio Grande (Semple-Lisle 1984: 126, Duperrey 1984: 252, 261). Não encontrei referências explícitas sobre a festa nos relatos dos viajantes estrangeiros, basicamente dos séculos XVIII e XIX. No entanto, eles apontam para a actividade comercial que lhe servia de fulcro, o “tropeirismo”, já que não haveria brincadeiras a não ser com bois bravos, um boi que, segundo os mais velhos, tinha que ser “do campo”, “estranho”, “estrangeiro”, “desconhecido”. Isso não significa no entanto a inexistência da festa a essa época já que depoimentos de farristas septuagenários falam do “boi-solto” ou do “Boi-na-Vara” desde o tempo de seus bisavós, o que nos levaria aos inícios do século XIX (Lacerda 1993: 116). Esses relatos confirmam, por outro lado, o consumo da carne bovina em ocasiões especiais, como a Páscoa, Pentecostes, Natal, ou o dia do santo padroeiro, ocasiões em que se comprava o animal em sociedade para depois repartir sua carne.10 Por outro lado, dados do arquivo policial e posturas municipais do século passado dão conta da existência de tais brincadeiras já como objecto de preocupação das autoridades públicas.11
19Quando se trata da inserção histórica do costume catarinense, podemos afirmar a sua pertinência no âmbito da herança cultural açoriana. Noto que à época da migração dos casais, as touradas ocorriam praticamente em todo arquipélago dos Açores. Com o tempo o costume foi caindo em desuso, permanecendo apenas em uma das ilhas, a Terceira (Ribeiro 1983: 121). Os autores portugueses confirmam que havia duas espécies de touradas: as ditas de praça, normalmente promovidas pela nobreza, realizavam-se nos adros das igrejas, praças públicas e arenas, onde o touro era lidado a cavalo. E as touradas populares, à vara-larga no continente português e à corda no arquipélago, onde o touro era corrido pelos caminhos e logradouros públicos (ibid: 533). As touradas à corda, bem como outras variantes do rito, existem até hoje nos Açores, apesar de mais de quatro séculos de proibições policiais e eclesiásticas (Merelim 1986: 39). O esquema da festa, basicamente caçar o animal no mato, corrê-lo nas ruas da cidade e depois sacrificá-lo, sem dúvida evoca as atuais farras do litoral catarinense, especialmente nas cidades de Ganchos, Porto Belo e Florianópolis.12
Qual é, no entanto, o esquema das Farras de Boi em Santa Catarina?
20O leitor deve ter notado que tento olhar a festa como uma manifestação local do “ciclo do Boi” brasileiro. A multiplicidade de práticas rituais e autos populares que tem no boi sua figura dramática central tem sido amplamente notada por sucessivos autores (Andrade 1959, Cascudo 1984) na formação histórica e cultural do país. Não é por acaso que Mário de Andrade definiu o boi como “o bicho nacional por excelência”. O boi aparece primeiramente como motivo de uma dança dramática, largamente praticada no Brasil, o Bumba-meu-Boi.
21Tendo no Nordeste brasileiro, seu núcleo principal de irradiação, “o boi-que-dança” vai adquirindo diferenças regionais, desde a nomenclatura até aos aspectos da própria dança, tais como a forma de apresentação do auto, das personagens, das músicas e das cantigas, da indumentária e dos instrumentos. No entanto, o enredo primitivo permanece o mesmo: a morte e a ressurreição do boi.13 Em Santa Catarina, o rito é conhecido como Boi de Mamão, ao que tudo faz parecer uma variante do auto nordestino (Soares 1979). Noto que uma característica desses autos é o comparecimento alegórico do boi, enquanto que em outras modalidades rituais, como a vaquejada nordestina a Farra do Boi catarinense, o boi comparece in natura.
22O “boi-no-campo” catarinense não se configura como uma dança dramática. De outra forma, é um combate dramático, uma tauromaquia.14 Um boi-de-campo (ou vários bois), necessariamente bravo, arisco e corredor, é escolhido e comprado por um grupo de farristas, mediante uma lista de sócios. A escolha do melhor animal subentende algumas horas de intensas negociações com os fazendeiros até chegar a um bom termo, isto é, o melhor preço para as partes e o boi mais bravo para os farristas. Mas nem sempre isso ocorre. Os farristas dizem que não são especialistas em bois campeiros e, às vezes, são ludibriados ou se enganam quanto à ferocidade do animal. A escolha do boi é um episódio à parte. Escolhido o boi, o animal é transportado para a comunidade e solto em locais previamente decididos pelos sócios. A soltada do boi reveste-se de uma euforia inigualável. São centenas de pessoas aguardando a chegada do animal, anunciada por foguetes e buzinas durante todo o trajecto. A partir daí, passa a ser objecto de brincadeiras — pegas, correrias, lides, procuras, ataques e fugas — em lugares os mais diversos:15 normalmente onde há mato, pastos, morros e praias; também se dá em áreas marcadas e cercadas (mangueirões); em bairros, praças e ruas centrais das cidades e vilarejos. Cria-se uma atmosfera imprevisível pois a expectativa dos farristas é brincar com a fúria do boi. Atravessa-se a noite toda atrás do animal quando este não se perde mato adentro. Espera-se horas a fio até que os mais corajosos desentoquem o bicho. Enquanto isso os moradores ficam nos bares, nas ruas, ou em frente das suas casas; as mulheres tendem a proteger as crianças e os idosos recontam suas estórias. No entanto, todos querem ver o boi passar. Se o boi cansa, troca-se por outro. Durante a festa bebe-se muito, come-se pouco. O riso e o alarido se tornam extravagantes e a mentira corre nas línguas: grita-se: — Olha o boi!, quando o bicho não está. Mas quando menos se espera, aparece um par enorme de aspas vindo em sua direcção (aliás, tenho notado que os farristas costumam tratar o boi bravo como uma verdadeira aparição).
23Tais brincadeiras se dão intensivamente na semana santa até o sábado de Aleluia, quando o boi é recolhido. No Domingo de Páscoa o animal é sacrificado e sua carne repartida entre os sócios da farra. A “matação” ou “carneação” do boi sinaliza o fim da festa. No entanto a execução do boi que também se reveste de uma atmosfera especial, pode significar o começo de outra festa, desta vez a da “comilança”. Reúnem-se os parentes e amigos, churrasqueia-se a carne, enquanto narram-se os acontecidos, as estrepolias, galhofas e também os machucados. Aqui são as pequenas tragédias o motivo da conversação. Durante todo o tempo da festa não se notam regras de exclusão baseadas em sexo, idade, status ou autoridade. O que se nota é uma contínua valorização da decisão individual em querer participar, o que significa adequar-se aos parâmetros tidos como legítimos da brincadeira.
24A farra é certamente uma brincadeira perigosa, excessiva. De fato não estamos lidando com um acontecimento da norma, mas da suspensão dela. Quando é tempo de Farra do Boi a rotina normal do trabalho e da família é posta em parênteses. Os grupos farristas se tornam como que bandos camaradas. A fartura da bebida e o jejum da carne são atitudes constantes. Sinais conjuntivos que parecem evocar uma ritualística ao mesmo tempo sacramental e divertida. O seu limite ético está na diferença estabelecida no meio nativo entre o que seja brincar e judiar do boi. Quem judiar do boi revela que tem “rixa na cabeça” e pode ser apartado, quando não sujeito a uma “surra”. Quem brincar com o boi recebe o carinho dos camaradas e a chancela das mulheres. Quanto ao calendário da festa, embora se possa dizer que tradicionalmente o Boi-no-campo ocorre na semana santa e no período natalino, temos verificado a sua extensão por todo o período da Quaresma. Por vezes em momentos ocasionais durante o ano. Segundo os relatos de que disponho, na semana santa os pescadores recolhiam os barcos, faziam o jejum da carne, ficavam reunidos em pequenos grupos, literalmente não faziam nada. Era nesse tempo não produtivo que ocorriam as brincadeiras, época que também coincidia com o retorno dos pescadores embarcados. Hoje em dia a pesca do camarão tem terminado bem antes da semana santa, pelo início de Fevereiro, época em que se começa a comprar bois bravos por todo o litoral. Com isso quero indicar que as transformações em termos da urbanização e sazonalidade da pesca parecem estar alterando aquela regularidade do antigo calendário da festa e compassando o accionamento da brincadeira em termos inusitados.
25As farras ocorrem praticamente em toda faixa litorânea do estado, desde Garuva ao norte, até Laguna ao sul.
26O único levantamento disponível registra sua ocorrência em 24 municípios,16 aproximadamente 60 localidades nas faixas urbanas, pesqueira e rural (Comissão 1989). Não encontramos registro de desaparecimento da festa por longos períodos de tempo. Sabemos que ocorre pelo menos há quase dois séculos, segundo testemunhos orais.
27Em cada lugar a festa é única. As brincadeiras de boi ocorrem de várias formas: boi-solto, boi-mangueirado, boi-no-arame, boi-na-vara. A descrição mais antiga que se tem é a do boi-na-vara feita por um viajante em 1896 e recolhida por Piazza (1951: 72). O boi-na-vara praticamente não existe mais no litoral, embora tenha-o encontrado em minha região de pesquisa. O boi-solto ainda predomina pelo litoral, e é este que causa tanto alarme justamente por não ter fronteiras. É o boi que provoca o estado de correrias na comunidade; tem sua expressão mais clara em Ganchos Porto Belo, Penha e Ilha de Santa Catarina. O boi-mangueirado é o boi institucionalmente mais aceito, recomendado pelo governo do estado; ocorre justamente em áreas mais urbanizadas, zonas de veraneio; uma determinada área é cercada e a plateia fica do lado de fora se divertindo com as acrobacias dos toureiros improvisados; vemos sua ocorrência em Itapema, Navegantes (o maior do estado), Tijucas na Ilha e também em Ganchos; aqui o mangueirão, construído pela prefeitura em 1989, tem pouquíssima audiência, porque segundo os pescadores, “não tem graça nenhuma”. O boi-no-arame, tem rara ocorrência. Trata-se de um arame de grande comprimento fixo de ponta a ponta por duas varas grossas enterradas no chão. O boi é preso a este cabo por uma corda menor, de modo a ter espaço para circular, ficando a correr por todo o arame, ao sabor das investidas dos farristas. Tenho registro desta modalidade numa localidade de Porto Belo. Há que se registrar a ocorrência em Garopada, 30 km ao sul de Florianópolis, de uma festa chamada “Boi Vendouro”, onde o animal, bravo, não é brincado, mas fica amarrado sob intensa vigília durante toda a noite da sexta feira santa, para no sábado ter sua carne dividida entre os sócios e parentes (Zabotti 1990).
28Retomando a questão central deste artigo, o esquema mencionado pode ser plenamente reconhecido até meados da década de 1970, quando o ritmo da urbanização/ balnearização do litoral catarinense começa a se consolidar. A descoberta do litoral como área turística vai provocar profundas transformações nas tradições culturais das comunidades litorâneas. Pesquisas recentes têm demonstrado amplamente esse processo.17 A ocorrência das farras, que, tradicionalmente se dava nos escampados e era endógena às populações nativas, com a balnearização, ganha intensa visibilidade, passa a depender das áreas ainda disponíveis e também do nível de tolerância dos novos moradores que vão se fixando nas zonas de veraneio.
29Note-se então que é no contexto do desenvolvimento urbano do litoral, com a emergência de um novo padrão de consumo turístico, que se pode entender a tipificação/ padronização das práticas culturais locais. O turismo requer não apenas a infra-estrutura e serviços públicos adequados mas também uma cultura da diferença que seja tragável, palatável ao novo padrão de consumo (Scheimel 1994). As farras nativas, visibilizadas, fogem desse novo padrão de consumo. Tornam-se objecto de tribunalização pelo cosmopolitismo ecológico em voga, por meio da censura cultural e da repressão oficial.
30Penso que todo esse processo se vincula a uma das peculiaridades da dinâmica cultural brasileira que consiste na apropriação de manifestações populares através de mecanismos manipuladores de seus significados e, muitas vezes, transformados em símbolos de identidade nacional. Exemplos disso são o samba, o tema da malandragem, a capoeira, a umbanda e a feijoada (Oliven 1984: 47). Também o candomblé, o carnaval, os reisados. Expressões particulares apropriadas pelo discurso do estado que passa a considerá-las como manifestação de brasilidade (Ortiz 1984: 140). Muitas vezes, estas formas de apropriação implicam numa assépcia generalizada daqueles aspectos que possam conferir perigo ou ameaça à cultura dominante e ao estado. Quando não ocorre via repressão pura e simplesmente, adoptam-se outros mecanismos mais subtis de domesticação, que consistem em recuperar as práticas populares como “exótica lembrança de um mundo extinto, que pode ser exposta ao turista e ser exibida como relíquia nos teatros” (Chauí 1981: 132). É neste contexto que tem surgido as críticas à conversão da cultura em objectos de consumo (Carvalho 1992: 30).
31Ao analisar a Farra do Boi de perto, bem como sua conjuntura polémica e o conteúdo dos protestos nos jornais, verifiquei que sua desqualificação como folclore surge em função do processo de tribunalização em que é submetido, não encontrando mais o reconhecimento e a tipicidade comuns dada ao termo, como um costume exótico e ao mesmo tempo palatável da cultura popular. Interessante é que este reconhecimento é dado a outras manifestações locais como o Pau-de-Fita, o Boi-de-Mamão, o Terno-de-Reis e as Folias do Divino. Ocorre que o cantador do Terno, o dançador do Auto e o folião do Divino, em muitas comunidades é também o farrista do boi.
32Sem dúvida podemos incorporar o caso da Farra do Boi neste processo mais amplo de “domesticação cultural”. Mas, no seu caso, o processo ainda é o de tribunalização, estando a festa proibida em todo território nacional, fruto de uma recente decisão (inócua) do Supremo Tribunal Federal, sem que isso, no entanto, tenha impedido a sua ocorrência a cada ano.
33Nesse caso, em se tratando da segunda questão levantada anteriormente, isto é, quais ingredientes a festa possui para conferir perigo à cultura dominante? O que afinal, causou tanto espanto e rumor corporativados na acção do estado, da igreja, associações de protecção aos animais, entidades comunitárias e ambientalistas, políticos, intelectuais e outros formadores de opinião?
34Na mesma medida em que o litoral catarinense se integra ao turismo nacional e internacional, as práticas culturais locais das populações nativas sofrem a tentativa de incorporação pela indústria cultural. Enquanto não articulada com a cultura dominante, a cultura local, tomando aqui a Farra do Boi, é para nós, outros, o “folclore”, o exótico, fonte vital do diferente. No momento em que as farras tornam-se visíveis, o seu exotismo passa a ser sinónimo de barbárie, da anticivilização.
35Segundo entendo, isto ocorre porque a festa nativa expressa e ritualiza uma espécie de lógica dos sentidos que fricciona perigosamente com imperativos éticos, políticos e sociais já tidos como legítimos pela sociedade envolvente.
36Em primeiro lugar a farra é um rito de inversão, isto é, permite a sensação de um “tempo louco” (DaMatta 1978: 35), que suspende a rotina e seus valores de consenso normais, e passa a brincar com outros sentidos, outras formas de lidar com o real. Neste ponto a farra é uma festa que se reinventa a cada momento.
37Em segundo lugar, a violência. Se o assunto dos farristas é o “Boi”, o assunto da farra, como rito, é a violência; violência que tematiza o sacrifício, pela morte ritual do animal e sua transformação em comida extraordinária; violência como categoria de valor no sentido em que ela se tornou o principal objecto de disputa entre os sectores envolvidos na polémica.
38Em terceiro lugar, a farra é uma festa orgíaca. Trata, como tal, das transgressões nocturnas, da sexualidade e dos jogos do prazer (Cardoso 1994: 162-64, Lacerda 1993). Cerca desses três aspectos — inversão, violência e sexualidade — creio, está a razão dos conflitos e o motivo pelo qual a farra deixou de ser reconhecida como “folclore saudável”.
Notes de bas de page
1 Há uma significativa bibliografia sobre os açorianos na historiografia catarinense (cf. Oswaldo Rodrigues Cabral 1972).
2 Sobre isso, veja-se a excelente discussão de Flores (1991: 91-150) e Araújo (1989: 89-149), a respeito dos problemas de afirmação de nacionalidade entre germânicos e brasileiros no sul do país, na década de 1930 e o sentido das transformações urbanas por que passa Florianópolis na virada do século. Confira-se também Beck (1984: 21).
3 As matérias jornalísticas foram seleccionadas do Arquivo/Dossiê Farra do Boi, 1987-1994, à disposição do público na Fundação Catarinense de Cultura.
4 Manchete do jornal O Estado de 02/04/1988: Polícia liberta presos de Ganchos. Governador Pedro Ivo Campos mandou retirar os 500 homens da Polícia Militar que estavam acampados na localidade.
5 Sobre o conceito e crítica da noção de folclore veja: Almeida, R. (1975) e Fernandes (1989). No caso catarinense, a descrição das chamadas tradições açorianas, bem como as de outras etnias do estado, reflecte esta perspectiva. No que tange à cultura popular, os fatos folclóricos são tomados em seu conceito clássico, isto é, como o “conjunto dos fatos culturais produzidos pela criatividade popular no contexto de países civilizados” (Pereira 1981: 9).
6 Sobre esse assunto veja o interessante estudo de Chaves (1992). A autora toma como ponto de partida o conflito que envolveu a polícia, farristas e ecologistas durante a semana santa de 1988, para desenvolver uma reflexão sobre “conduta ética e política dos cidadãos preocupados com a problemática ambiental (ver Introdução). O trabalho se desenrola em função dos paradoxos da conduta dos ecologistas que, tendo como metavalores a liberdade, a vida e não-violência activa, se vê contradito no episódio, por apresentar posturas autoritárias. No dizer da autora,” ecofascistas". Essa contradição é prenunciada pela autora, que no entanto não a explora, preferindo historiar o movimento ecológico mundial, ratificar seus princípios universalistas e contraponteá-los numa realidade local. Como não se propõe a uma “reflexão mais aprofundada do costume” (p. 224), o estudo acaba fazendo, a meu ver, afirmações etnocêntricas, como a de que os habitantes do litoral teriam “hábitos pré-modernos” (p. 8); ou de que “há total descaso com o sofrimento do animal” (p. 17); ou ainda a de que a motivação dos farristas “advém do medo milenar da morte” (p. 223). Se de um lado o estudo parece elogiar as características “anárquicas” do Boi (p. 29), enquanto movimento social, de outro caracteriza-o como violento, fato dado, ignorando a reflexão nativa sobre a violência (p. 39).
7 Essa questão é trabalhada por Maria Bernadete Ramos Flores (1991) no cap. 5 de sua tese de doutoramento. A autora analisa a farra como um “lugar profano, de embriaguez e glutoneria” (p. 242), e vê em sua continuidade, uma forma de “resistência aos processos de estatização da vida festiva” (p. 243).
8 Sobre os mecanismos de apropriação, ver Oliven (1982).
9 Confira-se sobre isso os verbetes Apartação (p. 65), Bumbá (p. 150), Vaquejada (p. 783) e Rodeio (p. 678) no Dicionário do Folclore Brasileiro (Cascudo 1962).
10 Sabemos que na dieta do ilhéu o pescado é a principal fonte de proteínas (Beck 1979 e 1984).
11 Em 1843, o então chamado “Divertimento do Boi” era motivo de correspondência entre o chefe de polícia de Destêrro e o governador da província (Flores 1991: 245). Cruzando os dois ofícios com o do presidente da câmara municipal, pude constatar que se trata mesmo da brincadeira do Boi-de-Mamão e não da Farra do Boi, já que o ofício do governador se refere aos brincantes como “farçistas”. Consultando dicionários da época, a palavra “farça” significa uma peça teatral burlesca realizada por pantomimeiros (Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, 1925; e o Registro Correspondência com Câmaras Municipais/1839-1843 do Arquivo Público de Santa Catarina). Parece-me então que se esclarece a dúvida levantada pela pesquisa de Flores (1991: 254). Por outro lado, encontramos uma proibição expressa da Farra do Boi em 1874, no Código de Posturas da Câmara Municipal da Vila de São Miguel, próxima a Destêrro. O artigo 72.º estabelece o seguinte: “Fica proibida a brincadeira de bois bravos. Os contraventores pagarão a multa de 30$000 reis” (18/05/1874). Encontramos proibições semelhantes no mesmo ano nos códigos dos municípios de São José e Joinville, mas sem haver menção directa ao nome “brincadeira de boi bravo” (Colleção da Leis da Província de Santa Catarina, Arquivo Público do Estado).
12 Para uma comparação das tauromaquias nos Açores e em Santa Catarina sugiro a introdução do livro Dioniso em Santa Catarina (Bastos 1993) e o texto Bullfighting and Terceira’s Tourada à Corda (Cardoza 1991). É preciso aqui ressaltar o passado “criminoso” e o carácter de resistência da festa. Em 1567 as tauromaquias na Ilha Terceira foram proibidas formalmente pelo Papa Pio V sob a alegação inquisitorial de “feitiçaria dionisíaca” (Ribeiro 1983: 71). No século passado, a alegação das autoridades civis se refere ao “alvoroço” nas ruas, ou a formação de “ajuntamentos ilícitos”, “desordem”, “arruaça”, enfim termos que dizem respeito à moralidade pública (Arquivo Público acima citado). Em 1948, a Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina baixou portaria proibindo o trânsito do “boi de mamão ou quaisquer grupos dessa categoria” na época do Carnaval, sob a mesma alegação (Portaria n.º 889 de 06/02/1948). Actualmente a festa transita na Justiça de Santa Catarina desta vez sob a alegação de maus tratos aos animais (Boletim da Associação Brasileira de Antropologia, n.º 11, 1992).
13 Cascudo (1984), por exemplo, refere na última página do livro acima citado a ocorrência da distribuição simbólica da carne do boi, ressuscitado no rito do Bumba-meu-Boi do Rio Grande do Norte. Segundo o folclorista, uma “momento de hilaridade colectiva”. O rito catarinense, com o boi em espécie, tem na distribuição da carne um dos momentos mais contagiosos.
14 Segundo a Verbo Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, a palavra deriva do grego e significa combate com touro: “Um homem, raramente uma mulher, sozinho, a pé ou a cavalo, domina um touro bravo até lhe dar a morte (real ou simulada)”. Ainda segundo o dicionário, pratica-se em Espanha, Portugal, sul da França, nos países ibero-americanos (México, Colômbia, Equador, Venezuela e Peru), em Marrocos e nos antigos territórios ultramarinos portugueses (1963: 1098).
15 A categoria nativa “brincar” parece se constituir num valor basilar em toda a cultura açoriana. Abriga uma ampla variedade de comportamentos, tais como insultos verbais, galhofas mútuas, perseguições prazenteiras, toda espécie de folias de rua e de casa. No caso da farra, brinca-se de boi (imitações jocosas); e brinca-se com o boi (o combate propriamente dito). O brincar aqui é seguramente o divertir-se no sentido do étimo: tornar-se diverso, ir-se.
16 A Comissão de Estudos da Farra do Boi foi criada em 1987 (Portaria n.º 01/87), no governo Pedro Ivo Campos, e funcionou durante três anos. Nesse período, acumulou dados sobre a farra em todo o litoral. Confira os relatórios: Comissão (1989) Primeiras Conclusões (Jan/1988); Relatório Documental (Jul/1988); Relatório Final (Out/1989).
17 Refiro-me aqui especialmente aos seguintes trabalhos: Beck (1984); Campos (1991); Córdova (1991); Silva (1992); Lago (1993); Maluf (1993). Respectivamente, Beck demonstra como ocorre a desarticulação das actividades económicas tradicionais, como a pesca e a agricultura, dirigindo a força de trabalho para o assalariamento. Com isso a família deixa de ser unidade de produção e consumo e passa a ser apenas unidade de consumo; mostra também a “mercantilização da cultura”, com a transformação do antigo calendário das festas dos santos em festas de produção (pp.: 81, 124, 165, 168, 169). Campos (1991) mostra como, a partir da década de 1940, um dos traços mais característicos da cultura açoriana, qual seja, a forma de uso das terras comunais, desaparece quase que por completo. Nos anos 60 esse fato se aprofunda com a concessão das terras públicas pelo estado, o desenvolvimento de Florianópolis, expansão imobiliária e o crescimento da infra-estrutura turística, acarretando a expulsão dos antigos usuários, pescadores e/ ou agricultores (pp.: 118, 153). Na pág. 153, o autor cita a Farra do Boi como a prática cultural que actualmente melhor se “encaixa no esquema das terras comunais”. De fato, perdendo os chamados “pastos comuns” ou “matos do povo”, a brincadeira continua a ocorrer por entre as novas propriedades, tornando-se visível e incómoda. Córdova (1991), estudando o Terno de Reis em Sambaqui, registra o lamento dos mais velhos moradores, sobre como a juventude nativa deixa de reconhecer as antigas festas, cantos e brincadeiras e de como as novas plateias são apenas de turistas (cf. págs. 10-35). Célia Maria e Silva (1992), estudando a pequena produção mercantil em Ganchos, mostra como, num espaço de 20 anos (anos 60 a 80), os pescadores artesanais são “expropriados de suas condições objectivas de trabalho, perdendo a propriedade dos instrumentos para os intermediários e o espaço marítimo, na disputa pelo espaço de captura com a pesca empresarial (pp.: 149-191). Nesse contexto, a pesca da tainha, que é feita em” sociedade" surge mais como um elemento de resistência cultural à integração capitalista (Beck 1984: 82). Lago (1993) estudando as transformações ocorridas em Canasvieiras, mostra como num espaço de 30 anos, a antiga comunidade agrícola-pesqueira, ganha as feições de um balneário internacional, acarretando um “processo violento de descaracterização cultural” diante do confronto com o modo de vida urbano (pp. 103-128). E por fim, Maluf (1993), descrevendo o mesmo processo na Lagoa da Conceição, mostra como o contacto com a cultura urbana provoca a reelaboração da cultura local, numa abordagem que relativiza o conhecido dualismo sociológico entre o rural e o urbano (pp.: 13-17).
Auteur
Mestre em antropologia social pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisador da Fundação Catarinense de Cultura. Está a concluir doutoramento em antropologia social pela UFSC, sobre Açorianos, Açorianidade e os Manézinhos da ilha de Santa Catarina. Publicação: Bom Para Brincar, Bom Para Comer. A Polêmica da Farra do Boi no Brasil (Editora da UFSC, 2001).
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