Etnografia Portuguesa. Costumes e Crenças Populares1
p. 373-444
Texte intégral
1O estudo dos costumes, das festas e das crenças populares tem uma importância que ninguém que conheça os modernos estudos etnológicos e psicológicos pode negar. Quer se vejam neles factos de sobrevivência, segundo o termo introduzido por E. Tylor, isto é, resto dos estádios religiosos e sociais por que a humanidade tem passado e se busquem as suas relações com os factos similares ministrados pela antiguidade e pelos povos que se acham num grau inferior de cultura, para determinar a que estádios pertencem esses factos, descobrir o segredo da sua forma primitiva e esclarecer por meio deles as origens étnicas; quer se vejam neles provas de que a maioridade dos indvíduos que constituem os povos europeus estão bem longe de se acharem num grau elevado de concepções religiosas, estando de facto num estado fetichístico ou mito-épico que não excede muito o dos povos que nós chamamos sem cultura ou não históricos, provas enfim de que o cristianismo puro está muito longe de ser a religião popular; quer esses factos nos sirvam para característica de um povo, ou do povo em geral; quer nós os estudemos para formar um como que balanço do estado religioso e moral de uma nação, o estudo dos costumes, das festas e das crenças populares, oferece sempre um campo extremamente produtivo ao que tenta penetrar nos arcanos mais profundos da consciência e da história da humanidade. Ainda mais, esse estudo dirigido de um modo mais completo, mais compreensivo do que se tem feito até hoje, é uma das condições indispensáveis de uma verdadeira ciência social. O espírito popular é uma potência no seio das sociedades, que obra ora pelo poder da resistência passiva, ora por uma acção enérgica; os políticos em regra não chegam a mais do que fazer uma ideia confusa dessa potência; não crêem sobretudo que ela obra não por caprichos de acaso, mas segundo leis determináveis.
2Desde 1864, em virtude de um plano de estudos traçado então (dos 17 para os 18 anos de idade) e que até hoje não teve modificações essenciais, temos indo reunindo tudo o que se nos deparou em relação aos costumes, festas e crenças populares do nosso país, quer nos livros, quer na vida do povo observada directamente. Era nossa intenção escrever uma obra em que esses materiais fossem elaborados segundo uma traça unitária e esclarecidos pela comparação com as tradições da antiguidade e dos povos modernos; no livro deviam unir-se os pontos de vista histórico e etnológico com o ponto de vista psicológico. Infelizmente embaraços de toda a espécie nos tem impedido a realização do nosso plano ambicioso, que compreendia por assim dizer todas as questões de etnologia peninsular, e apenas temos conseguido publicar fragmentos que estão longe de dar ideia do que queríamos fazer. Convencidos que a melhor vontade não basta num meio em que ainda não há muito interesse pelas questões científicas e de que nos arriscamos a prorrogar indefinidamente as nossas publicações se aspirarmos como até aqui a empreendê-las só depois de feitos todos os estudos preparatórios que julgamos necessários, resolvemos dar a lume uma parte do que temos apurado em nossas investigações na forma em que se acha nas nossas pastas – na forma de materiais, de notas, classificando-os apenas, dispondo-os de modo que o seu estudo possa ser de utilidade. É o que vamos empreender em relação aos costumes e crenças populares.
I Secção. As fontes escritas
3Sob dois pontos de vista diferentes se pode empregar a palavra fontes em relação aos costumes e crenças populares: ou se trata dos meios ao nosso alcance para o conhecimento desses costumes e crenças, ou se trata das origens dessas tradições. É sob o primeiro ponto de vista que empregamos aqui aquela palavra. Só depois das tradições populares portuguesas serem conhecidas de um modo muito completo, só depois de serem comparadas com as dos outros povos é que, com um método livre de todo o juízo preconcebido, se tentará a determinação das origens étnicas dessas tradições. Não queremos negar que nalguns casos a origem seja tão evidente que se possa afirmar quase isoladamente, mas em regra só se poderá chegar a conclusões seguras quando se parta de numerosos dados combinatórios. Escritores superficiais têm concluído a origem étnica de tal ou tal costume português (ou de outro povo) pela comparação de um costume semelhante de outro povo que por acaso conheceram, sem previamente examinar qual a extensão étnica do costume e outras condições estabelecidas no método de uma sã etnologia. Dois pontos capitais são geralmente menosprezados por esses escritores: 1) um mesmo costume, uma mesma crença pode produzir-se independentemente em povos diversos; 2) os costumes, as crenças, as superstições emigram, como todos os elementos da civilização; sua identidade entre diversos povos não prova pois, só por si, relações étnicas desses povos. Os problemas etnológicos são muito complexos; os espíritos impacientes e levianos que forjam teorias à toa sobre um punhado de factos mal estudados são apenas nocivos ao progresso e divulgação das ciências. O etnólogo não só tem de ser linguista, pela necessidade de empregar conscientemente os factos linguísticos, mas ainda porque o método da etnologia apresenta muitos dos característicos do método linguístico. Assim o linguista distingue como o etnólogo factos similares independentes, factos que se explicam por uma origem étnica comum e factos que se explicam por emigração; o critério do etnólogo não é infelizmente tão seguro como o do linguista, que, por exemplo, na língua portuguesa distingue em regra com nitidez os elementos latinos populares, do fundo da língua, dos que lhe vierem das outras línguas românicas, etc. Sem gramáticas, sem dicionários, textos, isto é, sem colecções de factos ainda não ordenados cientificamente e em grande número, a linguística seria impossível; na etnologia o que há também que fazer primeiro que tudo é coligir os factos; depois compará-los, depois classificá-los, para chegar por fim à teoria. É a marcha do processo científico; é a que seguimos em relação aos costumes e crenças populares portuguesas.
4Em primeiro lugar é necessário saber onde iremos haurir o conhecimento desses costumes e crenças, e se as nossas investigações se devem concentrar no presente ou estender-se ao passado.
5Se se tratasse apenas da característica do espírito do povo português de hoje, podíamos interrogar somente a tradição viva; mas preparamo-nos para estudar os factos sob os pontos de vista histórico, etnológico e psicológico; todos os dados que o passado nos possa ministrar devem pois ser aproveitados: além da tradição viva, teremos pois que consultar os monumentos escritos e ainda os monumentos da arte; é dos monumentos escritos que nos vamos ocupar nesta secção. Onde começaremos? Faremos como os modernos historiadores que separam a história de Portugal da da Península, antes da separação da nossa nacionalidade, datando o seu começo deste facto? É evidente que antes de existir Portugal como nacionalidade independente não havia história de Portugal; mas o etnólogo acha-se em condições diversas das do historiador: os elementos étnicos com que se constituiu a nacionalidade portuguesa eram preexistentes; o estudo etnológico desses elementos deve pois remontar tão alto quanto nós pudermos chegar. As crenças e os costumes do povo português que nós tratamos de estudar são, não o produto da sua história, mas ao contrário, do seu sistema, factos que já existiam na sua vida anteriormente à sua constituição em nacionalidade independente: aqui, pois, estudar o presente é estudar o passado. Dir-se-há que assentamos uma conclusão contra o nosso método, antes de estudarmos esses factos; observaremos que é mister numa ciência qualquer partir sempre de uma pressuposição ou pelo menos de uma definição do objecto, que em rigor seria a síntese final. Que costumes e crenças do povo português vamos nós estudar? Não, sem dúvida, quaisquer crenças, quaisquer costumes, mas sim uma certa ordem de crenças e costumes; são os factos da vida do povo que se nos apresentam como reflectindo um estado de espírito que não é o produto da sua história, mas que só se pode explicar pela persistência de concepções anteriores e muito anteriores ao período da sua vida histórica como nacionalidade distinta. Devemos, pois, recolher todos os vestígios antigos e modernos dessas concepções. Em rigor começaríamos pelo estudo do que se pode apurar acerca dos costumes e crenças dos povos peninsulares, e especialmente dos que ocuparam as regiões a que corresponde Portugal antes e durante o domínio romano; mas esse estudo fá-lo-emos separadamente2; começaremos as nossas investigações no momento em que a igreja hispânica se nos apresenta condenando as crenças e costumes que se lhe afiguravam contrárias aos seus dogmas e ritos, ou em que descobre a inspiração do demónio. O nosso critério exterior para distinguirmos os factos que devemos reunir é em geral a condenação da igreja. Quase tudo o que persistiu das crenças pré-cristãs foi levado à conta do diabo. Produziu-se um dualismo em que do lado negro estava tudo o que era manifestamente pagão. Foi uma simplificação perfeitamente determinada pelo espírito unitário da nova religião. Por esse processo a igreja, bem longe de extirpar as velhas crenças, assentou-lhes uma base definida; além de que ela deixou penetrar sub-repticiamente nos seus ritos muitos dos velhos costumes.
6O modo de ver da igreja em matéria de costumes e crenças populares reflecte-se na legislação civil, e quase sem excepção na literatura propriamente dita até à época em que Portugal é invadido pelas ideias enciclopedistas. Na reacção contra as velhas ideias, as tradições populares são em geral consideradas como puros erros, aberrações, sem raízes, a não ser na ignorância, produtos talvez da imaginação de exploradores da boa fé popular; nega-se-lhes toda a base real, mas fecham-se os olhos ao problema histórico-psicológico. Esse espírito novo só lentamente foi ganhando terreno ao ponto de vir influir na legislação. O estudo dos documentos para o conhecimento das crenças e costumes populares que temos reunido é, pois, interessante, tanto sob o ponto de vista etnográfico, como sob o ponto de vista histórico; por eles sabemos não só uma parte considerável do que o povo cria, mas ainda o que as classes ilustradas, o clero, os legisladores, os médicos, os escritores, pensavam acerca dessas crenças.
7Os documentos a que nos referimos são-nos ministrados: 1) pelos concílios hispânicos; 2) pela legislação civil; 3) pela literatura; 4) pelas constituições dos bispados; 5) pelos processos inquisitoriais; 6) pelos médicos dos séculos xvi-xviii.
1. Concílios hispânicos
1. Concílio iliberritano (de Elvira – Granada) entre 300 e 305
8(1) Cap. I. Placuit, ut quicumque post fidem baptismi saiutaris, adulta aetate ad templum idoli idolatrurus accesserit, et fecerit quod est crimen capitale, nee in fine eum ad communionem suscipere.
9(2) Cap. II. Flamines, qui post fidem lavacri, et regenerationis sacrificaverint, eo quod geminaverint scelera, accedente homicídio, vel triplicaverint facinus, cohaerente moechia, placuit eos nec in fine accipere communionem.
10(3) Cap. iii. Item flamines, qui non immolaverint, sed munus tantum dederint, eo quod se a funestis abstinuerint sacrificiis, placuit in fine eis praestare communionem, acta tamen legitima poenitentia. Item ipsi si post poenitentiam fuerint moechati, placuit ulterius eis nom esse dandam communionem, ne lusisse de Dominica communione videantur.
11(4) Cap. IV. Item flamines, si fuerint catechumeni, et se a sacrificiis abstinuerint, post triennii tempora placuit ad baptismum admitti debere.
12(5) Cap. VI. Si quis vero malefício interficiat alterum, eo quod sine idolatria perficere seclus non potuit, nec in fine impartiendam esse illi communionem.
13(6) Cap. XVII. Si qui forte sacerdotibus idolorum filias suas junxerint, placuit, nec in fine eis dandam esse communionem.
14(7) Cap. XXIX. Energumenum, qui ab erratico spiritu exagitatur, hujus nomen neque ad altare cum oblatione esse recitandum, neque permittendum, ut sua manu in eclesia ministret.
15(8) Cap. XXXVII. Eos, qui a spiritibus immundis vexantur, si in fine mortis fuerint constituti, baptizari placet. Si vero fideles fuerint, dandam eis esse communionem. Prohibendum etiam, ne lucernas publice accendant. Si facere contra interdictum voluerint, abstineantur a communione.
16(9) Cap. XL. Placuit prohiberi, ut cum rationes suas accipiunt possessores, quidquid ad idolum datum fuerit, acceptum nom inferant. Si vero post interdictum fecerint, per quinquennii spatia temporis a communione esse arcendos.
17(10) Cap. XLI. Admonere placuit fideles, ut quantum possunt, prohibeant, ne idola in domibus suis habeant. Si vero vim metuunt servorum, vel seipsos puros conservent. Si non fecerint, alieni ab eclesia habeantur.
18(11) Cap. LV. Sacerdotes, qui tantum sacrificantium coronam portant, nec sacrificant, nec de suis sumptibus aliquid idolis praestant, placuit post biennium accipere communionem. (De Aguirre, ed. Roma, 1753, t. ii.)
2. Capítulos dos sínodos orientais coligidos por S. Martinho, bispo de Braga, e publicados no Concílio lucense de 569.) (Cf. Concílio bracarense II.)
19(12) LIX. Non liceat clericis incantatores esse, et ligaturas facere, quod est conligatio animarum. Si quis hace facit, de ecclesia projiciatur.
20(13) LXIX. Non liceat christianis prandia ad defunctorum sepulchra deferre, et sacrificare de re mortuorum.
21(14) LXXI. Si quis paganorum consuetudinem sequens divinos et sortilegos in domo sua introduxerit, quasi ut malum foras mittant aut maleficia inveniant vel lustrationes paganorum faciant, quinque annis poenitentiam agant.
22(15) LXXII. Non liceat christianis tenere traditiones gentilium et observare, vel colere elementa, aut lunae, aut stellarum cursum, aut inanem signorum fallaciam, pro domo facienda.
23(16) LXXIII. Non liceat iniquas observationes agere kalendarum, et otiis vacare gentilibus; neque lauro, aut viriditate cingere domos. Omnis hace observatio paganismi est.
24(17) LXXIV. Non liceat in collectione herbarum, quae medicinales sunt, aliquas observationes, aut incantationes attendere, nisi tantum cum symbolo divino, aut oratione dominica, ut tantum Deus creator omnium, et dominus honoretur.
25(18) LXXV. Non liceat mulieres Christianas aliquam vanitatem in suis lanificiis observare; sed Deum invocent adjutorem, qui eis sapientiam texendi donavit. (De Aguirre, iii, pp. 218-219.)
3. Concílio III de Toledo do ano de 589
26(19) XVI. Quoniam pene per omnem Hispaniam sive Galliam, idolatriae sacrilegium inolevit; hoc cum consensu gloriosissimi Principis sancta synodus ordinavit, ut omnis sacerdos in loco suo una cum judice territorii sacrilegium memoratum studiose perquirat, et exterminare inventum non differat; homines vero, qui ad talem errorem concurrunt, salvo discrimine animae, qua potuerint animadversione coerecant. Quod si neglexerint, sciant se utique excommunicationis periculum esse subiturus. Si qui vero domini exstirpare hoc malum a possessione sua neglexerint, vel familiae suae prohibere noluerint, ab episcopo et ipsi a communione pellantur. (De Aguirre, iii, p. 232.)
27(20) XXII. Religiosorum omnium corpora, qui divina vocatione ab hac vita recedunt, cum psalmis tantummodo, psallentium vocibus debere ad sepulchra deferri. Nam fúnebre carmen, quod vulgo defunctis cantari solet, vel peccatoribus se proximos, aut familias cedere omnino prohibemus. (III, p. 233.)
28(21) XXIII. (Quod balemanthiae, et turpes cantici prohibendi sunt sanctorum solemniis). Exterminanda est omnino irreligiosa consuetudo quam vulgus per sanctorum solemnitates agere consuevit, ut populi, qui debent officia divina attendere, saltationibus, et turpibus invigilent canticis; non solum sibi nocentes, sed et religiosorum officiis perstrepentes. Hoc etenim, ut ab omni Hispania depellatur, sacerdotum et judicum a Concilio sancto curae committitur. (III, p. 234.)
4. Concílio narbonense hispano-gálico do ano de 589
29(22) XIV. Hoc itaque propter ampliandam fidei catholicae disciplinam elegimus defenicudum, vel tenendum, ut si qui viri, ac mulieris divinatores, quos dicunt esse caragios, atque sorticularios, in cujuscumque domo Gothi, Romani, Syri, Gracci, vel Judaei, fuerint inventi, aut qui ausus fuerit amodo in corum vana carmina interrogare, et nun publice hoc voluerit annuntiare; pro hoc quod praesumpsit, non solum ab ecclesia suspendatur, sed etiam sex auri uncias comiti civitatis inferat. Illi vero qui tali iniquitate repleti sunt, et sortes, et divinationes faciunt, et populum praevaricando seducunt; ubi inventi, vel inventae fuerint; seu liberi, seu servi, vel ancillae sint, gravissime publice fustigentur, venundentur, et pretia ipsorum pauperibus erogentur.
30(23) XV. Ad nos pervenit, quosdam de populis catholicae fidei exsecrabili ritu diem quintam feriam, quae et dicitur Jovis, multos excolere, et operationem non facere. Quam rem pro Dei timore exsecrantes, et blasphemantes, quicumque ab hac die, praeter festivitates in eo die venientes, ausus, vel ausa fuerit vacare, et operam non facere, si ingenuus est aut ingénua, de ecclesia repellendus, et sub poenitentia mittendus anno uno, et eleemosyna et fletu satisfaciat, ut ei Dominus ignoscat; si servus, aut ancilla fuerit, flagellis, correcti, domino consignentur, et ultra talia eos observare non permittat. (De Aguirre, iii, p. 274.)
3. Concílio XII de Toledo do ano de 681
31(24) Praecepta Domini sunt dicentis: Non facies tibi sculptile, neque omnem similitudinem, quae est in coelo desuper, et quae in terra deorsum, nec corum, quae sunt in aquis sub terra; non adorabis ea, neque coles. Item: Qui immolat diis, occidetur, praeterquam Domino soli. Item: Vir, aut mulier, qui faciant malum in conspectu Domini Dei sui, et transgrediantur paetum illius, ut vadant, et serviant diis alienis, et adorent eos, solem et lunam, et omnem militiam coeli, quae non praecepi; et hoc tibi fuerit nuntiantum, audiensque inquisieris diligenter, et verum esse repereris, et abominatio facta est in Isarel, et duces virum, ae mulierem, qui rem sceleratissimam perpetrarunt, ad portas civitatis tuae, et lapidibus obruentur.
32(25) Praecepta haec Domini non in ultione, sed in terrore delinquentiun apponentes, non mortis per hane sententiam promulgamus, sed cultores idolorum, veneratores lapidum, accensores facularum et excolontes sacra fontium, vel arborum, admonemus, ut agnoscant, quod ipsi se spontaneae morti subjieiunt, qui diabolo sacrificare videntur; mortis enim nomine diabolus appellatur, sicut de eo scriptum est: Et erat illi nomen mors.
33(26) Ac proinde omne sacrilegium idolatriae, vel quiequid illud est, contra sanctam fidem, in quo insipientes homines captivati diabolicis culturis inserviant, sacerdotis, vel judieis instantia inventa haec sacrilegia eradantur, et exterminata truncentur. Eos vero, qui ad talem errorem concurrunt, et verberibus coerceant, et onustos ferro suis dominis tradant, si tamen domini corum per jusjurandi attestationem promittant, se cos tam sollicite custodire, ut ultra illis non liceat tale nefas comnittere. Quod si domini corum nolunt hujusmodi reos in fide sua suscipere, tunc ab eis, a quibus coerciti sunt, regis conspectibus praesententur; ut principalis auctoritas liberam de talibus donandi potestatem obtineat. Domini tamen corum, qui nuntiatos sibi talium servorum errores ulcisci distulerint, excommunicationis sententiam perferant, et jura servi illius, quem coercere nolunt, se amisisse cognoscant. Quod si ingenuorum personae his erroribus fuerint implicatae, et perpetua excommunicationis sententia ferientur, et arctiori exsilio ulciscentur. (De Aguirre, iv, pp. 269-270. Cf. Concílio toletano, xvi, ano 693, Aguirre, iv, p. 325.)
6. Concílio compostelano do ano de 1031
34(27) Item interdicimus, ut nullus christianus auguria, et incantationes faciat, nec lunae3 pro femina, nec animalia immunda, nec mulierculas ad telaria suspendere; quae omnia cuncta idolatria est, quam S. Mater Ecclesia anathematizat. (De Aguirre, iv, 396. Conf. Concílio compostelano de 1056.)
7. Constituições sinodais da diocese de Valença do ano de 1255
35(28) Item moneant populum, quod illi, qui veniunt ad vigilias ecclesiarum, caute, et honeste se habeant, nec permittant choreas facere in ecclesiis, vel coemeteriis, nec in ecclesiis fiant conjurationes aquae ferventis, vel ferri candentis, vel aquae frigidae conjuratae, quia omnia ista superstitiosa sunt penitus, et contra Deum. (De Aguirre, iv, 201.)
8. Concílio de Toledo do ano de 1323
36(29) Quamquam pietatis affectu, et humanitatis intuitu liceat mortuos deplorare; excessus tamen lugubris prohibetur, quia est desperationem futurae resurrectionis habere. Illum igitur execrabilem abusum, ut cum aliquis moritur, homines, et mulieres ululando per vicos, et plateas incedant, voces horribiles in ecclesiis, et alibi emittant, ac quaedam alia indecentia faciant ad gentilium ritum tendentia, quae non solum fidelium corda pungunt, sed divinae oculos majestatis offendunt, etc. (De Aguirre, iv, 255.)
37A literatura cristã-latina da Espanha oferece dados com que se completa em parte o quadro das crenças populares que se pode traçar com os capítulos dos concílios. Estamos longe de ter explorado convenientemente essa fonte, assim como outras, Citaremos apenas uma passagem importante para o nosso assunto de uma obra pouco conhecida. Gotth. Heine publicou em 1848 na Bibliotheca anecdotorum seu veterum monumentorum ecclesiasticorum collectio novissima. Pars. I. Monumento Regni Gothorum et Arabum in Hispanniis (Lipsiae, 8.°) uma obra apócrifa do século xiii ou pouco anterior, em que se apresenta como autor um Virgilius Hispanus, ex civitate Cordubensi, a que se tinham referido já Feijó e o padre Sarmiento, que dela extraíra uma passagem, repetida muitas vezes, a respeito do modo de escrever latim. A obra é, apesar dos absurdos históricos que contém e do tal filósofo Virgílio ter toda a feição de um mito, de muito interesse para a história intelectual de Espanha.
38(30) Alii philosophi dixerunt: animam esse talem sicut sunt quidam spiritus maligni, qui sumunt corpora rationabilia et agunt istum officium generandi et patiuntur ad invicem et isti tales dicuntur incubi et subcubi quasi agentes et patientes et vivunt per magnum tempus et procreant filios et filias, et isti tales multoties rapiunt semen hominum quando dormiunt, quo faciunt desoperiare4 cum feminis et postea accipiunt illud semen et vadunt ad alias mulieres et habent rem cum eis matérias hominis comportando, et impraegnantur ab eis, et isti tales ita appetunt agere et pati istum officium naturale, sicut quilibet nostrum et multi homines habent rem cum eis similiter et postea impraegnantur ab hominibus. Et plane dicunt eis quod sunt daemones, sed accipiunt quando volunt corpora hominum et mulierum ad operandum hoc officium et complendum.
39(31) Et isti tales vivunt quinquaginta et sexaginta annos et semper operantur malum, et quando volunt et memento poonunt se ubi volunt et ita ambulant de loco in locum, et de terra in terram, et de civitate in civitatem, et quando volunt aceipiunt corpora, et quandoque non, et ita concedunt et vivunt sicut nos alii, et isti tales sunt qui ambulant in nocte de domo in domum somnium hominilus et mulieribus imponendo, et postea faciunt eis somniare et pellicant cos et interficiunt pueros parvulos et babuscantant isti comestibilia, et palpant omnia, et faciunt multa joca et multa ludimenta inter se, quando est nox, ita quod quidquid mali volont faciunt et totum perficiunt et complent, et isti vocantur inter nos Virgines, et Brujas in Hispania, et Strias, et ita sunt subtiles quod quamvis habeant corpora per unum foramen intrabunt et exient, et isti daemones tales dicuntur phantasmata quia faciunt pavorem et terrorem hominibus in nocte, et ponunt se multoties super pectora hominum et volunt eos suffocare.
40(32) Dicunt aliqui quod est quodam phantasma quae vocatur Pesada et tamen omnes sunt daemones isti et habent corpora grossa et ponderosa et ita sunt leves, sicut si non haberent corpora et nisi quia prima causa non dat eis potestatem quantam ipsi vellent, nec permittit eos perficere quantum cupiunt quod aliter statim in uno momento interficerent nos si possent et potestatem haberent. Et post sexaginta vel septuaginta annos moriuntur quantum ad corpus, quod aliter ipsi, cum sunt spiritus, non possunt destrui nec possunt mori. Et postea quid faciunt? iterum involvunt se in semine alicujus et nutriuntur tanquam pueri et vivunt per magnum tempus semper operando malum quousque corpora deficiunt et postea iterum assununt corpora et sic transeunt suun tempus semper operando malum quia bonum quamvis velint nequeunt operari, quia jam corrupti sunt ad malum agendum et non ad bonum. Et magnum quidem est quod daemones nunquam possunt poenitere nec possunt habere contritionem et nunquam saciantur operandi malum et cum toto hoc nullam habent requiem. (Pp. 222-223.)
41A obra do pseudo Virgílio dá-nos ainda informação sobre os espíritos malignos e benignos, a nigromancia, etc.
2. A legislação civil
42Reproduzimos em primeiro lugar as disposições muitas vezes citadas da câmara de Lisboa de 1385, e damos quase in extenso as disposições relativas à feitiçaria, etc., que se encontram nas três ordenações do reino, conquanto haja repetições nesses documentos.
1. Postura da câmara de Lisboa de 1385
43(33) Como quer que direitos Canonicos e Ciuis asâz trautem de pecado de idollatria estranhãdoo muito e poendo grandes pennas aos que tal pecado cometem porque parece que era de se uzar fazersse estatuto, para se estranhar a tal pecado; primeiro porque aquello que especialmente em algum lugar he ordenado e defeso he muito mais temido;
44(34) Porem os sobreditos estabellecem, e ordenão, que daqui em diante em esta Cidade, nem em seu termo nenhuma pessoa nom vze, nem obre de feitiços, nem de ligamento, nem de chamar os diabos, nem descantações, nem dobra de veadeira, nem obre de carantelas, nem de geitos, nem de sonhos, nem dencantamentos, nem lance roda, nem lance sortez, nem obre dadininhamebntos em alguma guiza que defezo seja por direito Ciuil ou Canonico; nem outro sim ponha mão, nem meça atá, nem escante olhado em ninguém, nem lance agua por jueira, nem faça remedio outro algum para saude de algum homem, ou animalia, qual nom concelha a arte de fizica e se for achado que alguma pessoa obrou de cada huma destas maldades ou doutras quaes quer semelhantes a ellas, ou que demandou concelho ou remedio a qualquer das ditas maldades, ou semelhantes obras ou del aprender ou a consentir a sabendas que em sua caza se fassa alguma das ditas maldades ou semelhantes, ou dellas ensinar, ou de semelhantes ou encobrir haja a pena que o direito Civil poem em tais cazos, e naquelles cazos em que por direito Ciuel nom he posta pena nem remedio, assim como no medir da sinta, e no lansar dagoa pella jueira e em outros semelhantes que nom som expressos em direito qualquer que dello obrar, ou concelho, ou remedio de mandar ou aprender ou ensinar ou consentir asabendas que em sua caza se faça seja degradado da Cidade e termo com pregom athe merce de ElRey.
45(35) Outro sim estabellecem que daqui em diante em esta Cidade e em seu termo nom se cantem Janeiras nem Mayas, nem a outro nenhun Mez do anno, nem se lance cal ás portas sô titulo de Janeiro nem se furtem aguas nem se lancem sortes nem se britem aguas nem se faça alguma outra obra nem observância como se antes fazia qual se nom fazia nem faz em algum tempo do anno, e qualquer que o contrario fizer seja punido em cincoenta libras das quais ametade vão aos acuzadores, e a outra parte ao Concelho e se pagar nom puder seja degradado da Cidade e termo pubricamente com pregom.
46(36) Estabellecem que qualquer que para Mayas ou Janeiras emprestar bestas, vestires, joyas ou quaisquer apostamentos perca tudo aquillo que assim emprestar e hajão todo os acuzadores e Concelho de per meio.
47(37) Porque o carpir e depenar sobre os finados he costume que descende dos gentios e he huma especie de idolatria, e he contra os mandamentos de Deos, ordenam e estabellecem os sobreditos que daqui endiante em esta Cidade, nem em seu termo nenhum homem nem molher, nom se carpa, nem depene, nem brade sobre algum finado nem por el, ainda que seja Padre Madre, filho ou filha, Irmão, ou Irmãa, ou marido, ou mulher nem por outra nenhuma perda, nem nojo, nom tolhendo a qualquer que non traga seu doo, e chore se quizer e qualquer que o contrario fizer pague sincoenta libras para as obras, e tenha o finado por oito dias na caza, e quem nom tiuer por hu pague seja degradado da Cidade e termo athe merce de El-Rey.
48Item jurem os sobreditos que cada hum anno duas vezes por sy ou por outras idoneas pessoas fassão inquiriçom pellas freguezias da Cidade e termo dando juramento a cada huma pessoa, se sabem algumas pessoas que vzem ou obrem das ditas maldades expressas em estes estatutos ou doutras semelhantes ou dos costumes damnados dos gentios conuem a saber das Janeiras, e mais a carpires e qualquer que acharem culpado em tais males fazendoos ou concentindo em elles estranhello segundo mandão estes estatutos e nom fazendo elles jurando ou nom estas inquiriçoens na fórma susso dito nom hajão aquello que lhes acostuma de dar. Collecçam dos documentos com que se authorisam as Memórias para a Vida del-rey D. João I, etc. (Pelo académico José Soares da Silva. Lisboa ocidental, 1734. Quatro volumes, 4.°, iv, doc. 37, pp. 360-363).
49Essas disposições foram adoptadas para conciliar a misericórdia divina no momento em que Lisboa era ameaçada pelas forças castelhanas.
2. Ordenações afonsinas (1446)
50Elrey Don Joham meu Avoo, de muito louvada e muito excellente e muito esclarecida e famosa memoria, em seu tempo fez ley em esta forma, que se segue:
51(38) 1. Nam seja nenhum tam ousado, que por buscar ouro, ou prata, ou outro aver, lance varas, nem faça circo, nem veja em espelho, ou em outras partes. E qualquer que o fizer, seja preso ataa nossa mercee, e açoutado pubricamente polla villa, honde esto acontecer. E o que ou doutra guisa achar de ventura, aja-o, e faça delle sua prol. Feita foi, e apreguada em Santarem a desanove dias de Março. Era de mil quatrocentos e quarenta e hum annos.
522. E vista por nós a dita ley, declarando em ella dizemos, que todollos Direitos, assy Civis como Canonicos, estraanharom sempre muito o peccado da feitiçaria; porque nom pode nenhuū de tal peccado usar, que nom participe da arte, e conversaçom diabollica; a qual he tam contraira, e odiosa ao Nosso Senhor Deos, e aos seus Santos Mandamentos, que por nenhūa guisa nom pode com elles convir.
53(39) 3. E porque todo Rey Catollico, e fiel Christaõ deve antre todallas as outras cousas principalmente antepoer e esguardar o serviço de Deos, conhecendo que por elle veeo a Real Estado, e de sua Maão tem e governa todo seu Alto e Real Senhorio, assy como Logo-teente em seu lugar, e a seu juizo deve necessariamente hir dar razom de todo o que em este Mundo fezer, por justificaçom de suas obras; e por tanto deve sempre avorrecer, e estranhar todallas cousas a elle contrairas, e per conseguinte a dita arte de feitiçaria, e todollos aquelles, que della usarem, o que ante Deos será contado por grande louvor: e porem querendo nós conseguir os Mandamentos de nosso Senhor Deos, conformando-nos com a sua Santa Ley, estabellecemos e poemos Ley em todos nossos Regnos e Senhorio, que nom seja nenhuū tam ousado, de qualquer estado e condiçom que seja, que daqui em diante use de feitiçaria; e o que for achado que della usou, trautando per ella morte, ou deshonra, ou alguū outro dampno d’algūa pessoa, ou seu estado e fazenda, mandamos que moira porem.
54(40) 4. E lançando alguem varas, ou sortes pera buscar ouro ou prata, ou algum outro aver, tal como este mandamos, que por a primeira vez que esto fezer, se for pessoa vil, seja preso, e açoutado pubricamente polla Villa, onde esto acontecer, segundo em a dita ley d’Elrey Dom Joham meu Avoo he contheudo; e se for vassallo, ou de mayor condiçam, polla primeira vez seja degradado por tres annos pera Cepta.
555. E quanto he aos que acham os averes, mandamos, que se guarde o que he contheudo no segundo Livro destas Hordenações. (L.° V, tit. xlii. Dos Feiticeiros, Ed. 1792. Cf. José Anastácio da Cunha, Sinopse Cronológica, I, 147.)
3. Ordenações manuelinas (1514)
56(41) Estabeleçemos, que toda pessoa de qualquer qualidade e condiçam que seja, que de lugar sagrado ou nom sagrado, pedra dara, ou corporaes, ou parte de cada hūa dellas tomar, ou qualquer outra cousa sagrada, moura per ello de morte natural.
57(42) E isso mesmo qualquer pessoa que em çirculo, ou fora delle, ou em encruzilhada espiritos diabolicos invocar; ou a algūa pessoa der a comer ou beber qualquer cousa pera querer bem ou mal a outrem, ou outrem a elle, moura por ello de morte natural. Peroo em estes dous casos sobreditos nom se fara execuçam, atee nolo primeiro fazerem saber, pera vermos a qualidade da pessoa, e o modo em que se taes cousas fezeram, e sobre ello mandamos ho que se aja de fazer.
58(43) Outro si nom seja algūa pessoa tam ousada, que pera adeuinhar lançe sortes, nem varas pera achar auer, nem veja em aguoa, ou em cristal, ou em espelho, ou em espada, ou em qualquer cousa luzente, nem em espadoa de carneiro, nem faça pera adeuinhar figuras ou ymagès algūas de metal, nẽ de qualquer outra cousa, nem se trabalhe de adeuinhar em cabeça de homem morto, ou de qualquer alimaria, nem tragua consiguo dente nem baraço de enforcado, nem qualquer outro membro de homem morto, nem faça com as ditas cousas ou cada hūa dellas, nem com outra algūa (posto que aqui nom seja nomeada), espeçia algūa de feitiçaria, ou pera adeuinhar, ou pera fazer dano a algūa pessoa ou fazenda, nem faça cousa algūa per que hūa pessoa queira bem ou mal a outra, nem pera legar homem ou molher, pera nom poderem auer ajuntamento carnal. E qualquer que as ditas cousas ou cada hūa dellas fezer, mandamos que seja publicamente açoutado com baraço e preguam pola villa ou lugar onde tal crime acontecer, e seja ferrado em ambas as faces com o ferro que pera ysso mandamos fazer de huum. ff. perque seja sabido polo dito ferro, que foram julgados e condenados por o dito malefiçio, e mais seja degradado pera sempre pera a ylha de sam Tome, ou pera cada hūa das outras ylhas a ella comarcaãs, e alem da dita pena corporal, pagaraa tres mil reaes pera quem o acusar.
59(44) E per quanto nos he dito que em nossos reynos e senhorios, antre a gente rustica se vsam muytas abusoẽs, assi como passarem doẽtes per siluão, ou machieiro, ou lameira virgem, e assi vsam benzer com espada que matou homem, ou que passasse o Doyro e Minho tres vezes.
60(45) Outros cortam solas em figueira baforeira. Outros cortam cobro em lumiar de porta. Outros têm cabeças de saludadores encastoadas em ouro, ou em prata, ou em outras cousas. Outros apregoam os demoninhados.
61(46) Outros leuam as ymagens de alguns sanctos açerca dagoa, e ali fingem que os querem lançar em ella, e tomam fiadores que se atee çerto tempo o dito sancto lhes nom der agoa, ou outra cousa que pedem, que lançaraam a dita ymagem na agoa.
62(47) Outros reuoluem penedos e os lançam na agoa pera auer chuyua. Outros lançam jueira. Outros dam a comer bolo pera saberem parte dalguū furto. Outros tem mendracolas em suas casas, com entençam que tendoas per ellas aueram graças com senhores, ou ganharaã nas cousas em que tratarem.
63(48) Outros passam agoa per cabeça de cam pera conseguir alguū proueito. E porque taes abusoẽs e outras semelhantes nom devemos consentir, mandamos e defendemos, que pessoa algúa nom faça as ditas cousas nem cada hūa dellas: e qualquer que o contrario fezer, se for piam ou di pera bayxo seja pubricamente açoutado com baraço e preguam pola villa, e mays pague dous mil reaes pera quem o acusar. E se for vassalo ou escudeyro ou di pera çima, ou molher de cada hum destes, seja degradado pera cada hum dos nossos lugares dalem em África por dous annos, e mays pague quatro mil reaes.
64(49) Peroo esto nom auera luguar nos astrologos que por sçiençia e arte de astrologia, vendo primeyro as naçenças da pessoa disserem algūa cousa segundo seu juyzo e regra da dita sçiençia.
65(50) Outro si defendemos, que pessoa algúa nom benza cães, ou bichos nem outras alimarias, nem use disso sem pera ello primeiramente auerem nossa autoridade, ou dos prelados pera o poderem fazer, e qualquer que o contrayro fezer, seja pubricamente açoutado se for piam e di pera fundo, e pague mil reaes pera quem o acusar, e se for vassalo ou escudeyro ou di pera çima, seja degradado por huum anno pera cada huum dos nossos luguares Dafrica, e mays pague dous mil reaes pera quem o acusar.» (L. V, tit. xxxiii. Dos feitiçeiros e das vigilias que se fazem nas ygrejas.)
4. Ordenações filipinas (1593)
66(51) Estabelecemos que toda a pessoa de qualquer qualidade, e condição que seja, que de Lugar Sagrado, ou não Sagrado tomar pedra de Ara, ou Corporaes, ou parte de cada huma destas cousas, ou qualquer outra cousa Sagrada, para fazer cõ ella alguma feitiçarîa, morra morte natural.
67(52) 1. E assi mesmo, qualquer pessoa que em circulo, ou fôra delle, ou em encruzilhada invocar espíritos diabolicos, ou dér a algūa pessoa a comer, ou a beber qualquer cousa para querer bem, ou mal a outrem, ou outrem a elle morra por isso morte natural. Porem, em estes dous casos, primeiro que se faça execução, no lo faraõ saber, para vermos a qualidade da pessoa, e modo em que se taes cousas fizerâõ, e sobre isso mandarmos o que se deve fazer.
68(53) 2. Outro-si, não seja algūa pessoa ousada, que para adivinhar lãce sortes, nem varas para achar thesouro, nem veja em agoa, cristal, espelho, espada, ou em outra qualquer cousa luzente, nem em espadoa de carneiro, nem faça para adivinhar figuras, ou imagẽs algumas de metal, nem de qualquer outra cousa, nem trabalhe de adivinhar em cabeça de homem morto, ou de qualquer alimaria, nem traga comsigo dente, nem baraço de enforcado, nem membro de homem morto, nem faça em cada huma das dittas cousas, nem cõ outra (posto que aqui não seja nomeada) especie alguma de feitiçaria, ou para adivinhar, ou para fazer damno a alguma pessoa, ou fazenda, nem faça cousa porque huma pessoa queira bem, ou mal a outra nẽ para ligar homê, nê mulher, para não poderê haver ajuntamento carnal. E qualquer que as dittas cousas, ou cada huma dellas fizer, seja publicamente açoutado com baraço, e pregão pela Villa, ou Lugar onde tal crime acontecer, e mais seja degradado para sempre para o Brasil, e pagará tres mil reis para quem o accusar.
69(54) 3. E por quanto entre a gente rustica se usaõ muitas abusoẽs, assi como passarem doentes por Silvão, ou Machieiro, ou Lameira virgem, e assi usão benzer com espada, que matou homem, ou que passasse Douro e Minho tres vezes, outros cortão solas em Figueira baforeira.
70(55) Outros cortão Cobro em lumiar de porta, outros tem cabeças de saûdadores emcastoadas em ouro, ou em prata, ou em outras cousas: outros appregoão os demoninhados.
71(56) Outros levaõ as imagẽs de Santos junto da agoa, e alli fingem que os querem lançar em ella, e tomão fiadores, que se atê certo tempo o ditto Santo lhes não dér agoa, ou outra cousa que pedem, lançaráõ a ditta Imagem na agoa.
72(57) Outros revolvem penedos, e os lanção na agoa para haver chuva, outros lanção jueira, outros dão a comer bolo para saberem parte de algum furto, outros tem mandragoras em suas casas, com tenção, que por ellas haverão graças com senhores, ou ganho em cousas que tratarem.
73(58) Outros passão agoa por cabeça de cão, para conseguir algum proveito. E porque taes abusoẽs não devemos consentir, defendemos, que pessoa algua não faça as dittas cousas, nem cada huma dellas, e qualquer que a fizer, se for pião, seja publicamente açoutado, com baraço e pregão pella Villa, e mais pague dous mil reis para quem o accusar. E se for Escudeiro, e dahi para cima, seja degradado para África por dous annos, e sendo mulher da mesma qualidade, seja degradada tres annos para Castro-Marim, e mais pague quatro mil reis para quem os accusar. E estas mesmas penas haverá qualquer pessoa, que disser alguma cousa do que está por vir, dando a entender que lhe foi revelado por Deos, ou por algū Santo, ou em visão, ou em sonho, ou por qualquer outra maneira.
74(59) Porem, isto não haverá lugar nas pessoas que por Astronomia, vendo primeiro as nascenças das pessoas, disserem alguma cousa, segundo seu juizo, e regra da ditta ciencia. (L. V, tit. III, Dos feiticeiros.)
75(60) Defendemos, que pessoa alguma não benza cães, ou bichos, nem outras alimarias, nẽ use disso sem primeiro haver nossa authoridade ou dos Prelados, para o poder fazer. E o que o contrario fizer, seja publicamente açoutado, se for peão, e pague mil reis para quem o accusar. E se for Escudeiro, ou dahi para cima, seja degradado por hu anno para Africa, e pague dous mil reis para quem o accusar. E sendo mulher, serà degradada por dous annos para Castro-Marim, e pagarà os dittos dous mil reis. (L. V, tit. iv. Dos que benzem cães ou bichos sem authoridade delRey ou dos Prelados. )
76(61) Mandamos, que pessoa algua não faça vigilias de dormir, comer, e beber em Igrejas, nem se ajuntem a comer, e beber por rasão das Missas que mandão dizer, que chamão Missas dos Sabbados, nem guardem por devoção o Sabbado, ou quarta feira, não sendo mandado guardar pela Igreja, ou por constituição do Prelado. E a pessoa que cada huma destas cousas fizer, seja presa, e da cadea pague mil reis para quem a accusar.
77(62) 1. E defendemos, que não fação vodos de comer, e de beber nas Igrejas, nem fóra dellas, posto que digão que o fazem por devoção de algūs Santos, sobpena de o que o assi pedir, e receber pagar em dobro da cadea tudo o que receber para quem o accusar. Não tolhemos porèm os vodos do Espirito Santo, que se fazem na festa de Pentecoste, porque sómente estes concedemos, e outros algūs não.
782. Porèm, nos Lugares onde costumam comer, quando levão os defuntos, o poderâõ fazer sem pena algūa, não comendo dentro no corpo das Igrejas. (Liv. V, tit. v. Dos que fazem vigilias em Igrejas, ou vodos fora dellas.)
3. A literatura
79Na rápida resenha a que vamos proceder transcrevemos algumas passagens só a título de espécimens; muitas outras passagens dos nossos escritotes se encontrarão aproveitados nas secções subsequentes do nosso trabalho.
80Os cancioneiros dos séculos xiii e xiv (Canzionere portoghese della Bibliotheca Vaticana, ed. Monaci. Halle, 1875, 4.° Canzionere portoghese Collocci-Brancuti, ed. Monaci-Molteni. Halle, 1880, 4.°, Trovas e Cantares de Um Códice do Século XIV, ed. F. A. Varnhagem, Madrid, 1849, 8.° peq.) ministram apenas raras alusões às crenças e superstições populares que possam aproveitar ao nosso intento; tais são as seguintes:
(63) Hūa dona nom dig’eu qual
non aguyrou ogano mal
polas oytavas de natal:
hya por ssa missa oyr
e viu corvo carnaçal
e nom quys da casa sayr.
A dona muy de coraçom
oyra ssa missa entom;
e foy per oyr o sarmom
e vedes que lh’o foy partir:
ouve sig’um corv’ a carom
e nom quis da casa sayr.
A dona disse: que sera?
e hi o clerigu’ esta ja
revestid’ e maldizer-mha
se me na igreja non vyr;
e diz o corvo quaca,
e nom quis da casa sayr.
Nunca taes agoyros vi
des aquel dia que nacy,
com’ aquest’ano ouv’aqui;
e ela quis prouar de ss’yr
e ouv’um corvo sobre sy
e nom quis da casa sayr.
(Canc. Vatic., n.° 1077.)
(64) Ja de verdade
nem de lealdade
nom ouso falar;
ca falssidade
mentira e maldade
nom lhis dam logar;
estas som nadas
enventuradas
e querem reynar.
As nossas fadas
iradas
foram chegaas
por esto fadar.
(Ibid. n.° 481.)
81Do período desses cancioneiros até à época de Fernão Lopes e D. Duarte, temos diversos monumentos de literatura monacal, onde se pode colher alguma coisa para o conhecimento das crenças populares, mas que em geral pouco apresentam suficientemente característico; encontram-se neles principalmente lendas de origem monacal erudita. São dos mais interessantes desses monumentos as traduções da lenda de Tundulo ou Tungalo, que se encontram nos códices alcobacences n.° 244 (Bibl. Nacional) e n.° 266 (Arquivo Nacional). É natural que os nossos pregadores dos séculos xiv e xv se aproveitassem no púlpito das pinturas que ali se fazem do inferno, purgatório e paraíso, vindo assim aquele produto da literatura irlandesa influir no espírito do nosso povo.5
82As crónicas de Fernão Lopes, Azurara, Rui de Pina, Garcia de Resende e Duarte Galvão oferecem alusões a diversos costumes e crenças populares. Citaremos como particularmente interessante uma passagem de Rui de Pina, relativa à exaltação ao trono de D. Afonso V, por onde se vê em que favor e crédito estava entre nós a astrologia no século xv, apesar de alguns autores que escrevem já nessa época contra ela.
83(65) «O Pryncipe Dom Affonso posto em vestiduras Reaaes, e bem acompanhado de todos, sahio fóra ao assentamento, onde pello Ifante Dom Pedro com grande reverença, e muyto acatamento foy posto na Cadeira Real. E em quanto hum Meestre Guedelha, singular Fysico e Astrologo, per mandado do Yfante regulava, segundo as ynfluencias e cursos dos Planetas, a melhor ora e ponto, em que se poderia dar aquela obediencia: o Yfante volveo a contenença ao Povo, e com gram segurança e palavras mansas disse... E em dizendo Meestre Guedelha, que era booã ora pera fazer sua obediencia, o Yfante com os giolhos em terra tomou as maaons ao Pryncepe, e em lhas beijando disse, etc.» (Rui de Pina, Chronica de D. Affonso V, cap. n, em Collecção de livros ineditos de historia portugueza, ii, pp. 205-206.)
84O bom senso de D. Duarte insurge-se já contra a astrologia e outras artes maravilhosas que gozavam de muito crédito no seu tempo.
85(66) «Consiirando nas desvairadas maneiras que se da fe e creença aas profecias, vysoões, sonhos, dar a voontade, virtudes das pallavras, pedras e ervas, signaaes dos ceeos, e que se fazem na terra em persoas, e alimarias, e terremotos, graças especiaaes que Deos outorga que ajom algūas pessoas, e a estrollogia, nygromancia, geomancia, e outras semelhantes sciencias, artes, sperimentos e sotillezas, de modo de trejeitar per sotilleza das maãos ou natural maneira nom custumada, e outros per força de natureza, alguū pouco em soma vos quero screver do que sobrello entendo, e pera o poderdes seguir se vos bem parecer.
86(67) Alguūs vejo que todo querem afirmar certamente ou assy negar, e cousa nom lhes praz trazer en duvyda, o que me parece muy duvidoso camynho per o que se diz, melhor he duvidar que atrevidamente sem descripçom determynar; e porem sobre todas estas partes aquellas creeo que a Sancta Igreja manda creer, nom dando fe aas que defende, e as outras trago em duvyda, sem me afirmar de todo a cada hūa das partes, per que algūas parecem impossivees e som verdadeiras, e outras afirmam muytos que som sem duvyda, que tenho por falsas, enganosas e contrafeitas. E porem os que veem taaes desvairos devem filhar por seguro camynho nom pallavras por nom parecer a huūs mentyroso e a outros que com perfia contradiz o que todos afirmam, porque em cada terra teem algūas cousas tanto por contrairas que por muyto que se afirmam sempre por muytos som avydos; e outros creem tam sem duvyda que ham por fora de razom e compridos de muyta perfia quem as não creer.
87(68) Por verdes deste enxempros, quem contar fora da terra que Pedreanes vee as aguas, e da os synaaes que ataa xx braças e mais de soterra seom achadas; e que aqueste moço Pedro tam simprez que assyro afirma que as vee, e posto que nom seja de autoridade, como jà em alicerces de casas foy achado certo sem fallecer cousa em altura e na terra sobre que erom fundados; e da molher que passa de xii annos que no çumo de hūa maçaam ou semelhante comer, no dia em que mais largo come, se mantem, non gostando carne, pescado, ovos, leite, nem outra boa vyanda, mas com tam pouca, como disto he, sem vynho, se mantem em soo bever dagua simprez, que he incredyvel; e dos que guarecem os mordidos dos caães danados per os beenzer; e como devynham os que os vaão buscar per o sentirem no coraçom, segundo me ja contarom dous padre e filho, e huū capellam meu que tem esta virtude; e tambem de parirem as molheres sem cajom em sua presença, nom som cousas que se bem cream.
88(69) E de dar aa voontade o que adiante se acontece, eu vy ja cousas tam certas que seriam muy duvydosas de creer; e assy outras taaes virtudes que Nosso Senhor quer outorgar a algūas pessoas, nom se podem comprehender per razom. E o ferro caldo que naquesta terra tantos certificam que o vyrom filhar, quando fora se diz per muyto que se afirme poucos acham que o bem creem.
89(70) E semelhante fazemos nos doutras que muytos de fora contam, porque as obras de feitiçaria, e que se dizem de Catallonha e Saboya, eu lhes dou pouca fe; nem a aquellas que muytos afirmam em estes reynos, porque o mais de todo ey per engano e bulra.
90(71) Sobrestas obras de feitiços muytos caaem em grandes pecados, e se leixam com grande mal e deshonra continuar em elles per lhes dar fe, ou querendo mostrar que som forçados que amem algūas molheres, e vyvam com ellas contra conciencia, e seu boo estado, dando em prova que se nom deve pensar que huū tal homem, conhecendo tanto mal, se delle nom guardasse, nom sendo per feitiços vencido. E dizem que sas molheres lhe parecem bestas; e semelhante afirmam as molheres de seus maridos.
91E respondendo a esto digo, que mynha teençom he que se dam a comer e bever cousas pera matar, tirar o entender, faz(er) viir a doença, mas pera amar nom quero creer, pois a nunca vy, e a razom mo nom consente, nem per a Igreja he mandado que o crea.» (Leal Conselheiro, pp. 210-212, ed. Paris.)
92(72) «Da estronomya e outras sciencias ou artes, quem se pode muyto afirmar, veendo algūas vezes percalçar per ellas tam grandes verdades, e doutras tantas fallecer.» (Ibidem, p. 213.)
93(73) «Nem deemos fe aos feitos e bulras dos alquimystas, que per taaes semelhanças mostram que os devemos haver per verdadeiros, e posto que nom acertem de fazer o que ja verdadeiramente se fez, nem dos que afirmam aver ouro encantado, o que tenho per grande bulra, por evydentes razoões e boos enxempros que prolixo seriam descrever.» (Ibidem, p. 214.)
94(74) «D’agoyros, sonhos, dar aa vontade, synaaes do ceeo e da terra, alguū boo homem nom deve fazer conta, perque se nom pode bem entender quando he per natural demostraçom de Nosso Senhor, tentaçom do inimigo, natural preciencia, ou que veem per symprez acontecymento, per mudança da compreissom, ou fallas passadas sem alguú significado; e perque nem se pode a mayor parte bem conhecer, o mais seguro caminho he nom curar de todo esto, e seguyr aquel conselho que diz, lança teus cuydados em Deos e el te recreara.» (Ibidem, p. 214.)
95(75) «Naquesto manyfestamente se demostra que nom da ventuira, nem per costellaçom nos serom outorgadas estas cousas perteecentes aa vyda presente, mas per buscarmos primeyro seu reyno e a justyça sempre, o que se fara seguyndo aquellas obras do spiritu na epistolla declaradas, e leixando as de carne.» (Ibid., 203.)
96O Cancioneiro Geral, coleccionado por Garcia de Resende e publicado em 1516, contém composições dos poetas portugueses do século xv e começo do xvi, em que achamos aqui e ali algumas alusões a superstições populares, a nigromancias, astrologia e crenças do mesmo género. Eis algumas dessas alusões:
(76) Alympemos brasfemar
alympemos negrygenças
e sefismas
de falso pronostycar,
e mouriscas gyomançyas,
seytas, cysmas.
(Álvaro de Brito, vol. i, 183, ed. Stuttgart.)
(77) Eu com ’ornem teu amyguo
quys saber tua praneta
e achey que na gyneta
te vya hum grão periguo
(Fernão de Pina, iii, 252.)
97Os escritores do século xvi, com uma excepção notável, não nos ministram também senão raros dados para as nossas investigações. É em Gil Vicente que temos a aludida excepção: o seu teatro é uma mina rica para o conhecimento das tradições populares em geral e em especial das superstições : a vida do povo português está ali desenhada com mão firme em todas as suas manifestações. Gil Vicente não está porém livre de mistura de elementos de mitologia popular com mitologia erudita; ao contrário esta representa já um papel importante nos seus autos, comédias e tragicomédias; e ambas são tratadas com igual ironia.
98(78) Na Comedia de Rubena figuram uma feiticeira, diabos e fadas.
99(79) Na Exortação da Guerra entra um frade nigromante, que evoca os diabos com várias fórmulas para estes lhe trazerem Aquiles, Policena, etc.6 Diz ele:
(80) E venho mui copioso
Magico e nigromante,
Feiticeiro mui galante,
Astrologo bem avondoso:
Tantas artes diabris
Saber quiz,
Que o mais forte diabo
Darei preso pelo rabo
Ao Iffante Dom Luiz.
(81) Sei modos d’encantamentos,
Quaes nunca soube ninguém;
Artes pera querer bem,
Remedios a pensamentos:
Farei de hum coração duro
Mais que muro,
Como brando leituairo;
E farei polo contrairo
Que seja sempre seguro.
(82) Sou mui grande encantador,
Faço grandes maravilhas,
As diabolicas sillas
São todas a meu favor.
Farei cousas impossiveis,
Mui terriveis,
Milagres mui evidentes,
Que he pera pasmar as gentes,
Visiveis e invisiveis.
(83) Farei que huma Dama esquiva,
Por mais çafara que seja,
Quando o galante a veja,
Que ella folgue de ser viva:
Farei a dous namorados
Mui penados,
Que estem cada hum per si;
E cousas farei aqui
Que estareis maravilhados.
(84) Farei por meio vintém,
Que hūa Dama muito feia,
Que de noite sem candeia
Não pareça mal nem bem;
E outra fermosa e bella
Como estrella,
Farei por sino forçado,
Que qualquer homem honrado
Não lhe pesasse com ella.
(85) Far-vos-hei mais pera verdes,
Por esconjuro perfeito,
Que caseis todos a eito
O melhor que vós puderdes.
E farei de noite dia
Per pura nigromancía,
Se o sol alumiar:
E farei ir polo ar
Toda a van fantasia.
(86) Far-vos-hei todos dormir
Emquanto o somno vos durar,
E far-vos-hei acordar
Sem a terra vos sentir.
E farei hum namorado
Bem penado,
Se amar bem de verdade,
Que lhe dure essa vontade
Até ter outro cuidado.
(87) Far-vos-hei que desejeis
Cousas que estão por fazer,
E far-vos-hei receber
Na hora que vos desposeis.
E farei que esta cidade
Estê pedra sôbre pedra;
E farei que quem não medra
Nunca tem prosperidade.
(88) Farei por magicas rasas
Chuvas tão desatinadas,
Que estem as telhas deitadas
Pelos telhados das casas:
E farei a torre da Sé,
Assim grande como he,
Per graça de sua clima,
Que tenha o alicesse ao pé,
E as ameas em cima.
(89) Não me quero mais gabar.
Nome de San Cebrian
Esconjuro-te Satan –
Senhores não espantar.
Zet zeberet zerregud zebet
O filui soter
Rehe zezegot relinzet
O filui soter.
(90) O chaves das profundezas,
Abri os poros da terra;
Príncipe da eterna treva,
Pareção tuas grandezas.
Conjuro-te, Satanás,
Onde estás,
Polo bafo dos dragões,
Pola ira dos leões,
Polo vale de Jurafás;
(91) Polo fumo peçonhento
Que sae da tua caldeira,
E pola ardente fogueira,
Polo lago do tormento,
Esconjuro-te, Satan,
De coração
Zezegot seluece soter,
Conjuro-te, Lucifér,
Que ouças minha oração.
(92) Polas nevoas ardentes
Que estão nas tuas moradas,
Polas poças povoadas
De viboras e serpentes,
E polo amargo tormento,
Mui sem tento,
Que dás aos encarcerados;
Polos gritos dos damnados,
Que nunca cessão momento:
(93) Conjuro-te, Berzebu,
Pola ceguidade hebraica,
E pola malicia judaica,
Com a qual te alegras tu,
Rezé put Linteser
Zamzorep tisal
Lisó fé nafezeri.
100(94) Nas Cortes de Jupiter figura uma moura encantada. Os sátiros a que se alude nessa peça pertencem, sem dúvida, só à mitologia erudita.
Sobre satiros do mar
Irá outra fresca Rosa.
(II, 411, ed. Hamb.)
E mil satiros marinhos
Em harpas d’ouro compridas
Tangendo pelos caminhos.
(II, 412.)
101(95) As alusões às sereias e fadas marinhas não são raras; encontram-se, por exemplo, nas Cortes de Jupiter (ii, 413), no Triunfo do Inferno, e no Auto das Fadas.
102(96) No Clérigo da Beira aparece Cezilia demoninhada, que prediz e adivinha.
103(97) No Triunfo do Inferno fala-se da lua mercolina:
Não cuideis que he mar da Mina.
Isto he noite fechada,
E a lūa mercolina,
E a costa endiabrada,
E a nao ma de bolina.
(II, 472.)
104O Auto das Fadas é o mais interessante de Gil Vicente para o estudo das crenças populares relativas à feiticeira. Nele diz a feiticeira:
(98) Porém Genebra Pereira
Nunca fez mal a ninguém;
Mas antes por querer bem
Ando nas encruzilhadas
Ás horas que as bem fadadas
Dormem somno repousado;
E eu estou com um enforcado
Papeando-lhe á orelha:
Isto provará esta velha
Muito melhor do que o diz.
(99) Ora agora Estevão Dis
Diz que defendedes isto:
Hui! dou-vos a Jesu Christo;
Pera que era ora tirado
Quanto tenho exprimentado
E usado quarenta annos,
Estorvando muitos damnos
Per esconjuros provados,
Fazendo vir dez finados
Per saber hūa verdade?
(100) E havendo piedade
De mulheres mal casadas,
Pera as ver bem maridadas.
Ando pelos adros nua,
Sem companhia nenhūa,
Senão hum sino samão,
Mettido n’hum coração
De gato preto e não al.
Isto, Senhor, não he mal,
Pois he pera fazer bem.
(101) Outro si, quando a mi vem
Namorado sem conforto,
Desejando antes ser morto,
Que ter aquella paixão;
Cavalgo no meu cabrão
E vou-me a val de Cavallinhos,
E ando quebrando os focinhos:
Per aquellas oliveiras,
Chamando frades e freiras
Que morrêrão per amore.
Oh, se visseis os temores
Que passo nesta canceira,
Não temeria a Pereira
Tanto os corregedores.
(102) Sempre ando neste marteiro;
Vem-se a mi homem solteiro,
Que quer casar com Constança,
Sem nenhua esperança,
Triste, morto de paixão.
Eu e o sangue do Leão,
Mexido e o rabo da Huja
E alli o fel da coruja
Ei-lo mancebo aviado.
Vem um frade excommungado,
Que o benza do quebranto;
Vou e faço-lhe outro tanto.
Assi, Senhor, veja eu prazer.
(103) Vem, a modo de dizer,
Gonçalo da Silva a mi,
E diz-me que he fóra de si
Pola Francisca da Guerra;
Queres que seja eu tão perra
Que o não encomende ó demo,
Que o livre do extremo
Em que he posto seu esp’rito?
E se vier Gaspar de Brito
Não irei no meu cabrão
Enfeitiçar a limeira?
105Traz a feiticeira um alguidar e um saco preto, em que traz os feitiços, os quaes começa a fazer, dizendo:
(104) Alguidar, alguidar,
Que feito foste ao luar
Debaixo das sette estrellas,
Com cuspinhos de donzellas
Te mandei eu amassar:
Ó cuspinhos preciosos
De beiços tão preciosos
Dae óra prazer
A quem vos bem quer,
E dae boas fadas
Nas encruzilhadas
(105) Este caminho vae pera lá,
Est’outro atravessa cá;
Vós no meio, alguidar,
Que aqui cruz não ha de estar.
(106) Embora esteis, encruzilhada,
Perequi entrou, pereli sahîo.
Bem venhades, dona honrada.
Vai a estrada pola estrada.
Benta he a gata que pariu
Gato negro, negro he o gato.
Bode negro anda no mato,
Negro he o corvo e negro he o pez,
Negro he o rei do enxadrez,
Negra he a vira do sapato,
Negro he o saco qu’eu desato.
(107) Isto he fersura de sapo,
Que está neste guardanapo.
Eis aqui mama de porca,
Barbas de bode furtado,
Fel de morto excommungado,
Seixinhos do pé da forca:
Bolo de trigo alqueivado
Com dous ratos no meu lar,
Per minha mão sameado,
Colhido, moido, amassado,
Nas costas do alguidar.
(108) Achegade-vos a mim:
Que papades, meu ch’rubim?
Escumas de demoninhado,
Quem vol-as deu?
Dei-volas eu.
Fel do morto, meu conforto,
Bolo cornudo, vós sabedes tudo,
Bico de pêgo, aza de morcego,
Bafo de drago, tudo vos trago.
Eu não juro nem esconjuro,
Mas gallo negro suro
Cantou no meu monturo.
E ditas as santas palavras,
Ei-lo Demo vai, ei-lo Demo vem
Co’as bragas dependuradas.
(III, 93-98.)
106Depois de Gil Vicente entre os escritores do século xvi é talvez em Sá de Miranda que achamos maior número de alusões às superstições populares, algumas das quais bastante obscuras. A edição crítica das obras daquele nosso poeta, tão importante sob tantos pontos de vista, pela Sr.a D. Carolina Michaelis de Vasconcelos (Halle, Niemeyer) em via de publicação, permitir-nos-á explorar de um modo completo esse veio.
107A peça de António Prestes, Auto do Mouro Encantado, cujo título nos prometia alguma coisa, não oferece nada bem característico (Autos de António Prestes, 2.a ed., revista por Tito de Noronha. Porto, 1871, 8.° peq., pp. 345 e segs.) Há nesse auto, p. 401, uma passagem em que a mitologia clássica se mistura com a medieval, como em outras numerosas obras do século xvi.
108A partir do meado do século xvi, a importância das fontes literárias propriamente ditas, isto é, das obras dos poetas, historiadores, romancistas, diminui para nós consideravelmente, não só porque continuam a ministrar-nos pouco, mas porque outras fontes mais importantes se nos oferecem; são elas as constituições dos bispados, as obras dos teólogos, dos médicos e, sobretudo, os processos inquisitoriais.
4. As constituições dos bispados
109A nossa legislação religiosa dos séculos xvi e xvii, consequência do concílio tridentino, contém um bom número de indicações sobre as crenças e costumes populares que atraíram a atenção dos poucos que entre nós se têm ocupado destes assuntos. O nosso amigo e colega, Consiglieri Pedroso, extraiu de uma colecção dessas constituições o que elas encerram sobre o assunto7; pouco achamos que acrescentar aos extractos que havia tempo tínhamos tomado daqueles documentos, conquanto víssemos algumas constituições, a que o nosso colega não alude, por exemplo as de Coimbra de 1521; não são portanto as Constituições d’Évora de 1534 as mais antigas que se ocupam de superstições, como ele afirma. Reproduzimos também por extenso as disposições das Constituições do bispado da Guarda de 1687, de que o nosso colega se não serviu. Aproveitando o trabalho do nosso colega e as nossas notas organizámos um índex alfabético das particularidades relativas às crenças populares na legislação eclesiástica. Eis a lista das constituições citadas.
110Constituições sinodais:
Do Bispado de Coimbra de 1521
Do Arcebispado de Évora de 1534 e 1565
Do Bispado de Goa de 1568
Do Bispado do Porto de 1585
Do Arcebispado de Lisboa de 1588
Do Bispado de Coimbra de 1591
Do Bispado da Guarda de 1621
Do Bispado de Portalegre de 1632
Do Arcebispado de Braga de 1639
Do Arcebispado de Lisboa de 1640
Do Bispado do Algarve de 1673
Do Bispado de Viseu de 1681
Do Bispado da Guarda de 1686
Do Bispado do Porto de 1687
111(109) Posto q̃ a soo deus nosso senor: he atribuido saber as cousas escondidas: e assy as q̃ ham de vir: e a outra nenhuūa pessoa nã: muytos homẽs e molheres: pouco lembrados de suas conciẽcias e quanto ẽ esto a deus ofendẽ: querẽ atribuir assy: o atribuido a elle soo deus: fazendose feiticeyros advinhadores emcantadores lançadores de sortes agoureiros e benzedores: vsando destes e doutros semelhantes erros: tendo ẽ suas casas mendracollas baaços de poldros: e outras feitiçarias.
112(110) E querendo nos isto cuitar alem das penas q̃ os taaes per direito merecẽ: poemos nelles e ẽ cada huū q̃ das dietas cousas vsarem: ou cada huña dellas ou outras semelhãtes sentẽça dexcommunhão: e assy em os q̃ a elles forẽ sobre as taaes cousas: e tam bem ẽ aquelles que benzerem por ourellos cintas ou por quaesquer outros modos ou pallauras.
113(111) E nõ vsaram de nẽ huūa outra maneira de bemzer: salvo se per nos for eixaminada a pessoa: e as pallavras com q̃ o tal acto se possa faser: e em tam cõ nossa espicial licença se fara quando se ouver de fazer: e nam doutra maneira sob a dita pena dexcommunhão: da qual nõ seram absoltos sem pagarem por cada vez q̃ nello forem comprendidos mil reaaes do aliube ametade pera as obras da nossa see e a outra metade pera o nosso meirinho: ou pera quem os acusar: e a soluiçã da dieta excomunhão reseruamos pera nos ou pera nosso vigairo geral, ficando yso mesmo resguardado além da dicta pena lhe daremos outra mayor q̃ nos per direito bem parecer.
114(Constituições synodaes do bispado de Coimbra de D. Jorge de Almeida, 1521. Fl. xxi. Constituiçam lxxxii. Da pena em q̃ encorrem os feiticeyros, benzedeiros e agoureiros.)
115(112)Assim como por todos os meios, & com todo o cuidado & vigilancia devemos procurar a conservação & augmento da Santa Fé Catholica, & Religião Christãa; assim devemos trabalhar por emendar os peccados, porque se offende por algum modo sua pureza, & santidade: entre os quaes he o peccado da superstição, pela qual introduzindose abusos, & demasias na adoração do verdadeiro Deos, se lhe dá o Divino Culto por modos não convenientes, ou se dá a quem não he devido.
116(113) 1. Item o peccado da Adevinhação, Arte Magica, Sortes, Agouros, Encantamentos, Invocação de Espíritos Malignos, Feiticerias, & cousas semelhantes prohibidas em Direito, pelas quaes algūas pessoas, esquecidas de sua salvação, com invenções diabolicas pertendem adevinhar o que está por vir, que sómente compete a Deus; & fazer males, ou evital-os, & alcançar os segredos que se não podem conhecer por causas naturaes.
117(114) 2. Pelo que exhortamos muito a nossos subditos, se abstenhão de semelhantes peccados tão perigosos na materia da Fé, considerando o grande perjuizo que póde causar em suas almas o inimigo d’ellas com estas cousas, & que começando-se muitas vezes em algūas leves, vem a crescer em grandes, & perniciosos males, se no principio se não atalhão.
118(115) 3. E prohibimos sobpena de excummunhão maior, que nenūa Pessoa Ecclesiastica, ou Secular, de qualquer estado, & condição, que seja, use de arte Magica, nem de qualquer modo de judiciaria prohibida, nem faça juizo, ou levante figuras pelos movimentos, ou aspectos do Sol, Lua, ou Estrellas, ou por quaesquer outras cousas, para pronosticar as acções humanas, que pendem de livre alvedrio, posto que diga, & proteste que não afirma de certo as ditas cousas.
119(116) 4. Nem use de Encantamentos, ou Adevinhações, ou de Sortes reprovadas, ou de outras Superstições para causar males, ou os remediar, nem para mandar sobre as tempestades, ou sobre os Elementos, nem faça conjectura por elles, ou por qualquer outra cousa animada, ou inanimada, ou por sinaes de corpo humano, ou por sonhos, ou por erros de mortos, ou por outra qualquer cousa, para descobrir thesouros, ou furtos, ou para adevinhar qualquer cousa que está por vir, ou descobrir segredos de cousas passadas, ou para qualquer outro effeito reprovado.
120(117) 5. Porém declaramos que não he prohibido fazer conjecturas e juizos pelas Constellações do Ceo, & cousas naturaes, & sinaes de phisiognomia, ou outras do corpo humano, & pelo tempo do pascimento de cada hum, para pronosticar conjecturalmente os successos, & variedade do tempo, & as compreições, & inclinações naturaes dos homẽs, com tanto que não se affirme cousa de certo; mas sómente se diga conjecturalmente o que póde acontecer de variedade de tempo, & nas compreições, & inclinações naturaes, segundo as causas naturaes, remettendo tudo á Providencia Divina.
121(118) 6. O que fizer pacto com o demonio, ou o venerar, ou invocar para algum effeito, ou usar de feiticeria para mal, ou para bem: maiormente fazendo-a com pedras d’Ara, Corporaes, ou outras cousas Sagradas, ou bentas, para legar, ou deslegar, conceber, mover, ou parir, ou para quaesquer outros effeitos maus, ou bons, encorrerão em excommunhão maior, ipso facto, elám das penas abaixo impostas.
122(119) 7. O que for comprehendido em algūa das ditas cousas reprovadas, sendo Clerigo, será pela primeira vez suspenso das Ordẽs, & degradado pelo tempo que Nos parecer, & condenado em Vinte Cruzados pagos do Aljube para as despezas da Justiça, & Accusador, & sendo mais vezes comprehendido, se agravarão as ditas penas conforme a qualidade da pessoa, & circunstancias da culpa.
123(120) 8. E se for leigo nobre, além da dita pena de excommunhão, & dinheiro, será pela primeira vez condenado em dous de degredo para África, & sendo mais vezes comprehendido se agravarão as penas, segundo a culpa: & sendo plebèo, fará penitencia publica na Igreja, em hum Domingo, ou Dia Santo, á Missa do dia conventual, & pagará Dous mil réis aplicados, como fica dito; & não podendo pagar pena pecuniaria, se lhe commutará na corporal, que parecer: & sendo mais vezes comprehendido, será degradado, & peneficado, segundo sua culpa merecer.
124(121) 9. E nas mesmas penas de excommunhão, pecuniarias, & corporaes respectivamente, encorrerá aquelle que consultar aos sobreditos, ou usar das Feiticerias, ou de qualquer das cousas nesta Constituição prohibidas.
125(122) 10. Item nas mesmas penas, respectivamente, encorrerá aquelle que tiver, ou ler livros das ditas Superstições, Adevinhações, Feiticerias, Encantamentos, & cousas semelhantes, & bem assim o que ensinar, ou aprender publica, ou secretamente, as ditas cousas prohibidas, ou cada hũa dellas.
126(123) 11. Se as ditas Superstições, Feiticerias, & mais cousas prohibidas souberem manifestamente a heresia, se guardará o que fica dito no Titulo precedente § 10.
12712. E encarregamos muito ao nosso Vigairo géral & visitadores, que com muito cuidado emendem, & reformem todos os abusos, & superstições que acharem, procedendo contra os culpados, como for justiça. (Constituições Sinodais do Bispado da Guarda, 1686, liv. v, tit. III, c. I.)
128(124) «Prohibimos estreitamente a nossos subditos, que não usem de Agouros, fazendo conjecturas por as vozes, ou encontro dos animaes, ou do cantar, ou voar das aves, ou cousas semelhantes, nem observem, & notem os dias, & horas em que começão os negocios, ou os caminhos, ou saem de casa, esperando por isso bom, ou mao successo nas ditas cousas; & os Confessores reprehendão este vicio nas Confissões, & os Prégadores nos Púlpitos, & nossos ministros castiguem com as penas que lhes parecer aos que acharem no foro exterior comprehendidos n’este peccado.
129(125) 1. E posto que na Igreja de Deos ha graça para curar, a qual se póde achar, não sómente nos justos, mas ainda nos peccadores : com tudo, porque no modo em que se costuma usar, & exercitar esta graça, se podem introduzir abusos nas cousas que se fazem, & nas palavras que se dizem, & os que usão delia poderão ser supersticiosos, & enganadores : estreitamente prohibimos, sob pena de excommunhão maior ipso facto incorrenda, & de vinte cruzados, que ninguem em nosso Bispado benza gente, gados, ou quaesquer animaes, nem excommungue, nem exorcise pulgão, lagarta, ou qualquer outra cousa, nem use de ensalmos, & palavras, ou de outra cousa para curar feridas, ou doenças, sem primeiro ser por Nós examinado, & aprovado, & haver licença nossa por escrito.
130(126) 2. E sob a mesma pena prohibimos, que nenhuma pessoa secular, sem a dita licença, intente deitar demonios fóra dos corpos humanos.
131(127) 3. Posto que aos Exorcistas, quando recebem a Ordem, se concede poder, para deitar os demonios, & fazer os ditos exorcismos, com tudo, porque alguns usão de outras palavras, & ceremonias, além das que a Santa Madre Igreja tem ordenadas para esse Officio ; Prohibimos que nehum Exorcista em nosso Bispado, exercite o dito Officio, sem a dita nossa licença, & aprovação, & fazendo o contrario, será castigado arbitrariamente. E o que sem a dita licença exorcisar ou, com ella usar de outras palavras, ou ceremonias, além das que a Igreja tem ordenado, ou deixar as da Igreja em parte, ou em tudo, & usar de outras, encorrerá na pena de excommunhão, & pecuniaria acima imposta.» (Ibidem, c. 2.)
132Abortar, v. Ligar.
133Abuso, v. Santos.
134(128) Adivinhação, «nem lance sortes pera adevinhar : nem raras pera achar aver: nem vejp em agoa: ou cristal: ou em espelho: ou em espada: ou em outra qualquer cousa luzente: nem em espadoa de carneiro: nem faça para adevinhar figuras ou imagens algumas de metal: nem de qualquer outra cousa : nem se trabalhe de adevinhar em cabeça ae homem morto: ou de qualquer outra alimaria: nem traga comsigo dente: nem baraço de enforcado: nem qualquer outro membro de homem morto; nem faça com as dietas cousas: ou cada huma d’ellss : nem com outra alguma semelhante: postoque aqui nom seja nomeada specie alguma de feiticeria : ou para adevinhar : ou pera fazer damno ou proveito a alguma pessoa ou fazenda». Évora, 1534, xxv, 1. «Por varias vias se pertende adivinhar e alcançar o futuro, como he por feitiçarias, nigromancias, prestygios, arte magica, agouros, sortes, encantamentos, invocação de espiritos malignos, e por outros semelhantes modos abomináveis, e reprovados pelo Direito em modo, que como por cousas suspeitas para a Fé, foram os culpados nellas castigados por Ley Divina.» Braga, 1639, xlix, «1 mandamos com pena de excommunhão maior, ipso facto incurrenda, que nenhuma pessoa, assim Ecclesiastica, como secular, de qualquer estado, gráo e condição que seja, e das mais penas adiante declaradas, use de adivinhações, por sorte reprovadas, por encantamentos, por agouros, nem por arte magica, nem por invocação, ou pacto com o demonio, feitiçarias, nigromancia, ou por outro qualquer modo illicito.» Ibid... «E portanto prohibimos sob pena de excommunhão maior que nenhuma pessoa use de encantamentos, adivinhações, sortes reprovadas, ou de outras superstições para causar males, ou os remediar, nem para mandar sobre as tempestades, ou elementos.» Algarve, 1674, v. 8. «Muyto grande offensa fazem a Deus as pessoas que uzão da reprovada arte da feitiçeria e de adevinhações e dagouros : o que fazem em diversos modos e maneiras, humas applicando cousas sagradas e dizendo palavras da scriptura, e ás vezes da missa e da sacra, misturando-as com palavras vãas e do demonio, para seus danados intentos: ás quais as ditas pessoas enganadas do inimigo, chamão devações.» Goa, 1568, xxxi, 1. – V. Arte notoria, Feitiçaria, Sortes, Superstições.
135(129) Agouro. «Outra especie de superstição ha: observar por máo agouro saindo de casa, se encontrar, ou lhe passar por diante certo animal, ou outra cousa semelhante.» Lamego, 1539, V, 8. – V. Adivinhação, Dias, Feitiçaria, Superstições.
136Água. Meter santos em –; v. Santos. Ver em –; V. Adivinhação. – da noite de S. João ; V. Ervas de S. João.
137Alimentos. Conjecturar pelos –; v. Conjecturas.
138Alma. Tirar –; v. Arte notória.
139Animais, V. Agouro, Benzer.
140Anel, V. Exorcismo.
141Aparências fantásticas, V. Arte mágica.
142Ara. Pedras de –; v. Ligar, Pedra de ara.
143(130) Arte mágica. «Ordenamos, & mandamos, que toda a pessoa, que fizer algũa cousa, de que se conclua proceder de arte magica, como he formar aparências fantasticas, transmutações de corpos, vozes, as quaes se oução sem se ver, quem falla, & outros cousas, que excedem a efficacia das cousas naturais, encorrerá em pena de excomunhão mayor, ipso facto, a nós reservada, & sendo peão, em que caiba pena vil, será posto á porta da Sé em penitencia.» Porto, 1687, liv. v, tit. iii, const. i. – V. Adivinhação.
144(131) Arte notória. «E sob a mesma pena de excommunhão, prohibimos que pessoa alguma, de qualquer qualidade ou estado que seja, use de arte notoria, querendo por observâncias vans, e supersticiosas cerimonias, ainda que seja por meio de orações, jejuns, e outras obras pias, e santas feitas a Deus nosso Senhor, com certas palavras, ou sinaes exquisitos, e não usados, alcançar ao certo, e com sciencia particular, o conhecimento das cousas, que estão por vir, ou saber de algum defunto, se está no Céo, se no inferno, ou fallar com elle – a que chamam tirar-lhe a alma –, ou para se livrarem de algum infortunio, ou para não poderem ser feridos em briga alguma, ou para alcançarem saude os que estão enfermos...» Braga, 1639, xlix, 1.
145Astrologia, v. Lua.
146Aves. «Outras atravessando corações de aves pera reprovados effeitos.» Goa, 1568, xxxi, 1. – V. Conjecturas. Superstições.
147Baço. Cortar o –; v. Doenças.
148Baraço de Enforcado, V. Adivinhação.
149(132) Beberagens, «outras fazendo bollos e beberagens feitas de certas confeições com certas cerimonias». Goa, 1568, xxxi, 1. – v. Ligar.
150Bênçãos, V. Superstições.
151(133) Benzer. «Nem benzam com espada que matou homem: ou que passasse ho Douro e Minho tres vezes.» Évora, 1534, xxv, 1. «Outro sy defendemos, que nenhũa pessoa benza de enfermidades, a outra qualquer pessoa, nem benza gado, cães, bichos, nem outra qualquer cousa, nem amentem, nem encomendem com superstições o gado perdido, sem primeiro nos manifestar a nos ou a nosso Provisor, o modo, e as palavras de que usam, & livro porque as dizem, pera que sendo todo examinado, & visto se ha nisso algũa superstiçam, lhe seja dada, ou negada licença, pera o fazer.» Porto, 1585, tit. xxi, const. i. «Outro si deffendemos que pessoa algũa nam benza cães ou bichoos ou outra qualquer cousa nem use disso sem primeiramente aver pera isso nossa autoridade. E ho que fizer ho contrairo poemos em elle sentença de mayor excomunhã, & ho avemos por condenado em mil reaes pera ha nossa chancellaria & meirinho.» Lisboa, 1588, xxv. «Mandamos que ninguem neste nosso Bispado benza gente, gado, ou outros animaes.» Algarve, 1673, v, 8. Cf. Porto, 1687, v, 3, 1.
152Bichos, V. Benzer.
153(134) . Bolo. «Nem dem a comer bolo pera saberem parte dalgum furto.» Évora, 1534, xxv, 1. – V. Beberagens.
154Bruxalidade, V. Pacto.
155Cabeça. – de cão ; V. Cão. Cabeça de homem morto, v. Adivinhar. Cabeças de saudadores, V. Saudadores.
156(135) Camisas. «Nem façam camisas fiadas e tecidas em hum dia: nem as vistam.» Évora, 1534, xxv, 1.
157(136) Cão. «Nem passem agoa per cabeça de cam pera conseguir algum proveito.» Évora, 1534, xxv. 1. – V. Benzer.
158Carne quebrada, V. Doença.
159(137) Cartas de tocar, «livros de feitiçarias, superstições, adivinhações, cartas de tocar, palavras, e cousas que affeiçoem, e alienem os homens de suas mulheres, e as mulheres de seus maridos, e medicamentos que tirem o juizo, ou consumão os corpos». Porto, 1687, v, 3, 1.
160Cera derretida, v. Sortes.
161Chumbo, v. Sortes.
162Ciganos, v. Egípcios.
163Cintas, v. Palavras.
164Círculos, V. Feitiçaria, Invocar.
165Comidas, v. Ligar.
166(138) Cobro, «nem cortem cobro em lumiar de porta». Évora, 1534, xxv, 1.
167Conceber, v. Ligar.
168Confeições, V. Embruxar.
169(139) Conjecturas, «nem faça conjecturas pelos alimentos ou por sonhos, encontro, ou voar, e cantar das aves, e animaes, ou por ossos de finados, ainda que tudo se ordene a remediar alguns males, ou descubrir thesouros, ou furtos: ou para saber alguma cousa passada, ou o que passa, e acontece em outras partes remotas; porque sem ajuda, e obra do demonio, não he possivel saber-se». Braga, 1639, xlix, 1.
170Coisas sagradas, V. Adivinhação, Ligar.
171Cristal, v. Adivinhar.
172Cutelos de tachas pretas, v. Palavras.
173(140) Demoninhados, «nem apregoem os demoninhados». Évora, 1534, xxv, 1.
174Dente de enforcado, v. Adivinhar.
175Desligar, V. Ligar.
176Devações, V. Adivinhar.
177Diabo, Demónio, Diabólicos espíritos, «que nenhũa pessoa (sem licença do bispo) intente deitar demonios fora dos corpos humanos». Porto, 1687, v, 3, 2. – V. Exorcismo, Invocar, Superstições.
178(141) Dias. «Prohibimos... que nenhuma pessoa d’este Arcebispado tenha agouros, e observe ou note os dias e horas, em que começam os negocios, obras, ou caminhos e serviços, e saem de suas casas, esperando, ou temendo, por essa razão, bom ou máo successo nas ditas obras, caminhos, serviços, ou negocios...» Braga, 1639, xlix, 1. – V. Superstições.
179(142) Doenças. «Outro si defendemos que nehũa pessoa passe doente per silva ou machieiro : ou per baixo de trovisco ou per lameiro virgem.» Évora, 1534, xxv, 1. «Outros com palavras e çerimonias correndo carne quebrada e nervo torto, ou cortando o baço a pessoas doentes.» Goa, 1568, xxx, 1. – V. Arte notória, Ensalmos.
180(143) Egípcios. «E declaramos, que os que pedem aos Egypcios lhes digam sua boa ou má fortuna, peccão gravemente.» Braga, 1639, xlix, 1.
181(144) Embruxar, «nem (usem) de outros ungentos, e confeições supersticiosas para embruxar ou qualquer outra cousa, ou effeito máo, ou bom». Braga, 1639, xlix, 1.
182Elementos, v. Adivinhar.
183Encantamentos, «e outros mostrando figuras em agoa, ou fazendo encantamentos em diversas maneiras». Goa, 1568, xxxi, 1. – V. Adivinhação, Feitiçaria.
184Encontro, V. Agouro, Superstições.
185(145) Encruzilhada, «e indo a encruzilhadas a buscar e fazer cousas pera suas feitiçarias». Goa, 1568, xxxi, 1. – V. Invocar.
186Enterramentos, v. Prantos.
187(146) Ensalmos, «nem use de ensalmos, nem de palavras, ou quaesquer outras cousas para curar feridas, ou doenças». Algarve, 1673, v, 8 ; «nem uze de ensalmos, e palavras, ou de outra cousa pera curar feridas, e doenças, ou levantar a espinhela». Porto, 1687, v, 8, 1.
188Espada, V. Benzer.
189Espádua de carneiro, V. Adivinhação.
190Espelho, V. Adivinhação.
191Espinhela, V. Ensalmos.
192Estanho, v. Sortes.
193Estrelas, v. Lua.
194Excomungar, V. Exorcismo.
195(147) Exorcismo. «Pela mesma maneira serão julgados, e castigados todos aquelles... que fazem exorcismos para deitarem diabos.» Lisboa, 1640, v, 3. «Nem excommunge, ou exorcise pulgão, ou outras cousas semelhantes.» Algarve, 1573, v, 8. «Nem excommunge ou exorcise pulgão, lagarto, gusanos, ou outra cousa.» Porto, 1687, V, 3. 1.
196(148) Feitiçaria. «Por quanto as feitiçarias, encantamentos, sortilégios, & agouros sam contra a verdadeira religiam Christãa, defendemos & mandamos, que nenhũa pessoa, homem ou molher, de qualquer qualidade, estado ou condiçam que seja, use de especie algũa de feitiçaria, nem invoquem os demonios tacita, ou expressamente, nem usem de encantamentos, círculos, sortes, ou adivinhações, ou agouros, nem de outros similhantes crimes.» Porto, 1585, xxi. 2. – V. Ligar, Adivinhação, Encruzilhada, Superstições, etc.
197Feridas, v. Doenças, Ensalmos, Superstições.
198(149) Ferredouros, «outros fazendo fervedouros com palavras e çeremonias inventadas pelo demonio». Goa, 1568, xxxi, 1.
199(150) Figueira, «nem cortem solas em figueira baforeira». Évora, 1534, xxv, 1.
200Figuras de metal, v. Adivinhação.
201Gado, v. Benzer.
202Gusano, v. Exorcismo.
203(151) Ervas de S. João. «Póde-se também pôr exemplo (de superstição), no que se tem introduzido em dia de São João Bautista, que se colham as hervas, e levem a agua da fonte para casa, ou se lave a gente, e os animaes nella, antes do Sol nascer, metendo na cabeça á gente de pouco saber, que redunda em honra, e louvor do Santo: E que depois de nascer o Sol, ou em outro dia, colhidas as hervas em nome e honra delle, não terão igual virtude.» Lamego, 1639, v, 8.
204Homem morto (membro de), V. Adivinhar.
205Idolatria, V. Superstição.
206Imagem, V. Santos.
207(152) Invocar demónios. «Nem invoque diabolicos spiritus nem use de nenhũa especie de feitiçaria, de qualquer sorte & maneira que seja. E ho que ho contrairo fizer poemos em elle sentença de excomunham mayor, & seja preso & encoroçado, & aja a mais pena que per dereito merecer, & todo esto queremos que se guarde & execute assi em homem como molher». Lisboa, 1588, xxv, 1. «Deffendemos que nenhuma pessoa de qualquer estado e condiçam que seja: tome de logar sagrado: ou nan sagrado: pedra dara : ou corporaes : ou parte de cada huma delias : ou qualquer outra cousa sagrada: nem invoque diabolicos spiritos em circulo: ou fora delle: ou em encruzilhada: nem dee a alguma pessoa a comer: ou beber qualquer cousa: pera querer bem: ou mal a outrem: ou outrem a elle.» Évora, 1534, xxv, 1. – V. Adivinhar, Feitiçaria, Pacto.
208(153) Joeira, «nem lancem jueira». Évora, 1534, xxv, 1. «Outras deitando a jueira ou supo com çertas palavras, para saber o que lhes não é licito.» Goa, 1568, xxxi, 1.
209Lagarta (excomungar), V. Exorcismo.
210Lameiro virgem (passar por), V. Doença.
211Lâminas, V. Palavras, Superstições.
212Levantar figura, v. Lua.
213Livros, v. Cartas de tocar.
214(154) Ligar. «nem faça cousa pera que huma pessoa queira bem ou mal a outrem: nem pera legar homem: ou molher pera nom poder aver ajuntamento carnal». Évora, 1534, xxv, 1. «estreitamente prohibimos a todas as pessoas que... nem dem mesinha, ou beberragens para querer bem ou mal; nem para legar ou deslegar». Coimbra, 1591, xxxii. «usando de pedras de Ara, corporaes, ou outras cousas sagradas ou bentas, para legar ou deslegar, conceber ou fazer mover, ou parir molheres, ou usarem de beberagens, ou comidas, ou outra cousa, para querer bem, ou querer mal». Braga, 1639, xlix, 1. «feitiçarias, ou seja pera bem, ou pera mal, mayormente fazendo-o com pedras de Aras, Corporaes, e outras cousas Sagradas, ou bentas pera legar, ou deslegar, conceber, mover, ou parir, ou pera quaisquer outros effeitos bons, ou maos». Porto, 1687, v, 3, 1.
215(155) Lua. Nas Const. do Porto de 1687, comina-se pena aos «que adivinharem cousas secretas, e casos futuros, ainda que se faça juizo, e levante figuras pelos movimentos do sol, lua, e estrellas ou quaesquer outras cousas, salvo, se forem aquellas, que pendem só do movimento, e influencia do Ceo, força dos elementos, e efficacia das cousas naturaes, como são bom ou mau tempo para as sementeiras, frutos, navegações, saude, doença, e outros effeitos semelhantes, sem que se intrometiam nos successos, que pendem do livre alvedrio, e consequencias d’elles, porque estes pertencem a judiciaria condemnada pelos Summos Pontifices, e que se suppõem commercio, familiaridade, e pacto com o demonio». Porto, 1687, v, 3, 1.
216«... nem faça juizo ou levante figuras pelos movimentos, ou aspectos do Sol, Lua, ou Estrelas, ou qualquer outra cousa animada, ou inanimada, ou por sinaes do corpo humano, riscas, e veas das mãos, ou outras partes, para pronosticar as ações humanas, que pendem do livre alvedrio...» Braga, 1639, xlix, 1. – V. Superstições.
217Machieiro (passar por), v. Doenças.
218Marido (alienar – da mulher), v. Ligar.
219Medalhas, v. Palavras.
220(156) Mendracolas. «Nem tenham mendracolas em sua casa: com tençam de averem graças ou ganharem com ellas.» Évora, 1534, xxv, 1.
221Mezinhas, v. Ligar.
222(157) Missa. «E finalmente, se póde por exemplo (de superstição) na missa, que se manda dizer com certo numero de candeas ; e que não haja de ter mais, ou menos; ou que hade ser dita por clérigo, que se chame João, ou de outro certo nome.» Lamego, 1639, V, 8.
223Mover, v. Ligar.
224Mulher (alienar – do marido), v. Ligar.
225Nervo torto, v. Doença.
226Nigromancias, v. Adivinhação.
227Nomes, V. Nominas.
228(158) Nominas. «E na pessoa que traz nominas, nomes, orações, ou palavras escritas ao pescoço, crendo que por sua virtude nunca será ferido na guerra, ou nas brigas; ou que não morrerá em fogo, nem afogado, ou de morte subita; e que tudo lhes succederá prosperamente...» Lamego, 1639, v, 8.
229(159) Orações. «Ou dizem certas orações, crendo por certo, que no dia, em que as dissessem, lhes succederá tudo bem.» Lamego, 1639, v. 8. – V. Nominas.
230Ossos de finado, v. Conjecturas.
231Ourelos, V. Palavras.
232Outeiros, V. Procissão.
233(160) Pacto. «Mandamos sob a dita pena... que nenhuma pessoa faça pacto com o demonio, nem o venere, nem o invoque por algum modo, para algum effeito; nem use de alguma bruxalidade, feitiçaria, ou seja para bom, ou máo fim.» Braga, 1639, xlix, 1.
234«Provando-se que as taes cousas tiveram effeito, porque em tal caso se fica concluindo, que as taes palavras, e obras procedem de algum commercio, familiaridade e pacto com o demonio, porém se por outra via se mostrar, que as taes palavras se dizem; e se fazem as taes obras por fingimento, e engano, sem algum successo, só a fim de ganhar dinheiro, serão os delinquentes castigados arbitrariamente com penas pecuniarias, e corporaes, de modo que semelhantes desordens se atalhem.» Porto, 1687, v, 3, 1. – V. Superstições.
235(161) Palavras. «Nem benzam com palavras innotas: e nom entendidas nem approvadas pella igreja ou com cutellos de tachas pretas: ou doutra alguma cor: nem per cintas e ourellos : ou per qualquer outro modo nom honesto.» Évora, 1534, xxv, 1.
236«E os que curam com palavras e pannos postos em certo numero de obras, pondo nesta quantidade a efficacia para o effeito ; e os que fazem, e usão de aneis, laminas, e medalhas com certas palavras da Sagrada Escriptura.» Lisboa, 1640, v. 3. – V. Cartas de tocar, Ensalmos, Exorcismos, Superstições.
237Panos com certos número de dobras, v. Palavras.
238Parir (fazer), v. Ligar.
239(162) Pedras de ara. «Defendemos que nehũa pessoa de qualquer estado e condição que seja, tome de logar sagrado ou nam sagrado, pedra d’ara ou corporaes ou parte de cada hũa d’ellas ou qualquer outra cousa sagrada.» Lisboa, 1588, xxv, 1. – V. Ligar, Invocar.
240Perdido (deparar –), v. Santos.
241(163) Pés. «Ou entrando em caza, ou saindo, faz mysterio, de ser primeiro com hum dos pés, mais que com outro.» Lamego, 1639, v, 8.
242Penedos, «nem revolvam penedos e os lancem na agoa pera aver chuva». Évora, 1534, xxv, 1. – V. Procissões.
243(164) Prantos. «Item prohibimos, que nos ditos acompanhamentos (dos defuntos), e enterramentos, e nas Igrejas em, que os defuntos se enterrarem, se não consintão pessoas, que vão dando vozes descompostas, ou fazendo extraordinários, e desordenados prantos...» Guarda, 1621, iii, 13.
244(165) Procissões. «Defendemos que com as ditas procissões nam vam a outeiros, nem penedos, mas somente á Igreja, ou Ermida onde se faz o officio. E em ellas nam usaram de outras palavras, nem clamores, salvo respondendo á ladainha : Ora pro nobis : ou Orate pro nobis, & vam em ella com toda devoçam, & attençãm rezando, & nam falando em cousas temporaes. E nas Igrejas onde forem nam usarão de cerimonias nem superstições, abusões, se não das cousas que a Igreja manda, nem comerão nas Igrejas, & Ermidas onde assi forem, etc.» Porto, 1585, xx, 3.
245«Conformando-nos com a disposição do Concilio Provincial Bracharense, estreitamente prohibimos, que com as procissões vão a outeiros, ou penedos, mas de hua Igreja, ou Ermida, onde se celebrão os officios Divinos, a outra... E nas Igrejas, aonde forem as dittas procissões, não uzarão de ceremonias, superstições, nem abusos, senão de cousas que a Igreja manda.» Porto, 1687.
246Prestígios, V. Adivinhação.
247Prognosticar, v. Lua.
248Pulgão, V. Exorcismo.
249Querer bem ou querer mal (fazer), v. Ligar.
250Remediar males, V. Conjecturas, Adivinhação.
251(166) Revelação. «Nem digam cousa algũa do que he por viir: mostrando que lhe foy revelado por Deos: ou algum santo: ou visam: ou em sonho; ou per qualquer outra maneira.» Évora, 1534, xxv, 1.
252Rezar à lua, às estrelas, v. Santos.
253Sagradas cousas, v. Ligar, Pedra de ara.
254(167) Santos. «Nem levem as Imagens dalguns santos acerca dagoa: fingindo que os querem lançar em ella: e tomando fiadores: que se ate certo tempo ho dicto santo lhes nom der agoa: ou outra cousa que pedem que lançaram a dieta imagem na agoa.» Évora, 1534, xxv, 1.
255«Para tirarmos alguns abusos, e superstições, de que os homens uzão por causa de seus intentos particulares, em prejuizo de suas almas, como em furtar as imagens dos santos das Igrejas, e levadas para suas casas, dizendo, que não as hão de tornar á Igreja, se os santos lhe não derem saude em suas enfermidades, ou lhes não depararem alguma cousa perdida, hora tomando-lhes fiador sobre isso, hora atando-as com fitas, e outras ataduras, hora levando-as junto da agoa, e fingindo, que as querem deitar nella, e tomando fiadores, que se o santo atê certo dia lhes não der agoa hão de deitar a imagem dentro e outras cousas semelhantes...» Portalegre, 1632, v, 5, 3.
256«Rezar á lua, ás estrellas, fazer deprecações aos santos com certas ceremonias para taes effeitos, e ainda bons, assentando que serão infalliveis.» Porto, 1687, v, 3, 1.
257(168) Saudadores. «Nem tenham cabeças de saudadores encastoadas em ouro: ou em prata: ou em outras cousas.» Évora, 1534, xxv, 1.
258Silva (passar por –), v. Doença.
259Sinais, v. Arte notória, Lua.
260Sol, v. Lua.
261(169) Sonhos. «Ter por certas as cousas que se representam em sonhos.» Porto, 1687, v, 3, 1. – V. Conjecturas, Revelação.
262(170) Sortes. «Outras deitando sortes de chumbo ou de estanho ou de cera derretida, para suas malditas adivinhações.» Goa, 1568, xxxi, 1. V. Adivinhação, Feitiçaria.
263(171) Superstições. «Comprehende a Superstição diversas especies, segundo os diversos modos e fins para que se usa delia: A saber, a Idolatria, Adevinhaçoens, Feitiçarias, Pactos com o Demonio, expressos, e tacitos, e consultações com elle para diversos fins, e outras cousas e observações similhantes.» Lamego, 1639, v, 8.
264«Tem contudo a experiência mostrado que muytas pessoas usão de enganos, superstições, palavras, e bênçãos reprovadas, observando certo numero dellas, como também nas bênçãos, applicando ás feridas panos com numero certo de dobraduras, laminas, e outras cousas semelhantes, usando de palavras...» Algarve, 1673, v, 8. «fazer observações de dias pera bons, e maus successos e conjecturas pelas vozes, ou encontros dos animaes, ou pelo cantar ou voar das aves, e outras cousas semelhantes, chamadas vulgarmente pelos Doutores superstições.» Porto, 1687, v, 3, 1. – V. passim.
265Supo, v. Joeira.
266Tesouros, V. Conjecturas.
267Transmutações de corpos, v. Arte mágica.
268Unguentos, V. Embruxar.
269Varas, v. Adivinhar.
270Vozes, V. Agouros. – que se ouvem sem ver quem falla, v. Arte mágica.
5. Os documentos inquisitoriais
271Os documentos inquisitoriais dividem-se em diversas categorias, das quais as principais são: a) a legislação ; b) as listas dos autos; c) os processos com os documentos que se lhes ligam; d) os manuais para uso dos inquisidores.
272a) A legislação consta dos Regimentos do Santo Ofício da Inquisição (servimo-nos do de 1640, fol. Lisboa) e de várias disposições avulsas em editais, etc. Extraímos do Regimento, liv. iii, da data citada, a parte que interessa ao nosso trabalho.8
273Título XIV. Dos Feiticeiros, Sortílegos, Adivinhadores, e dos Que Invocam o Demónio, e Têm Pacto com Ele, ou Usam de Arte de Astrologia Judiciária.
274(172) 1. «Ainda que conforme o direito, dos crimes de feitiçarias, sortilégios, advinhações e quaesquer outras d’esta mesma especie, podessem conhecer os Inquisidores sómente quando em si continham heresia manifesta; comtudo pela Bulla de Sixto V lhes está commettido o conhecimento de todos estes crimes, postoque não sejam hereticaes ; assi porque ao menos não carecem de respeito de heresia, como pela superstição, que há nelles tam contraria á Religião Christam. Portanto se algũa pessoa fizer feitiçarias, sortilegos ou advinhações, usando de cousas, e superstições hereticaes, encorrerá na pena de excommunhão, confiscação de bens, e em todas as mais, que em direito estão postas no crime de heresia, e contra elles procederão os Inquisidores na mesma fórma, que procederão contra os hereges, e apostatas de nossa S. Fé; e havendo prova legitima para ser convencida, e haver a pena ordinaria, se não se reduzir, confessando inteiramente suas culpas, será relaxada á Justiça secular, na fórma, que fica dicto no titulo 2. deste livro, e levará ao Auto da Fé com o habito de relaxado, carocha na cabeça, com rotulo de feiticeiro na fórma costumada.
2753. Porem confessando o Reo suas culpas, será recebido ao gremio, e união da S. Madre Igreja, e irá ao Auto publico da Fé a ouvir sua sentença com habito penitencial, e carocha na mesma fórma, e no Auto fará abjuração em fórma de seus erros; e terá confiscação de bens, desdo tempo, em que com os dictos crimes se apartou da Fé; e será degredado para as galés, e sendo mulher para a Ilha do Principe, S. Thomé ou Angola; e uns e outros terão pena de açoutes, e serão instruídos nas cousas da Fé necessarias para sua salvação, e terão as penitencias espirituaes, que parecer aos Inquisidores, e não poderão entrar mais no logar, em que cometteram o delicto.
2763. Quando a pessoa condemnada por este crime, for nobre, ou de qualidade, que pareça que não deve ter pena de açoutes, nem degredo para galés, será degradada para Angola, S. Thomé, ou partes do Brazil; e se for Clérigo, ou Religioso, terá a pena de degredo dos §§ precedentes; e postoque haja de ir ao Auto ouvir sua sentença, não levará carocha, mas será suspenso para sempre do exercicio de suas ordens, e privado de qualquer officio, beneficio ou dignidade, que tiver; e sendo Religioso, será mais privado de voz activa, e passiva; e tendo-se respeito á qualidade da pessoa, se lhe poderá commutar o degredo em reclusão, por outro tanto tempo, em um dos mosteiros mais apartados de sua Religião com alguns annos de carcere nelle.
2774. E no arbitrio, que os Inquisidores hão de fazer das penas, com que devem ser castigadas as pessoas, que usarem dos dictos feitiços, sortilégios, e advinhações, terão respeito a se haver seguido com elles algúa morte, ou outro damno notavel, e de grande prejuizo, para neste caso serem mais rigorosas as penas; porquanto ainda que ao Santo Officio pertença castigar sómente os feitiços, e mais crimes semelhantes, e não as mortes, penas, e damnos que delles se seguiram; comtudo, como estes fiquem fazendo muito mais grave a culpa, é justo que conforme as circumstancias della se lhe accrescente a pena.
2785. Se constar que os actos de superstição, de que usaram os feiticeiros, advinhadores e sortilegos, são taes, que delles se colha heresia; pela grande presumpção, que resulta de andarem apartados da nossa santa Fé Catholica, serão postos a tormento, e se nelle não confessarem a tenção, irão ao Auto publico da Fé a ouvir sua sentença, e nelle farão abjuração de vehemente, quando em suas feitiçarias, sortilégios, e advinhações, usarem da hostia consagrada, ou parte della, ou do sangue do Christo nosso Senhor, ou de pedra de Ara, tomada de lugar sagrado, ou de Corporaes, ou de parte algũa destas cousas, ou de qualquer outra sagrada, ou se expressamente invocarem os espíritos diabolicos, e lhes pedirem cousa, que Deos sómente pode fazer, ou invocarem o demonio com preces, e lhe fezerem sacrificios, ou algum outro culto de latria, ou dolia, ou bautizarem imagens, ou algum cadaver, ou rebautizarem alguas crianças, sabendo que forão bautizadas, ou entre os Santos chamarem também aos demonios, por seus nomes, ou incensarem algũa cabeça de defunto, ou a ungirem com oleo sagrado; porquanto destes actos, e dos que forem semelhantes, nasce vehemente suspeita de heresia. Porem se os Reos em sua defesa diminuirem tanto na graveza das culpas, que havendo-se juntamente respeito á qualidade da pessoa, e ao modo, e lugar, em que os commetterão, com as mais circunstancias, que se offerecerem, pareça aos Inquisidores que devem abjurar de leve sómente, neste caso serão escusos de maior abjuração.
2796. Quando dos actos de feitiçaria, sortilégio, e adivinhação, resultar sómente leve presumpção de serem suspeitos na Fé, serão tambem os Reos postos a tormento; e não confessando outra cousa, no Auto publico ouvirão sua sentença, e farão abjuração de leve; e assi estes, como os que abjurarem de vehemente, serão condemnados nas penas arbitrarias, e mais penitencias espirituaes, que parecer aos Inquisidores, segundo o que fica dicto nos §§ precedentes; e se os condemnados forem Religiosos, ou pessoas graves de tal qualidade, que pareça que não devem ir ao Auto publico da Fé, abjurarão na salla do santo Officio, ou no lugar, que em mesa se assentar.
2807. Sendo comprehendida algũa pessoa em segundo lapso, de feitiçarias, sortilégios, e adivinhações, se no primeiro houver abjurado de leve, no segundo fará abjuração de vehemente, e será condemnada em açoutes, e degredo, e as mais penas confórme ao que fica dicto no § 2 e 3. E porem, se no primeiro lapso tever abjurado em fórma, ou de vehemente, e no segundo for convicta em culpa, de que pareça, que resulta presumpção violenta de viver apartada da nossa santa Fé, neste caso se procederá contra ella na fórma de direito, com a consideração, que convem; mas não sendo no segundo lapso convicta, será condemnada conforme á presumpção, que resultar de suas culpas, com respeito ás penas, que havia de ter, se fora nellas convencida, mas não farão abjuração.
2818. Os que se vierem appresentar voluntariamente na mesa do santo Officio, ou seja no tempo da graça, ou fóra delle, e confessarem culpas de feitiçarias, e sortilegios, serão despachados confórme ao que fica disposto no tit. 1. deste livro, emquanto o que nelle se diz se puder applicar a este crime.
2829. Por quanto o Breve de Sixto V e constituição de Urbano VIII commetteu ao S. Officio da Inquisição, que proceda contra os Astrologos judiciarios, que usam desta arte, pronosticando absolutamente casos particulares, de futuro em tempo certo, e acto determinado. Ordenamos, que sendo algũa pessoa comprehendida na dieta culpa, seja examinada por ella no santo Officio, e pela primeira vez amoestada com termo, que assignará, para que não commetta outra semelhante; salvo se a qualidade da pessoa, e circumstancias da culpa pedirem maior condemnação ; e sendo comprehendida segunda vez na mesma culpa, se lhe darão as penas, que parecer aos Inquisidores, tendo respeito ás que lhe estão impostas pelo dicto Breve, e constituição.»
283No último quartel do século xviii, o célebre jurisconsulto Pascoal José de Melo redigiu um Projecto de Um Novo Regimento para o Santo Ofício da Inquisição em que se manifesta já consideravelmente a influência das ideias novas na parte relativa aos feiticeiros, etc., da qual damos o extracto que segue.
284(173) Tit. XXVII. Dos supersticiosos e impostores. Chama-se aqui supersticioso e impostor toda a pessoa que entender e tiver para si que é mágico, sortílego ou feiticeiro, que pode predizer e adivinhar futuros, que pode fazer bem ou mal por arte do demónio, ou que procurar impor, iludir e enganar o vulgo ignorante com certas rezas, cerimónias, imprecações, encantamentos por dolo ou culpa sua, e será portanto condenado nas penas declaradas no Título VIII do Código Criminal.
285Tit. XXIX. Dos que fingem revelações e milagres. Toda a pessoa que simular e fingir virtudes que não tem, milagres e revelações do céu, será presa pela primeira vez por dois meses, pela segunda em dobro, e pela terceira para sempre na cadeia pública da cidade, ou do Santo Ofício, ou casa da correcção.
286Citaremos alguns dos documentos avulsos da legislação inquisitorial.
287(174) Em 1630 imprimiu a Inquisição de Lisboa um Regimento contra os pós venenosos que o diabo inventou, etc., cujo contágio é maior que o da peste; o qual produziu o estrago de Milão.9
288(175) Um edital do inquisidor-geral D. Veríssimo de Lencastre proibia em 3 de Julho de 1678 o uso que algumas pessoas faziam em Lisboa e por todo o reino de anéis de ouro ou prata, e ainda de alguns pergaminhos em que se viam gravadas e pintadas cruzes e letras, afirmando que têm virtude contra vários acidentes, e também contra a peste; condenava também o uso de um papel que tinha por título Declaração das Letras contra a Peste, apresentando algumas cruzes na margem, por cheirar a magia «que inclui pacto mais ou menos implícito com o diabo».
289b) As listas dos autos não indicam muitas vezes o delito, ou, quando o fazem, é geralmente de um modo muito sucinto; mas esses documentos têm interesse, já como uma espécie de índice, já porque muitos dos processos de pessoas neles mencionadas se perderam. A Biblioteca Nacional de Lisboa possui uma colecção dessas listas, parte manuscritas, parte impressas, reunidas por António Joaquim Moreira, colector infatigável e cuidadoso, mas sem crítica.
290Pelo Regimento do Santo Ofício da Inquisição (liv. ii, tit. 22, § 12) mandavam-se fazer quatro cópias da lista de cada auto, uma para o alcaide, outra para o inquisidor, a terceira para o meirinho, a quarta para os notários; uma outra cópia era além disso enviada ao rei, e ainda outra ao arcebispo ou bispo da cidade (§ 14). Numerosas listas foram, porém, impressas, e tiveram sem dúvida assaz considerável circulação. Parece que a mais antiga dessas listas impressas foi a do auto celebrado em Coimbra no pátio de S. Miguel, em 21 de Março de 1619.
291A primeira lista que apareceu em público, manuscrita, foi a do auto da inquisição de Lisboa, de 3 de Setembro de 1600. Segundo uma nota de António Moreira, as listas impressas das três inquisições do reino foram só 122. Os registos inquisitoriais dos autos acham-se, mas não completos, no Arquivo Nacional e na Biblioteca Pública de Lisboa.
292Interessa à história das superstições, das crenças populares e das monomanias religiosas, tudo o que nas listas, como nos processos, se refere a feiticeiros, a mulheres de virtude, a pretendidos profetas ou santos. Por esses documentos se vê que Portugal não foi um terreno sáfaro para o molinismo, e que tivemos nos séculos xvii e xviii paralelos, menos ruidosos, menos extraordinários, sem dúvida, mas ainda assaz tristemente curiosos, que opor aos processos de Gaufridi, Urbano Grandier, da Cadière e o padre Girard, etc.10
293Damos notícia de alguns dos numerosos indivíduos processados pela inquisição, pelos delitos que nos interessam; é apenas um extracto de um repertório, que fizemos para nosso uso, sobre as colecções de listas da Biblioteca Nacional, em 1865.11 As datas são as dos autos, públicos ou particulares, em que saíram os penitenciados de que fazemos menção.
Inquisição de Lisboa
294(176) 1559, 29 de Agosto. Judeus bruxos queimados.
295(177) 1582. Afonso, adivinhão.
296(178) 1584. 1. Pedro Afonso, adivinhão, que comunicava com o diabo. 2. Inês de Lucena, feiticeira.
297(179) 1588, 8 de Dezembro. Madre Soror da Visitação, que se fingia santa, estigmatizada, tendo enganado todo o reino e estranhos.
298(180) 1590, 11 de Março. Maria dos Anjos, freira, que se fingia santa.
299(181) 1590, 24 de Maio. Soror Helena da Visitação, que se fingia santa.
300(182) 1609, 29 de Maio. Francisco Barbosa, feiticeiro.
301(183) 1622, 5 de Maio. Ana Antónia, solteira, feiticeira, por adorar e ter por Deus ao diabo e ter ajuntamento carnal com ele na figura de bode.
302(184) 1626, 23 de Dezembro. Isabel Francisca, feiticeira.
303(185) 1632, 22 de Março. Domingos Velho, meio cristão velho, que fingia revelações, êxtases e raptos e vivia fora do comum dos cristãos.
304(186) 1639, 11 de Outubro. 1. Maria da Silva, solteira, que tirou da boca a partícula da comunhão e a levou para casa de uma feiticeira, e por presunção de pacto com o diabo. 2. D. Catarina da Ribeira, por presunção de pacto com o diabo. 3. Brites dos Santos, casada, feiticeira. 4. Maria da Mota, casada, feiticeira. 5. Maria Antunes, que tinha quarto de cristã nova, por feiticeira. 6. Maria Vicente, feiticeira, casada, pelo mesmo delito.
305(187) 1638, 26 de Agosto. João Lopes, idiota, profeta.
306(188) 1643, 30 de Janeiro. Isabel Fernandes, viúva, feiticeira.
307(189) 1647, 15 de Dezembro. 1. Luísa de Jesus, terceira de S. Francisco, que se fingia santa, dizendo ter colóquios com Deus. 2. Maria Gorjoa, a Cutilada ou Quesilante, casada, feiticeira, por presunção de pacto com o demónio. 3. Mariana de Oliveira, mesma culpa. 4. Bento Rodrigues, terceiro de S. Francisco, por introduzir modo, de modo diferente do comum dos cristãos, que chamava estado de penitência, juntando várias pessoas em forma de comunidade sem aprovação, e por fingir milagres, visões, revelações e falas com Deus. Foi relaxado em carne.
308(190) 1648, 23 de Maio. Fr. António Pimentel, professo na ordem de S. Bento de Avis, por culpas de sortilégios.
309(191) 1650, 10 de Julho. Antónia de Aguiar, mulata, livre, solteira, por feitiçarias e presunção de pacto com o demónio.
310(192) 1652, 20 de Dezembro. Francisco de Mendonça, subdiácono, professo, expulso de duas religiões, por fingir revelações e proferir várias proposições heréticas e outras blasfémias mal soantes.
311(193) 1654, 11 de Outubro. 1. António Fernandes, trabalhador, por ter pacto com o demónio e fazer curas por ordem dele, fingindo fazê-las pela de Deus. 2. Domingos da Madre de Deus, ermitão da Ermida de Santo Amaro, perto de Lisboa, por ter pacto com o diabo, usar de feitiçarias e fazer curas por ordem dele, e fingir revelações e santidade.
312(194) 1656, 29 de Outubro. José de Jesus Maria, ermitão em Lisboa, solteiro, por fingir revelações e presunção de pacto com o diabo.
313(195) 1658. Tomé João, lavrador, por curar com bênçãos e outros sinais, muitas orações e outras cerimónias, e dizer que tinha virtude própria e sabia para dar saúde, e que a tinha por inspirações e vias sobrenaturais.
314(196) 1660, 17 de Outubro. 1. D. Isabel de Barros, solteira, por feiticeira e presunção de pacto com o demónio. 2. Margarida Pereira, mulher parda, solteira, pelo mesmo delito. 3. Maria da Cruz, solteira, por fingir revelações e proferir para esse efeito proposições heréticas, mal soantes e escandalosas. 4. Joana da Cruz, terceira de certa ordem e beata, pelo mesmo delito.
315(197) 1661, 18 de Agosto. Joana da Silveira, solteira, por feiticeira.
316(198) 1662, 17 de Dezembro. 1. Luís Cid Temudo, sangrador e cirurgião, por usar de palavras e cerimónias supersticiosas e presunção de ter pacto com o diabo. 2. Manuela de Jesus, solteira, de 25 anos de idade, por feitiçaria e presunção de pacto com o diabo. 3. Mónica Gomes, casada, por dizer que adivinhava coisas futuras, tinha visões do outro mundo e era favorecida de Deus, a quem suas orações eram muito aceites. 4. Isabel da Costa, viúva, de 70 anos de idade, por feitiçaria.
317(199) 1663, 31 de Março. 1. Francisca Delgada, casada, de 28 anos, por feitiçaria e presunção de pacto com o diabo. 2. Luísa Pereira, casada, de 40 anos, pelo mesmo delito.
318(200) 1664, 16 de Outubro. Constantina de Távora, viúva, de 50 anos, por feitiçaria.
319(201) 1666, 4 de Abril. 1. Catarina da Silva, solteira, de 26 anos, por fingir que curava de feitiços e entendia deles. 2. Maria de Macedo, casada, de 24 anos, por fingir aparecimentos, transportações e visões ; era conhecida pelo nome de Violeira; ia à ilha encoberta falar com D. Sebastião.
320(202) 1668, 11 de Março. 1. Maria de Jesus, solteira, de 26 anos, por fingir e publicar revelações. 2. Cristina Pires Castanha, casada, de 50 anos, por feitiçaria. 3. Domingos da Silva, de 35 anos, por fazer fervedouros e usar de feitiçaria.
321(203) 1671, 20 de Novembro. Gonçalo da Silva, sapateiro, por fingir que adivinhava por arte do diabo.
322(204) 1673, 10 de Dezembro. 1. Antónia da Serra, por feitiçaria e presunção de pacto com o diabo. 2. Paula de Moura, pela mesma culpa. 3. Maria de Seixas, pela mesma culpa.
323(205) 1682, 10 de Maio. 1. Manuel João, de 36 anos, por feitiçaria e presunção de pacto com o diabo. 2. José Francisco, o Borrão, pela mesma culpa. 3. Ana Rodrigues, de 27 anos, por fingir visões e presunção de ter pacto com o diabo. 4. Catarina Barreto, solteira, de 48 anos, por feitiçaria. 5. Úrsula Maria, solteira, de 30 anos, pela mesma culpa. 6. Maria Pinheiro, casada, de 41 anos, pela mesma culpa.
324(206) 1683, 8 de Agosto. 1. Manuel Henrique, de 53 anos, por usar de coisas supersticiosas e se inculcar por feiticeiro. 2. Domingas Francisca, solteira, de 30 anos, por fingir visões e aparecimentos de almas. 3. Susana de Andrade, viúva, de 61 anos, por hipócrita, falsa e enganadora dos fiéis, convicta e confessa no crime de fingir visões e revelações para ser reputada por santa. 4. Maria Francisca, solteira, de 25 anos, por fingir visões e aparecimentos de almas. 5. Luísa da Silva, viúva, de 51 anos, por feitiçaria e presunção de pacto com o diabo. 6. Maria de Sousa, casada, de 40 anos, pelo mesmo delito. 7. Catarina Rodrigues, de 80 anos, por feitiçaria e pacto com o diabo.
325(207) 1683, 4 de Setembro. 1. Brites de Sousa, casada, por fazer fervedouros. 2. Luísa Ribeiro, pelo mesmo delito, mas provou-se ser inocente. 3. Garcia de Mira, cigana, de Montemor-o-Novo, por fazer coisas supersticiosas.
326(208) 1684, 26 de Novembro. Joana da Fonseca, viúva, de 60 anos, por feitiçaria.
327(209) 1686, 14 de Julho. 1. Brites Fernandes, a Mocha, casada, de 27 anos, por feitiçaria e presunção de pacto com o diabo. 2. Maria Gomes, casada, de 30 anos, pelo mesmo delito. 3. Maria Brás, casada, de 50 anos, por fingir que se metiam em seu corpo almas do outro mundo a fim de se salvarem.
328(210) 1689, 17 de Fevereiro. Simão, preto forro, por feitiçaria.
329(211) 1689, 20 de Outubro. Simão Rodrigues Palaios, pastor de Vila Franca, por presunção de pacto com o d i a b o.
330(212) 1690, 27 de Junho. Patrício de Andrade, negro forro, de 25 anos, por presunção de pacto com o diabo, trazendo consigo certas coisas numa bolsa para não ser ferido com armas e fazer experiências no seu corpo para mostrar o dito efeito.
331(213) 1691, 10 de Abril. Inês da Conceição, terceira de certa ordem, de 37 anos, por se inculcar favorecida de Deus, fingindo e publicando ter revelações e particulares favores divinos.
332(214) 1692, 23 de Fevereiro. 1. Francisca Nogueira, viúva, de 30 anos, por feitiçaria e presunção de pacto com o diabo. 2. Leonor Fernandes, solteira, de 23 anos, por jurar falsamente na mesa do santo ofício, supondo em si e em outras pessoas culpas de ser bruxa, feiticeira e ter pacto expresso com o diabo.
333(215) 1692, 26 de Abril. Fr. José Temudo, religioso franciscano da província das Canárias, por usar supersticiosamente do sacramento do baptismo, aplicando-o solenemente, segundo o ritual romano, a coisas inanimadas para fins sinistros.
334(216) 1693, 19 de Maio. João Cutelo, de 27 anos, por fazer curas em modo supersticioso e cerimónias supersticiosas, chamando-se simulador, e por presunção de pacto com o diabo.
335(217) 1698, 9 de Novembro. 1. Domingas do Lado, terceira de certa ordem, solteira, de 31 anos, por fingir revelações. 2. D. Francisca (aliás Leonor) de Barros, solteira, de 23 anos, por feitiçaria.
336(218) 1701, 9 de Dezembro. Fr. Mazeo de S. Francisco, religioso da Ordem de S. Francisco, da província da Arrábida, porteiro do Convento de S. Pedro de Alcântara de Lisboa, por tratar com grande respeito e veneração a certa pessoa que tinha por filha espiritual, tendo por certas, infalíveis e verdadeiras as visões, e mais favores espirituais que a mesma dizia ter de Deus, afirmando e persistindo pertinaz e teimosamente que quantas visões o santo ofício (em que a dita pessoa foi presa e penitenciada) justamente julgou por falsas e fingidas, eram verdadeiras; porque estando escritos os sucessos da vida da dita pessoa, os comentou e explicou, e por sentir mal do recto procedimento do santo ofício. Na sentença atende-se à fraca capacidade do réu.
337(219) 1713, 9 de Julho. Antónia Maria, casada, por feitiçaria e usar de coisas sagradas para fins profanos e desonestos, e ter pacto com diabo.
338(220) 1714, 14 de Outubro. 1. Padre Inácio da Silva, sacerdote religioso, expulso de certa religião, de 42 anos, por invocar o demónio, fazendo-lhe um escrito firmado com o seu sangue. 2. Micaela de Jesus, solteira, de 28 anos, terceira da Ordem de S. Francisco, galega, por fingir visões, revelações e grandes favores do céu, para ser tida e reputada por santa, afirmando que estava beatificada e sacramentada, e que por ela havia de vir a segunda redenção do género humano, por fazer acções desonestas, dizendo que Deus assim lho mandava, porque tais acções eram do agrado do mesmo Senhor, e proferir muitas proposições heréticas, erróneas, blasfemas, mal soantes e injuriosas à suma pureza de Cristo e sua mãe, com presunção de pacto com o demónio.
339(221) 1717, 24 de Outubro. 1. Matias Fernandes, ferreiro, de 26 anos, por fazer pacto expresso com o demónio, reconhecendo-o e adorando-o por Deus, ao qual deu o seu sangue por sinal da sua sujeição, e por proferir blasfémias heréticas contra o Santíssimo Sacramento, a Virgem Nossa Senhora e muitos santos. 2. Fr. Alexandre de Márcia, frade barbadinho, sacerdote, confessor e pregador, natural de Castela, morador em Lisboa, de 59 anos, por sequaz de Molinos, Calvino e outros muitos heresiarcas, afirmando não serem pecaminosas muitas acções torpes que tinha com certas suas confessadas, porque Deus lhas tinha revelado por boas e santas e muito do seu agrado e por afirmar que está sacramentado, que o seu corpo é o mesmo Santíssimo Sacramento do altar e que a Virgem Nossa Senhora foi formada de matéria celeste, com outras muitas proposições heréticas, sacrílegas, etc., fingindo com elas visões, revelações e grandes favores do céu, para introduzir erros contra a fé.
340(222) 1718, 20 de Setembro, Soror Maria da Nazaré, do convento das flamengas de Alcântara, de 18 anos, por enterrar num vaso de terra as espécies sacramentais de uma partícula consagrada que tinha recebido na mesa da comunhão, por duvidar da existência do corpo de Nosso Senhor no Sacramento da Eucaristia, chegar a crer que não havia Padre Eterno, nem Deus, nem santos, e resolver-se a invocar o diabo e fazer com ele pacto, principiando por fazer com ele um escrito com o seu sangue.
341(223) 1719, 8 de Julho. Saíram no auto nesta data muitos molinistas de ambos os sexos, entre os quais Joana Maria de Jesus (aliás a Madre Joana), de 42 anos, terceira de certa ordem, por se fingir santa com muitas visões, revelações e favores extraordinários de Deus, com êxtases, afirmando que neles se certificava e conhecia serem boas e do agrado de Deus muitas acções torpes e lascivas que executava, sendo mestra de execrandos e escandalosos erros de Molinos.
342(224) 1723, 10 de Outubro. Catarina Amarela, solteira, de 42 anos, por fingir revelações e visões, presunção de pacto e trato com o diabo, proferir horrendíssimas e heréticas blasfémias contra Cristo, o Espírito Santo, a Santíssima Trindade e fazer desacatos às imagens sagradas.
343(225) 1724, 14 de Setembro. António Branco, caldeireiro, galego, de 21 anos, preso em Cascais por fazer um escrito do seu sangue ao diabo, em que se lhe entregava, e arrenegar da Santíssima Trindade e de todos os santos, com a condição de que o mesmo diabo o havia de livrar da prisão em que ele se achava e fazer-lhe quanto ele pedisse.
344(226) 1724, 30 de Outubro. João Baptista La Roca (aliás Rocaforte), piemontês, artilheiro, morador em Lisboa, por ter um livro manuscrito em que estavam várias notas, círculos e figuras que representavam os planetas, cujo uso dizia conducente a achar tesouros escondidos e riquezas, e por o comunicar a outras pessoas.
345(227) 1725, 6 de Dezembro. Antónia da Trindade, viúva, de 43 anos, por ter trato lascivo com o diabo, que lhe aparecia em figura e hábito de frade de certa religião, a quem adorava algumas vezes, esperando dele a vida perpétua; cuidando, contudo, que era verdadeiro religioso e não o adorando, como o fazia a Deus, e por usar de malefícios que lhe ensinava o mesmo diabo para certo fim.
346(228) 1727, 9 de Abril. Soror Antónia Máxima, freira professa no Convento de Santa Clara de Lisboa, de 39 anos, por ter feito pacto com o diabo para fins ilícitos, fazendo-lhe vários escritos, sendo um com o seu próprio sangue, apartando-se da fé e tendo crença no demónio, com quem teve actos venéreos por muitas vezes.
347(229) 1731, 21 de Junho. Padre José de Sousa Azevedo, clérigo do hábito de S. Pedro, exorcista, por se valer de coisas e palavras supersticiosas para os exorcismos e fazer vir o diabo à sua presença em figura de um cágado, tendo pacto com o mesmo.
348(230) 1735, 24 de Julho. Padre Manuel Pinto dos Reis, presbítero do hábito de S. Pedro, por afirmar que eram lícitas acções torpes e desonestas e que com elas se dava glória a Deus e tormento ao demónio, e por se fingir especialmente favorecido de Deus, e dizer que merecia as revelações e duvidar do poder do sumo pontífice e do valor das indulgências.
349(231) 1747, 24 de Setembro. Francisco Antónia, a beata de Óbidos, solteira, de 27 anos, por fingir visões, revelações, êxtases e outros favores sobrenaturais, e que tinha morrido e ressuscitado.12
350(232) 1750, 8 de Novembro. Andreza Esteves, solteira, de 20 anos, por fingir que em seu corpo falavam almas do outro mundo e que pela sua boca falava Nosso Senhor Jesus Cristo, a Virgem e outros santos, e por confessar, absolver e dar comunhões.
351(233) 1761, 20 de Setembro. 1. Fr. Bernardo de S. José, religioso de S. Francisco de Loures, grande sebastianista, por acreditar e espalhar falsas profecias e obras de algumas suas dirigidas, em que se continham erros contra a religião e destrutivos do sossego e ministério público. 2. Catarina Lopes, viúva, de 45 anos, por se fingir mulher de virtude, dizendo que a sua casa iam S. Francisco e Santo António e que falava com as almas do outro mundo e as tirava do purgatório. 3. Teresa Maria de Jesus, solteira, de 45 anos, por fingir que em seu corpo falava a alma do avô para que lhe restituísse umas fazendas que pertenciam a sua mãe. 4. Mariana Inácia de Jesus, a beata de Santa Isabel, solteira, de 56 anos, por se fingir vexada pelo demónio, pregando e predizendo futuros contingentes, e comparando a incerteza deles com a infalibilidade dos mistérios da religião. Fazia fundas para quebrados.
352(234) 1765, 27 de Outubro. Bernardo José de Loureiro, de 36 anos, por fazer curas supersticiosas e se inculcar homem de virtude. Este benzedor dizia que via a gente por dentro e pessoas muito graves de Lisboa creram nas suas virtudes.
Évora
353(235) 1542 (primeiro auto de fé celebrado em Évora de que há notícia). Luís Dias, cristão novo, sapateiro, de Setúbal, por se fazer Messias em Setúbal e em Lisboa, provando-se que com milagres e feitiços provocava muitos judeus a acreditarem que o era e a o adorarem e lhe beijarem a mão.
354(236) 1636, 27 de Julho. Manuel Fernandes, de 48 anos, por curar do mal de raivas com superstição e presunção de pacto com o diabo.
355(237) 1663, 23 de Junho. Maria Teixeira, a Carteira, viúva, de 35 anos, por usar de feitiços, fervedouros, invocar o diabo e presunção de pacto com ele.
356(238) 1690, 10 de Dezembro. Madalena Torres, solteira, de 27 anos, castelhana, moradora em Serpa, por se fingir saludadora e usar de fingimentos.
357(239) 1695, 9 de Outubro. João Luís, trabalhador, de 27 anos, por fazer curas com modos supersticiosos e se dizer saludador.
358(240) 1698, 16 de Março. Bento da Assunção, de 19 anos, por fingir que a Virgem o levara ao céu e ao inferno e várias revelações.
359(241) 1716, 26 de Janeiro. Francisco Mendes, pardo, de 27 anos, por feitiçaria e presunção de pacto com o diabo; punha o peito a descoberto sobre a ponta de uma espada nua, lançando-se sobre ela com força, sem se ferir, e fazia outras coisas supersticiosas para não ser ofendido com ferro nem balas.
360(242) 1625, 4 de Maio. 1. Branca Gonçalves, casada, de 70 anos, por adorar o diabo e ter pacto com ele, curando e adivinhando muitas coisas ocultas. 2. Margarida Gonçalves, solteira, de 27 anos, por adorar o diabo, o ter por seu Deus e ter ajuntamento carnal com ele.
Coimbra
361(243) 1625, 4 de Maio. 1. Domingos Fernandes, de 59 anos, por adorar o demónio e o ter por seu Deus, falando com ele muitas vezes e entrando por seu mandado num forno muito quente para cozer pão, descalço e sem chapéu, dizendo que era milagre; e por curar de muitos males com ervas e palavras que o demónio lhe ensinava. 2. Catarina Gonçalves, solteira, de 30 anos, por adorar o diabo e o ter por Deus, o qual lhe aparecia sempre em figura de estudante e tinha com ele ajuntamento carnal, e curava por sua ordem de muitas enfermidades e adivinhava as coisas ocultas. 3. Branca Gonçalves, casada, de 70 anos, por adorar o diabo e ter pacto com ele, curando e adivinhando muitas coisas ocultas. 4. Margarida Gonçalves, de 27 anos, por adorar o diabo e ter ajuntamento carnal com ele e o ter por seu Deus.
362(244) 1625, 23 de Maio. Padre Frei Rodrigo da Touguia, por solicitante na confissão com palavras e actos desonestos, e por fazer superstições com coisas sagradas e profanas para adivinhar e obrigar pessoas que quisessem bem a outras.
363(245) 1656, 18 de Junho. 1. André de Almeida, por culpas de feitiçaria e presunção de ter pacto com o demónio. 2. Antunes, viúva, por culpas de feitiçaria e presunção de ter pacto com o demónio. 3. Maria Gomes, viúva, pelas mesmas culpas.
364(246) 1689, 21 de Agosto. 1. Paulo Lourenço, por fazer curas, usando nelas de superstições e palavras da consagração, fazendo nelas cruzes e outras bênçãos; preso segunda vez pelas mesmas culpas e presunção de ter pacto com o demónio e não cumprir o degredo a que fora condenado. 2. Maria Simões, casada, por bruxa e feiticeira, e presunção de ter pacto com o demónio. 3. Ana Martins, viúva, por culpas de feitiçaria e ter pacto com o demónio.
365(247) 1696, 25 de Novembro. 1. Catarina Mainate de Faria, solteira, escrava, por culpas de feitiçaria e presunção de ter pacto com o demónio. 2. Maria de Gouveia, viúva, por usar de acções vãs e supersticiosas e presunção de ter pacto com o demónio. 3. Maria Freire da Fonseca, viúva, por culpas de feitiçaria, adivinhar futuros e presunção de ter pacto com o demónio.
366(248) 1708, 18 de Novembro. Manuel Rodrigues, preto forro, por usar de bolsa para não ser ferido e presunção de ter pacto com o demónio.
367Como se vê, abundam os casos de pacto com o diabo, a que, em regra, os inquisidores sabiam reduzir a maior parte das variedades de casos do domínio do sobrenatural. As feiticeiras, por um princípio bem conhecido, são em muito maior número que os feiticeiros.13 Encontrámos feiticeiras portuguesas tendo desde 14 anos de idade (um caso no auto da inquisição de Lisboa, em 27 de Março de 1732, Luísa Maria, criada de servir) até mais de 80, solteiras, casadas e viúvas. Os casos mais graves de amores com o diabo dão-se, em regra, com as solteiras ou viúvas. O número dos feiticeiros ou feiticeiras relaxados à justiça secular, isto é, condenados à fogueira, não foi entre nós muito considerável; eles não tinham, em geral, a exaltação que caracteriza tantas feiticeiras célebres de outros países; eram geralmente assaz prosaicas criaturas que faziam profissão de benzedeiras, e que a tortura obrigava à confissão de pactos, aparições demoníacas em que grande parte delas talvez não acreditavam.
368c) O pouco interesse que entre nós há pelos estudos históricos, a grande falta de trabalhadores que explorem as fontes, explicam-nos como se tenha até hoje dado muito pouco a conhecer de uma matéria tão interessante como a dos processos inquisitoriais e, particularmente, dos de que nos ocupamos.
369Só chegaram ao nosso conhecimento as seguintes publicações relativas a esse assunto:
370Curta-Notícia Romantizada do Processo de Luís de La Penha, por J. H. da Cunha Rivara, no Panorama, 1840, p. 12 ss.
371Notícia dos Autos Celebrados pela Inquisição de Lisboa, Évora, Coimbra e Goa, em História de Portugal, por José Lourenço Domingues de Mendonça, tom. ix, cap. iv, pp. 256-347, Lisboa, 8.°
372Sentença de Maria Antónia, do Lugar do Seixo, Comarca da Feira, por Culpas de Feitiçaria, 1683, ibidem, p. 526 ss.
373Sentença Proferida contra Ana Martins, pela Inquisição de Lisboa, em 16 de Maio de 1694. Do ms., fl. n.° 560, da biblioteca da universidade de Coimbra, publicado por J. C. Aires de Campos no Instituto, tom. ix, p. 379 ss., Coimbra, 1861.
374Sentença de Francisco Barbosa, de Alcunha o Tio de Massarelos, Relaxado por Feiticeiro em Lisboa. Saiu no auto de 24 de Julho de 1735, de idade de 35 anos. Do ms. n.° 151, da biblioteca da universidade, publicado pelo mesmo no mesmo jornal, tom. x, pp. 130-131, Coimbra, 1862.
375As Superstições Populares Num Processo da Inquisição. Contribuições para uma mitologia popular portuguesa, vi, por Z. Consiglieri Pedroso, no Positivismo, tom. iii, pp. 184-206, Porto, 1881, 8.°; impresso também em separado. Compreende o libelo de Luiz de La Penha e diversas fórmulas de que fazia uso este feiticeiro.
376O corpo principal de que nos resta dos documentos inquisitoriais acha-se depositado no Arquivo Nacional (Torre do Tombo).14 É uma massa enorme de documentos cujo exame, mesmo parcial, demanda um trabalho assíduo que outros trabalhos não nos permitem fazer. O nosso conhecimento dos processos inquisitoriais de feitiçaria, por enquanto, limita-se ao que se lê nos escritos mencionados15 e no manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, intitulado: Colecção das mais Célebres Sentenças das Inquisições de Lisboa, Évora, Coimbra e Goa; Algumas Delas Originais e Outras Curiosamente Anotadas de Mui Interessantes e Singulares Notícias, por António Joaquim Moreira, Lisboa, 1863, 2 vols., fls. 439-397 (B-16-11, 12).
377A essa colecção referem-se os nossos extractos que levam no fim a indicação de Sentenças.16
Sentenças de Luiz de la Penha17
378(249) Acordam os inquisidores, ordinário e deputados da Santa Inquisição, que vistos estes autos, culpas e confissões de Luiz de la Penha, que tem parte de mourisco, natural e morador nesta cidade de Évora, réu preso, que presente está; porque se mostra, que sendo cristão baptizado, obrigado a ter e a crer o que tem e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, ele o fez pelo contrário, e se prova que de doze anos a esta parte curava por arte do demónio, e benzia os enfermos dizendo orações e palavras em voz baixa, e de modo que se não podiam ouvir;
379(250) E tinha um livro de quiromancia pelo qual, vendo a mão a muitas pessoas, dizia e adivinhava coisas que estavam por vir, e não podiam ser sabidas senão por a mesma arte do demónio, como foram as mortes de algumas pessoas, e perigos que a outros haviam de acontecer, e outras coisas que sucederam tão longe desta cidade, que naturalmente as não podia saber no tempo que as dizia.
380(251) E tinha muitos papéis escritos de sua letra, nos quais se continham invocações do demónio, sortes para adivinhar, caracteres incógnitos, e muitas devações supersticiais, e coisas tocantes à danada arte de magia e feitiçaria.
381(252) E tinha mais muitas cartas de tocar, as quais dizia que se haviam de meter debaixo da pedra de ara, e sobre elas mandar dizer missas, e no tempo que se diziam, saindo-se ao campo haviam de invocar a Satanás e Barrabás; dizendo mais, que lhe haviam de dar seu sangue jurando-o três vezes; e juntamente com os nomes do demónio invocar os nomes de Deus Nosso Senhor e da Virgem Nossa Senhora, das quais ele usou e as deu a muitas pessoas.
382(253) E fez muitas vezes as sortes das favas, da tesoura, da peneira e do pão, com invocações e palavras supersticiosas, para saber e adivinhar o que queria, e lhe perguntavam.
383(254) E sendo ensinado por certa pessoa, fez por muitas vezes uma devação para invocar o demónio, e em uma noite, estando-a fazendo, lhe apareceu uma visão negra em figura de mulher, que o assombrou, e ele caiu em terra sem lhe falar coisa alguma; e na noite seguinte, estando deitado na sua cama, ouviu uma voz sem ver cuja era, que lhe disse o seguinte: – Eu sou o espírito que te apareceu, e te digo que se quiseres adivinhar tudo o que te perguntarem, hás-de deitar três pedras em meu nome em um poço, e quando elas saírem dele, e as tornares a ver na tua mão, então não adivinharás. Dizendo-lhe mais, que se ele não deitasse as pedras no poço, o havia de atormentar, pois fizera a dita devação. E que dissesse sempre, que adivinhava por ordem de Deus; e não dele diabo que isto lhe dizia; e que o não confessasse aos confessores, porque o não absolveriam. E ele deitou as pedras no poço, em sinal do pacto, e concerto que com o diabo fez, no qual o demónio lhe prometeu que lhe faria tudo o que ele lhe pedisse, assim de adivinhar as coisas futuras, como as que tinham acontecido longe, de que se não pudesse ainda saber.
384(255) E faria vir pessoas de longe em breve espaço de tempo. E que o faria grande profeta, e andaria todo o mundo após ele; e que creriam que o que dissesse e fizesse era em virtude divina; e que ele demónio se chamava Asmodeus. E ele réu lhe prometeu que o veneraria daí por diante. E o demónio lhe disse mais, que quando quisesse saber algumas coisas nas noites das terças e quartas-feiras, se deitasse na cama de bruços, com as mãos e pés em cruz, e estando assim chamasse ao demónio que lhe tinha aparecido na figura de mulher, e que ele apareceria e revelaria tudo o que quisesse saber.
385(256) E que quando ele réu queria saber algumas coisas que se não podiam alcançar por meios humanos, se punha na dita forma de bruços, e os braços em cruz, e invocava o demónio, dizendo: – Eu te conjuro da parte de Barrabás, Satanás, Caifás e Lúcifer, que tu que me apareceste em figura de mulher negra, me apareças aqui e digas o que te quero perguntar. E feita esta invocação, se tinha candeia, lhe aparecia uma figura, algumas vezes de mulher formosa e outras de anjo; e, se estava às escuras, não via a figura, e lhe dizia à orelha o que lhe perguntava, e queria saber, como eram as doenças que algumas pessoas tinham se eram causadas de feitiços ou não; e aonde estavam os feitiços, e como os curaria. E por esta via do demónio adivinhava o que queria, dizendo sempre que sabia as tais coisas por ordem de Deus.
386(257) E que por outra vez lhe apareceu o mesmo demónio, e lhe dissera, que se queria que por amor dele fizesse o que lhe tinha prometido, ele se havia de sair meia légua fora desta cidade; e se havia de ferir em uma parte de seu corpo e derramar algum sangue, lançando-o em uma cova na terra, e oferecer-lho a ele demónio, e seria em sinal de pacto e familiaridade, que ficaria entre ambos, pelo qual o demónio seria obrigado a fazer o que ele réu quisesse. E que arrenegasse da Fé de Cristo Nosso Senhor, e se apartasse dela e renunciasse o baptismo, e não cresse nos mistérios da missa, e que cresse nele demónio, e o venerasse como a Deus, pondo-se de joelhos diante dele. E que, persuadido ele réu do que o demónio lhe disse e prometeu, se saiu para certo lugar fora desta cidade, aonde o demónio lhe apareceu em figura de anjo resplandecente, e em sua presença, com uma faca, se feriu no dedo mínimo da mão esquerda, e tirou sangue, e o enterrou em uma cova, em sinal do dito pacto; e se pôs de joelhos diante do demónio, e disse que arrenegava de nossa Santa Fé Católica, e renunciava a água do baptismo que tinha recebido, e os mistérios da missa, e que cria nele demónio, e o tinha, e venerava como a Deus; e em seu coração se apartou de nossa Santa Fé Católica, e ficou logo crendo no demónio, adorando-o, e venerando-o como a Deus; e renunciou a água do baptismo e mistérios da missa; e se apartou de nossa Santa Fé Católica, crendo que o demónio lhe podia fazer tudo o que quisesse. E por sua honra e veneração queimou alecrim, incenso e outros perfumes. E em virtude dos ditos pactos, que com o demónio fez, o invocou muitas vezes, e ele lhe apareceu, e dizia as coisas que pretendia saber, e adivinhar. E teve com ele familiaridade, e pacto expresso por muito tempo. E deixava de ir às igrejas por comprazer ao demónio, e cumprir o que lhe tinha prometido; e também por estar apartado da Fé de Cristo Nosso Senhor. E não confessava estes erros a seus confessores, por o demónio lhe dizer que os não confessasse: a qual crença, e erros lhe duraram até fazer sua confissão na Mesa do Santo Ofício.
387Esta sentença foi publicada no Auto da Fé em 19 de Maio de 1619, em Évora, onde o reú abjurou em forma. – Sentenças I, 195-196 v.
388A segunda sentença repete as acusações da primeira.
389(258) E porque depois de passar o sobredito foi o réu denunciado na Mesa do Santo Ofício por testemunhas legais, que esquecido de sua obrigação, e do que tinha prometido com juramento, tornara a reincidir nas mesmas culpas de se tornar a sujeitar ao demónio seu familiar, que dizia chamar-se Asmodeus, invocando-o, e conjurando-o com palavras que lhe dizia, usando de caracteres e círculos em que se deitava de bruços estendido em cruz, dizendo que lhe dava parte do seu sangue, oferecendo-lhe pessoas para fazerem pacto com ele, e virgindades de moças donzelas para actos torpes; e o dito familiar aparecia a ele réu em vultos extraordinários de homens, mulheres, cobras e outras figuras, as quais também viam algumas pessoas que o acompanhavam.
390(259) E assim mais usava de sortes, e fervedouros, para adivinhar coisas ocultas, que naturalmente se não podiam saber; e fazer vir pessoas de lugares remotos para se efectuarem casamentos que se pretendiam, e para outros efeitos. Pelas quais culpas foi preso segunda vez nos cárceres do Santo Ofício, e pedindo na Mesa desse audiência, confessou que invocara por muitas vezes o dito Asmodeus, e outros demónios, para efeito de curar enfermidades e tirar feitiços de pessoas que dizia estavam enfeitiçadas, e de achar tesouros, dizendo que o fazia por virtude divina e ciência infusa que tinha.
391Publicada na Auto da Fé em Évora em 29 de Novembro de 1626. – Sentenças I, 198.
Sentença de Maria Antónia18
392(260) Acordam os inquisidores, ordinário e deputados da Santa Inquisição, que vistos estes Autos, culpas e confissões de Maria Antónia, cristã velha, mulher que nunca casou, filha de Gonçalo Pires, lavrador, e de Isabel Antónia, do lugar de Fr..., bispado do Porto, ré presa, que presente está, pelo que se mostrou, que sendo cristã baptizada e obrigada como tal a crer e ter tudo que tem e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, e abominar e execrar o diabo, como espírito de maldade, ela o fez pelo contrário, e de nove anos a esta parte andou apartada da nossa Santa Fé Católica, tendo pacto com o diabo, o qual a primeira vez lhe apareceu de dia em casa de certa pessoa, em forma humana de homem pequeno, e lhe disse que se ela quisesse crer nele e adorá-lo por Deus, lhe faria muitos bens e tudo lhe sobejaria; e que não havia crer em Cristo Nosso Senhor, porque só ele era Deus e a poderia salvar; e a ré com instinto diabólico, esquecida do temor de Deus e de sua salvação, aceitou as ditas condições, apartando-se da Nossa Santa Fé Católica, adorando o diabo, e crendo que só ele tinha poderes divinos para com eles a salvar.
393(261) E em sinal deste diabólico pacto lhe deu o braço direito, persuadindo-a sempre que o adorasse por Deus; e assim o fazia, e como tal o consultava, quando queria adivinhar alguma coisa, chamando por ele, e logo lhe aparecia em figura de gato preto, se era de dia; e quando era de noite, na figura humana de homem pequeno, e lhe dizia o que queria saber, ensinando-lhe remédios para algumas obrigarem a outros que lhes quisessem bem, e para desligar as que fossem ligadas, e para outros efeitos fazia algumas superstições.
394(262) E levada do mesmo espírito diabólico, se saiu da dita casa, onde lhe apareceu a primeira vez, e chegando a sua casa, por mandado do mesmo demónio se lançou com ele na cama, e aí teve com ele ajuntamento carnal, e este diabólico e torpe acto fazia outras muitas vezes com o mesmo demónio; e assim mais saía a ré com o demónio no hábito, em que sempre lhe aparecia, a certo lugar junto a um rio, onde estavam algumas mulheres conhecidas da ré em companhia de muitos demónios; e depois de todos se banharem por ordem do diabo, se saiu cada uma com seu demónio, e com ela tinha ajuntamento carnal com circunstâncias lascivas e abomináveis, no fim das quais se tornava a ré para sua casa sempre em companhia do diabo, o qual por algumas vezes a levou a certos lugares, onde a ré entrava sem ser vista, nem sentida das pessoas que nela estavam, e aí fazia, com grande dano da sua alma, os males que o demónio lhe ordenava.
395(263) Em todo o dito tempo que a ré teve estes tratos, respostas e aparecimentos do demónio, e o adorou por seu Deus, não cria em Cristo Nosso Senhor, nem nos Sacramentos da Santa Madre Igreja, e somente os tomava, e fazia os mais actos de cristã, por cumprimento do mundo; e não confessava estes erros a seu confessor, por não ter por pecado adorar ao diabo, antes tinha para si que ele a havia de salvar e fazer os bens que lhe prometera, perseverando na crença dos mesmos erros, até fazer sua confissão na Mesa do Santo Ofício. – Sentenças I, 228.
Sentença de Catarina Jorge19
396(264) Acordam os inquisidores, ordinário e deputados da Santa Inquisição, que vistos estes autos, culpas e confissões de Catarina Jorge, x. v., mulher que nunca casou, filha de Jorge Pires, lavrador, e de Catarina Jorge, natural e moradora no lugar de Almalaguez, deste bispado, ré presa que presente está; porque se mostra, que sendo cristã baptizada, e como tal obrigada a ter, e crer tudo o que tem, crê e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, e abominar e execrar o diabo, como espírito de maldade, ela o fez pelo contrário, e com instinto diabólico, esquecida do temor de Deus, e da sua salvação, dizia que por arte do demónio sabia fazer quanto queria, como quem cria que tinha ele poderes divinos para com eles obrar no que lhe consultava. E que tanto era assim, que havia dado ao mesmo demónio tudo quanto tinha.
397(265) E que por ordem sua ia por muitas vezes a certas encruzilhadas que nomeava, aonde em companhia dos diabos semeava certos selamins de trigo, e que quando era miúdo lho enjeitavam os diabos, e lho não queriam apanhar, e que quando o trigo era grado, na mesma noite em que o semeava o tornava a recolher.
398(266) E que o demónio lhe dizia o que ela ré queria saber, ensinando-lhe remédios para algumas pessoas obrigarem a outras que lhe quisessem bem, e para desligar os que fossem ligados. E que para outros efeitos fazia algumas superstições, e que oferecia ao demónio sete espécies de cheiros, para com isso o diabo lhe fazer o que ela ré pretendia alcançar, e que com todos os cheiros se houvera bem o demónio, e que só quando o incensara com âmbar, o conhecera o demónio e o enjeitara por não ser fino.
399(267) E levada do mesmo espírito diabólico pediu a muitas pessoas, que a consultavam, cinco meios tostões, cinco vinténs, cinco reais, cinco selamins de trigo, e cinco candeias que não fossem bentas, para as oferecer ao demónio, dizendo que de menina aprendera a ser feiticeira, e que depois que tratava com o diabo perdera as cores...
400(268) A verdade era que o demónio lhe tinha falado à orelha por muitas vezes, e que a primeira fora estando ela ré em certa parte aonde lhe dissera o demónio em voz humana, que fosse ter com certa pessoa, que a tinha consultado por feiticeira, e que lhe pedisse cinco tostões, cinco selamins de trigo, cinco candeias e três reais, e como ela ré trouxesse estas coisas lhe ensinaria o que havia de fazer com elas, e que daí a três dias as foi ela ré buscar, e entregando-lhas a dita pessoa, o demónio lhe tornou a falar à orelha com voz humana, e lhe disse comesse o dinheiro que lhe deram, e tornasse a pedir mais coisas, como em efeito pediu por ordem do mesmo demónio a outras muitas pessoas que a consultavam por feiticeira.
401(269) E assim confessou mais na mesa do Santo Ofício que o demónio lhe tinha falado todos os dias nos cárceres da Inquisição, dizendo-lhe sempre à orelha com voz humana que não confessasse suas culpas, porque os inquisidores a haviam de castigar muito rigorosamente, persuadindo-a o demónio que se afogasse ela ré, e para isso lhe pusera sobre o pescoço um ourelo, cobrindo-a toda de uma sombra espessa.
402A ré negou depois tudo dizendo: «que usava de feitiços fingidos e simuladas superstições a fim de enganar as pessoas com quem tratava, para que a tivessem por bruxa e feiticeira, e a esta conta lhe dessem dinheiro e outras coisas». – Sentenças I, 263.
Sentença de Francisco Barbosa (extractos)20
403(270) Jactava-se de feiticeiro, prometendo que no mesmo instante faria aparecer na presença de certas pessoas, outras que assistiam em terras mais remotas, e para este efeito e outros fins tomava medidas ao corpo de certas pessoas com uma linha, que depois mandava queimar.
404(271) E para saber se outra certa pessoa que assistia fora do reino viria para sua casa brevemente, lançava sortes com certas cerimónias, e, levantando as mãos para o céu, dizia: «que... certa pessoa haveria cartas», inculcando que sabia o que continham algumas sem as ler.
405(272) Também se gabava que sabia fazer encantos e desfazer feitiços, obrigando a vir à sua presença a pessoa que os tinha feito, ainda que estivesse dormindo, sem usar para este fim do favor do demónio, mas sim de suas artes que aprendera com certas pessoas.
406(273) E para cortar feitiços usava de tomar as ditas medidas, bênçãos e palavras, e dava parte das medidas para se queimarem, e a outra parte entregava à pessoa enferma para a trazer ao pescoço, e lhe mandava tomar banhos de maceira, compostos de três castas de ervas diferentes, e que tudo se lançasse em uma panela e depois em um rio corrente sem olhar para trás.
407(274) E para degradar sombras, depois de várias cruzes e lançar água benta por toda a casa, dizia as palavras seguintes: «eu te requeiro da parte de S. Pedro, e de S. Paulo, e de todos os Santos que me acompanhes para qualquer parte que eu for».
408(275) Prometia também descobrir tesouros e muitas léguas de minas, para o que se servia de um livro, que tinha, e convidou muitas pessoas de ambos os sexos, assegurando-lhes «que dentro de um mineral achariam doze mouros muito bem adereçados com seus espadins nas mãos, e outras tantas mouras muito bem adereçadas com muitas peças de ouro e diamantes, o que tudo se havia de repartir entre ele R. e as ditas pessoas» que o acompanhavam, e que, despojados os ditos mouros e mouras, cairiam logo por terra e se reduziriam a cinza, e entrariam novamente a repartir entre si copiosíssimos tesouros, que ali se achavam.
409(276) Confessou que, de certo tempo a esta parte, sendo procurado para descobrir onde havia tesouros e minas, ajustou com certas pessoas de um e outro sexo o entrarem nessa empresa, e, para melhor introduzir o seu engano mandava, aos homens, que haviam de ir em sua companhia, que por certo número de vezes beijassem as espadas, e as pusessem nuas no chão, e às mulheres media por várias partes de seu corpo, recomendando-Ihes muito que levassem as tais medidas consigo, porque nas partes em que estavam as minas, lhes havia de repetir e tomar-lhes medidas com as mesmas. E perguntando-lhe uma das ditas pessoas «se haviam de levar sacos para conduzirem os tesouros», o R. lhe respondeu : «que no sítio das minas havia grande provimento deles». E, fazendo todos a jornada, tanto que chegaram perto do sítio em que dizia estarem os tesouros, se retirou ele R. sem dizer coisa alguma aos companheiros. E costumavam também «cortar o ar», usando de medidas, cruzes, signos-saimões, e palavras em nome da SS. Trindade; e a vários enfermos aplicava lavatórios de certas ervas, recomendando-lhes muito que depois se lavassem em um rio corrente com a mão direita e voltassem sobre a esquerda.
410(277) Para cortar sombras se valia de cinza peneirada, que lançava pelo ar, dizendo: «eu te degrado, sombra, pela graça de Deus, e de S. Pedro e de S. Paulo».
411(278) E, sendo perguntado pelo estado de certas pessoas, que assistiam em terras remotas, respondia que não só estavam vivas mas ricas, para o que industriosamente se valia de umas sortes de papel para confirmar os seus enganos.
412(279) E, para curar os feitiços, disse à dita pessoa «que era necessário por espaço de nove dias meter os pés em água quente, estando ele presente»; e com efeito para o dito lavatório preparou ele um alguidar com água quente, na qual lançou cinco mãos cheias de cinza do forno, cada uma em forma de cruz, e logo mandou à dita pessoa que metesse os pés no dito alguidar, o que ela fez, e ele R. lhe formou três cruzes em cada perna, uma nas coxas e duas do joelho para baixo, e depois molhando a mão na água corria com ela as pernas da dita pessoa pela parte de fora; e o mesmo lhe fez nos braços, e esta primeira água mandou o R. deitar em um pote, e que à noite fossem lançar a água e o pote em uma encruzilhada, e quem fosse lançá-lo não olhasse para trás, e depois de o lançar voltasse sobre a parte esquerda e deste modo continuou por nove dias sucessivos, em um dos quais mandou lançar a água em certo lugar, e a pessoa que a lançasse havia de dizer ao mesmo tempo: «eu te degrado em louvor de S. Pedro e S. Paulo».
413(280) A outras pessoas dizia ele R. «que os feitiços que tinham haviam de passar para outras», e que, se cravasse uma faca no chão, logo apareceria a pessoa que lhos tinha feito, e não poderia apartar-se daquele lugar sem que ele R. desencravasse a dita faca.
414(281) E às mesmas pessoas que curava dizia: «que as medidas que tomava também serviam para tocar com elas as pessoas com quem quisessem casar, e o conseguiriam, porque deste modo tinha feito muitos casamentos» ; e a algumas pessoas enfermas dizia os dias e as noites que haviam de passar bem e mal, e assim sucedia. E a certa pessoa, que lhe deu conta de uma moléstia que padecia, entregou um lenço, para que o mandasse lavar por certa pessoa e logo se acharia bem, e assim o experimentou.
415(282) E a outras pessoas fazia acções torpíssimas, dizendo que eram boas para que não entrassem os feitiços, e mandava às mesmas pessoas que, quando ele dissesse «torto», lhe respondessem «males fora, sombras e feitiços», e ele R. dizia: «para que não entrem males e feitiços, nem sejas vexada por feiticeiros e feiticeiras», com outros factos e acções semelhantes.
416(283) Curava de feitiços com lavatórios de cozimento de erva molarinha, com ervas de S. João, sem observar dias nem horas, debaixo do sangradouro do braço direito para baixo, por ele ou por outra qualquer pessoa.
Sentença de Ana Martins (extractos)
417(284) Lê-se que Ana Martins, não tendo ciência alguma, não sabendo ler nem escrever, curava de várias enfermidades e para esse fim a procuravam muitas pessoas ou a mandavam consultar a respeito dos achaques que padeciam, e lançava os espíritos malignos fora dos corpos de algumas pessoas, que estavam endemoninhadas, desfazia feitiços, desligava as pessoas que estavam ligadas, descobria os furtos, declarando quem os havia feito. E, para efeito de fazer as ditas coisas e obrar todo o referido, não aplicava remédios naturais e proporcionados para o fim que pretendia, mas somente curava de palavras que dizia, e bênçãos, que lançava sobre as pessoas enfermas, e estando estas distantes, obrava o mesmo, benzendo os vestidos ou qualquer outra coisa, que das ditas pessoas lhe traziam.
418(285) E algumas vezes usava de chumbo derretido que lançava em água, e o punha sobre a cabeça da pessoa, que curava, o qual no tempo em que se estava derretendo, sucedia muitas vezes dar estoiros que causavam espanto e temor a quem os ouvia, e, depois de estar frio, ficava em diferentes formas, umas vezes de coração e outras de rede.
419(286) E no tempo em que benzia as ditas pessoas enfermas, andava com as contas em círculo da cabeça das mesmas pessoas, dizendo: «que pelo poder de Deus e do que tinha de S. Pedro e S. Paulo e de todos os santos, as livrasse daqueles males, e que ela os degradava para as ilhas do enxofre e para o mar coalhado por tantos anos quantos são os grãos que há em um alqueire de milho painço, porque ela R. era a benzedeira, a senhora e a curandeira» e algumas vezes acrescentava, «que degradava o ar da figueira, o ar do soar e de desoar da porta, o ar da galinha choca, o ar do cisco da casa».
420(287) A R., depois de ter abjurado no auto público de fé em Coimbra a 21 de Agosto de 1879, reincidiu e confessou : «que logo que saíra do Santo Ofício fora procurada de várias pessoas, assim eclesiásticas como seculares, para as curas de suas enfermidades, e ela se resolveu a fazê-lo, benzendo como dantes costumava, aplicando-lhes por maior segurança a dita reza dos feitiços, por servir esta para toda a doença, e tanto que lhe falavam individualmente naquela, que padeciam, sentia ela em si o mesmo achaque, e por isso continuara a reza em ordem ao mesmo mal, não conseguindo algumas mestras, que primeiro se benziam a si por se livrarem do achaque do que benzessem, porque o mal sempre havia de vir à pessoa que benzia, para o enfermo ficar livre dele, usando também da reza do Anjo Custódio por ser muito eficaz para lançar fora todos os achaques, espíritos malignos, que ela lançava dos corpos obsessos, e dizia na forma seguinte:
Custódio queres ser solto?
421Ele respondia:
Em graça de Deus, quero.
Dize-me um, que só Deus, ámen;
Dize-me dois, que são as tabuinhas de Moisés;
Dize-me três, os três são os três patriarcas de Jacob;
Dize-me quatro, que são os quatro evangelistas, Lucas, Marcos e Mateus (ainda que sejam quatro não se nomeiam mais de três);
Dize-me cinco, que são as cinco chagas de N. S. J. Cristo;
Dize-me seis, que são os seis círios bentos
Que a virgem acendeu
Quando o seu bento filho nasceu;
Dize-me sete, são os sete goivos, que goivaram a Virgem Maria;
Dize-me oito, que são os oito corpos dos santos ou os oito corpos cristãos que estão em Massarelos;
Dize-me nove, que são os nove anjos;
Dize-me dez, que são os dez mandamentos;
Dize-me onze, que são as onze mil virgens!
Dize-me doze, que são os doze apóstolos ;
Dize-me treze
Que são as treze varinhas do sol,
Que arrebatam ao diabo
Do pequeno até ao maior
e que, repetindo três vezes esta oração, saíam os espíritos das pessoas que os tinham, sem demora alguma, porque haviam de sair ou arrebentar; da qual oração ela usava sempre com bom sucesso, não só para este efeito, mas também para curar todo o achaque, fazendo ela R. todas as curas, bênçãos e rezas, sem aplicar remédios naturais, por fazer tudo com boa intenção e não por obra, nem ordem do demónio, com o qual não tinha pacto algum, nem nunca se apartara da fé de Cristo S. N., e o haver dito o contrário em sua primeira confissão foi por certa razão que declarou, a qual não era relevante.
422(288) Disse que tudo o que tinha obrado era em virtude do nome de Jesus, e que o mesmo Senhor lhe havia aparecido muitas vezes, ainda estando ela presa nos cárceres do Santo Ofício, em figura de meirinho, com uma opa branca prateada mui luzente, e ele mui formoso. E também declarou que, antes de ser presa no Santo Ofício, se lhe abriram as portas de três capelas de N. Senhora, como era a da Livração, da Graça, e das Costas, e que isto sucedera indo ela em romaria, e, achando-se a porta fechada e andando ao redor, ouviu dentro música mui suave tangendo viola e rebeca, e ficando assustada, tornando a dar volta, achara uma porta travessa aberta, e, entrando dentro, viu uns mancebos mui gentis homens que estavam cantando e tangendo, e, perguntando-lhe estes se a «divertiam na sua reza», respondeu ela que «não», e foram continuando; e, saindo ela para sua casa, os ditos mancebos a acompanharam até chegar a ela, e desapareceram. E, indo à Senhora da Livração, por achar as portas fechadas ficara mui sentida, e logo ouvia que a Senhora lhe dizia «mete a mão por essa grade», e fazendo-o assim, achara a chave, e abrindo a porta, fazendo a sua oração e acabando-a, ela fechara a porta e pusera a chave onde a tinha tirado; e indo também à Senhora da Graça em companhia de certa pessoa, achando também a porta fechada e desejando entrar, a mesma Senhora pegara no ferrolho da porta e logo se abrira, e entrando fizera a sua oração, e reparando a dita certa pessoa não cuidassem iam elas roubar a capela, ou davam ocasião, lhe dissera ela R. não tivesse receio, e, saindo para fora da capela, tornara ela a ferrolhar a porta, ficando esta de todo fechada de sorte que se não podia abrir.
423(289) Curando, finalmente, a certa pessoa, que padecia um grande achaque, a que os médicos não davam remédio, e recorrendo esta a ela R., a começara a benzer com um ramo de sabugueiro, e logo com dois e depois com três, repetindo juntamente algumas rezas, e que logo a tal pessoa se achou melhor, a qual cura não permitiu continuasse a R. por lhe sobrevir algum escrúpulo.
424A inquisição julgou a ré relapsa no pacto com o diabo, apesar dela o não confessar da segunda vez, e isto porque a R. confessou não ter a cura com o chumbo produzido efeito numa pessoa que disse renunciava ao pacto que houvesse em tal cura; «o que mais se confirmava porque, tendo ela R. confessado que, fazendo pacto com o demónio, em sinal de amizade lhe dera ‘dois dedos da mão esquerda’, os quais se viram ‘aleijados e hirtos’ em todo o tempo em que da primeira vez esteve presa, agora se lhe viam são os tais dois dedos, e dois da mão direita ‘aleijados e hirtos’ como tinha os da mão esquerda».
425Como a ré não confessava o pacto foi «convencida no ‘segundo lapso do crime de feitiçaria, e por convicta, relapsa, revogante e impenitente’ relaxada à justiça secular».21
426Passamos a dar extractos separados relativos a aparições de Deus ou do diabo, ao pacto, à cura de várias doenças, etc.
Aparição do Senhor
427(290) As quais palavras e cerimónias, feitas na sobredita forma, confessou a R. que produziam os efeitos que pretendia, curando todos os doentes das enfermidades que padeciam, e a buscavam com o fim de lhes dar remédios, afirmando que as ditas palavras e cerimónias, com que fazia as curas, alcançara por revelação que tivera do Senhor, o qual lhe apareceu em sonhos na figura de um menino muito formoso, e lhe dissera que curasse com as suas palavras que, como eram eficazes, lhe ficaram logo na memória: e pelas curas que fazia, era ela R. buscada por último remédio, quando as outras mestras não podiam curar as feridas e enfermidades, e que, como as ditas palavras eram do Senhor, nunca fez reparo em as proferir diante de quaisquer pessoas, o que assim constou na mesa do Santo Ofício, declarando também que se o tal modo de curar fosse obrado por outrém, se não seguiria efeito algum, porque ela R. era somente a que tinha aquela estrela. E sempre negou ter feito pacto com o demónio, antes afirmava que tudo tinha por revelação do nome de Jesus e que as ditas revelações lhe duraram por espaço de certo tempo, que declarou na mesa do Santo Ofício, dizendo que foram tão contínuas que se chegara a enfadar e a pelejar com ele, dizendo: «Vós, santo nome de Jesus, tudo quereis para nós.» Porque a inquietava e não a deixava dormir, por cuja causa andava naquele tempo muito magra, declarando outrossim que a última revelação que tivera fora em uma noite estando já na cama, aparecendo-lhe ao pé dela em figura de um menino muito formoso com uma capa branca e carmesim como prata, entre muitas velas e tochas, que lhe assegurava, a havia de livrar de tudo o que lhe podia sobrevir, e que, se por algum tempo consentisse ser ela maltratada, seria por provar sua paciência e amizade. – Sentença de Ana Martins.
Pacto. Aparição do diabo
428(291) Como resultasse de tão extraordinário modo de curar e da vida e costumes da R. veemente presunção dela ter feito pacto com o demónio, veio o promotor fiscal do Santo Ofício, com libelo criminal acusatório contra ela, que lhe foi recebido, a que a R. não veio com defesa; mas depois de feitas as diligências necessárias pediu audiência e nela disse e confessou que, por ocasião de se inclinar a fazer bem e curar todas as enfermidades, lançando também dos corpos humanos espíritos malignos, e dizendo que os degradava e haviam de sair com Barrabás, começou em muitas noites a ter algumas visões, não mui distintas, que a inquietavam, até que no tempo que declarou na mesa do Santo Ofício, lhe apareceu um mancebo bem afigurado e lhe disse que ele era Barrabás, com quem ela mandava os espíritos, e que se quisesse conseguir tudo o que pretendia lhe desse dois dedos em sinal de amizade, porque de outra sorte nada havia de obrar com bom sucesso nas curas que fizesse; e como antecedentemente a trouxessem inquieta e perturbada e ela R. tivesse desejo de fazer bem, consentiu em que o demónio lhe pediu e, com efeito, em sinal de amizade e veneração do mesmo, disse que lhe dava, o que, com efeito, deu dois dedos da mão esquerda, que desde então lhe começaram a secar, e que, por conselho do mesmo demónio, se apartou da fé de Cristo Senhor Nosso, tendo crença no mesmo demónio, venerando-o como a Deus em tudo poderoso; e que em virtude do dito pacto e convenção tiveram efeito todas as curas que fazia, sem para elas aplicar remédio natural, e que dali por diante lhe aparecera o demónio muitas vezes: umas, como menino muito formoso; outras, como o mancebo sempre bem trajado e gentil homem; e uma vez lhe apareceu a cavalo com vestidos e arreios mui lustrosos e de várias cores, declarando que todas as visões que tivera e confessara na mesa do Santo Ofício, foram ilusões do mesmo demónio que, naquelas formas e figuras, lhe aparecia, animando-a a que se não apartasse da sua amizade, e declarara muitas coisas antes que as soubesse por meios naturais.
429Confessando outrossim a R. que naquele tempo não cria no mistério da Santíssima Trindade, nem em Cristo Nosso Senhor, tendo somente por Deus ao demónio, nem cria nos Sacramentos da Santa Madre Igreja, e os recebia e fazia as obras de cristã, algumas vezes por cumprimento do mundo, nem tinha seus erros por pecado, porque tudo o que pedia ao demónio era para bem-fazer, sem embargo de que, entendia que valendo-se dele para o mal, também o conseguiria. – Sentença de Ana Martins.
430(292) Antes de principiar suas curas e embustes tivera repetidos sonhos, em que se lhe representava o descobrimento das ditas minas e tesouros, e que via ao mesmo tempo «um vulto com cabeça negra vestido de branco», o qual lhe aprovava o seu modo de curar e lhe prometia muitas coisas se quisesse ser seu; a ele R. nos mesmos sonhos se lhe oferecia por tempo de nove anos, se cumprisse as promessas que lhe fazia. E, passado certo tempo, levantando-se o R. da cama, lhe apareceu o demónio visivelmente, «vestido de branco e a cabeça descoberta», e prometendo-lhe tudo o que o R. quisesse, desaparecera de repente, o que fez em outra ocasião somente para que se não confessasse nem tratasse das coisas de Deus; e continuando mais vezes em lhe aparecer, lhe pediu em uma delas que o adorasse e reconhecesse por Deus, entregando-lhe «a alma e uma gota do seu sangue», a qual ele R. lhe deu e o demónio lho tirou «com um alfinete do dedo mínimo», que levou consigo e lhe tornou a recomendar que se não confessasse, nem tratasse das coisas de Deus, nem cresse no mistério da Santíssima Trindade, nem em Cristo Senhor Nosso e Sacramentos da Igreja, e só a ele reconhecesse e adorasse por Deus, oferecendo-lhe as suas rezas para o salvar, ao que tudo ele R. satisfez, oferecendo-lhe o rosário que muitas vezes rezava. – Sentença de Francisco Barbosa.
431(293) A Maria Antónia (de 82 anos) apareceu uma vez um mancebo bem afigurado, vestido de pano preto comprido, que lhe disse que havia de passar ali um doente e lhe indicou os meios de o curar, o que sucedeu. Passados dias sonhou ela que falava com o demónio, e de manhã lhe tornou a aparecer o mancebo, mas os pés eram como de cabra ou bode e lhe disse que era Belzebu, que para fazer curas e outras coisas extraordinárias lhe havia de dar uma gota de sangue tirada de sua mão ou dedo e havia de crer nele e não em Cristo, e que ele lhe apareceria em figura de pega ou pitão, para a aconselhar todas as vezes que ela o invocasse por meio da oração de S. Erasmo.
432(294) Declarou lhe aparecia umas vezes uma pega preta e branca, e em outras dois ou três pitãos pretos ou pardos, as quais aves vinham voando pelos ares até à porta da casa onde a ré estava, e que então lhe perguntava ela como havia de fazer a cura que intentava, e a dita pega e os ditos pitãos lhe respondiam com voz humana e inteligível, mas não muito clara a forma em que o devia fazer, com esta diferença que se a pega lhe aparecia era sinal de que o mal havia de ter remédio; e se os pitãos, era mais dificultoso. Essas aves retiravam-se com vultos maiores ou transformados noutras coisas. – Sentenças, I, 437, v.
433(295) A Maria dos Anjos, freira professa (1590), o diabo apareceu uma vez em figura de rato, outras vezes em figura de bugio, outra na figura de gato negro. – Sentenças, I, 163.
434(296) A Rosa Maria do Espírito Santo (Coimbra, 1728-29) o diabo apareceu em forma de um homem vestido de preto, com cabeleira e chapéu branco e a persuadiu a que arrenegasse de Deus, etc. Muitas vezes lhe apareceu à porta em forma de jumento negro, e outras em a de homem vestido de verde. – Sentenças, II, 159.
Queimaduras
435(297) E que também curava as escaldaduras, benzendo a parte bem, e então dizia:
Santa Sofia três filhas tinha;
Uma mandou-a à fonte
E a outra pela lenha ao monte,
E a outra por lume à vila;
Em fogo ardia,
Que lhe faria
Santa Sofia?
Cuspa-lhe, sopre-lhe
Três vezes ao dia,
Que mais não lavraria.
(Sentença de Ana Martins.)
Chagas
436(298) E que para curar as chagas ou fogo, que dava nas feridas, o fazia pela maneira seguinte, nomeando primeiro três vezes o nome de Jesus, continuava dizendo: «Assim como o mar não tem sede, nem o lume frio, nem meu Deus outro Senhor, assim se tire daqui este fogo reborado, fígado, talhado, coceira e prurido, para que fique são e salvo pelo poder de S. Pedro, S. Paulo e do apóstolo SanPIago» ; e algumas vezes fazia estas bênçãos com folhas de sabugueiro. – Ibidem.
Hemorragias
437(299) E que curava o fluxo de sangue, de qualquer parte que corresse, perguntando à pessoa que o padecia se lhe «parava com aquela sangria», e respondendo-lhe a dita pessoa «que parava», continuava a R. dizendo:
Assim peço à Virgem Maria,
Como à mulher que ao sábado fia
E à véspera do seu dia,
Pelo poder de Deus, de S. Pedro, S. Paulo e da Virgem Maria,
Que logo estancado seria,
E mais aqui não correria.
(Ibidem.)
Cura das lombrigas
438(300) E às crianças que padeciam queixa de lombrigas, curava na forma seguinte. Punha-se ao lar da chaminé, em que estivesse cinza fria, e, cortando-a com uma faca, perguntava à mãe da criança, que intentava curar, ou à mesma pessoa quando já falava, dizendo: que «talho» ? e respondendo-lhe: «bichas», continuava a R. e dizia: «bichas talho, mezinha faço, pelo poder de Deus, de S. Pedro, S. Paulo e do apóstolo Sant’Iago, que logo sejas são e salvo» o que repetia três vezes. – Ibidem.
439E para curar os meninos de lombrigas, dizia: «Bichas que te talho pelo poder de Deus, de S. Pedro, de S. Paulo, de S. Enofre e de S. Polarofe, que tu sejas são e salvo como em a era em que foste nado, para serviço de Deus, ámen.» – Sentenças, I, 437.
Cura do bichoco
440(301) Depois de fazer três cruzes em os braços dos enfermos dizia as palavras seguintes: «Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, eu, pecadora indigna, com muita humildade vos peço, meu Deus. Eu benzo e corto este bicho, e bichoco e enzasere, sarna e fogo com que o corpo de v.» (nomeando-o por seu nome) seja são e salvo como em a hora que foi nado, pelo poder de Deus, de S. Pedro, de S. Paulo e de Sant’Iago.» – Sentenças I, 436, v.
Parto
441(302) E que para parirem bem as mulheres pejadas, dizia: «Santa Ana pariu a Virgem, a Virgem pariu a Jesus Cristo e Santa Isabel a S. João Baptista; assim seja o corpo desta mulher despejado, são e salvo, e que traga este fruto a lume.» Sentença I, 436.
Quebraduras
442(303) E para curar quebraduras e deslocaduras o fazia pondo a mão na parte lesa da pessoa enferma, e, nomeando-a, dizia: «Assim como Nosso Senhor foi de setenta e dois espinhos coroado, de três pregos na cruz pregado, de cinco chagas chagado, dos judeus cuspido e esbofeteado, pela rua da amargura com a cruz às costas levado, de seu corpo e membros desconjuntado, e, depois de ressuscitar, se tornaram a seu lugar, assim se tornem estas estortegaturas, quebraduras, desfiaduras, desmentiduras, que logo fique são e salvo», o que também repetia três vezes. – Sentença de Ana Martins.
Dor de dentes
443(304) E quando alguma pessoa tinha dor de dentes a benzia na forma seguinte, correndo-lhe a mão pelo rosto e queixos, dizendo três vezes o nome de «Jesus»: «Santa Apolónia, assim como os vossos dentes com uma turquês tiraste e os queixos adormentaste, assim me adormentai os queixos desta pessoa para que daqui se tirem corrimentos, morimentos e dores, pelo poder de Deus, de S. Pedro, S. Paulo e do apóstolo Sant’Iago, e em nome da Virgem Maria e da gloriosa Santa Apolónia, que logo os adormentaria, são e salvo ficaria.» – Ibidem.
Moleira
444(305) E que para curar de achaque da moleira a qualquer pessoa tomava um púcaro de água fervendo e o deitava em qualquer vasilha, e pondo-a em a cabeça do enfermo dizia, falando com ele:
– Que te ergo?
– Moleira com seu miolo (respondia o doente)
445E então dizia a ré:
– Pelo poder de Deus e do Espírito Santo
Moleira e miolo te levanto.
446E dito isto lhe tornava a perguntar a ré, dizendo:
– Que te alço?
447E o dito enfermo respondia:
– Moleira, temgido (?) e vago
448E então tornava a dizer a ré:
Pelo poder de Deus e do Espírito Santo
Moleira e miolo te levanto.
(Sentença, I, 436, v.)
Cura de animais doentes
449(306) E para efeito de curar bois e quaisquer outros animais usava de ervas dos adros e de terra dos lugares sagrados, e fazendo com estas coisas um cozimento e lavando com ele o boi, dizia: «Assim como te lavo com esta terra e erva de sagrado, assim te desato, desligo, desensancho, desenfeitiço pelo poder de Deus, de S. Pedro, de S. Paulo e de Sant’Iago.» – Sentenças, I, 437.
Queixo caído
450(307) E para levantar o queixo da boca de qualquer pessoa, dizia:
Brasa, brasim
Padre, Filho, Espírito Santo e Abraão
Te levante o teu assem e milão.
(Sentenças, i, 436, v.)
Espinhela caída
451(308) Para curar a espinhela :
Pedro e Paulo foram a Roma
Encontraram Jesus Cristo
E ele lhe respondeu :
– Pedro, Paulo que vai lá?
– Senhor, mal do monte, coisa má,
– Pois Pedro e Paulo torna lá;
Diz que se unte com óleo de oliveira,
Com corda de esparto benzida;
Logo sarará
Nunca mais tornará.
(Sentenças, II, 183.)
452(309) E para curar os que tinham caída a espinhela e ventre, dizia: «Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, Jesus, Jesus», e ditas por três vezes estas palavras continuava, dizendo:
Assim como as ondas do mar
Fora vão saltar
E tornam ao seu lugar,
Assim torne o ventre e espinhela,
Rosqua e tabuleta de fulano,
A seu lugar,
Por serviço de Deus, ámen.
(Sentenças, i, 436, v.)
Cambras ou bichos
453(310) E que também curava as pessoas que tinham cambras ou bichos nos corpos, e o fazia tomando três folhas de silva, uma por cada vez, e benzendo a pessoa enferma, dizia as palavras seguintes:
Indo eu pela serra de Albergaria
Encontrei com a Virgem Maria,
E lhe perguntei o que faria
A esta pessoa, que de ansansere me morria,
Que lhe picava,
Lembrava,
E com aguazinha fria,
Que mais não lavraria,
Comeria,
Mordia,
E pruia
E todo o mal lhe fazia;
Que lhe farei, Virgem Maria?
Borrifa-a três vezes ao dia
Com a folha da ardegaria
Nem mal faria,
Com o nome de Jesus e Virgem Maria.
e então molhava a folha da silva com água da fonte e borrifava a parte lesa. – Sentença de Ana Martins.
Cura de feitiço
454(311) E às pessoas que curava de feitiços, o fazia benzendo-as, e, se estavam ausentes, benzia aquela parte da roupa ou vestido que lhe traziam, repetindo sempre três vezes o nome de Jesus, e então nomeava a pessoa enferma, e continuava dizendo estas palavras:
Se alguma bruxaria
Feitiçaria,
Ataria,
Rodearia,
Acanharia,
E clesiaria
te está feita por inveja ou por malquerença
Que nela dormisses
Ou por ela passasses
te seja logo desfeita pelo poder de Deus e
S. Pedro e do apóstolo Sant’Iago que logo
sejas são e salvo;
E se pelo poder de Caifás esta feita
Pelo poder de Sant’Iago seja desfeita,
E logo sejas desatado,
Desamarrado,
Desencantado,
Desenliçado,
E desenfeitiçado.
(Ibidem.)
e, tendo repetido por três vezes as sobreditas palavras, continuava com as seguintes: «Se pelo poder de Satanás foi feito, pelo poder de S. João seja desfeito», o que também repetia por três vezes, e então acrescentava: «Se pelo poder de Lúcifer foi feito, pelo poder de S. Tomé seja desfeito; um te prende, três te soltam, Padre, Filho, Espírito Santo, Três Pessoas e um só Deus verdadeiro.» – E no discurso da dita reza estava sempre nomeando a pessoa que benzia, e, se estava ausente, fazia as ditas rezas e cerimónias sobre o sinal, que dela tinha, e acrescentava à dita reza estas palavras: «Um te ata, três te desata, um te enleia, três te desenleiam, um te encanta, três te desencantam, um te enfeitiça, três te desenfeitiçam, um te embruxa, três te desembruxam, um te pica, três te despicam»; e, nomeando no fim as Pessoas da S. Trindade, acabava sempre nesta forma a sobredita reza, a qual fazia por certos dias costumados. – Ibidem.
Cura do ar mau
455(312) E que por entender que todos os achaques têm ar, de que procedem, tratava primeiro do remédio com que disse o atalhava, e que para o fazer benzia a pessoa enferma, e, nomeando-a, dizia as palavras seguintes : «se um to deu, três to tirem, que é Padre, Filho e Espírito Santo, três pessoas e um só Deus verdadeiro» – e tornando a nomear a pessoa enferma, dizia: «Eu te talho esta ciática, gota e frialdades, pelo poder de Deus, de S. Pedro e S. Paulo, que logo sejas são e salvo, que nenhum mal aqui entraria, e logo são ficaria». – Sentença de Ana Martins.
Quebranto
456(313) Confessou que, por ocasião do que lhe dissera certa pessoa, se inclinara a curar todos os achaques e enfermidades para que fosse consultada, e assim se resolveu a aplicar remédios às pessoas que tinham quebranto, feitiços, ar ciático, gota, fígado, frialdades, febres, maleitas, fogo de feridas, dores de dentes, quebraduras, desmentiduras e outras várias enfermidades, declarando que, para curar os ditos achaques, não era necessário estar presente a dita pessoa enferma, mas bastava levarem-lhe alguma parte do vestido ou qualquer outra coisa da dita pessoa queixosa, a qual benzia, e ao benzer tinha conhecimento das enfermidades no discurso das rezas que fazia, pelo dano que em si mesma experimentava, declarando-o assim às pessoas que a consultavam; como também, antes de fazer a reza e de chegarem as ditas pessoas à sua presença, conhecia o mal que padeciam, porquanto, se era quebranto, se punha nos braços dela R., e, se eram feitiços, se lhe punham no coração, sentindo numa e noutra parte grandes dores. E para curar de quebranto o fazia na forma seguinte, nomeando três vezes o nome de Jesus, benzia a pessoa ou aquela parte do vestido, que dela lhe levavam, e continuava dizendo: «Jesus encarnou, Jesus nasceu, Jesus padeceu, Jesus ressurgiu; assim como isto é verdade assim se tirem os males deste doente pelo poder de Deus, de S. Pedro, de S. Paulo e do Apóstolo Sant’Iago.» – Ibidem.
Sorte da peneira para adivinhar quem furtou
457(314) E para descobrir os furtos lançava sortes pregando uma tesoura no arco de uma peneira, e, pendurada nela, repetia vários nomes, e, quando a peneira dava volta, dizia que vinha no conhecimento da pessoa, que havia cometido o furto. – Ibidem.
Fazer aparecer objectos perdidos
458(315) E para fazer que aparecessem as coisas que estavam perdidas, tomava alguma parte do vestido ou outra qualquer coisa do dono, e sobre este sinal dizia as palavras seguintes:
Milagroso Santo António
Pelo cordão que cingiste,
Pelo breviário em que rezaste,
Pela cruz que levaste,
Pelo Senhor que levantaste,
Por aqueles três dias,
Que no horto de Jesus
Em busca do breviário andaste,
Pelo contacto que de Jesus tiveste,
Que nos braços se foi neles assentar.
Pelo rico sermão que na cidade de Pádua estavas pregando, e revelação que tiveste, que levavam vosso pai à forca por sete sentenças falsas, e delas o livraste enquanto a gente rezava a Avé-Maria e o vosso rico sermão acabaste, assim como isto é verdade vos peço, P. S. António, façais aparecer o que se furtou.
459E, depois da sobredita reza, fazia a sorte da peneira, pregando no arco dela uma tesoura aberta, e fazendo certas bênçãos e esconjuras à peneira, quando ela a um dos muitos nomes, que repetia, dava duas voltas, era certo ser aquele o da pessoa, que havia feito o dito furto. – Ibidem.
460(316) E para mais se certificar e às pessoas que lhe perguntavam, lançando água num alguidar e com certas bênçãos e palavras, que dizia, afastando-se do dito alguidar, mandava que fossem ver o vulto da pessoa, o qual viam na água e o conheciam. – Ibidem.
Passar rio sem barco
461(317) E que em virtude de uma oração de certo santo, que declarou, a qual tinha quatro folhas de papel escritas de todas as partes, se atrevera ela R. a passar um rio dos mais caudalosos deste reino, sem ser em barca, e, não se podendo ele vadear nem passar de nenhum modo a pé enxuto, com outra pessoa sua conjunta, passou da outra parte do rio com admiração de algumas pessoas que a viram. – Ibidem.
Endemoninhados
462(318) E aos endemoninhados benzia na forma que usava em os mais achaques, que tem referido. E quando o espírito, que atormentava a pessoa endemoninhada, não obedecia à dita reza derretia chumbo, e com ele fazia algumas bênçãos, dizendo: «Assim como este chumbo passou pelo mar sagrado, assim seja daqui este mal degradado para a ilha do enxofre por tantos anos quantos são os grãos que tem um alqueire de milho painço» : e que a rebeldia do espírito, que atormentava a dita pessoa a conhecia pelos estalos, que dava o chumbo no tempo em que o estava derretendo. – Ibidem.
Contra trovões
463(319) E que na ocasião em que havia trovões, para que não fizessem dano à terra em que a R. assistia, usava das palavras seguintes:
Encosta, trovão, encosta,
Que em dia de S. Gosma,
Não tomei sarilho nem roca,
Nem cajado para jogar a choca;
Aos matos maninhos
E à serra do Marão
Onde se não cria palha nem grão,
Pão, nem coisa que seja boa,
Para cristão;
Arreda, trovão, arreda,
Que não faças mal a nenhum cristão.
o que repetia por três vezes, e logo cessavam as trovoadas. – Ibidem.
Para não ter moscas em casa
(320) Moscas, filhas dos ulmos,
Netas dos bugalhos,
Eu vos encomendo
A seiscentos mil diabos.
Para que não tenhais
Humidade não recebais
E daqui não saiais.
(Sentenças II, 182 v.)
Feitiço com cabelos, alfinetes, etc.
464(321) E mandando abrir um colchão, em que dormia uma das pessoas enfermas, de dentro dele tirou umas linhas cortadas, cabelos, pedaços de fiado cru de lemiste e um boneco sem braços, com alguns alfinetes cravados por várias partes do corpo, em que a pessoa enferma experimentava grandes dores, e o R. queimou o dito boneco, e na cinza, que dele ficou, lançou água benta de certa igreja, e juntamente água da que tinha servido nos lavatórios. E esta cinza com um cântaro de água mandou o R. lançar no mar, e que a cinza fosse lançada por três vezes, dizendo ao mesmo tempo «Assim como tu andas, assim ande fulano» nomeando a pessoa enferma. – Sentença de Francisco Barbosa.
Medidas
465(322) Para o mesmo efeito (tirar feitiços) mandou o R. vir um novelo de linhas brancas, e com elas tomou várias medidas à pessoa enferma, uma do pescoço até ao peito, outra da cintura para baixo, ambas sobre a carne, e do mesmo modo outra do sangradouro do braço até à ponta do dedo grande da mão esquerda, outra do quadril da mesma parte até ao tornozelo do pé, e isto repetiu por três vezes ou quatro, e das ditas medidas levou uma, outra cortou em bocados, as quais lançou em uma bacia de água, e, sem diligência alguma dele R., andavam à roda da bacia, e se ajuntavam no fundo da mesma em forma de cruz ou signo-saimão, o que o R. dizia «era bom sinal». E as outras medidas deu à pessoa enferma para que, umas as metesse em uma bolsa com um dente, que também lhe deu sem dizer de que era, recomendando-lhe que trouxesse sempre consigo a dita bolsa, e a outra medida a metesse debaixo da cabeceira da cama; e com este remédio experimentou melhoras a pessoa enferma, ainda que, quando dormia sonhava coisas horríveis. E ele R., quando visitava a pessoa enferma, sempre lhe perguntava se tinha alguns sonhos, e, dizendo-lhe a pessoa o que sentia, o R. dizia «que isto lhe procedia dos humores que andavam abalados». – Ibidem.
Oração para matar
(323) Anjos do céu,
Justos da terra,
Santos fiéis de Deus,
D’além mar
D’aquém mar,
No Monte Olivete vos ajuntai,
E por Jesus Cristo chamai,
No seu coração gritai
Por fulano...
Que não durma,
Que não coma,
Que se afogue,
Que se mate,
Que se enforque,
Por tal santo
E tal santa
E que seja logo e logo e já.
(Sentenças II, 182 v.)
Oração de Santo Erasmo
466(324) «Disse e confessou que para fazer as curas que tem declarado sempre precedia a oração que chamava de S. Erasmo a qual fazia na forma seguinte: Punha e armava a dita mesa de três pés que ficassem para cima, e em cada um em sinal de culto, e veneração punha uma vela acesa e em o meio desta mesa punha uma tábua em que estava pintado S. Erasmo e ao lado dele dois demónios, em esta forma ornada esta mesa rezava a oração seguinte: ‘S. S. Erasmo Bispo, Arcebispo, Capelão e Confessor de meu Senhor Jesus Cristo, Papa em Roma, por esses ardores e fervores que tivestes S.° em vosso S.° coração, quando vistes estes cruéis inimigos a vossas ilhargas para as vossas tripas vos tirarem em um caneleiro encanelar e em o mar sagrado volas botar assim S.° fazei isto que vos peço.’» – Sentenças I, 437 v.
Ver em água
467(325) Viu (uma feiticeira) a pessoa com quem queria casar dentro de um ourinol quase cheio de água, entre duas velas, no qual lançou nove palhinhas de esteira e dizia a oração de S. Cipriano. – Sentenças II, 182 v.
Para saber se uma pessoa era morta ou viva
468(326) Uma feiticeira ensinara a outra para fazer ir a casa a pessoa que queria que fizesse três cruzes de ramos de alecrim e dissesse estas palavras: «Alecrim em cruz», e ditas três vezes se os paus do dito alecrim ficassem negros, não havia de ir a sua casa a dita pessoa, por ser morta; e se ficassem brancos viria a dita pessoa. – Ibidem II, 183.
469(327) Para saber se uma pessoa era morta ou viva dizia à janela: «Corte do eco, ouvi-me; Corte do eco falai-me; Corte do eco respondei-me.» Das primeiras palavras que ouvia na rua acharia a resposta. – Ibidem.
Para saber o nome do marido
470(328) Na noite de S. João tomava um bochecho de água na boca e passando por três portas, a cada uma delas rezava um credo, e chegando à janela havia de ouvir o nome do marido com quem havia de casar; ou deitava real e meio na fogueira, e no outro dia dava o dito real e meio ao primeiro pobre que chegava à porta e o nome que este dissesse ter devia ser o do marido. – Ibidem.
Conciliar casados
471(329) E que para conciliar e unir as vontades discordes entre os casados dizia: «Eu te desato, desligo pelo poder de Deus de S. Pedro de S. Paulo e de Sant’Iago», e mandando-os lavar dez vezes com água benta lhes mandavam dissessem enquanto se lavassem as seguintes palavras: «Desato-me, desligo-me, desensancho-me, desenfeitiço-me pelo poder de Deus de S. Pedro e Sant’Iago.» – Ibidem I, 436.
Cartas de tocar
472(330) Dava (uma feiticeira) cartas a que chamava de tocar para fins torpes e desonestos, mandando-as meter primeiro escondidamente a este fim debaixo de pedra de ara sobre a qual se dizia missa. – Ibidem.
Oração de Santo Erasmo
473(331) «Fazia supersticiosamente orações digo devações armando uma mesa de três pés para cima pondo em cada um uma candeia, e em o meio uma imagem de Santo Erasmo, dando passos e fazendo rezas; e finalmente chamava pitãos, os quais logo visivelmente lhe apareciam negros e os consultava para saber deles como havia de fazer as ditas curas e dada a resposta desapareciam logo de repente.» – Ibidem.
Água tirada nove vezes
474(332) «Mandava encher em fontes ou rios 9 vezes uma quarta de água a fim de que vasada a 8.a, servisse a 9.a para remédio dos ditos males, para a cura dos quais primeiro estremecia e se espreguiçava e fazia visagens com a boca e abrindo-a dizia, que em ela tomava o ar, e o mal dos ditos enfermos aos quais mandava que fossem por pontes escuras para trás.» – Ibidem.
Obrigar alguém a vir para junto de outrem
475(333) E para que certa pessoa fosse a sua casa, e a ter pronta para suas torpezas, lhe tocou com um bocado de pedra de ara; e com efeito logo foi a sua casa; e para o mesmo fim de outras pessoas irem a ela, encontrando-se todas em sua própria casa, não levassem a mal cada uma delas, e estarem sem contradição alguma, para isso fazia a oração seguinte, estando no tempo em que a fazia com o pé esquerdo descalço e braço e perna da mesma parte nus, e o cabelo da parte esquerda desgrenhado, com a janela e a porta aberta, e um prato de sal diante de si; e tomando uma mão cheia de sal, chegou à janela e dizia as seguintes palavras:
Esta mão cheia venho deitar
Por fulano...
Para que sem tino andar
Sem tino andar, sem tino andar,
Me venha buscar,
Me venha falar,
Que venha;
E não se detenha,
Para Satanás,
Para Barrabás,
Para Caifás;
E logo, logo me venha amar
E estes sinais me hão-de dar :
Cães a ladrar,
Bestas a passar,
Gatos a saltar.
476A qual oração trazia consigo e dizia que qualquer pessoa fazia vir a sua casa a tombos; e que as pessoas para cujo fim a rezasse, não poderiam sossegar senão na presença dela ré. – Sentenças II, 182.
477(334) Para vir a sua casa certa pessoa e lhe desse o que quisesse tomava nas mãos uns ramos de alecrim e os quebrava e queimava, e apagava com o pé, e dizia as seguintes palavras: «Romeiro, parto, não parto, que parto, correrão, correrão entranhas de fulano, para que não possa, nem pare, e me venha falar, me venha buscar, e me não faça mal; e tudo me dê e tudo me traga.» – Sentenças II, 182 v.
478(335) Para obrigar alguém a vir, dizia uma feiticeira com o pé descalço, braço e perna esquerda nus:
Ande meu burro albardado,
Assim como tu és o meu querido,
O meu encabelado,
Assim como Deus e Santo Erasmo,
Me darás quanto tiveres
E me dirás quanto souberes.
479Deitando três mãos cheias de sal da janela abaixo:
Para Barrabás,
Para Satanás,
Para Caifás.
(Sentenças II, 183.)
480d) Os nossos inquisidores tinham à mão os manuais estrangeiros, como o Malleus maleficarum de Sprenger, o Formicarius de Nider, o Flagellum haereticarum fascinarium de Nicolao Jaquerio, o Flagellum maleficarum de Pedro Mamoris, a Demonomanie des Sorciers de Bodin, as Desquisitiones magicae de Del Rio, o Tableau de l’inconstance des mauvais anges de De Lancre, a Daemonolatria de Nicolau Remigio, a Magia de Torreblanca e tantas outras obras escritas por autores profundamente versados na matéria, muitas delas prodígios de erudição e todos prodígios de estultícia ; não careciam pois de escrever mais sobre um assunto em que eles não poderiam apresentar grandes novidades, graças à já aludida vulgaridade dos nossos feiticeiros. O manual geral mais usado era o
481Directorium inquisitorum F. Nicolai Eymerici ordinis praed. cum commentariis Francisci Pegnae. (Temos presente a edição de Roma, 1585, fol. Vid. especialmente: Tertia pars. Questio XLII : De sortilegiis et Divinatoribus. XLIII. De invocantibus daemones. P. 475-6. Signa exteriora per quae necromantici haeretici dignoscuntur.
482Desse manual fizera-se uma tradução castelhana para uso das Inquisições de Espanha e de Portugal. Ainda assim os nossos inquisidores contribuíram com alguma coisa de sua lavra para essa extraordinária literatura, sendo a obra-prima do género entre nós:
483Vale de Moura, De incantationibus seu ensalmis opusculum primum. Eborae, Typis Laurentii Crasbeeck, 1620, 4.°
Notes de bas de page
1 Originalmente publicado no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1881, 2.a Série, n.° 6, pp. 403-433 e n.os 7 e 8, pp. 633-668.
2 No congresso de antropologia e arqueologia pré-históricas de Lisboa (1880) lemos uma curta nota sobre esse assunto.
3 Locus corruptus.
4 Talvez desoppilar por de oppilare.
5 Sobre a lenda de Tundulo ou Tungulo vid. A. Mussafia em Sitzungsberichte der k. Akademie der Wissenschaften (de Viena), vol. lxvii, pp. 157 e segs.; Visio Tungadali, ed. Oscar Schade Halis Saxonum, 1869; Baist, Eine catalanische Version der Visio Tundali em Zeitschrift f. romanische Philologie, iv, 318, ss., Revue celtique, ii, 125. Tencionamos publicar brevemente uma versão portuguesa.
6 Comp. a evocação de Helena no Faust, etc.
7 Contribuições para Uma Mitologia Popular Portuguesa. I. Porto, 1880, 13 pp. (Extraído do Positivismo).
8 Há outros regimentos, anteriores e posteriores.
9 Sobre esses pós vide Bernardo Pereira, Anacephaleosis medico-theologico-juridica, etc., Coimbra, 1734, p. 59. P. Manuel Bernardes, Nova Floresta, tom. iii, tit. 3, p. 67.
10 Reunimos os elementos para um estudo comparado sobre os processos portugueses do género aludido.
11 Colecção de Listas Impressas e Manuscritas dos Autos da Fé, Públicos e Particulares, Celebrados pela Inquisição de Lisboa, 1 vol. fol. Idem, pela de Évora, 1 vol. Idem, pela de Coimbra. 1 vol. foi. Idem, pela de Goa, 1 vol. foi., por António Joaquim Moreira. Colecção dos Autos de Fé e Listas das Pessoas Que Foram Penitenciadas pela Inquisição de Portugal, 4 vols., fol.
12 Tendo sido condenada a degredo de 10 anos para Bragança, D. João V intercedeu por ela e foi-lhe comutado o degredo para Lisboa. O prior de S. Pedro de Óbidos, José Rodrigues Leal, letrado distinto, juiz da legacia e procurador dos cárceres do Santo Ofício, que nos processos inquisitoriais se mostrava em geral céptico e levado à irrisão, acreditou na pretendida morte da beata. – Nota de Moreira.
13 Sprenger e um escritor do tempo de Luís XIII, citados por Michelet (La Sorcière, p. 7, edição de 1867) dizem, o primeiro: «Deve dizer-se a heresia das feiticeiras e não dos feiticeiros; estes são pouca coisa»; o segundo: «Por um feiticeiro, dez mil feiticeiras.»
14 Numerosos documentos inquisitoriais andam dispersos quer pelas bibliotecas, quer pelas mãos de particulares.
15 As sentenças de Ana Martins e Francisco Barbosa acham-se também na colecção de Moreira. A impressão foi feita no Instituto com o cuidado que distingue o arqueólogo conimbricense Sr. Aires de Campos.
16 As cópias de Moreira modificam a ortografia dos originais em várias particularidades, o que em documentos desta natureza é de pouca consideração ; algumas formas acham-se também modificadas como algũa em alguma, hũa em uma, assi em assim.
17 Damos as sentenças (a segunda só em resumo) deste célebre feiticeiro; o libelo, etc., como vimos, acham-se já publicados.
18 Inquisição de Coimbra.
19 Inquisição de Coimbra.
20 Este réu foi relaxado em carne.
21 A sentença é da Inquisição de Lisboa em 1694. Ana Martins, viúva de António Machado, lavrador, natural de Vila Pouca de Aguiar, concelho de S. Martinho de Bornes, comarca de Guimarães, e moradora na freguesia de S. Vicente, concelho de Felgueiras, arcebispado de Braga.
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