Materiais para o Estudo das Festas, Crenças e Costumes Populares Portugueses1
p. 277-372
Texte intégral
1O título do extenso trabalho que hoje começamos a publicar indica claramente que não é uma obra definitiva que pretendemos fazer sobre uma parte importante das tradições populares do nosso país, mas sim reunir os materiais de erudição científica necessários para que essa obra se escreva. É mister primeiro conhecer bem os factos, tanto os factos da parte portuguesa, como os factos similares dos outros países, reunir em torno de cada um todas as indicações possíveis que o esclareçam, formar a bibliografia por assim dizer de cada um e não começar por quaisquer teorias, étnicas ou mitológicas, tão fáceis de fazer como de refutar. Quando, porém, a origem ou a significação de um costume resulta com evidência dos factos reunidos, não hesitamos em apresentá-la como conclusão. O caso dá-se felizmente com um grande número de factos. Uma classificação sólida, verdadeiramente científica, dos factos da tradição é por enquanto impossível; porque é impossível por enquanto distinguir claramente, pelo menos em geral, as diversas camadas que, sob o ponto de vista da etnologia e do que poderemos chamar a cronologia psicológica, se sobrepõem na tradição popular; e essa distinção seria a base verdadeira daquela classificação. Na impossibilidade de assentar, pois, uma classificação científica nesta matéria, distribuímos os factos do modo por que o têm feito outros mitólogos e particularmente Adalbert Kuhn nas suas obras sobre as lendas e costumes populares da Alemanha, obras que serão repetidas vezes citadas nestes estudos.
2O nosso trabalho divide-se em duas partes distintas, alternando para cada secção: a parte portuguesa e o comentário. Este, pelo que dissemos, é essencialmente comparativo, mas será explicado quanto for possível dentro dos limites do método prudente e das hipóteses razoáveis, sem os quais estes estudos só servem para desacreditar a mitologia comparada. A essas partes acrescem algumas vezes apêndices.
3Apesar de todos os nossos esforços e sacrifícios não podemos aproveitar para a parte comparativa diversas obras aliás importantes.
4Os materiais para a obra completa, abrangendo todo o campo das festas, costumes e crenças populares portuguesas, estão coligidos em quantidade suficiente para formar um corpo de doutrina com desenvolvimento igual em cada uma das suas partes à da que hoje publicamos. Faltam-nos, porém, as condições necessárias para a coordenação desses materiais e os meios de os publicar neste país, em que semelhantes estudos interessam a muito pouca gente.
5Começamos pelo
Calendário popular
6As festas populares em diferentes épocas do ano têm evidentemente origem nos velhos cultos naturalísticos. Elas referem-se principalmente ao giro das estações, às fases diversas do curso aparente do sol, cujos efeitos sobre a natureza impressionaram vivamente os criadores desses cultos. À luta quotidiana da luz e das trevas, do dia e da noite, correspondia a luta das estações, como a representação em ponto grande do mesmo drama, que era simbolizado nos cultos. Com o tempo, as cerimónias, primitivamente claras para todos, foram-se alterando, obscurecendo, confundindo com outras primitivamente distintas, foram sendo interpretadas de modo abusivo, até por fim se perder inteiramente ou quase inteiramente a consciência da sua significação original, e elas permanecerem apenas como provas da tenacidade da tradição.
O Natal
71. É costume geral no país conservarem-se as pessoas acordadas até à meia-noite da véspera do Natal e comer então à larga, pois o dia que finda nessa hora é de rigoroso jejum.
82. Logo que dá meia-noite na véspera de Natal dizem os que se acham na mesma casa ou se encontram: Já nasceu o menino Deus (ou menino Jesus). Isso é geralmente seguido de mostras de alegria e sobretudo de cantos apropriados. (Diversos lugares.)
93. Em muitas casas fazem-se presépios, figurando a gruta de Belém, etc., e representam-se entremezes, peças dramáticas, cujos principais personagens são S. José, a Virgem, Herodes, pastores, etc. Entre as plantas que adornam o presépio notam-se o loureiro e a gilbarbeira (Ruscus aculeatus).
104. Na véspera do Natal fazem-se bolos de pão e ovos chamados rabanadas e come-se bacalhau. As rabanadas são feitas em quantidade tal que durem até aos Reis; delas se fazem presentes. Bebe-se também na véspera do Natal vinho quente com mel. (Porto, etc.)
115. Na véspera e dia de Natal, e ainda nos próximos seguintes, comem-se certas broas de farinha de milho amassadas com açúcar ou mel. (Lisboa.)
126. Na véspera de Natal fritam-se umas filhoses muito delgadas de farinha chamadas coscoréis, em quantidade tal que dure até aos Reis; deles se fazem presentes. (Coimbra.)
137. Julga-se bom andar na noite de Natal pela rua até à meia-noite. Um adágio diz:
Natal na praça,
E Páscoa em casa.
148. Na véspera de Natal são muito usados os jogos familiares. Um adágio diz:
Por Natal ao jogo
E por Páscoa ao fogo.
159. Na manhã de Natal dão-se bolos e brinquedos às crianças, dizendo que os trouxe o menino Jesus.
1610. Pelo Natal até aos Reis fazem-se presentes e dádivas, ao que se chama dar a consoada ou consoadas. Propriamente consoada é a ceia de família na véspera do Natal, em que se quebra o jejum.
1711. É costume pelo Natal ou pouco antes lançar em pratos trigo em água para ele germinar. Essas cearas figuram em geral sobre a mesa do presépio ou sobre a mesa das refeições. (Coimbra, etc.)
1812. À hora mesma em que nasceu o Salvador o vento está universalmente norte. (Açores. F. M. Supico, Almanaque do Arquipélago Açoriano para 1868, p. 112.)
1913. Comer cinco bagos de uva ao levantar da hóstia na missa do Natal livra de dores de cabeça todo o ano seguinte. (Vila Alva, Alentejo. Almanaque de Lembranças para 1866, p. 311.)
2014. A missa do galo ou missa da meia-noite está ainda em uso em diferentes lugares. Nalgumas partes o povo ainda canta nas igrejas nessa missa.
2115. «De onde vem o uso de queimar um madeiro na noite de Natal, não sei bem dizê-lo, porém, é certo que na vila de Idanha-a-Nova não só se queima publicamente um, como às vezes três ou quatro. Três semanas antes, ou um mês, da noite de 24 de Dezembro, vão ao campo buscar o madeiro, que para este fim se acha já cortado, sendo quase sempre escolhido para ele uma das árvores mais corpulentas. Se o carro quebra, ou os bois cansam, vão outros buscá-lo, e por último conseguem trazê-lo com acompanhamento de chulas e descantes até ao sítio em que deve ser queimado, e onde o descarregam, saudando-o nessa ocasião com um prolongado vito! Deste modo deitam mais dois ou três nos adros de diferentes igrejas. Chegada a véspera do Natal, logo ao cerrar da noite lhes largam o fogo, e depois começam a malhar neles, a ver quem tira maior lasca, e cada uma que se despede é de novo festejada com um vito! por todos quantos se acham presentes. Dura isto até à missa do galo; e quando esta chega, não só têm lucrado os que, cantando e tocando, a esperam em roda do madeiro, como também os que moram nas casas mais próximas, e vão ou mandam buscar as brasas para se aquecerem, quando vêem que as marteladas as têm espalhado.» (Idanha-a-Nova. D. Luísa Maria, no Almanaque de Lembranças para 1864, pp. 377 e seg.)
2216. É costume na véspera de Natal pôr ao lume um pedaço de tronco de árvore ou madeiro e logo que ele esteja bem chamuscado guardá-lo. Quando troveja põe-se ao lume, porque ele desvia a trovoada. (Celorico de Basto. Comunicação oral.)
2317. Em Trás-os-Montes deita-se fogo na noite de Natal a um grande cepo que muitas vezes serve de trafogueiro (isto é, a que encostam outra lenha, ficando por baixo); esse cepo deve arder no lar três noites seguidas; a sua cinza ou carvões são reunidos para fazer defumadores durante o ano quando há doenças em casa, para afastar pestes, e com oliveira benta para afugentar a trovoada. (Comunicação do Sr. Salgado, farmacêutico no Porto.)
2418. «Desta cidade (Covilhã) comunicam para o nosso colega da Atalaya o seguinte, que julgamos de alguma gravidade:
25Na noite de 24 e no dia 25 deram-se nesta cidade alguns acontecimentos que poderiam dar, como efectivamente ainda deram, graves consequências.
26Na véspera do Natal tem por uso o povo desta cidade fazer uma fogueira no adro da igreja onde se celebra a missa em honra do nascimento do Menino Deus.
27As autoridades têm proibido este uso. Ainda assim o povo acendeu no adro da igreja paroquial da Conceição a costumada fogueira, pelo que marchou para ali uma força de infantaria do 14, comandada pelo sr. capitão António Augusto Cardoso do Amaral, e pouco depois alguns polícias acompanhados do subchefe Passos.» (Covilhã. Correspondência de Coimbra, ano iv, n.° 1.)
2819. Um adágio diz:
Natal em sexta-feira
Por onde poderes semeia;
Em domingo
Vende os bois e compra trigo.
2920. O uso da árvore do Natal é de introdução muito recente, e ainda muito pouco divulgado e sem carácter popular.
Comentário
30A origem inteiramente pagã da festa do Natal não pode oferecer a mínima dúvida depois do que têm escrito sobre o assunto diversos eruditos sem prevenções. Os teólogos católicos, porém, apresentam em geral os factos a uma falsa luz. Veja-se por exemplo Bergier, Dictionnaire de Théologie:
31«On ne peut pas douter que cette fête ne soit de la plus haute antiquité, surtout dans les églises d’Occident. Quelques auteurs ont dit qu’elle avait été institué par le pape Télesphore, mort l’an 138; qu’au quatrième siècle le pape Jules 1er, à la prière de Saint-Cyrille de Jérusalem, fit faire des recherches exactes sur le jour de la Nativité du Sauveur, et que l’on trouva qu’elle était arrivé le 25 de décembre; mais ces deux faits ne sont pas assez prouvés. Saint Jean Chrysostome, dans une homélie sur la naissance de Jésus-Christ, dit que cette fête a été célébrée dès le commencement, depuis la Thrace jusqu’à Cadix, par conséquent dans tout l’Occident, et il n’y a aucune preuve que dans cette partie du monde le jour en ait jamais été changé.
32Il n’y a eu de variation que dans les églises orientales; quelques-unes la célébrèrent d’abord au mois de mai ou au mois d’avril, d’autres au mois de janvier et la confondirent avec l’Epiphanie... Puisque Jésus-Christ est né au commencement du dénombrement que fit faire l’empereur Auguste, on ne pouvait savoir ailleurs mieux qu’à Rome la date précise de sa naissance.» (Bergier, Dict. de Théologie).
33Em Johann Christian Wilhelm Augusti, Denkwilrdigkeiten aus der christlichen Archaologie mit beständiger Rücksicht auf die gegenwärtigen Bedürfnisse der christlichen Kirche (Leipzig, 12 vols., 8.°, 1817-1831, i, pp. 212-230), achamos uma exposição da questão mais conforme à verdade, a qual vamos resumir.
34Pretendeu-se erroneamente que a festa do Natal fora introduzida pelos apóstolos (Augusti, i, p. 177, ff. Literatura, pp. 211 e seg.). Nos doutores da antiga igreja não há discussão a respeito do Natal como há a respeito da Páscoa e, diz Augusti: «Theils, weil man es für unmöglich hielt, zu einem festen Resultate hierüber zu gelangen, theils, weil weder ein Dogma, noch ein Gebrauch oder Recht der Kirchen davon abhänge» (p. 213). Desde o século v deve-se considerar o dia 25 de Dezembro como o Terminus fixus; houve escritores de diversos séculos que reconheciam quanto essa data tinha de arbitrário. As mais antigas notícias dos primeiros tempos do cristianismo não mencionam a festa do Natal. Essa festa não se tinha introduzido, ou pelo menos, tornado assaz importante e adquirido uma certa generalidade antes do século iv. Clemente de Alexandria declara uma inútil fadiga a investigação do nascimento de Cristo; seu verdadeiro nascimento é a Epifânia. E geralmente os primeiros cristãos davam muito mais importância ao dia da morte que ao do nascimento. Alguns eruditos supuseram a festa do Natal de origem judaica e viam os precedentes dela na Khanu ka (consagração do templo), chamada também a festa das luzes, a festa do novo altar ou dos Hasmoneus. Outros viram a origem da festa do Natal no paganismo, principalmente na celebração da festa-brumal ou festa do sol, Natalis Invicti sc. solis, a 24 e 25 de Dezembro. Alguns hinos da igreja estabelecem essa conexão entre o Natal e a festa do sol; por exemplo:
Quid est, quod arctum circulum
Sol jam recurrens deserit?
Christus ne terris nascitur,
Qui lucis auget tramitem?
(Prudentius – Cathemer, hymn, ii.)
Nam post solstitium, quo Christus corpore natus
Sole novo, gelidae mutavit tempora brumae,
Atque salatiferum praestans mortalibus ortum,
Procedente die, secum descrescere noctes
Jussit…
(Paulinus Nolan. Carmine, xviii, p. 538, ed. Rosw.)
35As objecções contra esta origem pagã da festa do Natal não são assaz fortes; diz-se que ela aparece primeiro no Egipto e na Gália, mas seria ali que por circunstâncias particulares ela chegasse a adquirir importância, e não colhe a objecção tirada da oposição da igreja contra tudo que era pagão, o ser considerado como um característico dos heréticos, principalmente dos gnósticos, seguir nos seus usos eclesiásticos os pagãos, pois tantos elementos pagãos se introduziram no culto. Exactamente o facto da generalização tardia da festa pode ser um resultado da oposição que lhe faziam pelo seu carácter pagão.
36Mas no próprio Egipto também a festa se pode explicar por uma base pagã, pois os egípcios celebravam a Inventio Osiridis ou Festum Osiridis nati, aut renati. Jablonski, de Origine festi nativ. Christi etc., cit. por Augusti, i, p. 225, diz dessa festa: «Hoc in festo populus, per totum Aegyptum ad honorandum tantam solemnitatem congregatus, accepto nuncio de invento jam Osiride exclamare solebat: eyrekamen synkhaisomen. Quac verba aliquid simile sonant illis, quibus olim Angelus Domini salutarem Servatoris nostri in carne apparitionem, vel nativitatem, pastoribus annunciavit: eyangelizomai ymin khazan megalen.» Essa festa era celebrada no dia correspondente a 6 de Janeiro. Outros viram a origem da festa na festa germânica de Juel, o que não podia explicar a generalização daquela. Augusti crê que a festa do Natal se originou como uma oposição às práticas e concepções heréticas. «Est ist mir daher weit wahrenscheinlicher: dass die allgemeine Feyer des Weihnachts-Festes weder aus Accomodation zum Juden-oder Heidenthume, noch aus Nachahmung einer häretischen Sekte, sondern vielmehr ais ein Gegensatz von häretischen Vorstellungen und Einrichtungen entstanden sey.», i, p. 226. Três das principais seitas do período que vai do meio do terceiro até ao fim do quarto século, os maniqueus, os donatistas e os priscilianistas, não celebravam a festa do Natal.
37Creuzer-Guigniaut – Religions de l’antiquité (i, pp. 363-4. Paris, 1825, 8.°) julgaram o culto de Mitra o ponto de partida da festa do Natal. «C’était à 1’équinoxe du printemps qu’on célébrait, à Rome, les mystères de Mithras. La raison en est évidente, d’après ce qui a été dit plus haut. D’un côté, la fête nommée ‘celle de la naissance du soleil invincible’ (Natalis soli invicti) tombait au viiie des Calendes de janvier, ou au 25 décembre. Environ à la même époque, quelques jours après le solstice d’hiver, se célébrait la grande fête des Perses appellée Mirrhagan, mot qui exprime une idée analogue.2 L’une et l’autre de ces deux solemnités avaient également rapport à Mithras. La première était une fête générale à Rome et dans tout l’Occident. Le peuple se répandait en foule au dehors, parmi des cérémonies de tout genre, et tenait ses regards attachés au Ciel. De là vint qu’au commencement du quatrième siècle, les chefs de l’Église d’Occident fixèrent au même jour la célébration de la naissance di Christ, dont l’époque était demeurée inconnue jusque-là.3 Le Christ était pour eux, dans un sens spirituel, le soleil nouveau (sol novus), dont les païens célébraient la renaissance physique au jour ou cet astre recommence à monter dans les cieux.4 Dans l’Eglise d’Orient, au contraire, une autre fête paienne, celle d’Osiris retrouvé, donna ocasion de fêter la naissance du Christ le 6 de janvier.5»
38A ideia de Cristo-sol exprime-se ainda na arte cristã pela cor vermelha das roupas do divino mestre. Mas não se devem ver as origens e principalmente as origens propriamente populares da festa do Natal num culto único, mas sim nos numerosos cultos e festas relativas em geral ao renascimento das divindades solares.
39«Le jour du solstice d’hiver, jour de la mort périodique du soleil, est immediatement suivi de sa résurrection, de la reprise de sa marche ascendente. C’est ce qu’exprimait, dans le culte dionysiaque de la Phocide, la simultaneité de la cérémonie nocturne accomplie par les Hosioi au tombeau du dieu dans le temple de Delphes, avec la fête orgiastique où les femmes sur les montagnes, à la même heure, èveillaient par leurs cris le Licnitès, c’est-à-dire Dionysos nouveau-né, couché dans le van mystique quil lui sert de berceau (Plutarch., de Is. et Osir., 35). A ceci fait súrement allusion le nom symbolique accadien6 du mois qui succède immédiatement au solstice d’hiver, de tebit, itu abba uddu, ‘le mois de la caverne (ou de l’adyton) du lever (du soleil)’. Pour en comprendre le sens, il suffit, en effet, de se souvenir des rites de la fête de la renaissance du jeune Soleil, tels que la célébraient les Sarraceni, au dire de Saint Epiphane (ap. Schol. Gregor. Bodley., p. 439; cf. Lobeck, Aglaopham., p. 1227), entrant à minuit dans un sanctuaire souterrain, d’où le prêtre ressortait bientôt en criant: ‘La vierge a enfanté, la lumière va recommencer à croître.’» François Lenormant, Les Origines de l’histoire, i, 257, not. 5 (Paris, 8.°, 1880).
40O dia 25 de Dezembro era o dia do despertar de Melqarth (o Hércules fenício) em Tiro. Lenormant, loc. cit.
41«Chez les Esquimaux, la fête du soleil se célèbre le 22 décembre: c’est ce jour-là que le soleil redevient visible chez ces peuples; il est salué par des cris de joie, par des danses, par des chants qui se terminent ainsi:
Amnah ajàh, ajàh, ah-hu;
Amnah ajàh, ajàh, ah-hu.
42Le soleil revient, avec lui le beau temps. (Abriss der Sitten und Gebräuche aller Nazionen, par K. Lang. Nuremberg, 1810, tome i, p. 123).» Bulletins de la Soc. des Compos, t. II, p. 162.
43A festa do nascimento de Krichna é celebrada na Índia no fim de Dezembro. Vid. A. de Gubernatis, Mythologie zoologique, i, p. 56 (trad. fr. Paris, 1874, 8.°).
44Uma parte dos costumes particulares portugueses ligava-se já primitivamente às festas do renascimento da divindade solar, como prova o facto de eles se acharem pelo Natal noutros países; outros sem dúvida se lhe ligaram mais recentemente por analogia ou associação de ideias. As relações entre a festa do Natal e do solstício de Verão (S. João) devem ter-se sempre em vista.
45Vejamos agora os paralelos dos costumes particulares portugueses do Natal.
461. 2. A ceia e o jejum da véspera encontram-se em muitos países, assim como os cantos do Natal, de que há várias colecções. Sobre estes diz Carl Engel, An Introduction to the Study of National Music; comprising researches into popular Songs, Traditions and Customs (London, 8.°, 1866), p. 273.
47«In many countries, and with many Christian sects, we find at Christmas certain songs performed appropriate to the event which they are intended to celebrate. The Yule songs of the Scandinavians, the Koleda songs of the Slavonic nations, the Noëls of the French, and the Weihnachtslieder of the Germans, are as ancient as the Christmas Carols are in England. From the valuable researches of F. Wolf relating to the poetry and music of the Middle Ages, we learn that the term Carole was applied by the Trouvères to a dance in which the performers moved slowly round in a circle, singing at the same time. Mr. Sandys says that it appears to have been fomerly the custom, in country churches in England, for the worshippers on Christmas-day to dance after prayers and to sing out ‘Yole, Yole, Yole!’ In Germany, the country people in the province of Pomerania, at Christmas-tide wrap up gifts in many averings, and lay the parcel at the door of the friend for whom the present is intended, calling out ‘Yul-Klapp!’ More remarkable, as showing how songs sometimes take root in foreign soil, is the fact that negroes on the coast of Senegambia have adopted some of the English carols. A recent english traveller in Western Africa heard them sung there on Christmas-eve.»
48Sobre os cantos do Natal veja-se ainda John Brand, Observations on the popular Antiquities of Great Britain, ed. 1873, I, pp. 480-492, etc.
493. As plantas que de preferência se escolhem para adornar a casa e o presépio pelo Natal têm sua significação cultual. O loureiro, por exemplo, tinha entre os Romanos força santificante e purificativa. O templo de Vesta era adornado com ramos de loureiro que se renovavam anualmente. Macrob. Sat., i, 12, 6; Ovid. Fast., III, 141; Becker, Handbuch der römischen Alterthümer, iv (Gottesdienst), p. 286. Em relação à gilbardeira (Ruscus aculeatus, fr. houx frelon) há também diversas crenças pagãs. Cf. A. de Gubernatis, Mythologie des Plantes, i, p. 252 (Paris, 1878, 8.°):
50«Nous verrons, par exemple, au mot Houx, que les propriétés attribuées à cette plante que l’on bénit le jour de Noël tiennent à des superstitions essentiellement paiennes; M.me Coronedi Berti nous apprend qu’à Bologne on garni la crêche de mousse, de laiteron, de cyprès et de houx-frelon.»
51Não é talvez difícil explicar o carácter sagrado do Ruscus aculeatus. O facto de ele ostentar as suas bagas na época do solstício invernal, a cor vermelha e a forma globulosa dessas bagas, faziam pôr naturalmente a planta em relação com o sol; ela apresentava demais um prenúncio da frutificação da Primavera.
52Também na Inglaterra as casas e igrejas se adornam com plantas sempre verdes. R. T. Hampson, Medii aevi kalendarium, i, 85 (London, 8.°), Brand, ob. cit., i, pp. 519 e segs. Em Capitula orientalibus synodis a Sancto Martino Episcopo Bracarense collecta et in Concilio Lucensi publicata, cap. 73, lê-se:
53«Non liceat iniquas observantias agere kalendarum et otiis vacare gentilibus, neque lauro, aut viriditate arborum cingere domos.» (De Aguirre, ed. Roma, 1753, iii, p. 219). Quase a mesma disposição se encontra no Concilio Autisiodurense do ano 614, can. 73.
544-6. Bolos particulares da festa do Natal encontram-se em toda a Europa. Estes bolos são o último vestígio dos sacrifícios que se faziam para tornar as divindades propícias, por ocasião da festa. Em geral os bolos substituíram os animais sacrificados, de que a princípio tomaram a forma.
55«Yulle-cakes are spread on our tables at Christmas-tide.» Henderson, Notes on the Folk-Lore of the Northern counties of England and the Borders, p. 48 (London. 8.° 1866). «No meat is eaten there (no distrito de Cleveland) on Christmas Eve, doubtless because it is a fast of the Church; the supper there consists of frumety, or wheat boiled in milk, with spice and sugar, and of fruit-tarts. At its close the yule-cake and cheese are cut and partaken of, while the master taps a fresh cash of ale. This cake and cheese are often offered through the season to every visitor who calls.» Ibid., p. 49.
56Na Vestefália e outras partes da Alemanha fazem-se coscoréis (Eisenkuchen, Wafeln) A. Kuhn, Sagen, Gebräuche und Märchen aus Westfalen, ii, 108. (Leipzig, 8.° 1859.)
57«Christmas or Yule, to the Christian word the glorious commemoration of the birth of a Saviour, was, however, as appears from the account of Procopius, originally no other than Gothic pagan festival of Jul, celebrated professedly in honour of Thor, the son of Odin, answering to the Diespiter of the Romans, but really in honour of the sun at winter solstice. Among the northern nations this festival was the great season of sacrifice, and the Danes seem to have immolated human victims on the altars of their spurious deities.
58The Goths used to sacrifice a boar; for this animal, like the horse among the Persians, was, according to their mythology, sacred to the sun... Several traces of the sacrifice of a boar to the sun at the winter solstice, have been preserved. In the story of Loki and the dwarf, related in the Edda, the golden boar is given to Freyr, to whom and his sister Freya, as deities of animal and vegetable fecundity, the northern nations offered that animal, as the Italian did to the earth. In this point of view the boar is the decent substitute for the obscene phallus in the rites of Bacchus and Osiris; and, at this day, it is customery among the peasants in the northern parts of the continent to make bread during Christmas in the form of a boar pig, which they place upon the table with bacon and other dishes; exposing it, as a good omen, the whole of the feast. They call this bread Julagalt, and sometimes Sunnugoltr, because it was dedicated to the sun. Our Christmas pies were formerley made in this form, until they degenerated into the lugubrious shape of a coffin. According to northern mythology the boar was the favorite dish of their immortalised heroes.» Hampson, ob. cit., i, pp. 92-94, vid. ainda J. Grimm, Deustche Mythologie 3te. Ausg. pp. 45 e 1188, onde se cita uma nota de Verelius à Hervararsaga (p. 139): «verrem istum fictum siccant, et ad veris tempus, cum semina sulcis sunt credenda servant, tum partem ejus comminutam in vas vel in corbem, ex quo semina sunt dispergenda, inmittunt, hordeoque permixtam equis aratoribus, alteram servis stivam tenentibus comedendam relinquunt, spe forte uberioris messis percipiendae.» Vid. também Benjamin Thorpe, Northern Mythology, ii, pp. 49-50 (Londres, 8.°, 1851-52); Brand, ob. cit., i, pp. 526-32.
59«Maintenant encore, dans certaines provinces de France, comme en Alsace, par exemple, on a l’habitude de tuer le porc gras et de faire des gâteaux particuliers aux environs de Noël ou du nouvel an. Ces gâteaux s’appellent Bierenwecken en Alsace; c’est une pâte dans laquelle il entre des poires, des pommes, des noix, des pruneaux, et probablement encore deux ou trois ingrédients qui échappent à notre mémoire.» Bulletins de la Société des Compositeurs, ii, 167.
60Esses Bierenwecken são também usados na Suíça, segundo comunicação do Prof. Júlio Cornu.
61O carácter sagrado do mel, que figura nos bolos e no vinho fervido do Natal, é bem conhecido. Na antiguidade clássica achamos a ideia de que o mel provém do orvalho do céu:
Protenus aerii mellis coelestia dona
Exequar.
(Virgil. Georg. iv. 1-2.)
62Na mitologia nórdica, da árvore do mundo, o carvalho de Yggdrasil, cai sobre a terra o orvalho de mel de que se alimentam as abelhas. J. Grimm, Deutschen Mythologie, p. 756. Karl Simrock, Handbuch der Deutschen Mythologie, p. 38. O mel figurava entre os presentes das Saturnais (sportula saturnalitia).
63«According to Porphry, honey was introduced into the mysteries as a symbol of death, in which account it was offered to the infernal gods. This notion will account for the custom embalming the dead with honey among the Chaldeans, who where deeply versed in the Cabiric orgies (Herod. Lib., I., cap. 98. Faber, vol. ii., p. 365). For the same reason, the Egyptians, when upon solemn occasions, they sacrified a cow to the great goddess, were accustomed to fill the stomach of the victim, deprived of its entrails, with fine bread, honey, raisins, figs, frank-incense and myrrh (Herod. Lib., ii., cap. 40). These substances, having acquired a sacred character from their use in religious rites, eventually became pledges of love and friendship, and symbolical of good wishes and this will account for the superstitious veneration, with which the Romans received these presents, in after times accompanied by prayers for welfare.» Hampson, ob. cit., i, pp. 108 e segs.
64As consoadas, os presentes que entre nós se dão pelo Natal e Ano Bom, representam directamente as strenas dos Romanos. Eram usuais os presentes entre os Romanos em diversas épocas do ano, assim no Quinquatrus (Minervale munus), nas saturnais (sportula Saturnalicia), no dia do ano novo (strena calendaria), na festa da cara cognatio e do septimonium. Strenae eram os presentes do ano novo e Calendae designa particularmente as calendas de Janeiro. As strenae eram dadas ominis boni gratia (Festus, p. 313 a 28, ed. O. Müller). Os antigos punham em relação strena com a deusa Strenia; devia ser propriamente um ramo sagrado (verbena) do bosque de Strenia. Symmachus, Ep., x, 35: «Ab exortu pane urbis Martiae strenarum usus adolevit, auctoritate Tatii regis, qui verbenas felicis arboris ex luco Strenuae anni novi auspices primi accepit.» J. Marquardt, Rõmische Privatsalterthümer, i, pp. 95-257 (Leipzig, 1864, 8.°, 5e do Handbuch der rõmischen Alterthilmer bergonnen von Wilhelm Adolph Becker).
65Um trabalho completo sobre as strenas, é o de M. Lipenius, Strenarum historia em Grevius, Thesaur. Ant. Roman., xii, pp. 409-552. Não temos à nossa disposição os trabalhos de Rossio e Scheiffle sobre o assunto. Vid. ainda J. Grimm, ob. cit, p. 716, L. Preller, Römische Mythologie, pp. 160, 581 e 600. Perseguido, é verdade, pela igreja, o uso das strenas manteve-se até hoje. Em português a palavra estreia perdeu porém o seu sentido latino, para designar principalmente o começo de uma empresa, tarefa, como servindo para dela agoirar o resultado. Em francês étrenne tem ainda, como o italiano strena o sentido latino.
667. A santidade da noite de Natal é afirmada em várias crenças populares, assim como a da noite de S. João. É bem conhecida a passagem de Shakespeare:
Some say, that ever ’gainst that season comes
Wherein our Saviours’ birth is celebrated,
The bird of dawning singeth all night long;
And then, they say, no spirit can walk abroad;
The nights are wholesome; then no planets strike,
No fairy takes, nor witch hath power to charm,
So hallowed and so graci ous is the time.
(Hamlet, i, 1.)
678. Os jogos familiares pelo Natal acham-se noutros países.
68«The whole season (do Natal) has a festive character, and visiting and card-playing are kept throughout it.» Henderson, ob. cit., p. 50.
699. O mesmo na Alemanha. A. Kuhn, ob. cit., ii, p. 103.
7010. Vid. supra o que dizemos das strenas.
7111.0 mesmo costume se acha na Provença; vid. infra uma passagem de Mistral a respeito do cepo do Natal.
7213. Uma variante deste costume se acha também no Alentejo: «Uvas comidas na meia-noite do Natal livram de sezões.» Almanaque de Lembranças para 1862, p. 347. Estes costumes ligam-se à ideia da santidade da noite do Natal; para que essa santidade, porém, tenha acção é preciso um acto qualquer ocasionante, neste caso, comer os bagos da uva. O número cinco é talvez em memória das cinco chagas de Cristo.
7314. A designação missa do galo lembra as relações do galo com a noite do Natal; pode ser todavia apenas uma indicação da hora em que se faz a missa e em que às vezes os galos cantam. Vid. supra a passagem do Hamlet.
74«Prudentius, early in the fourth century, noticed the terror with which the voice of the cock inspired the wandering spirits of the night with terror:
Ferunt vagantes daemonas
Laetas tenebris noctium
Gallo canente, exterritos,
Sparsim timere et credere7
75It has been supposed that the song of the cock is heard on Christmas Eve in celebration of the divine ascent from hell, which the Christmas in the time of Prudentius believed to haven taken place during the tranquillity of the night, when no sound was heard but that of the rejoicing bird:
– Quod omnes credimus,
Illo quiets tempore,
Quo gallus exsultans canit,
Christum rediisse ex inferis.8»
(Hampson, ob. cit., i, p. 84.)
7615-18. Os quatro testemunhos citados provam a existência de um uso de bastante importância mitológico e o último mostra de mais a autoridade em luta com ele. Vamos encontrar o mesmo costume em muitos outros países da Europa.
77França. «Bûche de Noël, grosse souche de bois qu’on met au feu la veille de Noël, et qui doit durer toute la nuit, parceque c’était autrefois la coutume de veiller la nuit de Noël pour assister à la messe de minuit et, plus tard, à celle de l’aurore.» Littré, Dict. de la langue française, s. v. Bûche.
78«Dans le midi de la France, la fête de Noël est l’object de manifestations toutes spéciales qui rappellent singulièrement certains usages idolâtriques. La veille de la Noël, au lieu de jeûne et de mortification, on ouvre da fête par le grand souper. La table est dressée devant le foyer où petille, couronné de lauriers, le cariguié, vieux trone d’olivier séché et conservé avec amour, pendant toute l’année, pour la triple solemnité de la Noël. Mais, avant de s’asseoir à la table, on procède à la bénédiction du feu, pratique qui sent terriblement l’idolâtrie. Le plus jeune enfant de la famille s’agenouille devant le feu et le supplie, sous la dictée paternelle, de bien réchauffer pendant l’hiver les pieds frileux des petits orphelins et des vieillards infirmes, de répandre sa clarté et sa chaleur dans toutes les mansardes prolétaires, et de ne jamais dévorer l’éteule du pauvre laboureur ni le navire qui berce les navigateurs au sein des mers lointaines. Puis il bénit le feu, c’est-à-dire qu’il l’arrose d’une libation de vin cuit, à laquelle le cariguié répond par des crépitations joyeuses. Puis on se met à table. Après le souper, on se réunit en cercle autour du cariguiè et on chante des noëls jusqu’à minuit, heure à laquelle on se rend en masse à la première messe.» Larousse, Grand dictionnaire du ixe siècle, s. v. Noël. «La bûche de Noël ou tréfoir donnait lieu à une fête de famille; on appellait la bénédiction du ciel sur la maison.» Larousse (de Pasquier, Recherches de la France, liv. iv, c. 16).
79«Au xiiie siècle, dit Sainte-Pelaye, on donnait à ses amis, pour les fêtes de Noël, des gâteaux appellés nieules et un poulet rôti. On chantait des cantiques, appellés noëls, où la naissance du Christ, l’adoration des mages et des bergers étaient célèbrées dans un langage naîf.» Apud Larousse.
80«Noël est la principale fête des provençaux. En voici une déscription qui primitivement faisait partie du poëme, et qui l’auteur a supprimée pour éviter les longueurs.9
81Ah! Noël, Noël, où est ta douce paix? – Où sont les visages riants – des petits enfants et des jeunes filies? – Où est la main calleuse et agitée – du vieillard qui fait la croix sur le saint repas?
82Alors le valet qui laboure – quitte le sillon de bonne heure – et servantes et bergers décampent, diligents. – Le corps échappé au dur travail – ils vont, à leur maisonnette de pisè –, avec leurs parents manger um cœur de céleri – et poser gaiement la bûche (au feu) avec leurs parents.
83Du four, sur la table de peuplier – déjà le (pain) de Noël arrive –, orné de petit-houx, festonné d’enjolivures. – Déjà s’allument trois chandelles – neuves, claires, sacrés –, et dans trois blanches écuelles – germe de blé nouveau, prémices des moissons.
84Un noir et grand poirier sauvage – chancelait de vieillesse... L’aîné de la maison vient, le coupe par le pied, à grands coups de cognée l’ébranche –, et le chargeant sur l’épaule – près de la table de Noël –, il vient, aux pieds de son aïeul, de déposer respectueusement.
85Cependant toute la famille – autour de lui joyeusement s’agite... – ‘Eh bien! posons-nous la bûche, enfants?’ – ‘Oui’ promptement tous lui répondent. ‘Allégresse! – le viellard s’écrie, allégresse, allégresse! – que Notre Seigneur nous emplisse d’allégresse – et si, une autre année, nous ne sommes pas plus, mon Dieu, ne soyons pas moins!’
86Et remplissant le verre de clarette – devant la troupe souriante – il en verse trois fois sur l’arbre fruitier. – Le plus jeune prend l’arbre, d’un côté – le vieillard de l’autre, et soeurs et frères – entre les deux, ils lui font faire ensuite – trois fois le tour des lumières et le tour de la maison.
87Et dans sa joie, le bon aïeul – élève en l’air le gobelet de verre: – O feu, dit-il, feu sacré, fais que nous ayons du beau temps! – et que ma brebis mette bas heureusement –, que ma truie soit féconde – que ma vache vêle bien –, que mes filles et mes brus enfantent toutes bien!
88Bûche bénie, allume le feu! ‘Aussitôt – prenant le tronc dans leurs mains brunes –, ils le jettent entier dans l’âtre vaste. – Vous verriez alors gâteaux à l’huile –, et escargots dans l’aoili – heurter, dans ce beau festin! –, vin cuit, nougat d’amandes et fruits de la vigne.’» Frédéric Mistral, Mirèio, Notes au chant VII (6.e ed., pp. 309-112).
89«La veillée de Noël est l’espace de temps qui s’écoule depuis huit heures du soir jusqu’à minuit, heure où se chante la première messe. Toute la famille est réunie autour du foyer, sur laquel brûle lentement une bûche enorme qu’on appelle la souche de Noël, et qui devra résister pendant trois jours. On chante, on se livre à divers amusements pendant celle veille, mais toute le monde est à jeun, même les animaux. Au retour de la messe, gens et bêtes en sont dédommagés par une distribution extraordinaire de vivres. La famille s’asseoit autour de la table, et fait un copieux repas qu’on nomme réveillon, après lequel il est d’usage de détacher de la souche un gros charbon embrasé que l’on suspend au plafond au moyen d’une épingle attachée à un fil. Alors toute la famille se place autour, et chacun se divertit à souffler dessus, de manière á l’envoyer au nez de son voisin. Ce jeu se prolongue jusqu’à ce que le charbon soit éteint ou qu’il tombe. Chacun en se retirant emporte un tison ou quelques charbons provenant de la souche, et les place sur le ciel de son lit. Ils ont la propriété de préserver de la foudre.» Beaulieu, Archéologie de la Lorraine (Paris, 1840-3.8.°), i, pp. 251-2.
90«Croire qu’une buche que l’on commence à mettre au feu la veille de Noël (ce qui fait qu’elle est appellée le Trefoir, ou le Tison de Noël) et que l’on continue d’y mettre quelque temps tous les jours jusqu’aux Rois, peut garantir d’incendie ou de tonnerre toute l’année, la maison oú elle est gardée sous un lit, on en quelqu’autre endroit; qu’elle peut empêcher que ceux qui y demeurent, n’ayent les mules aux talons en hyver; qu’elle peut guerir les bestiaux de quantité de maladies: qu’elle peut délivrer les vaches prêtes à vêler, en faisant tremper un morceau dans leur breuvage, enfin qu’elle peut preserver les blés de la rouille en jettant de sa cendre dans les champs.» Jean Baptiste Thiers, Traité des Superstitions qui regardent les Sacrements, i, p. 323.
91«Le 24 décembre, vers six heures du soir, chaque famille met à son feu une énorme buche, appelée souche de Noël. On défend aux enfants de s’y asseoir, parceque, leur dit-on, ils y attraperaient la gale. Notez qu’il est d’usage, dans presque tout le pays (la Lorraine), de mettre le bois au foyer dans toute sa longueur, qui est d’environ quatre pieds, et de l’y faire brûler par un bout. Cette manière de faire le feu présente sur l’autre bout une espèce de siège dont les petits enfants profitent pour s’asseoir et se chauffer. Au retour de la messe de minuit, chacun fait un petit repas appelé recinon. On dit reciner, pour faire le recinon.» Mémoires de l’Académie Celtique, iii, 441 (1809), apud Brand, ob. cit., i, 468 not.
92Italia. «En Italie, l’arbre de Noël n’est plus populaire; il y a été remplacé par l’arbre de Mai, symbole équivalent. Toutefois de sûrs indices permettent d’affirmer que l’Italie a possédé sa Noël, sa fête du solstice hivernal: dans presque toutes ses provinces, la plus grosse bûche (ceppo) est toujours mise en réserve pour le feu de Noël; en Toscane, non seulement Noël a reçu le nom de Ceppo, mais on y dresse encore ce jour-là de petites machines en bois colorié, ornée de rubans, qui peuvent passer pour de diminutifs assez grossiers d’arbre ou de cabane; sur la base de cet édicule (capannuccia), parmi de petites bougies, un enfant Jesus en cire est couché dans la mousse. La forme indécise de la capannuccia semble combiner les deux traditions qui se rattachent également à la naissance du Christ, l’arbre et la crêche. Seulement l’arbe et la buche qui en est un fragment n’ont pas pour les catholiques un caractère vraiment orthodoxe; une méfiance instinctive instinctive semble les avertir qu’il s’agit d’un usage antérieur au christianisme, d’une réminiscence païenne.» A. de Gubernatis, La Mythol. des Plantes, i, pp. 251-2.
93Inglaterra. «’The Christmas block’, mentionned in a preceding quotation, is the Yule Log, or Yule Clog, another superstition of this period (Christmas): this is a large block or log of wood, laid on the fire on Christmas Eve, which, if possible, is kept burning all the day or longer. In some places, its self extinction is portentous of evil. A portion of the old log of the preceding year is sometimes saved to light up the new log at the next Christmas, to preserve the family from harm in the meanwhile: during the time that this log lasts, the servants in farm-houses are entitled by custom to have ale at their meais. The Yule log was relighted on Candlemas Eve. This custom is beautifully noticed by our old poet Heyrick (On Christmas Eve):
Kindle the Christmas Brand, and then
Till sunne set let it burne
Which quencht, then lay it up agen,
Till Christmas next returne.
Part must be kept, wherewith to teend
The Christmas Log next yeare;
And where’lis safely kept, the fiend
Can do no mischiefe there.»
94Hampson, ob. cit. i, pp. 115-116. Brand, ob. cit., i, p. 470, traz a seguinte passagem do Christmas, poema de Romaine Joseph Torn (1795):
Thy welcome Eve, lov’d Christmas now arrived,
The parish bells their tunefull peals resound,
And mirth and gladness every breast pervade.
The pondrous ashen fagott, from the yard,
The jolly farmer to his crowded hall
Conveys, with speed; where, on rising flames
(Already fed with store of massy brands)
It blazes soon; nine bandages it bears,
And as they each disjoin (so custom wills),
A mighty jug of sparkling cyder’s brought,
With brandy myxt, to elevate the guests.
95E noutro lugar:
– High on the cheerful fire
Is blazing seen th’enormous Christmas brand.
96«The yule-log (or clog) and yule-candles are duly burned there (Cleveland) on Christmas Eve, the carpenter supplying his customers with the former, the grocer with the latter.» Henderson, ob. cit., p. 50.
97Numa passagem do Mirror, citada por A. Kuhn, ob. cit., ii, p. 106, lê-se:
98«In Gloucestershire and Herefordshire, there is a custom, on Twelfth-Day, of having twelve small fires made, and one large one, in many parishes of that country, in honour of the day.»
99Holanda. «Am Kirmes-abend wird zu Gerasdsbergen das Wurzelende einer Tanne oder Buche ins Feuer gelegt, ein anderes Licht darf man nicht brennen.» Wolf’s Wodana, p. 106, apud. A. Kuhn, ob cit., ii, p. 105. O costume é o mesmo, mas a época diversa.
100Alemanha. A mais antiga menção do costume acha-se num documento do século xii (1184), citado por J. Grimm, D. Mythol., p. 594: «et arborem in nativitate domini ad festivum ignem suum adducendam esse dicebat (fala-se do pároco de Ahlen, no termo de Münster).» «Am ersten Weihnachstag war es sonst Sitte eine grossen Block ans Feuer zu legen, ihn dann, sobald er ein wenig angebrannt war zurückziehen und dann aufzubewahren; man legte ihn aber wieder an, wenn cin Glewitter heranzog, weil man glaubte, der Blitz schlage dann nicht ein. Weidenhausen. Diesen Block nennt man nach einer Mittheilung des Lehrers Kuhn den Christbrand. Dieselbe Sitte und Benennung in Girkshaufen.» A. Kubn, ob. cit., ii, pp. 103-4. «Auch audere auf die ferne Heidenzeit deutende Gebräuche altgläubiger Laudleute begegnen uns noch in Gebirgsgegenden. So an Sieg und Lahn die Neuanlage des Grundblocks am Feuerherde. Ein schwerer Klotz aus Eichenholz, gewöhnlich ein Erdstummel wird entweder indem Feeuerherde Cingegraben oder in einer dafür bestimmten Mauernische interhalb des Hehlhakens (Kesselfang) angebracht. Wenn das Herdfeuer in Glut kommt, glimmt dieser Klotz mit, doch ist er so angebracht, dass er kaum in Jahresfrist völlig verkohlt. Sein Rest wird bei der Neuanlage sorgfältig herausgenommen, zu Staub gestossen und während der dreizehn Nächte auf die Feldergestreut. Dies, so wähnte man, befördere die Fruchtbarkeit der Jahresernte.» Montanus, Die deutsche Volks feste, etc., apud. A. Kuhn, ob. cit., ii, pp. 104-5.
101Lituânia. Os lettos chamam à noite de Natal blukku wakkars, noite do cepo, por causa do cepo que se queima nessa ocasião. J. Grimm, D. Mythol., p. 594.
102O mesmo costume existe provavelmente entre os eslavos, assim como entre outros povos que não mencionamos. O cepo parece ter significação semelhante à das fogueiras de S. João; estas divergem apenas em serem feitas em lugar descoberto, e a festa do cepo ser em geral doméstica. O cepo simbolizaria o fogo ou calor solar, que então renasce. O seu emprego na festa dar-lhe-ia um carácter sagrado, como as palmas e velas bentas, e por isso teria o poder de afastar as tempestades, de produzir fecundidade nos campos, etc. Nalgumas partes acendem-se velas pelo Natal.
103«For this season, in some places, candles are made of a particular kind; because the candle that is lighted on Christmas day, must be so large as to burn from the time of its ignitions to the close of the day, otherwise it will portend evil to the family for the ensuing year... The poor were wont to present the rich with wax tapers; and yule Candles are still in the north of Scotland, given by merchants to their stated customers. Within these few years, children at the village schools in Lancashire, were required to bring each a mould candle before the Parting or separation for the Christmas holidays; grocers, in Leeds, have the Scotish custom, and the candle so given is there called a Christmas Candle. As the present time children in London are presented with miniature candles on Boxing Day. By many persons in Scotland who rigidly observe the superstitions of the season, the Yule Candle is suffered to burn out; by others it is extinguished and preserved ‘for luck’.» Hampson, ob. cit, i, p. 109. Vid. supra a passagem de Henderson sobre o yule-clog.
104Entre o cepo e as velas do Natal há evidentemente íntima conexão; compare-se também o círio pascal, um símbolo de origem pagã, representando também o sol. Hampson lembra que nas Saturnais (17 a 19 de Dezembro) os Romanos acendiam luzes em honra da divindade. Pela mesma festa os clientes romanos presenteavam os seus patronos com velas de cera. A. Kuhn, ob. cit., ii, p. 106. Este sábio mitólogo, fundando-se em factos da mitologia germânica, explica assim o costume: «Visto que o cepo é cortado de um carvalho, preserva contra o raio e assegura a fecundidade dos campos, parece ser antes queimado em honra de Donar10 do que, como pretende Wolf, Beiträge, i, p. 117, em honra de Fro.» Kuhn crê que as duas divindades deviam estar em estreita relação.
10520. Sobre a Árvore do Natal, de que não trataremos, visto que lhe falta entre nós o carácter popular, vid. Augusti, ob. cit., xiii, pp. 317-328; A. de Gubernatis, ob. cit., i, pp. 251-3; Mannhardt, Der Baumcultus der Germanen and ihrer Nachbärstamm, obra que não temos à mão, mas cujas conclusões sobre a árvore do Natal achamos em H. H. Ploss, Das Kind, ii, p. 240 (Stuttgart, 1876, 8.°).
Apêndice
Cantos populares do Natal (Coimbra)
Estava Maria
À borda do rio
A lavar as fraldas
Do bento filho.
Maria lavava
São José estendia,
O menino chorava
com frio que tinha
– Escutai, meu menino
Escutai, meu amor,
Qu’isto são navalhinhas
Que cortam sem dor.
Filhos d’homem rico
Em bons cobertores,
Só vós, meu menino,
Coberto de dores.
Filhos d’homem rico
Em bons lençóis finos,
Só vós, meu menino,
Coroado d’espinhos.
Filhos d’homem rico
Em berço dourado,
Só vós meu menino,
Em palhas deitado.
Em palhas deitado,
Em palhas nascido,
Filho d’uma rosa,
Cravo escolhido.
Ó meu menino Jesus,
Quem vos deu, porque chorais?
– Deu-me minha avó Sant’Ana,
Oxalá me dera mais.
– Ó meu menino Jesus,
Quem vos deu esse chapéu?
– Deu-mo minha avó Sant’Ana;
A fita veio do céu.
– Ó meu menino Jesus,
Qu’é da vossa cabeleira?
– Deixei-a em Santa Clara
No regaço duma freira.
Ó meu menino Jesus,
Quereis vós castanhas quentes?
Abri a vossa boquinha
Para ver se tendes dentes.
Do Natal aos Reis
10621. Nesta época fazia-se antigamente a eleição do bispo dos loucos, ou no dia da festa dos Santos Inocentes, ou no primeiro de Janeiro.
107«Os portugueses tiveram com efeito os seus Bispos Fátuos, e principalmente as comunidades religiosas, mas sem as indecências ponderadas.11 Eu, que nos meus primeiros anos presenciei este Bispo de teatro, não menino, mas sacerdote, no primeiro de Janeiro, e na solenidade dos Reis, posso dar testemunho à verdade, como o desengano sério faz desaparecer de entre gente religiosa tão desmascarada loucura.» Santa Rosa de Viterbo, Elucidario, s. v. Bispo dos Fátuos.
10822. Do modo como está o tempo no primeiro do ano prognostica-se para o resto do ano. Um adágio diz:
O mau ano
Em Portugal
Entra nadando.
109Isto significa que o ano será mau se chover muito no começo de Janeiro. 23. Um outro adágio, diz:
O mês de Janeiro,
Como bom cavaleiro,
Assim acaba
Como na entrada.
110Isto significa que o tempo estará no último de Janeiro como no primeiro.
11124. O que se fizer no primeiro de Janeiro se fará todo o ano (Brasil). Almanaque de Lembranças para 1864, p. 284.
11225. Na véspera do Ano Novo ou, como se diz usualmente, do dia de Ano Bom, e na véspera do dia da festa dos Reis, à noite, bandos de crianças e adultos, com instrumentos de música, e na falta de melhor com campainhas e tambores improvisados com pequenos barris sobre que se ata uma pele, vão pelas portas das pessoas de que esperam obter algumas dádivas, entoar diversos cantos. Chama-se a isto pedir as janeiras, o Ano Novo, ou os Reis. Os cantos são já romances ou estrofes tradicionais, já improvisos do momento, já trovas clichés que se acomodam simplesmente às pessoas. (Porto, Minho.)
113Eis alguns espécimes desses cantos:
Canto de rapazes
Ó da casa dê-n’os Reis
Que não semos senão seis;
Bote-nos aqui num prato,
Que não semos senão quatro,
Se n’os poderem dar,
Bem se podem aviar:
Nós temos muito para andar
E pouco para arrecadar.
(Celorico de Basto.)
Canto de adultos
Ó da casa dê-n’os Reis
Bem sabeis p’ra quem pedimos:
P’ra mãe de Nossa Senhora,
Virgem santa dos meninos.
Os meninos como o ouro
Deitadinhos nas palhinhas;
Tanta foi a minha mágoa
De os ver tão pobrezinhos!
Encheram-me os olhos d’água,
Corriam fio a fio.
O carvalho é folhudo,
Já lhe caiu a bolota;
Se nos hão-de dar os Reis
Mandem-nos abrir a porta.
Uma noite como esta
Cantam-se os Reis aos fidalgos;
Vamos-lhos cantar, senhores,
Que nos dêem Reis melhorados.
Melhorados sejam eles
Pela estrela da Guia,
Donde a Virgem pariria.
Não quis parir em flor,
Foi parir a Belém
Numa pobre manjedoira,
Donde o boi vento cobria,
Com a sua cornadura,
E a mula descobria
Com a sua ferradura.
Eu te amaldiçoo, mula,
Que não pairas coisa alguma;
Se alguma coisa parires,
Que não veja sol nem lua.
Vinde, vinde, meus meninos,
Vinde, não vos detenhais:
Meu coração desfalece,
Já não pode esperar mais.
Vinde, vinde, meus meninos,
Saí fora, vinde ver
A pobreza do lugar,
Que tendes para manter.
(Celorico de Basto.)
Outro canto de adultos
Ó da casa, nobre gente,
Escutareis e ouvireis
Uma cantiga mui nobre,
Que se canta pelos Reis.
Quer os deis quer os não deis
Sempre c’os anjos sejeis.
São chegados orientes (sic)
Três reis que vêm adorar;
Se vêm para ver o menino,
Mistério mais singular:
O menino está no berço,
C’o ele está S. José;
Os anjos lhe estão cantando;
Gloria tibe Domine.
Levanta-te daí, senhora,
Desse seu estrado doirado;
Venha-nos dar os réis santos
Em louvor de Sant’Iago.
Erga-se daí, senhora,
Desse seu estrado de seda;
Venha-nos dar os Reis santos
Em louvor de Santa Teresa.
114Se os cantores não recebem nada descantam da seguinte forma:
Estes Reis que aqui cantámos
Tornemo-los a descantar.
Estes barbas de farelo
Não têm nada que nos dar.
115Afastando-se cantam ainda contra os que nada deram:
Esta casa cheira a unto;
Mora nela algum defunto.
Esta casa cheira ao breu;
Mora nela algum judeu.
Esta casa cheira ao barro;
Mora nela algum diabo.
(Celorico de Basto.)
11626. Na Foz do Dão nos dias 3 e 6 de Janeiro juntam-se os rapazes em grupos e percorrem as ruas a pedir as janeirinhas. Costumam dar-lhes chouriços, cebolas, batatas, alhos, castanhas, maçãs, passas, vinho, etc. Um dos do bando vai adiante com uma candeia a alumiar; quando se lhes acaba o azeite é costume enchê-la de novo na casa a que vão pedir. Outro vai com um saco para receber as esmolas. Se não recebem esmola dizem:
Surrão, surrão,
Esta casa vai ao chão.
117Quando lhe dão, dizem:
Ripa, ripa,
Esta casa seja rica.
118No fim assam castanhas numa fogueira, etc. Almanaque de Lembranças para 1873, p. 196.
11927. «Outrossim estabelecem que daqui em diante nesta cidade e seu termo nem se cantem Janeiras nem Maias, nem a outro nenhum mês do ano, nem se lance cal às portas só título de Janeiro...
120Estabelecem que qualquer que para Maias ou Janeiras emprestar bestas, vestires, joias ou quaisquer apostamentos perca tudo aquilo que assim emprestar e hajam todo os acusadores e concelho de permeio.»
121Varias Leys, e assentos, que se tomarão no Senado da Camara no tempo de delRey D. João o i, para bom regimen do Reyno. – J. Soares da Silva, Colecção de documentos com que se authorisam as Memórias para a vida delrey D. João i, t. iv, p. 362. Lisboa, 1734, 4.°
12228. «Uma novidade contarei, que não acho nas histórias, digna de se saber, de cuja origem não há poder-se achar rasto algum, que é esta. Todos os primeiros dias de Janeiro princípio do ano, em saindo novos vereadores, e oficiais da Câmara, logo vão visitar el-rei de Cochim, e lhe levam um português de ouro, o que até hoje dura; e nem os mesmos vereadores sabem a razão de porque fazem aquilo. O que eu presumo é que se lhe dá aquilo a modo de pitança, que lhe oferecem, quando lhe vão dar os bons anos em gratificação daquela cidade, que lhe deu: ou também se lhe oferecerá por peça que naquele tempo, que descobrimos a índia, se lhe costumava a dar de Janeiras.» – Diogo do Couto, Da Ásia, década vii, liv. x, cap. 12.
29. Já dos Bons anos fervida cohorte
Busca as portas dos Ricos, invejadas;
Bandejas de xarão lhe vem no alcance,
Co’as trouxas loiras, com os pardos fartes,
E co’os antigos bolos de refego,
Caseiro dom dos nossos bons Maiores.
(Francisco Manuel do Nascimento, Obras, ed. Paris, tomo iv, p. 25.12)
30. Dias treze, a que a vã Gentilidade
Deu o nome da bela e impura Deusa,
Convidam as Donzelas Lisbonenses
A buscar desse santo13 as puras aras.
Devotos umas vão, outras não tanto,
Mas todas confiadas na valia
Do Intercessor do casto matrimónio,
Único voto das não frias Ninfas.
Vós o sabeis, austeros Cenobitas,
Que recebeis os ovos e as pescadas,
Insigne dom da piedosa força,
Com que ao Céu esta graça quase arrancam.
(Ibid. p. 28.)
12331. É costume mandar as pessoas crédulas na manhã do dia de Reis a diversos lugares, dizendo-lhe que vão esperar os Reis, que vêm visitar o menino Jesus ao presépio.
12432. O uso do bolo-rei, isto é, do bolo que tem uma fava que faz nomear rei da festa da Epifânia aquele a quem toca a parte em que ela se acha, é, cremos, de introdução inteiramente recente e ainda desconhecido das classes populares.
Fevereiro e os dias de empréstimo
12533. A mãe de Fevereiro pediu-lhe que a pusesse ao sol para se aquecer; Fevereiro assim fez; mas quando a velha se aquecia o patife do filho fez um grande aguaceiro que a matou. (Contado por uma octogenária da Foz do Douro.)
12634. Fevereiro emprestou a Março três dias por uma tijela de papas e desde então ficaram compadres; é por isso que Fevereiro tem menos três dias que Março. (Contado por uma octogenária da Foz do Douro.)
12735. Havia uma velha que tinha oito bezerros; vendo que Fevereiro estava a acabar e os seus bezerros vivos, disse toda contente:
Vai-te, meu Fevereiro curto,
Que cá ficam os meus bezerrinhos todos uito.
128Mas Fevereiro respondeu-lhe:
Ora cala-te, que aí vem meu irmão Março,
Que dos oito ficarão quatro.
(Contado por uma octogenária da Foz do Douro.)
12936. Conta-se que Fevereiro disse um dia:
A mim chamam-me arreganhado,
Mas deixai vir o meu amigo Março
Que de mim tomou quatro.
(mas tomou só três)
Que não ficará ovelha nem farrapo
Nem pastor, se fosse fraco.
(De um cavador de enchada da Beira Baixa.)
13037. Comparem-se com as tradições precedentes os seguintes provérbios:
Lá vem Fevereiro
Que leva a ovelha,
E o carneiro.
Em Março
Queimou a velha o maço;
Em Abril
Queimou a velha o carro e carril;
E uma cama que lhe ficou
Em Maio a queimou;
E em ainda lhe ficou como um punho
Que acabou em Junho.
A rês perdida
Em Abril cobra vida.
Quinta-feira de comadres
13138. Na quinta-feira que segue o domingo da septuagésima escrevem-se em papéis diversos nomes de pessoas do sexo masculino que por qualquer motivo se escolhem e reunida a família e pessoas de amizade cada um tira a sorte de uma urna, ou traste que a substitui, um papelinho; a pessoa cujo nome ali está escrito é considerada como comadre da que o tirou até à quinta-feira do ano seguinte.
13239. Na quinta-feira que segue à de comadres tiram-se à sorte o nome dos compadres da mesma forma.
O Entrudo
13340. Os costumes do Entrudo, como muito conhecidos, não merecem especial menção. O povo meio comicamente, meio a sério, faz do Entrudo um santo; a expressão Santo Entrudo é muito usual. Um soneto do século passado, bem conhecido, resume os costumes dessa festa, que todos estão ainda em vigor:
Filhós, fatias, sonhos, mal assadas,
Galinhas, porco, vaca e mais carneiro,
Os perus em poder do pasteleiro,
Esguichar, deitar pulhas14, laranjadas;
Esfarinhar, pôr rabos, dar risadas,
Gastar para comer muito dinheiro,
Não ter mãos a medir o Taverneiro
Com résteas de cebolas dar pancadas;
Das janelas com tanto dar na gente,
A buzina a tanger, quebrar panelas,
Querer em um dia comer tudo;
Não perdoar arroz, nem cuscuz quente,
Despejar pratos, e alimpar tijelas,
Estas as festas são do gordo Entrudo.
(António Serrão de Castro.)
Quaresma
13441. Em Bragança, em quarta-feira de Cinza, um homem vestido de morte, com a foice numa das mãos e com um tirapé na outra percorre as ruas zurzindo os rapazes, que o perseguem à pedrada, gritando-lhe:
Ó Morte
Ó piela
Sete costelas e meia
Nariz de canela.
Ó Morte
Ó piela
Tira a chicha
Da panela.
135O vestido é alugado pela Misericórdia em arrematação; cada arrematante só pode trazê-lo uma hora; o último vai na procissão da Cinza. (Comunicação feita há alguns anos pelo Sr. Furtado, hoje farmacêutico em Bragança. O costume é referido por J. A. d’Almeida, Dicc. abrev. de Chorogr., i, p. 190.)
13642. Na procissão da Cinza, na Figueira da Foz, iam há anos três crianças que representavam o sol, a lua e a noite.
13743. A quarta-feira da quarta semana de Quaresma é o dia da serração da velha; cada um interpreta a seu modo o que seja essa velha. É costume nesse dia mandar os simplórios ver serrar a velha, aconselhando-os a que levem bancos, escadas, etc., para de cima deles verem melhor; depois os enganadores correm os pobres curiosos com vaias, quando lhes não dão pancada.
138Havia ainda há trinta anos o costume de representar a serração da velha. O cerimonial era complicado. Um sujeito que tivesse veia cómica era escolhido para fazer o papel de velha; nomeava seus testamenteiros e mencionava os seus legados; recebia doces e vinho e metia-se ou era metido por fim num cilindro de cortiça que era serrado no meio de gritos dolorosos da velha e da gargalhada dos circunstantes; a velha evadia-se antes de a serra lhe tocar e o cortiço era queimado. (Coimbra, Montemor-o-Velho, etc.)
139A serração da velha ministrou assunto a diversas composições facetas do século passado, sem valor tradicional. Tais são os seguintes folhetos. 1. Relação curiosa da fugida que fez uma velha para o deserto, com temor de ser serrada na presente quaresma, pelo grande e justo medo dos rapazes, e mais plebe, e o encontro que teve com um pastor, as falas que tiveram, e como este a conduziu a uma cova deserta aonde ficou segura. Composto pelo A. da R., Lisboa, na oficina de Francisco Borges de Sousa. Ano 1785. A mesma sem data e com o título: Nova fugida da velha para o deserto com temor da serração e medo dos poetas. Parece haver uma edição de 1754. A velha é interpretada ali como sendo a quaresma. 2. Novo Testamento que faz Maria Quaresma a Bexiga, natural e moradora em Belém, a qual vai em este ano de 1755 a sarrar. 4.°, 8, p. 3. Disputa entre duas velhas, Isabel Fernandes e Catarina Lopes, dando uma à outra a notícia de que havia ir a serrar. Observada por J. C. V. de M., Lisboa, na oficina de Miguel Rodrigues, impressor do eminentíssimo cardeal patriarca. 1773, 4.°, 8, página sem numeração. Eis uma amostra deste último:
Cath Num cortiço! E quem faz tal injustiça?
Só bárbaros, cruéis e desumanos:
Eu, que tenho pouco mais de oitenta anos,
E meto ainda a muitos sua cobiça?
Eu que nas sortes fui admitida
Este ano das Comadres tanto em paz,
Ficando-me compadre um bom rapaz,
Hei-de assim num cortiço dar a vida?
14044. Na procissão dos Passos no Fundão vai uma figura coberta da cabeça aos pés com uma túnica e cabeção verde-cinza, com buracos no lugar dos olhos e boca, tocando uma espécie de buzina; chamam-lhe o anjo da calhorra; os rapazes perseguem-na à pedrada.
14145. No domingo que precede o de Ramos, chamado domingo de Lázaro, vendem-se bolos de massa com figura de homem ou de animais, com os quais se presenteiam as crianças; a essas figuras chamam-se bonecos de S. Lázaro. (Coimbra, Porto, etc.)
14246. Na Quaresma, ou antes dessa época, faz-se ou fazia-se em diversos lugares a procissão dos fogaréus.
14347. Em Braga a procissão dos Passos fazia-se de noite e era chamada dos fogaréus porque adiante iam seis homens vestidos de farricocos com grandes paus encimados por forquilhas de ferro, onde levavam pinhas besuntadas de pez a arder. Eram acompanhados por enorme algazarra, e vociferavam contra todas as maiores insolências e obscenidades. Este costume acabou há poucos anos, com resistência do povo. (Comunicação de B. M. de Sá.)
14448. Em Coimbra em quinta-feira de Endoenças saía da Misericórdia uma procissão em que iam mendigos com archotes na mão; era chamada a procissão dos fogaréus ou dos farricocos.
14549. Em Faro no dia 29 de Janeiro celebra-se uma festa a S. Sebastião em que na volta da procissão o povo com cotos de velas em paus, rodeados com um guarda-vento de papel, com archotes, etc., fazem um préstito adiante do santo, queimando uns as barbas aos outros. As mães saem à rua com as crianças ao colo, levando tochas na mão. (Almanaque de Lembranças para 1860, p. 83.)
14650. Crê-se que as palmas, alecrim, outras plantas ainda, e as velas que ficaram bentas por se ter assistido com elas à festividade dos Ramos (domingo de Ramos ou das Palmas) são preservativo contra o raio; acendendo a vela benta, queimando alecrim (Rosmarinus officinalis) bento, desvia-se a tempestade.
14751. Um ramo de alecrim ou ainda de flores que se dá pelas proximidades da semana santa obriga a pessoa que o aceita a dar as amêndoas, isto é, um presente em quinta-feira santa, consistindo em amêndoas confeitadas ou em qualquer outra lembrança.
14852. Em quarta-feira de trevas põe-se um ferro sobre a ave que choca ovos para eles não gorarem. (Almanaque de Lembranças para 1860, p. 207.)
14953. Em quinta-feira de Endoenças (quinta-feira santa) deve-se fritar ainda que não seja senão um ovo, a fim do fumo chegar ao céu, o que torna Deus favorável e dá fartura a quem frita. (Foz do Douro.)
15054. Em quarta-feira de trevas não se fia depois do pôr do Sol, porque foi então que os judeus fiaram as cordas com que prenderam Jesus. (Almanaque de Lembranças para 1860, p. 207.)
15155. Quem fia em sexta-feira de Paixão (sexta-feira santa) morrerá em pouco tempo; não se deve também coser nesse dia, porque quem fia, fia as cordas com que prenderam o Senhor, e quem cose, cose a túnica do Senhor. (Comunicado por uma mulher de Tomar.)
15256. Em sexta-feira de Paixão não se deve coser, nem fiar, nem lavar a roupa, nem estender a secar a que estiver lavada, porque a roupa desaparece; não se devem fazer queijos, porque eles aparecem cobertos de sangue. (Alcobaça, comunicação verbal.)
15357. Em sábado de Aleluia à hora em que soa o toque de aleluia queima-se em muitas terras de Portugal, incluindo Lisboa, Porto e Coimbra, uma figura cheia de palha que se chama o Judas; o povo interpreta isto como punição do apóstolo traidor. Muitas vezes o Judas figura um personagem vivo.
15458. No fim da Quaresma (sábado de Aleluia) faz-se o enterro do bacalhau em diferentes terras. Um préstito composto de indivíduos ordinariamente embrulhados em lençóis, com tochas ou archotes na mão, levam um féretro em que vai um bacalhau que ou é enterrado ou lançado ao rio.
15559. No sábado de Aleluia furta-se água da pia baptismal: três gotinhas deitadas na comida (depois de tirada do lume, pois enquanto ela ferve é pecado) livram de malefícios e feitiços a quem come. (Almanaque de Lembranças para 1860, p. 27.)
15660. Pela Páscoa (festa da Ressurreição) os padrinhos dão o folar aos afilhados; na sua forma tradicional o folar é um bolo de massa de farinha com ovos e açúcar, tendo implantados alguns ovos inteiros cozidos, com a casca colorida de vermelho.
15761. A festa da Páscoa celebra-se com danças, mascaradas e pequenas fogueiras em diversos lugares.
15862. Na segunda-feira que se segue ao domingo de Páscoa realiza-se nos subúrbios de Braga, além da ponte de S. João, a popular romaria de Santo Adrião, aonde é costume os namorados das aldeias irem beber por uma telha, de uma água que nasce nas proximidades da capela do santo. Tem esta água a virtude de fazer felizes os namorados, quando entrem no gozo das leis santas do consórcio. (Diário de Notícias, n.° 5078, 16.° ano, 1880 – sábado, 27 de Março.)
Abril
15963. O primeiro dia de Abril é o dia dos enganos, no Porto e outras terras do Norte do País. Esses enganos são muito variados; os mais usuais consistem em mandar presentes simulados, presentear bolos cheios de estopa, deitar nas ruas cartuchos cheios de areia ou terra, pregar dinheiro falso em pequenas estacas fixas na rua para os papalvos se abaixarem a apanhá-lo, sendo então perseguidos com vaias. Esses enganos encontram-se também pelo Entrudo, principalmente ao sul do País, a partir da Bairrada.
16064. Na primeira terça-feira de Abril faz-se no Porto a primeira feira dos criados; a segunda é pelo S. Miguel.
16165. No dia 5 de Abril, em que se celebra a festa de Nossa Senhora dos Prazeres, há em Lisboa, no cemitério dos Prazeres, um verdadeiro arraial; há ali uma capela da invocação da Senhora dos Prazeres. Os campos são também muito procurados nesse dia; chama-se ao passeio ir buscar as sestas. A partir desse dia os operários têm sesta, isto é, descanso do meio-dia às duas horas da tarde. As sestas acabam a 8 de Setembro.
Maio
16266. «Maias ainda hoje se usam em Portugal nos domingos e dias santos do mês de Maio, pondo-se em algumas ruas umas mesas, cobertas com alcatifas, ou outros panos, e se assenta em cada uma delas uma menina ou moça, bem vestida, e adornada com flores, que pede dinheiro às pessoas que passam.» Bluteau, Vocabulario, s. v. Mayas.
16367. Nas províncias, e com especialidade no Algarve, muita gente das cidades e vilas vai armar a Maia na sua fazenda, e festejá-la com escolhidos manjares e saborosas frutas em companhia de parentes e amigos. O banquete é precedido de cantigas e brinquedos. Quando a Maia desce do seu trono de flores a festa acaba. (Almanaque de Lembranças para 1863, p. 180.)
16468. Em Lagos era costume festejar o primeiro de Maio com uma procissão em que ia um rapaz a cavalo ornado de muitas flores e jóias emprestadas; diz-se que um Maio fugiu uma vez. (Almanaque de Lembranças para 1859, p. 181.) A tradição da fuga do Maio com as jóias de que o tinham enfeitado encontra-se em várias terras do País, cujos habitantes geralmente consideram como uma grave ofensa que se lhe pergunte se já voltou o Maio.
16569. No Fundão no primeiro de Maio percorre as ruas o Maio, que é um rapaz todo coberto de folhas verdes. (Comunicação de J. J. de Almeida.)
16670. No Porto, etc., adornam-se as portas e janelas, os carros e os animais de lavoura com flores de giesta no primeiro de Maio; diz-se que é por causa do burro. Uns explicam o burro como sendo quebranto, outros dizem que é a fome; as flores das giestas assim colocadas nesse dia fariam vir meios de subsistência até ao Maio do ano seguinte. O povo diz ainda que o costume é em memória de Nosso Senhor Jesus Cristo e explica-o da seguinte forma: quando os judeus buscavam Cristo para o prender viram-no entrar numa casa e puseram um sinal de ramo de giesta à porta, enquanto iam chamar tropa; mas os Apóstolos que lhes perceberam as intenções puseram ramos de giestas a todas as portas. Cristo não foi ainda preso naquela ocasião.
16771. No primeiro de Maio todos devem colocar nas portas e janelas flores de giesta, preservativo contra o Maio, que sem ele aleijará os bacorinhos, pintos, anhos, etc. (Minho. Almanaque de Lembranças para 1863, p. 228.)
16872. Em Maio, segundo Bluteau, cantavam os rapazes:
Viva o Maio carambola
Que ele vai jogando à bola.
16973. Um provérbio diz:
Primeiro de Maio
Corre o lobo e o veado.
Ascensão
17074. Em quinta-feira de Ascensão vai-se aos campos buscar a espiga; quem nesse dia apanha uma espiga de trigo e a conserva em casa tem pão todo o ano. (Lisboa, etc.)
17175. Um provérbio diz:
Se chover em quinta-feira d’Ascensão
As pedrinhas darão pão.
17276. O vento que soprar à uma hora da tarde em quinta-feira de Ascensão soprará todo o Verão.
17377. «Isto se confirma com a tradição, que diz haver menos de cento e cinquenta anos que vinham a esta igreja (de Santa Maria de Guardão, Beira) em procissão no dia da Ascensão do Senhor com suas cruzes os moradores destes lugares (terras de Santa Maria de Besteiros), porém hoje não vem mais de que três freguesias, que são a do Salvador de Castelões, e de Santiago, e a de Santa Eulália de Besteiros, e vêm nesta forma: Saem da sua igreja em procissão com todo o povo até uma Ermida de S. Bartolomeu, que dista da Igreja de Santa Maria do Guardão dois tiros de mosquete, e da mesma ermida vem cantando a ladainha até junto a esta igreja, aonde param, e dela no mesmo tempo sae outra procissão e chegando uns fregueses aos outros, se saudam com muitos tiros de espingardas, e pistolas em acção de aplauso, e se põem naquele sítio todos de joelhos até que a cruz desta freguesia chega às outras, em formas, que se abraçam as cruzes, e aos sons de muitos tiros chegam à igreja, aonde o pároco hóspede canta uma antífona da Senhora da Assunção; e isto é tão antigo, que se lhe não sabe princípio, mais que a tradição de que estes povos foram aqui fregueses.» P. António Carvalho da Costa, Corografia portugueza, ii, p. 190. Lisboa, 1708, fol.
17478. Em quinta-feira de Ascensão ornam-se as igrejas com gaiolas tendo aves canoras; à hora, isto é, no momento em que se comemora a ascensão, deitam-se flores desfolhadas do tecto da igreja, do coro, etc.
17579. O queijo que é feito em dia de Ascensão serve de medicamento contra as sezões. (Beira, Almanaque de Lembranças para 1860, p. 244.)
Pentecostes
17680. Até ao fim do segundo quartel deste século fazia-se em muitas terras do País a festa do imperador do Espírito Santo, que hoje se encontra apenas nas ilhas adjacentes, no Brasil e na Índia portuguesa.
17781. «Ordenamos e mandamos que quando quer que alguns povos por sua devoção, ou por qualquer outro respeito de serviço de Deus fizerem imperadores e reis e outras festas semelhantes, quiser entrar nas igrejas caladamente sem ruído de tangeres nem vozes, e honestamente, o poderiam fazer. Nas quais igrejas não estarão mais tempo que aos ofícios divinos, ou fazerem oração e passar: nem será usado algum dos que assim entrarem nas ditas igrejas a subir em púlpito, ou em outro semelhante lugar a fazer nem dizer coisa alguma. E se assim subir para fazer as ditas coisas, o havemos por condenado em um cruzado, a metade para a fábrica da igreja, outra metade pera o meirinho, ou para quem o acusar. E aos que entrarem com ruído, havemos por condenados a cada um em um arratel de cera para a mesma igreja onde o caso acontecer.» Constituições do arcebispado Deuora, novamente feitas por mandado do ilustrissimo e reverendissimo senhor dom Joam de Mello, arcebispo do dito arcebispado, etc. Fol. Évora, 1565, tit. xv, cap. xii: Da maneira em que entraram os Imperadores, Reys e jogos que se fazem.
17882. «A muitas coisas notáveis, em que teve boa parte a Rainha Santa Isabel, fez lugar a velhice desta casa (o Convento de Alenquer). Uma é a solenidade do Império, do qual ela e seu marido, para celebrar a festa do Espírito Santo, foram inventores primeiros. E porque a seu exemplo o mesmo Império se usa em muitas partes, brevemente escreveremos as cerimónias dele.
179Dia de Páscoa pela manhã entra na nossa igreja o que há-de ser imperador, assistido de dois reis, e todos acompanhados da nobreza, e do povo, com três pajens, que lhes trazem três coroas, uma das quais deixou para este acto a mesma Rainha santa. E sendo primeiro oferecidas no altar ao Senhor dos senhores, um religioso vestido com vestes sacerdotais coroa com elas a todos três, que assim coroados acompanham a nossa procissão de Cristo ressuscitado. No mesmo dia à tarde sai da igreja do Espírito Santo o dito imperador com muitas festas, e trombetas, grande multidão de gentes com canas verdes nas mãos, e dois pajens adiante, um deles com a coroa, o outro com o estoque, e tornando a este convento, nele se lhe faz a mesma coroação. O sacristão dá ramalhete aos nobres, e eles costumam aqui dançar com duas donzelas de muita honestidade, que a título de se lhes dar parte do dote para o seu casamento acompanham o imperador, e se chamam suas damas. Acabada esta festa torna ele à sobredita igreja, da qual primeiro saiu, com a mesma majestade, onde depois de oferecer a coroa no altar, pelas mãos de um sacerdote a recebe outra vez. Logo se assenta em trono debaixo de um dossel, e os nobres repetindo os seus bailes o festejam cortezmente. Eram tantos os gastos em estas ocasiões, que el-rei D. Manuel os limitou a duas frutas, as quais se dão a quem se acha presente. Deste modo continua o Império pelos domingos seguintes antes do dia da festa, e o último, que por razão das mesmas festas entrará muito pela noite necessitava de luzes, ainda hoje se chama o domingo dos fogaréus.
180Solenizam-se as vésperas com a procissão, nomeada da candeia, da qual também foi autora a mesma santa rainha. Sai do nosso convento com toda a pompa e grandeza do Império, acompanhando um homem, que leva umas madeixas de cera benta nas mãos da qual fica ardendo uma ponta sobre o nosso altar, e o mais se estende pela vila até chegar à igreja de Nossa Senhora de Triana. Aqui ordenou a santa, que toda se enrolasse para depois se gastar nos divinos ofícios, e missas, ficando já cingido todo o corpo da vila com o fio da sua intercessão, ajudado por uma parte da imperatriz dos anjos, e por outra do patriarca dos pobres. E assim aconteceu, que abrasando-se este povo em cruelíssima peste, a mesma candeia estendida pelas ruas lhe purificou o ar corrupto, e desterrou o contágio. Mas hoje alterada a sua disposição, a candeia se repete pela nossa e mais igrejas da vila; e a procissão vai adiante com ela até à casa do Espírito Santo, onde hoje se benze a carne, e mais o pão, que no dia seguinte se há-de gastar no bodo.» Fr. Manuel da Esperança, História Seráfica da Província de Portugal, i parte, liv. i, cap. xxxvii. Lisboa, 1656. Fol. Sobre a festa em Alenquer vid. ainda D. Fernando Correia de Lacerda, História da Vida, Morte, Milagres, etc., de Santa Isabel. Lisboa, 1735, 4.° fól., p. 194 v.
18183. Em relação ao rolo de cera achámos o seguinte num escritor moderno:
182«O rolo atava-se à chave do sacrário em ambas as igrejas, acendiam-se as pontas e ardia todo aquele dia; depois era repartido pela igreja da vila. A câmara tinha a seu cargo o fornecer a cera e em 1707 parece que o rolo custava 30$000. Os dois homens que o levavam à testa da procissão iam nus da cintura para cima em guisa de selvagens.
183Esta festa não é privativa de Alenquer. Em Braga, em certo dia, cerca-se a cidade com um rolo de cera que depois é guardado e arde unicamente em dia de S. Lourenço; quando finda torna-se a fazer a procissão e cerimónia, mas cremos que isso apenas tem lugar uma vez cada século.» Guilherme João Carlos Henriques, Alenquer e Seu Concelho. Lisboa, 1873, 8.°, pp. 205-206.
18484. «Ela (a Rainha Santa Isabel), e el-rei D. Dinis seu marido foram os autores da festa do Espírito Santo, cuja solenidade foi muito celebrada por todo o reino; a que hoje dura em Alenquer, tinha a mesma celebridade pelo reino; isto é, eleger-se imperador, que desde o Domingo de Páscoa até ao dia do Espírito Santo com majestade real assistisse aos ofícios divinos, andasse na procissão, honrasse com sua presença as mesas, e as festas, e invenções, com que o povo procurava alegrar-se. Celebra-se esta acção, que chamam do Império, com grande aparato, levam três coroas: (uma delas foi da Rainha Santa Isabel) servem pessoas nobres ao imperador, que está em trono debaixo de dossel, aonde se assenta depois de oferecer junto do altar uma daquelas coroas na mão do sacerdote, que diz missa. E mandaram estes reis, que assistindo o príncipe herdeiro do reino nesta ocasião em Alenquer, ele fosse o que levasse a coroa desde o convento de S. Francisco até à Igreja do Espírito Santo, aonde se dá princípio à festa, cuja parte principal é que no sábado véspera de Pentecostes se cerca com um rolo de cera benta tudo o que há da vila, começando do dito convento até a Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Triana, assistindo toda a vila em procissão, no que se viram já por vezes milagrosos efeitos, porque fazendo-se esta cerimónia em tempo de grande peste, foi Deus servido cessasse o mal.» P. António Carvalho da Costa, Corografia portugueza, iii, p. 74. Lisboa, 1712, fol.°
18585. Consta por tradição antiquíssima entre os moradores desta vila (Eiras, um lugar ao norte de Coimbra) que, sendo combatida da peste a comarca de Coimbra, todos eles com o seu pároco entraram a fazer gravíssimas deprecações ao Divino Espírito Santo, para que os livrasse de tão grande estrago; e como quer que ficassem singularmente livres, logo fizeram voto ou promessa de em todos os anos elegerem um homem dos melhores do povo, a quem os mais haviam de tributar ofertas dos seus frutos, para que com o nome de Imperador do Espírito Santo festejasse ao mesmo divino nos dias de Páscoa da Ressurreição e Pentescostes. E com efeito ainda hoje se conserva esta antigualha na maneira seguinte:
186«A câmara faz eleição do imperador, a quem entrega em dinheiro 26$000 réis, em trigo 50 alqueires, e de vinho 8 almudes para ajuda do bodo. O eleito toma posse na primeira oitava do Espírito Santo, dia em que vai à igreja matriz acompanhado da câmara, nobres da vila, dois pajens e outros criados, precedendo o acompanhamento umas bandeiras de damasco encarnado. Aí, ajoelhando o imperador no arco da capela-mor ante o pároco da vila, que está assistido do juiz da igreja com a cruz levantada e duas tochas, lhe põem o dito pároco na cabeça, sobre um casquete vermelho, a coroa de prata, que para este efeito lhe ministram dois pajens, dizendo o constitui imperador de Eiras, e tomando depois da mão de outro pajem um terçado, que se conserva antiquíssimo, o entrega ao mesmo imperador, que o beija e torna a entregar ao pajem, vindo assim coroado por dentro da vila, com o referido acompanhamento e a cruz da igreja levantada entre duas tochas, até à Capela do Santo Cristo, onde de joelhos lhe tira o pároco, que o veio acompanhando, a coroa e o casquete.
187Neste sítio, estando já prontas as cavalgaduras para o imperador, pajens, câmara, e muitos nobres, que o querem acompanhar, vai o cortejo com a bandeira na frente e alguns instrumentos até ao Mosteiro de Celas, que fica distante uma légua, em cuja igreja, depois da oração se canta um Te Deum, e é o imperador coroado pelo capelão, que para isto leva. Sentado depois em cadeira junto às grades do coro, fala com a abadessa, que a este tempo está acompanhada de muitas das religiosas, recolhendo-se, depois de mutuamente se saudarem, à casa da hospedaria, onde descansa e toma alguns refrescos que por parte da dita senhora se lhe são oferecidos, pedindo esta a coroa que vai dentro do convento, e por muitas das freiras é beijada crendo ser milagrosa, sendo outra vez remetida com algumas prendas ao imperador, cuja entrada e saída se festeja com repiques de sinos.
188Concluída esta visita, vai o mesmo acompanhamento à Capela do Espírito Santo, que fica perto de Celas por baixo da cerca de Santo António dos Olivais, donde, ouvida a missa que diz o capelão, voltam todos para a vila, na qual há grande banquete e jantar público, repartindo-se no fim dele por mão dos almotacéis uma bebida ao povo e plebe da vila. Neste acto está o imperador, acompanhado de seu antecessor e do pároco, em alto tablado, toldado de seda, sentados todos em cadeiras iguais, com mesa posta publicamente, mandando pelos dois pajens e mais criados vários presentes com diversidade de iguarias às casas de alguns particulares, e repartindo também pelo congresso, que é grande, muitas esmolas de pão, vinho, fartos, bolos e tremoços, em que por serem bentos têm grande fé e os moradores da vila e seus circunvizinhos.
189Satisfeita esta parte seguem-se as carreiras em éguas, cujos donos, em prémio das que mais correm, ganham carneiros e fogaças. No sítio, a que chamam as Eiras, há também lutas de homens, a quem se dão fogaças; e com isto se acaba o dia da primeira oitava de Espírito Santo.
190Na segunda oitava sai o imperador, acompanhado dos dois pajens, a ouvir a missa na Igreja do Sacramento, da qual voltando ordena em sua casa uma grande mesa, para a qual manda convidar os moradores da vila e muitos dos arredores, durando o banquete do jantar e ceia até ao amanhecer da quarta-feira.
191Em o dia da Páscoa da Ressurreição repetem-se as cerimónias da coroação, indo o imperador na companhia da câmara, nobreza, capelão, pajens e criados, à Capela do Espírio Santo, onde ouve missa. Daí recolhendo-se à vila, dá de jantar a todo o acompanhamento, distribuindo de tarde por mão dos da governança largas esmolas por todos os moradores, e mandando outros presentes a vários particulares.
192No domingo do Espírito Santo, que é o principal da função, festeja-o este imperador na Igreja do Sacramento com sermão e missa cantada, depois de haver ido com as solenidades sobreditas à mesma capela supra referida, onde também manda dizer missa, a que assiste.
193Neste dia se fazem o mesmo bodo e festejos, que ficam já mencionados no dia da posse.
194Na primeira oitava se procede a nova eleição na maneira acima referida.
195Oito dias antes de Pentecostes (semana a que nesta terra chamam dos fermentos por em todos os dias dele se ocuparem os fornos em coser pão para o bodo) saem pelas ruas públicas da vila muitas danças e festejos, em que aparecem a seu modo primorosamente asseadas as donzelas de toda a terra, acompanhadas de um honesto e honrado varão tocando algum instrumento, tendo todos grande fé que com este público festejo alcançarão do Divino Espírito Santo a melhor acomodação para o seu estado.
196Em as noites de todos estes dias andam os mancebos discorrendo por toda a vila com cantos e descantes.
197Este imperador além da entrega, que faz a câmara, não tem mais renda que os frutos que pelas eiras, no tempo do recolhimento, lhe tributam voluntariamente os lavradores destes contornos, com o que enceleira milho, trigo, cevada e vinho, em abundância para as suas despesas.
198A estes lavradores, não obstante os convidar para o seu bodo, manda dar do açougue, que nesta semana corre por sua conta, várias postas de vaca, a cuja distribuição assistem os almotacéis, pois passam de dez as rezes que nisto se despendem.
199O pároco tem de propina, que lhe vai a casa em tabuleiros, 1 arroba de vaca, 24 postas de arrátel sem osso, 2 pratos de arroz de leite, 2 quartos de carneiro, 6 pães, 6 bolos de açúcar e manteiga, e alguns queijos. Além desta obrigação, muitos imperadores mandam outros mimos à medida do seu primor.
200O dito pároco não come nem janta em casa do imperador em alguma das ocasiões sobreditas, mas vai com o juiz da igreja e cruz levantada benzer as bebidas, e tudo o mais que está para o banquete. Quando sai de sua casa para estes efeitos anda sempre, na ida e volta, acompanhado da câmara e de dois pajens do imperador, com bandeira levantada.
201É tradição constante nesta vila que Santa Isabel, rainha de Portugal, dera a coroa de prata e terçado, que serve ao imperador, e os 26S000 réis, 56 alqueires de trigo e 8 almudes de vinho, que se conservam para ajuda do bodo e festas, que deixamos referidas.» Fabião Soares de Paredes, Relação da villa d’Eyras, publ. no Instituto, xii, pp. 43 e 45 (Coimbra, 1865) por J. C. A. de C. No artigo do Instituto acham-se outras indicações interessantes sobre a festa:
202– O Espírito Santo é festejado por 13 aldeias da freguesia de Nossa Senhora da Assunção de Pedrógão Grande nos dias 30 e 31 de Dezembro e 1 de Janeiro; há peditório, bandeira que todos os anos muda de lugar; mas falta já o imperador. Almanaque de Lembranças para 1866, p. 66.
203– Em algumas povoações da província do Rio Grande do Sul, no Brasil, há ainda a festa do imperador do Espírito Santo. O imperador que se elege é um menino que marcha à frente de um préstito a cavalo, com uma bandeira bordada a oiro ou prata, com uma pombinha no topo e vai pelos arredores pedindo pousada a diferentes casas, entoando quadras tais como:
Aqui vedes senhoras, senhores,
A divina pombinha cansada;
Vem de longe pedir neste dia
Que lhe deis um instante pousada.
204Todos oferecem o que podem, bezerros, pão, dinheiro, que depois se distribui aos pobres; esse peditório dura alguns dias. Almanaque de Lembranças para 1872, p. 159.
205– Nos Açores conservam-se ainda em vigor as festas do imperador do Espírito Santo. Vid. Teófilo Braga, Contos Populares do Arquipélago Açoriano, pp. 144 e 448, pp. 392-394 e n.° 2, 1878, Arquivo dos Açores, vol. i, n.° 2, 1878.
S. João15
20686. Fora dos grandes centros de população, onde restam alguns vestígios delas, o uso das fogueiras na véspera do dia de S. João é ainda geral no país.
Esse uso estende-se à véspera de S. Pedro (29 de Junho), véspera de S. António (13 de Junho) e em Coimbra às festas da Rainha Santa (começo de Julho).
20787. Onde o costume se conserva com mais rigor (como em Coimbra há 10 ou 12 anos) vai-se a um pinhal próximo com um carro, escolhe-se um pinheiro, corta-se e traz-se no carro, quase sempre enfeitado, para o local da festa, onde é fixado no chão em posição vertical, tendo-lhe deixado só os ramos de cima, em coroa; em volta colocam-se os materiais combustíveis e à noite lança-se-lhe o fogo. Em volta ou ao lado dança-se até à madrugada. No Minho à fogueira em torno do pinheiro chama-se galheiro.
20888. Nalguns lugares do Algarve as fogueiras são feitas com alecrim. (Pedroso, p. 9.)
20989. É costume dar saltos (três cada pessoa – é o mais frequente) por cima das fogueiras; a expressão saltar as fogueiras é consagrada.
21090. «Tem as fogueiras uma influência benéfica sobre a saúde e o poder de afugentar os malefícios e ainda outras virtudes. Assim nalguns sítios as mães passam por elas as crianças doentes para sararem, e mesmo as sãs para não adoecerem.» Pedroso, p. 10.
21191. As cinzas das fogueiras apanhadas na véspera de S. João são o preservativo contra várias moléstias e têm a virtude de acalmar as tempestades. (Cabo Verde. Almanaque de Lembranças para 1872, p. 195.)
21292. Na noite da véspera de S. João, principalmente nos campos, quase todos os que têm saúde ficam fora de casa até à madrugada a fim de apanhar as orvalhadas, isto é, o orvalho sagrado dessa noite que dá vida para longos anos. (Beira, Minho, Douro, etc.)
21393. «O orvalho caído depois da meia-noite até ao nascer do Sol é bento, e cura todas as enfermidades... No Porto e nos arredores as ‘orvalhadas’ são ainda festejadas com o seguinte estribilho:
Orvalhadas!
Minhas orvalhadas!
Viva o rancho
Das moças casadas!
Orvalhadas!
Minhas orvalheiras!
Viva o rancho
Das moças solteiras!
Orvalhadas!
Minhas orvalhudas!
Viva o rancho
Das mulheres viúvas!
214Em Aveiro era costume há algum tempo (não sabemos se o é ainda agora) quando uma pessoa tinha moléstia de pele, ir rebolar-se ou espojar-se nu em cima dos linhos orvalhados na noite de S. João. Em Oliveira do Hospital, porém, diz-se que as bruxas costumam apanhar o orvalho desta noite, para fazerem dele o óleo com que se untam, a fim de poderem voar quando saem para as suas bruxarias.» Pedroso, pp. 14-15.
21594. Da meia-noite até ao amanhecer a água dos rios e das fontes é também sagrada e de toda a virtude; as raparigas vão buscá-la para casa em bilhas quase sempre enfeitadas com flores ou ramos verdes. (Lisboa, Coimbra, etc.)
21695. A água apanhada nos rios ou fontes na véspera de S. João ao bater da meia-noite deitada na comida, depois de tirada do lume, livra de malefícios e feitiços a quem come. (Minho, Almanaque de Lembranças para 1860, p. 207.)
21796. Na madrugada de S. João (Celorico da Beira), antes de o Sol nascer, devem correr-se sete fontes para beber a água dela. É ao que se chama: «beber a água de sete fontes». O mesmo costume se encontra em Oliveira do Hospital, e ainda em outras partes do País. Pedroso, p. 15.
21897. «Em Lisboa e nos arredores é costume as raparigas na noite de S. João irem a uma fonte à meia-noite lavar a cara. Se vêem a lua a reflectir-se na fonte ficam mais bonitas.» Ibid.
21998. «Em Penela, no dia de S. João, antes de nascer o Sol vão as raparigas aos chafarizes ou fontes buscar água. É crença que a primeira que enche o cântaro encontra um anel de oiro ao cimo da água. Por isso, e à porfia, logo ao romper da manhã vão para o pé das fontes, para serem as primeiras aí a chegar.» Ibid.
22099. «Em Aveiro as raparigas na madrugada de S. João vão lavar-se ao rio, cujas águas nessa ocasião têm grande virtude.» Ibid.
221100. Água que fica ao relento em noite de S. João, é incorruptível; pão amassado com ela, dispensa o fermento. (Açores, Almanaque do Arquipélago dos Açores para 1868, p. 106.)
222101. «Em Lisboa também é costume pôr uma porção de água ao relento na noite de S. João. Depois tira-se antes do nascer do Sol e benze-se a casa com ela para dar felicidade.» Pedroso, pp. 15-16.
223102. «Em Oliveira do Hospital, na madrugada de S. João, vão os pastores para o pé dos ribeiros e molham com a água o gado para ficar bento. No Minho existe o mesmo costume para o livrar da tinha.» Pedroso, p. 16.
224103. «Pode-se também pôr exemplo (de superstição) no que se tem introduzido em dia de S. João Baptista, que se colham as ervas, e levem a água da fonte para casa, ou se lave a gente e os animais nela, antes de o Sol nascer, metendo na cabeça à gente de pouco saber, que redunda em honra, e louvor do santo. E que depois de nascer o Sol, ou em outro dia, colhidas as ervas em nome e honra dele não terão igual virtude.» Constituições synodaes do Bispado de Lamego, de 1639, liv. v, tit. viii.
225104. «Colligere herbas eodem die Sancti Joannis... Uti orationibus in animalibus custodiendis, herbisque colligendis, de quibus non constat esse ab Ecclesia institutas.» Vale de Moura, De incantationibus seu ensalmis opusculum primum, i, pp. 6 e 7, Eborae, Typis Laurentii Crasbeeck, 1620, 4.°
226105. Uma das ervas que de preferência se busca na noite de S. João é o hipericão (Hypericum perforatum) chamado vulgarmente erva de S. João ou macela de S. João.
227106. «Nas Caldas da Rainha e arredores, é costume na noite de véspera de S. João apanhar-se um molho de erva cidreira e ir-se passear com ela. Fazendo depois chá e tomando-se, livra de feitiços.» Pedroso, p. 16.
228107. A arruda dá flor no dia de S. João, mas o diabo vem buscá-la na hora em que desabrocha e por isso é que ela não se acha. (Brasil, Almanaque de Lembranças para 1864, p. 284.)
229108. «Na véspera de S. João, em certa povoação do concelho da Feira, dois indivíduos de espada em punho dirigem-se a um bosque, estendem uma toalha no chão, colocam-lhe em cada ponta uma moeda de doze vinténs em prata; depois desenham na terra um sino samão, e colocam-se em cima dele. Quando dá meia-noite, dizem, passa pelo ar um cardume de demónios, seguidos de um vento impetuoso e clamam:
230‘Colheis vós, ou colhemos nós?’ Ao que respondem imediatamente os dois indivíduos: ‘Colhemos nós’; enrolando ao mesmo tempo a toalha, e dando às de vila-diogo. Sendo dia, desenrolam a toalha, e encontram certa semente, que denominam do feto. Esta semente tem uma virtude maravilhosa; porque tocando com ela em alguma rapariga não deixa esta de ceder aos malévolos intentos do que a persegue.» Almanaque de Lembranças para 1876.
231109. «Na noite de S. João, segundo a crença popular, o ‘feto real’ (planta) larga a flor à meia-noite. É costume estender-se um lenço por baixo da planta para a flor, que tem grandes virtudes, cair nele. Mas é muito difícil depois ir buscar o lenço, por causa das bruxas que o não consentem. No entretanto se lá se pode chegar, apanha-se a flor, mete-se dentro de um canudo de lata, e quando se quer saber alguma coisa, vai-se ao canudo porque se sabe logo.» (Oliveira do Hospital.) Pedroso, p. 17.
232110. Em Coimbra fazia-se na madrugada de S. João uma verdadeira romaria à Fonte do Castanheiro, em cujas proximidades há carvalhos de veneráveis dimensões. Levavam ali crianças padecendo de hérnias; serravam ao meio um carvalho; colocava-se de um lado um rapazinho, que se devia chamar João, do outro uma rapariguinha que se devia chamar Maria; João passava a criança quebrada, inteiramente nua, pelo carvalho aberto em forma de arco, indo a cabeça primeiro; a passagem era acompanhada do seguinte diálogo, que oferecia variantes:
João: Toma lá, Maria.
Maria: Que me dás, João?
João: Um corpo quebrado
Para mo pores são,
Em louvor de S. João.
233O carvalho era ligado e se o o golpe cicatrizava a criança ficava curada.
234111. «Outrossim defendemos que nenhuma pessoa passe doente por silva ou machieiro: ou por baixo de trovisco: ou por lameiro virgem.» Constituição do Bispado de Évora de 1534, tit. xxv, const. i.
235112. Na noite de S. João tiram-se vários agoiros e prognósticos.
236113. A rapariga, que deseja saber se é amada por um certo mancebo cresta à meia-noite uma alcachofra, que se deixa ao relento; se no dia seguinte a alcachofra está florida tem a certeza de ser amada. Quando se cresta a alcachofra diz-se:
Em louvor de S. João
Para ver se fulano (o nome do namorado)
Me quer bem ou não.
237114. «As mulheres na noite de S. João usam a superstição de a chamuscar (a alcachofra), e posta à janela, se ao outro dia floresce, dizem que conseguem o fim que intentam.» Fr. João Pacheco, Divertimento Erudito, i, p. 275 (Lisboa, 1734).
238115. «Recitare orationes in die sacti Joannis ad divinandum, cum quo ineundum est matrimonium.» Vale de Moura, De incantationibus, i, pp. 6 e 7.
239116. «Quem tem amores, e quer saber se o objecto amado lhe é afeiçoado, colhe na noite de S. João, uma folha de figueira, passa-a três vezes pela chama, dizendo certa oração ao mesmo tempo, e vai colocá-la no quintal ou no telhado; se de manhã está orvalhada tem amante fiel; se não está, trata de procurar novos amores.» (Beira, Almanaque de Lembranças para 1868, p. 244.)
240117. As raparigas deitam num copo de água à meia-noite, na véspera de S. João, clara de ovo ou cera derretida e deixam o copo ao relento; no dia seguinte da forma que a clara de ovo ou a cera tomaram tiram prognóstico do ofício ou ocupação que terá o seu futuro esposo; assim, se julgam ver um navio, ele será marinheiro, etc.
241118. À meia-noite as raparigas vão à janela com um bocheco de água na boca que conservam até ouvir pronunciar na rua o primeiro nome de homem, que será o do seu futuro esposo. (Lisboa, Coimbra, etc.)
242119. «Nos arredores de Lisboa as raparigas solteiras na noite de S. João fazem três bolas de massa, uma das quais tem dentro um grão de pimenta. Depois de as terem misturado, deitam uma da janela abaixo, põem outra debaixo do travesseiro, e a terceira atrás da porta. Ao outro dia vão-as procurar. Se a que ficou debaixo do travesseiro é a que tem o grão de pimenta, casam breve; se é a que ficou atrás da porta, casam tarde; se é a que atiraram à rua, não casam. Também na noite de S. João é costume em Lisboa as raparigas solteiras subirem uma escada com um chinelo na ponta do pé, e quando chegam ao último degrau atirarem com ele para trás das costas. Quantos degraus faltarem para o chinelo chegar ao fundo da escada tantos anos lhes faltam para se casarem.» Pedroso, p. 19.
243120. «Quem quer saber a sua sorte mete, na noite de S. João, três favas debaixo do travesseiro da cama, uma toda descascada, significando pobreza, outra só com metade da casca significando mediocridade, outra enfim com toda a casca, significando abundância. Tira-se depois à sorte uma das favas e a fortuna da pessoa será segundo o que sair.» (Alentejo, Almanaque de Lembranças para 1862, p. 346). O mesmo uso acha-se com pequenas variantes noutras províncias.
244121. «Na noite de S. João em Beja põem-se numa tábua doze montinhos de sal, aos quais se dão os nomes dos doze meses do ano, começando por Janeiro; passam depois a tábua pelo fumo de uma fogueira e deixam-na ficar toda a noite ao relento; de manhã, antes de o Sol nascer, correm à tábua para examinarem quais dos montinhos de sal estão mais húmidos, e concluírem daí quais os meses em que chove mais.» (Almanaque de Lembranças para 1861, p. 225.)
245122. «Na madrugada do dia de S. João Baptista, quem não vê a sua sombra ao chegar à borda de um poço ou fonte, não vive até ao ano seguinte.» (Brasil, Almanaque de Lembranças para 1860, p. 181).
246123. «No dia de S. João ninguém deve sair para o campo antes do Sol nado, por causa dos encantamentos. Nas avenidas aparecem cobras encantadas com formidáveis madeixas de cabelo negro, penteando-se naquele dia.» (Alentejo, Vila Alva. Almanaque de Lembranças para 1866, p. 311.)
247124. Na noite de S. João aparecem mouras encantadas.16
248125. Na noite de S. João aparecem em vários sítios, principalmente onde há arvoredos, cobras encantadas com grandes cabeleiras. (Minho.)
249126. É bom sangrar-se em dia de S. João antes de o Sol nascer para se curar de sezões. (Almanaque de Lembranças para 1869, p. 317).
250127. «Também na noite de S. João se faz o seguinte remédio para tirar verrugas (Meãs, Coimbra): Contam-se as verrugas e contam-se depois tantas pedras de sal quantas elas são. À meia-noite metem-se as pedras dentro de um bocado de pão, que se dá a comer a um cão, ficando assim a pessoa livre das verrugas; ou então embrulham-se as pedras de sal num papel e atiram-se a um pobre, que, quando as apanha, passam para ele as verrugas.» Pedroso, p. 18.
251128. «Nalgumas partes (por exemplo em Roriz), na manhã do dia de S. João, há quem se dirija a um azevinho e lhe diga: Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre louvado seja (responde a pessoa pelo azevinho). – Passou bem desde o ano passado? – Bem obrigado. Que compre barato, e venda caro é o que lhe desejo. – Agradecido(a). Adeus até ao ano.» «Crê o povo que salvar (saudar) assim o azevinho é muito bom para vender caro e com isso se ganham muitas indulgências.» Almanaque de Lembranças para 1866, p. 228.
252129. Na Figueira da Foz há mascaradas pela festa de S. João e repetem-se alguns usos do Entrudo.
253130. Em Óbidos fazia-se na véspera e dia de S. João a festa dos Cavaleiros.
254131. Pelo S. João vestia-se uma criança do sexo masculino de S. João, isto é, com uma pele cobrindo-lhe parte do corpo, ficando o resto nu, e com um bordão na mão, terminando em cruz; levava um cordeiro de massa e algodão debaixo do braço e assim ia na procissão do Coração de Jesus, que se fazia por essa ocasião. (Coimbra, etc.)
255132. Na manhã de S. João o Sol dança ao nascer; muita gente espera que ele se eleve acima do horizonte para observar o caso.
S. Pedro
256133. Pela festa de S. Pedro, principalmente na véspera do dia do santo (29 de Junho) repetem-se muitos usos do S. João.
257134. Leva-se a S. Pedro uma telha, um feixe de vides, etc., que se furtaram a um vizinho; sem ele saber, para se curar de sezões.
258135. As verrugas extinguem-se a quem furtar em noite de S. Pedro um vaso de flores (melhor se forem cravos) de alguma janela. (Açores. Almanaque do Arquipélago dos Açores para 1868, p. 116).
S. Tiago
259136. Em S. Tiago das Bichas, freguesias do concelho de Cabeceira de Basto, o povo no dia da festa do santo mete-se num ribeiro, onde há muitas sanguessugas para se curar de diversas doenças.
260137. «Na freguesia de Tesouras, no concelho de Baião, há uma capela de S. Tiago; na véspera da festa do santo tapam-lhe a cabacinha e no dia seguinte depois de grandes brinquedos na igreja vão tirar a rolha da cabacinha, ao fim de 24 horas, na crença de que a água que contém vai condensar-se na atmosfera e daí resultará um ano fértil, por abundância de chuvas. Quando o ano é pouco chuvoso dizem: É que S. Tiago não despejou de todo a sua cabacinha.» (Almanaque de Lembranças para 1870, p. 252.)
Agosto
261138. No dia de S. Bartolomeu anda o diabo às soltas, vestido de frade, riscando paredes. (Brasil. Almanaque de Lembranças para 1864, p. 284.)
262139. Um adágio diz:
Se queres ver marido morto
Dá-lhe couves em Agosto.
263140. Na primeira segunda-feira de Agosto não se deve trabalhar, porque é dia tão aziago que se morre sem se saber de quê. (Brasil. Almanaque de Lembranças para 1864, p. 284.)
8 de Setembro
264141. No dia 8 de Setembro acabam as sestas e as merendas. Nesse dia ou na véspera fazia-se ainda há alguns anos o que se chamava o enterro das sestas. Em cima de uma padiola, levada aos ombros por quatro colegas, ia um moço de pedreiro ou trolha, nu da cintura para cima, precedido de um préstito de pedreiros, trolhas e gaiatos, com as ferramentas do ofício, ramos, canas, etc.; o que ia na padiola levava a seu lado um balde cheio de água e na mão uma vassoura das que eles se servem no trabalho e quando via algum colega deitava-lhe uma hissopada de água. (Coimbra, etc.)
265142. Quem guardar uvas no dia 8 de Setembro, antes de nascer o Sol, tem-nas frescas todo o ano. (Beira. Almanaque de Lembranças para 1868, p. 244.)
S. Miguel
266143. Do vento que sopra neste dia se conclui que tempo estará no Inverno seguinte. Nos arredores do Porto diz-se, se nesse dia o vento é sul: veio o S. Miguel com as têmporas ao sul; há-de soprar sul todo o Inverno.
267144. Pelo S. Miguel alugam-se casas, campos, e contratam-se criados; por essa ocasião há a segunda-feira dos criados no Porto.
268145. «Para comemoração da peste de Guimarães em 1507 e para desviar de futuro mal faziam-se quatro dias de Ladainhas por ano: o primeiro a S. Miguel de Creixomil, saindo o cabido, câmara e povo em procissão rezando a Ladainha. Alguns anos foram naquela procissão uns moços diante dela cantando:
S. Miguel de Creixomil,
Dai-nos favas e perrexil;
Castanhinhas têmo-las nós;
Deus ouvi-nos a nós.
Santiago que de Cristo
Apóstolo és,
Madalena, rogo a vós
Que rogueis a Deus por nós.»
(Carvalho, Corografia, I, I, 16.)
Todos os Santos e Fiéis Defuntos
269146. No dia de Todos-os-Santos fazem-se magustos, isto é, fogueiras ao ar livre em que se assam castanhas.
270147. Quando salta uma castanha do magusto por ter rebentado com o calor há quem a examine e do modo como está aberta tire certos prognósticos; mais nada pudemos obter a este respeito.
271148. Quando no magusto alguém acha duas castanhas dentro da mesma casca, dá uma, geralmente a mais pequena, que se chama o filho, a uma pessoa que lhe apraz e ficam compadres. Este costume não se limita ao dia de Todos-os-Santos, mas é sobretudo próprio dos magustos desse dia.
272149. No dia de Fiéis defuntos em Coimbra os rapazes e raparigas percorriam as ruas ainda há alguns anos (e cremos que ainda hoje) e pediam:
Bolinhos, bolinhós
Para mim e para vós,
Para vossos finados,
Que estão enterrados
Debaixo do chão,
Ao pé da bela cruz;
Para sempre
Ámen Jesus.
273Quando não recebiam esmola diziam:
Esta casa cheira a unto:
Aqui morreu algum defunto.
Esta casa cheira a breu:
Aqui morreu algum judeu.
274150. Na Foz do Douro os rapazes vão pelas portas no mesmo dia pedir em tom lastimoso: sopinha.
275151. «Na vila de Alpedriz é costume saírem os rapazes, pela festa de Todos-os-Santos, a pedir a oferta, que ali chamam pão por Deus, e que os lavradores abastados costumam então fazer-lhes, de merendeiros, tremoços, maçãs, nozes, ou outra qualquer fruta, etc. O pedido é feito da seguinte forma:
Pão, pão por Deus
À mangarola;
Encham-me o saco,
E vou-me embora.
276Se recusam a esmola dizem:
O gorgulho gorgulhóte
Lhe dê no pote,
E lhe não deixe farelo
Nem farelóte.»
(Almanaque de Lembranças para 1862, p. 332.)
S. Martinho
277152. S. Martinho é o advogado dos bebedores; estes formam o que se chama a irmandade de S. Martinho; no dia do santo um deles percorria as ruas com um chocalho para, dizia-se, reunir a irmandade. Nesse dia há grande consumo de vinho.
278153. Um adágio diz:
Pelo São Martinho
Prova o teu vinho.
279154. No dia de S. Martinho é grande a matança dos porcos; daí o provérbio: Cada porco tem seu S. Martinho.
S. Tomé
280155. Um adágio diz:
Pelo São Tomé
O porco pelo pé.
281156. Outro adágio diz:
Pelo São Tomé
Quem não tem porco
Mata a mulher.
Comentários
28221. Do bispo dos Fátuos lê-se em Ducange-Henschel s. v. Kalendae: «Cujusmodi autem fuerit, et quibus ineptus constiterit, docet Beletus lib. de Divin. Offic., cap. 72, his verbis: Festum Hypodiaconorum, quod vocamus Stultorum, a quibusdam perficitur in Circumcisione, a quibusdam vero in Epiphania, vel in ejus octavis. Fiunt autem quatuor tripudia post Nativitatem Domini in Ecclesia, Levitarum scilicet, Sacerdotum, Puerorum, id est, minorum aetate et ordine, et Hypodiaconorum, qui ordo incertus est. Unde fit, ut ille quandoque annumeretur inter sacros Ordines, quandoque non, etc.»
283Segundo o cerimonial da Igreja do Vivarais, do ano de 1365, citado em Ducange-Henschel, elegia-se primeiro um abbas stultorum em 17 de Dezembro e depois na festa dos Santos Inocentes o episcopus stultorum : «Deinde electus per sclafardos subtollitur et campanilla procedente portatur ad domum episcopalem, ad cujus adventum januae domus, absente vel praesente ipso dom. Episcopo, debent totaliter aperiri, ac in una de fenestris magni tinelli debet deponi, et stans dat ibi iterum benedictionem versus villam.» Vid. Ducange-Henschel, art. cit. e s. v. Episcopus Innocentium.
284« The election and investment of the Boy Bishop, on St. Nicholas Day, and also on the Holy Innocents, or Childermas, certainly proceeded from the festival of subdeacons. ‘It does not appear’, says Strutt, speaking of the former, at what period this idle ceremony was first established, but probably it was ancient, at least we can trace it back to the fourteenth century [thirteenth century], In all the collegiate churches, it was customary for one of the children of the choir, completely apparelled in the episcopal vestments, with a mitre and crosier, to bear the title and state of a bishop. He exacted a ceremonial obedience from his fellows, who, dressed like priests, took possession of the church, and performed all the ceremonies and offices which might have been celebrated by a bishop and his prebendaries: Warton, and the author of the M. S. which he has followed, add, ‘the mass excepted’; but the proclamation of Henry viii for the abolition of this custom, proves they did ‘singe masse’. As St. Nicholas was the patron of scholars, it was customary in many places for the scholars on the feast day of this saint to elect one of their number to play the boy-bishop, with two others for his deacons. He was scorted in his mitre by a solemn procession of the other boys to church, where he presided at the worship, and afterwards he and his deacons went about singing from door do door, and collecting money; not begging, but demanding it as a subsidy. In 1274 the council of Nice prohibited this mock election, though so late as the time of Hospinian, who wrote in the seventeeth century, it was costomary at schools, dedicated to Pope Gregory the Great, who was a patron of scholars, for one of the boys to be his representative on the occasion, and to act as pope, with some of his companions as cardinais. » Hampson, i, pp. 78-79.
285As alusões mais antigas a esses bispos de comédia foram encontradas num sínodo de Constantinopla de 867. O costume estendeu-se aos principais países da Europa, onde o seu arreigamento profundo, apesar das repressões eclesiásticas e reais, prova a sua antiguidade. Temos provas da sua existência na Alemanha. Tal é por exemplo uma cópia de um documento sem data, do começo do século xiv (do Stift em Wimpfen im Pfal), conservado no necrológio do capítulo, fl. 2, o qual está conservado na Biblioteca da corte em Karlsruhe; reza ele:
286«Cum decorem domus Dei omnes christiani et praecipue viri ecclesiastici diligere debeant et amare, propheta attestante qui ait: domine, dilexi decorem domus tuae, et clericorum mores in melius reformari debeant et componi: hinc est, quod nos decanus et capitulum ecclesiae Wimpinensis considerantes illud, quod olim ab praedecessoribus nostris causa devotionis ordinatum fuerat et statutum, videlicet ut sacerdotes ecclesiae nostrae singulis annis in festivitate beati Johannis evangelistae (27 Dezembro) unum ex se eligant, qui more episcopi illa die in honorem sancti Johannis missam gloriose celebret et festive, nunc in ludibrium vertitur et in ecclesia fiunt ludi theatrales, et non solum in ecclesiam introducuntur monstra larvarum, verum etiam presbyteri, dyaconi et sub dyaconi insaniae suae ludibria exercere praesumunt, facientes prandia sumptuosa et cum vigellis (por fidellis, Fiedel), tympanis et cymbalis ducentes coreas per domos et plateas civitatis, non attendentes, quod apostolus non solum a maio sed ab omni specie mali praecipit abstinere: igitur ne id quod ob devotionem inchoatum est, ad indevotionem ac ludibrium vergat populorum, omnium nostrûm approbante consensu statuimus: ut nulli canonici vel praebendarii ecclesiae nostrae talia praesumant de cetero exercere praeterea districte inhibemus, ne sacerdos, qui ut in festo s. Johannis more solito missam celebret, assumetur, aliquam personam ecclesiasticam vel mundanam, mimas, vigellatores, vel tympanatores ad coenam vel ad prandium vocet vel invitet; nec vigellatores, tympanatores vel eos, qui in aliis musicis instrumentis canere consueverunt, nisi essent personae ecclesiae nostrae, in ecclesia vel extra in domo vel platea eundo vel corizando sequatur, sed ut devotius et sollempnis officium sibi injunctum valeat celebrare, a crapula et ebrietate illa nocte abstineat reverenter; de mane vero officio cum omni sollempnitate curoli completu potest, si voluerit, sacerdotem, qui sibi tanquam capellanus astitit in altari, dyaconum et subdyaconum, qui ei concelebraverunt ministrando, ad prandium vocare et eis praebendam suam cum gratiarum actione benivole impartiri; prandio autem facto praedictus sacerdos non equo vel asino, more insani, per vicos equitet et plateas, ad si aliquantulum jocundari delectat, ecclesiam cum religione intret et circumstantibus non impetuose sed cum mansuetudine aquam projiciat et aspergat. Si quis vero canonicorum vel praebendarionum ecclesiae nostrae contra hoc statutum in aliquo praemissorum forefecerit, sciat se a beneficio ipso facto suspensum et antequam restituatur, carceram claustralem intraturum nec inde exiturum, donec decanus de consensu capituli ipsum abinde libere recedere faciat et exire, sciat et rigidus contra se procedendum, si id meruerit protervitas delinquentis» – J. T. Mone, Schauspiele des Mittelalters, ii, pp. 367-369.
287«Ein Kinder-und Schulfest, das fast überall in Deutschland bis noch vor Kurzem gefeiert wurde, ist das Gregoriusfest, welches ebenfalls aus frühesten zeiten stammt, doch wohl nicht germanischen, vielmehr wahrscheinlich griechischen Ursprungs ist; es scheint eine Nachahmung der griechischen Panathenäen (Volksund Freudenspiele) und der römischen Quinquatrien (Fest der Minerva) zu sein; beim Uebergange heidnischer Völker zum Christenthum musste selbstverständlich dem Feste ein anderer Name gegebeu werden; Papst Gregor IV, wandelte 828 das grosse Minervafest in das Gregoriusfest um. Eigenthümlich wurde noch bis vor Kurzem unter Auswählung eines ‘Bischofs’ aus der zahl der Knaben das Fest an mehreren Orten des Fränkisch-Hennebergischen begangen. In Meiningen wurde dieses alte Bischofsfest mit seinen Umzügen erst im Beginn unseres Jahrhunderts ganz abgeschafft.» Ploss, Das Kind, ii, p. 239.
288Nas obras citadas e em Brand, i, pp. 421-431, há amplas notícias sobre a festa do bispo dos meninos ou dos fátuos. V ainda Riv lett. pop. de F. Sabatini, I, p. 52.
28922. «Old people are careful to note how the wind blows on New Year’s Eve, as they think it significant of the weather during the following season, according to the old rhymes:
If New Year’s Eve night wind blow south,
It betokeneth warmth and growth;
If west, much milk, and fish in the sea;
If north, much cold and storms there will be;
If east, the trees will bear much fruit;
If north-east, flee it, man and brute. »
(Henderson, p. 58, Brand i, pp. 9-10.)
290Na Alemanha do Norte o prognóstico é tirado do tempo que faz durante os doze dias do Natal aos Reis.
291«In den Zwölften, sagt man im Havellande, wurde der Kalender für das ganze Jahr gemacht, d. h. wie das Wetter in den zwölf Tagen ist, so wird’s im ganzen Jahr sein.» A. Kuhn und W. Schwartz, Norddeutsche Sagen, etc., p. 411. No cantão de Berne (Suíça) crê-se o mesmo. Rothenbach, Localsagen und Satzungen des Aberglaubens, extracto na Mélusine, i, p. 128. «Pour savoir le temps qu’il fera dans les douze mois de l’année, on se sert, la nuit de Noël, de douze pelures d’oignons chargées de sel, dont chacune correspond à un mois de l’année. Selon que le sel fond plus ou moins sur chaque pelure, il fera plus ou moins sec dans le mois correspondant.» Ibid.
292«On croit à la Neuville que le temps qu’il fait, le jour de Noël et les onze jours qui le suivent, annonce le temps qui dominera dans chacun des douze mois de 1’année suivante. M. Bergaigne a retrouvé les racines védiques de cette superstition, qui était encore générale aux siècles derniers.» F. Baudry, na Mélusine, i, p. 14.
293«Les anciens faisoient remarque des xii jours suivant Noël, pour sçavoir la conduite el l’estre des XII mois de l’an, et disoient que le mois sera pluvieux ou venteux, selon qu’on verroit son jour...
Régarde comme sont menées
Depuis Noël douze journées,
Car en suivant ces douze jours,
Les douze mois auront leur cours.
Le jour de Noël | représente | janvier. |
Sainct Etienne | id. | febrier. |
Saint Jean 1’Evangéliste | id. | mars. |
Les Innocens | id. | avril. |
Sainct Thomas | id. | mai. |
Le lendemain | id. | juin. |
Sainct Silvestre | id. | juillet. |
Jour de l’an | id. | aoust. |
Octave de Sainct Etienne | id. | septembre. |
Octave de Sainct Jean 1’Evangéliste | id. | octobre. |
Octave des Innocens | id. | novembre. |
Veille des Roys | id. | décembre.» |
294(Almanach ou Pronostication des Laboureurs, par M. Anthoine Maginus. Troyes, 1683, cit. em Mélusine, I, pp. 13-14.)
29525. O costume dos peditórios pelo Ano Novo encontra-se em muitos outros países. «Am Neujahrstage gehen in Lautenthal die Kinder umher und singen vor dem Hause des Geschwornen und anderer Beamten, wofür man ihnen eine Gabe reicht. Das Lied Lautet:
Herr Geschworener ist er drinne,
wir wollen sie eins singen
zu diesem neuen Jahr.
Appel roth und weiss Geblüt.
zu diesem neuen Jahr,
Herr Geschworener hat ein frisch Gemüth.
Die Goldschnur geht um das Haus,
Herr Geschworener schmeisst eimen Blanken Thaler ’raus.
Ich stehe auf einem Stein,
mir friert an meine Bein,
lasst mich nicht zu lange stehn
ich muss noch ein bischen weiter gehn.»
(A. Kuhn und W. Schwartz, Norddeutsche Sagen, etc., p. 408.)
296Os últimos versos têm paralelos nos cantos portugueses que publicamos.
297«It is customary in Scotland for children to go to the neighbouring houses ou New Yearsday, singing this verse:
Rise, good wives, and shake your feathers,
And dinna think that we are beggars;
We ’re but bairns come out to play,
Rise up and gie’s your hogmaney.
298Now here we come upon a custom of great antiquity, and very widely spread, if, as Mr. Ingledew informs us in his ‘Ballads and Songs of Yorkshire’, Hagmena songs were formerly sung throughout England, Scotland, and France. He gives a fragment of that in use at Richmond, in Yorkshire:
To-night it is the New Year’s night, to-morrow is the day,
And we are come for our right and for our ray,
As we used to do in old King Henry’s day,
Sing, fellows, sing Hagman heigh!
If you go to the bacon-flitch, cut me a good bit,
Cut, cut and low, beware of our man,
Cut, and cut round, beware of your thumb
That I and my merry men may have some,
Sing, fellows, sing Hagman heigh!
If you go to the back ark, bring me ten mark,
Ten mark, ten pound, throw it down upon the ground,
That I and my merry men may have some.
Sing, fellows, sing Hagman heigh! »
(Henderson, pp. 59-60.)
299Na Francónia: «In trium quintarum feriarum noctibus, quae proximè Domini nostri natalem praecedunt, utriusque sexus pueri domesticatim eunt januas pulsantes, cantantesque; futurum Salvatoris exortum annunciant et salubrem annum: unde ab his qui in aedibus sunt, pyra, pana, nuces, et nummos ctiam percipiunt.» Aubanus apud Brand, i, p. 457. «Little troops of boys and girls still go about in this very manner at New-castle upon-Tyne, and other places in the north of England some few nights before, on the night of the Eve of Christmas Day, and on that of the day itself. The Hagmena is still preserved among them, and they always conclude their begging song with wishing a merry Christmas and a happy New Year.» Brand, i, p. 458. «In the north of England, and particulary Northumberland, as well as in Scotland, this day (New Year’s) is known by the name of Hogmany, or Hogmenay. This term is also transfered to the entertainment given to a visitor on New Year’s Eve, or to a gift conferred on those, who apply for it, according to ancient custom.» Hampson, I, p. 122.
300«Sur certains points du Velay, les petits enfants, la veille du premier de l’an, vont de maison en maison demander leur étrenne – quelques noix, un peu de beurre, un peu de miei. Ils s’introduisent en chantant les couplets que voici.» V. Smith, Romania, II, p. 59.
301«Le suppliant oyt des chalumeaux ou menestriers... et trouva des varletz ou jeunes compagnons... qui aloient par illecques près querant Aguillenneu le dernier jour de décembre.» Doc. 1473 em Ducange-Henschel, vii, p. 16, s. v. Aguilanneuf. Noutros documentos citados na mesma obra os dons são chamados aguilloneu, guillenleu, haguirenleux, haguimenlo, hanguevelle, haguillennes ; o peditório é também chamado heler noutros documentos. A palavra aguilaneuf deu lugar a muitas conjecturas etimológicas e mitológicas: os velhos etimologistas interpretaram-na por au-gui-l’an neuf. (vid. Ducange-Henschel l. c. Brand, i, p. 458, n. 1. Hampson, i, p. 122, nota, §, etc.) Essa interpretação, que se encontra já em Ménage, etc., levou a pensar que o costume remontava ao referido por Plínio em relação à cerimónia do colher do visco pelos druidas (Hist. nat., xvi, p. 44).
302Em Littré Dict. s. v. Gui achamos ainda: «Au gui l’an neuf, espèce d’exclamation qui parait s’être conservée en mémoire de la cérémonie où l’on distribuait le gui, chez les Gaulois.» Mas Littré cita apenas uma passagem de Duclos em relação à cerimónia druídica. F. Liebrecht (Jahrbuch f. romanische und englische Sprache und Literatur, xiii, p. 231) considera idênticas a palavra francesa aguilaneuf e a espanhola aguinaldo, aguilando, e cita a passagem seguinte de la Villemarqué (Barzaz Breiz, 4.a ed., i, p. 346): «On donne le nom d’étrenneurs à des mendiants qui se réunissent toutes les nuits par troupes, à l’époque de Noël, en plusieurs cantons des montagnes, et vont de village en village demander l’aumône, en chantant une chanson dont le refrain est: Eghinad d’é! éghinad d’é par contraction Eghiná né, (Etrennes á moi! étrennes à moi) lequel refrain, changé en Aguilaneuf, hors de la Bretagne, devait faire longtemps le désespoir des etymologistes.» No Dict. breton-fr. de Le Godinec diz de la Villemarqué a respeito de éginad : «Je ne connais ce mot que par le Diction. de Le Pelletier, qui assure cependant qu’il est employé en Léon (où les jeunes garçons vont par les villages), le dernier jour de l’anné, en criant: va éguinad, mes étrennes! – En Corn. éginañd. Egimañd d’eñ ; autrefois, égninañ-eff, et maintenant, par abus, éginañ-né, mes étrennes! Ala lettre, étrennes à moi! C’est le fameux hoguilanneuf, sur lequel on a tant disserté.» Isso nada prova. Outra palavra bretã, a usual, para étrennes é kalanna. Schuchardt aponta a verdadeira etimologia do espanhol aguinaldo, aguilando, em Romania, iv, p. 253: «é o lat. calandae; a transposição de consoantes que se nota em aguinaldo aparece também em guirnalda, grinalda-guirlanda, fr. garlande.» A forma hoguillennes, citada em Ducange, liga-se imediatamente a calendas; o a (ha) é prostético como em espanhol; houve assimilação de nd em nn ; guilané (cit. por Schuchardt de Jaubert, Gloss. du centre) é um derivado que serviu de ponto de partida às transformações posteriores, em que se não deve desconhecer o jogo da etimologia popular ou da falsa interpretação erudita. As formas bretãs podem muito bem ser de origem francesa. Nada permite pois ligar o peditório do Ano Novo à cerimónia do gui. No nosso solo ela liga-se principalmente ao costume das strenas romanas: os que não podiam ser lembrados, os que não recebiam por acto espontâneo presentes, os pobres, eram naturalmente levados a pedir um pequeno quinhão na festa.17
303Nos Juegos de noches buenas de Alonso de Ledesma, escrito do começo do século xvii (Romancero y Cancionero sagrados, p. 156), Ribad. dá-nos o seguinte canto de peditório:
Aguinaldo, aguinaldo
Que Diòs nos dé buen ano.
Estas puertas son de pino,
Aqui vive algun judio.
Estas puertas son d’acero,
Aguinaldo 1
Aqui vive un caballero!
Aguinaldo!
Por sus pecados, pechero,
Aguinaldo!
Que es nuestro padre primero,
Aguinaldo!
Mas darle por nuevas quiero
Aquinaldo!
Que su bien está cercano,
Aguinaldo 1
Que Diòs nos dé buen ano.
304Demofilo, num artigo do periódico sevilhano El Porvernir (24 de Janeiro de 1881) sobre o escrito de Ledesma, diz: «Parece estar relacionado este juego con la costumbre española, aun subsistente, de pedir los aguinaldos los hijos à los padres y los de inferior á los de superior categoria durante las Pascuas de Navidad.» W. Mannhardt18, Wald und Feldkulte, i, p. 558, dá notícia de um peditório de rapazes pelo Ano Novo em Dinamarca, tendo por autoridade Grundtvig, Gamle Danske Minder i Folkmunde, iii, pp. 166-168.
305M. Eugène Rolland, Faune populaire de la France, ii, pp. 241 e segs., comunica três variantes de um canto de peditório do Ano Novo, duas de Tonneins (Lote-et-Garonne) e uma do Agenais. Eis os começos desses cantos:
1.Le fils du roi s’en va chasser
Le fils du roi s’en va chasser
Dans la forêt d’Hongrie;
Ah!donnez nous la guillannée
Monseigneur, je vous prie.
2.Le fils du roi s’en va,
Chasser à la forêt d’Hongrie;
Ah! donnez nous la guillanau,
Monseigneur, je vous prie.
3. J’ai chassé trois nuits trois jours,
Dans la forêt d’Hongrie;
Donnez-moi la guilloneou
Monseigneur, je vous prie.
306No Saggio di canti popolari raccolti a Pontelagoscuro (Província di Ferrara) por G. Ferraro (Rivista di Filologia romanza, II, p. 193) achamos os seguintes cantos (p. 209):
Buoni auguri pel capo d’anno
Son gnu dar bonann
E al bon cap dl’ann,
Le bone feste,
Che Dio e Maria,
Si ve le conceda
Sempar e cosi sia.
Ghiera, eccellenza,
Do bellettissime sita,
Una per l’invern,
E l’altra per l’istà.
Ghiera, eccellenza,
Du belletissimi molin,
Una mesnava l’oro
E l’altr di bei cecchin
E dopo la sena
Una rosetta di marzapan,
Domatina in cortesia
Mi racumand la bona man.
307Augurio di male
Son gnil dar bonann:
Se sî becch l’é vostar dann,
Con quant cioldi
Ghe taccà la porta,
Se vu al sî becch
Al sî più d’una porca.
Gnirò cun na cariola,
M’dari la vostra fijola,
Gnirò cun cariolon,
M’dari vostar fiolon.
Bona sira, beccamort,
Stèe ben, fijol d’on porch.
E sempar rivedersi,
Al novo dì.
30828. O costume estabelecido pelos portugueses em Cochim é a simples reprodução de um costume romano. Os imperadores romanos recebiam como presente de Ano Novo uma peça de dinheiro. Vid. Sueton. Aug. 57,91. Tib. 34. Calig. 42. Dio Cass., lix, 24. J. Marquardt Römische Privatalterthümer, i, 257 n. 98. Em Inglaterra houve um costume semelhante: «According to Nichols, the greatest part if not all of the peers and peeresses of the realm, all the bishops, the chief officers of State, and several of the Queen’s household servants, even down to her apothecaries, master cooks, serjeant of the pastry, etc., gave New Year’s Gifts to her Majesty (Queen Elizabeth), consisting, in general, either of a sum of money, or jewels; trinkets, wearing apparel, etc.», Brand, i, p. 14.
309A festa do Ano Novo, com suas dádivas, banquetes, seus prognósticos tirados do tempo, agoiros motivados por encontros, etc., não é particular aos povos indo-europeus; encontra-se como a do Natal, entre outros povos, por exemplo, na China e no Japão.
310«New Year’s day is for certain things the day of luck. According to Chinese belief you may on this date, in almost any year, present religious offerings or vows to heaven, put on full dress, fine cups, and elegant attire; at noontide one should ‘sit with one’s face to the south’; may make matrimonial matches, pay calls, get married, set out on a journey, order new clothes, commence repairs to a house, lay new foundations, or raise up the france-work of it; set sail, enter into business contracts, carry on commerce, collect accounts pound, grind, plant, sow, etc. Nor are other superstitions connected with this auspicious day wanting. Like our own old women in the more remote country districts, the Chinese attach considerable importance to the ‘first-foot’ or person first seen after the New Year has set in. A fair man is a lucky first-foot in the North, while a woman is peculiarly unlucky. In Chine a Budhist Priest is regarded as the most ill-foreboding mortal it is possible to set eyes on as a first-foot. Another similarity is to be found in the common superstition that the first words heard in the year will affect the fortune of the hearer for the coming twelve months. In Lincolnshire they arrange with the ‘first-foot’ to repeat a lucky rhyme. In China the women go out secretely and listed to persons talking in the streat. The first sentence heard is held to contain a prediction, good or bad, of the listener’s luck for the ensuing year.» Dennys, pp. 31-32.
311No Japão pela festa do Ano Bom fixam-se no chão diante das casas um pinheirinho e um bambu, enfeitados com grinaldas de palha de arroz. Põem-se nas casas em construção as traves mestras do tecto, que se enfeita, e donde um criado atira bolos de arroz aos transeuntes. Os lavradores compram rama de chorão que os vendedores adornam com grangeas, um dado de jogar, peças de vidro, a máscara de Okabe e bocados de metal à feição de moedas; atribui-se-lhes o poder de trazer prosperidade aos filhos. Fazem-se presentes, comprimentos, trocam-se bilhetes de visita; há mascaradas e vários jogos e préstitos de alegria; todas as casas se adornam com flores; nos banquetes e presentes predominam as obras de pastelaria. Na véspera do dia do Ano Bom: «À mesure que l’heure de minuit s’approche, on distingue tout-à-coup, dans les cours des maisons bourgeoises, la réverberation d’une petite flamme allumée sur le sol. Elle brille d’un vif éclat et s’éteint au bout de quelques minutes. Que s’est-il done passé dans ce court espace de temps? Exactement, quoique sous une autre forme, la reproduction de Ia superstitieuse pratique des plombs de Noël. Les familles japonaises, à la dernière heure du dernier mois, mettent le feu à un faisceau de búchettes aspergées d’eau bénite, et consultent la direction, la figure, le pétillement de la flamme, elles en tirent l’horoscope de leur bonne ou de leur mauvaise fortune pour l’année qui va s’ouvrir.» (Aimé Humbert, Le Japon. Tour du monde, xx, pp. 199 e segs.).
31232. «La veille de cette fête (l’Epiphanie), toute la famille et les conviés sont rassemblés autour d’une table qu’éclaire une lampe suspendue au milieu. On tire au sort le roi du festin, et déjà cette opération donne lieu à une remarque importante; car si la tête d’un des assistants ne fait pas ombre sur la muraille, c’est signe qu’il mourra dans l’année; mais comme on conçoit que cette circonstance doit être infiniment rare aucun sentiment de tristesse ne vient troubler la joie du nouveau souverain constitutionnel, qui entre sur-le-champ en possession de ses privilèges. Le plus beau sans doute et tous les rois de l’Europe le lui envient, c’est de choisir sa reine librement, et sans qu’aucune raison d’Etat vienne s’y oposer. Ils occupent l’un et l’autre la place d’honneur, et chaque fois qu’ils portent leur verre à la bouche, les cris de: Le roi boit! la reine boit! partent de toute part, on annonce de même l’instant ou ils cessent de boire. Ce souverain de vingt-quatre heures règle aussi les toasts qui seront portés; mais comme ils sont nécessairement très-nombreux, et que l’ivresse pourrait survenir avant que la liste en fût épuisée, on emploie un moyen sûr pour l’empêcher: c’est d’orner de couronnes de lierre les bouteilles, les lampes, et tous les meubles de l’appartement.
313Le lendemain, jour de la fête, le hasard désignera encore un roi: c’est celui de la fève. Toute la famille est réunie à cet effet autour d’un enorme gáteau qu’on a divisé par portions égales, et dont le plus jeune garçon de la société doit faire la distribution. La première est toujours pour le bon Dieu, et la seconde pour la Sainte Vierge19, puis viennent celles des parens, des domestiques et des étrangers. Celui qui trouve une fève dans sa portion est proclamé roi; mais le hasard qui en décide la donne parfois à une femme. Que faire alors? sera-t-elle donc la reine? Oui, sans doute, car dans nos campagnes la loi salique n’a jamais été en vigueur. Non seulement les dames y peuvent régner, mais encore choisir un roi. Si ce dernier est galant, il conviera sa reine et toute la société à un banquet pour le dimanche suivant ; là tout sera dans l’anarchie, et comme pour montrer combien les grandeurs sont vaines et peu durables, on fera des rois noirs, en leur barbouilant la figure avec un bouchon brûlé.» Beaulieu, i, pp. 254-6.
314«In Epiphania Domini singulae Familiae ex melle, farina, addito zinzibere et pipere, libum conficiunt, et Regem sibi legunt hoc modo: Libum materfamilias facit, cui absque consideratione inter subigendum denarium unum immittit, postea amoto igne supra calidum focum illud torret, tostum in tot partes frangit, quot homines familia habet: demum distribuit, cuique partem unam tribuens. Adsignatur etiam Christo, beataeque Virgini, et tribus Magis suae partes, quae loco eleemosynae elargiuntur. In cujus autem portione denarius repertus fuerit, hic Rex ab omnibus salutatus, in sedem locatur, et ter in altum cum jubilo elevatur. Ipse in dextera cretam habet, qua toties Signum Crucis supra in Triclinii laqueariis delineat; quae Cruces quod obstare plurimis malis creduntur, in multa observatione habentur.» Johannes Boemus Aubanus, Mores, Leges, etc., p. 266 (1620) apud Brand, i, 25 n. Brand, I, pp. 22-28, Hampson, i, pp. 134-137, dão amplas notícias da eleição do roi de la fève na França, Inglaterra, etc. Em Roma pelas saturnais (16 das calendas de Janeiro desde César) elegia-se um rei da mesa, que era já o que tinha arremessado mais longe no jogo do jacto, já um designado pela sorte. Preller, Römische Mythologie, p. 415.
31529. «S. Antonino (non S. Antonio) pel popolo è il santo che deve concedere questa grazia (di trovar presto un giovane, con cui fare all’amore e sposarsi) alia sconsolato fanciulla. Egli, che secondo la leggenda popolare trovo un bellissimo partito ad una povera orfanella che notte e giorno gli piangeva ai piédi pèr un marito, egli non rimarra sordo alle preghiere della sua divota. E si che tutte le fanciulle insofferenti d’indugio, nei tredeci giorni che precedono la festa di Sant’Antonino cercano propiziarselo con una Tredecina, durante la quale altre nella chiesa dilui, altre nel silenzio delle pareti domestiche, lo pregano a caldi occhi perche con S. Pasquale e S. Onofrio avivi un matrimonio tra lei e un giovane grazioso e simpatico.» G. Pitré, Usi popolari siciliane nella Festa de S. Giovanni Battista. Lettera 1.a, 2.a ed., Palermo, 1871, pp. 6-7.
Dias de empréstimo
316Espanha. – «Un pastor le dijo a Marzo que si se portaba bien, le regalaria un borrego. Marzo le prometió hacerlo, y cumplió portandose grandemente. Cuando ya iba saliendo, le pidió el prometido borrego al pastor; pero las ovejas y borregos estaban tan hermosos, que el pastor, considerando que solo quedaban tres dias de reinado á Marzo, se rechifló y no se lo quiso dar.
317– No quieres? – le dijo Marzo, pues no tengas cuidado.
Con tres dias que me quedan
Y tres que mi preste mi compadre Abril,
He de poner tus ovejas al parir.
318E hijo per seis dias tan crudo temporal de agua y frio que se murieron todos los borregos y las ovejas todas.» Fernan Caballero, Cuentos y poesias populares andaluces, pp. 116-7 (Leipzig, 1866). M. P. Meyer, que cita no seu interessante artigo Les jours d’emprunt (Romania, III, pp. 294-7) esta passagem, diz com razão: «Tout cela paraît assez arrangé.» O essencial é que a passagem revela a existência da tradição na Espanha.
319França. «Les paysans du midi ont remarqué que les trois derniers jours de février et les trois premiers de mars amènent presque toujours une recrudescense de froid, et voici comme leur imagination poétique explique cela.
320Une vieille gardait une fois ses brebis. Cétait à la fin du mois de février, qui, cette-année-là, n’avait pas été rigoureux. La vieille, se croyant échappée à l’hiver, se permit de narguer Février de la manière suivant:
Adiéu, Febrié! Mé ta febrerado
M’as fa ni pèu ni pelado!
Adieu, Février! Avec ta gelée
Tu ne m’as fait ni peau ni pelée!
321La raillerie de la Vieille courrouce Février, qui va trouver Mars: ‘Mars! rends-moi un Service!’ – ‘Deux, s’il en faut!’ répond l’obligeant voisin. – ‘Prête-moi trois jours, et trois que j’en ai, je lui ferai peaux et pelées!’
Presto-me lèu tres jours, e tres que n’ai,
Pèu e pelado ie ferai!
322Aussitôt se leva un temps affreux, le verglas tua l’herbe des champs, tous les brebis de la Vieille moururent, et la Vieille, disent les paysans, regimbait, reguignavo. Depuis lors cette période tempêtueuse porte le nom de Reguignado de la Viéio, ruade de la Vieille.» Fréderic Mistral, Mireio, Notes du chant, vi (6.° ed., pp. 263-4). «Quand la Vieille eut perdu son troupeau de brebis, elle acheta des vaches; et, arrivée sans encombre à la fin du mois de mars, elle dit imprudemment:
En escapant de Mars e de Marsèu
Ai escapa mi vaco e mi vedèu.
323Mars, blessé du propos, va sur-le-champ trouver Avril:
Abrièu, n’ai plus que tres jour: presto-me-b’en quatre,
Li vaco de la Viéio faren batre!
324Avril consentit au prêt...; une tardive et terrible gelée brouit toute végétation, et la pauvre Vieille perdit encore son troupeau.» Ibidem, Notes du Chant, vii, p. 309). Citado por Meyer l. c. Segundo Mistral os três últimos dias de Março e os quatro primeiros de Abril são chamados li Vaqueiriéu e temidos dos camponeses. Li jour negre de la Vaco chama-lhe ele no poema.
325La vielho-disiè:
Maugrát mars e sa martelado,
Moun troupèl tèn soun ivernado.
326Mars diguèt:
Abrie, met ni tres; emb mous quatre
Patos de vielho faròu batre.
327La vieille disait : Malgré Mars et ses martelées, – mon troupeau tient son hivernage. Mars dit: Avril, mets-en trois à mes quatre –, afin de faire battre la vieille. Proverbes recueillis à Colognac par Fesquet, Revue des langues romanes, vi, pp. 113-114.
328Suíça – M. Cornou comunicou a M. Paul Meyer uma tradição publicada com tradução na Romania, III, pp. 295 que é uma variante das que reunimos. Damos só a tradução francesa: «II y avait une fois une vieille femme qui s’appelait Rullion. Elle avait une chèvre et un chevreau. C’était au mois de Mars. La vieille n’avait plus de foin. II faisait beau temps: l’herbe croissait. Elle a dit au mois de Mars: ‘Ah! ah! Mars, ma chèvre et mon chevreau n’ont plus à craindre l’hiver.’ Mars lui répond: ‘Trois jours de mars et trois jours d’avril feront crever ta chèvre et ton chevreau.’ Là-dessus est venu le mauvais temps et la neige, de façon que la pauvre vieille a du aller par les bois chercher des branches de sapin et du lierre, afin de pouvoir sauver sa chèvre et son chevreau.»
329Inglaterra e Escócia. – «Old people presage the weather of the coming season by that of the last three days of March, which they call the borrowing days, and thus rhyme about:
March borrowed from April,
Three days, and they were ill;
The first o’ them war wind an’ weet,
The next o’ them war snaw an’ sleet,
The last o’ them war wind an’ rain,
Which gaed the silly pair ewes come toddling hame.
330It is curious that in the country parts of Devonshire, the same three days are called, ‘blind days’, and considered unlucky for sowing any kind of seed. And it is yet more remarkable that the Highlanders have their borrowed or borrowing days, but with them February borrows from January, and bribes him with three young sheep. These first three days of February, or Faiolteach, by Highland reckoning (that is, old style), occur between February 11 and 15. And it is accounted a most favourable prognostic for the ensuing year that they should be stormy and cold20. Can it be that this belief has any connection with the three cold days in February, mentioned by Humboldt, in his Cosmos, as confirmatory of his theory respecting the November stream of aërolithes?» Henderson, pp. 73-74.
331«The three last days of March, O. S., have been called Borrowing Days, or Borrowed Days. Being generally stormy, our ancestors attempted to account for the fact by assuming that March borrowed from April, in order to extend his reign so much the longer:
March borrowit fra Averill
Three days, and they were ill.
332They who are very superstitious will neither borrow nor lend on any of those days, and if any one should propose to borrow from them, they would esteem it an evidence, that the person wished to employ the article borrowed for purposes of witcheraft against the leader. Dr. Jamieson quotes the following curious line on this subject:
March said to Aperill.
I see three hogs upon a hill;
But lend your three first doys to me,
And I’ll be bound to gar them die,
The first, it sall be wind and weet;
The next, it sall be snaw and sleet;
The third, it sall be sic a freeze,
Sall gar the birds stick to the trees,
But when the borrowed days were game,
The three silly hogs came hirplin hame. »
(Hampson, i, pp. 210-211.)
333Os versos citados por Hampson de Jamieson acham-se também em Brand, ii, p. 42. Brand cita passagens de diversas obras alusivas à tradição dos dias de empréstimo e vê também uma alusão a ela na seguinte passagem do calendário da igreja romana: «Rústica fabula de natura mensis. Nomina rustica 6 dierum, qui sequentur in Aprili, seu ultimi sint Martii.»
334Itália e Sicília – M. Meyer (Romania, iii, p. 297) cita de Swainson A Handbook of Weather Folk-Lore, Londres, 1873, p. 54, o seguinte provérbio milanês que parece ter relação com a mesma tradição:
Marz l’a comprà el tabar a só papa,
E dopo tri di el ghe l’a impegna.
335R. Köhler indica, no Jener Literatur-zeitung, 1878, art. 298, a existência da tradição na Sicília, referindo-se a G. Pitrè, Il giorno dei morti e le strenne dei fanciulle in Sicilia, p. 17.
336Grécia. – A tradição dos dias de empréstimo existe também na Grécia, onde, como em Portugal, Março recebe emprestado de Fevereiro, mas só um dia. B. Schmidt, Griechische Märchen, Sagen und Volkslieder, p. 24, segundo o cit. artigo de R. Köhler.
337Na Galiza há o seguinte provérbio:
Febreiriño corto
C’os teus dias vinteoito,
Si duráras mais quatro
Non paraba can nin gato.
(Saco Aree, Gramm. gall., p. 270.)
338Na nossa opinião o facto de Fevereiro ter menos três ou dois dias do que os outros meses foi o ponto de partida da lenda dos dias de empréstimo: se esse mês tinha três dias de menos era porque os emprestara ao mês seguinte. Este dado e não um fenómeno natural qualquer, além da invernia que há geralmente nesses meses, explicam-nos claramente o dado fundamental da nossa tradição, alterado nalguns países, por influência talvez de particularidades meteorológicas que tornem mais frequentes as tempestades em Março e Abril, ou simplesmente por uma arbitrariedade resultante do obscurecimento do dado fundamental.21
339A maior parte das notas que constituem estes Materiais foram coligidas de 1864 a 1875; causas multíplices impediram a publicação do nosso trabalho e ainda hoje o damos numa forma que está longe de ser a que planeáramos. Era preciso sem dúvida fazer maiores investigações, tanto na literatura como na tradição oral, para dar relevo a muitas particularidades do nosso estudo; mas o essencial é traçar um quadro geral dos costumes e crenças do povo português, ou, se se quer empregar uma expressão mais pomposa, mas talvez discutível, da mitologia portuguesa; ora esse quadro geral somos nós o primeiro a tentar esboçá-lo; as investigações particulares terão depois o seu lugar marcado; as lacunas encher-se-ão facilmente. Os investigadores terão sobretudo um guia, que lhes será, crêmo-lo, de utilidade.
340Sobre alguns dos pontos aqui tratados, há já investigações particulares. O nosso amigo e colega C. Pedroso consagrou o n.° 2 das suas Contribuições para Uma Mitologia Popular Portuguesa às Bruxas e o n.° 7 ao Lobisomem. Há no seu trabalho coisas que se encontram nos nossos capítulos sobre o assunto; nós tínhamos explorado já quase todos os materiais que ele explorou depois de novo; em virtude disso suprimimos uma parte das nossas notas, reduzindo aqueles capítulos ao essencial e reproduzindo passagens de autores, que o nosso colega não viu ou não vira ainda quando publicou os artigos citados, e diversas lendas e contos colhidos por nós da tradição e que ilustram o assunto.
341Na primeira parte do nosso trabalho, na parte portuguesa, expomos simplesmente o que os escritores e o povo nos contam, sem querer de forma alguma evitar ou conciliar as contradições que há nesses depoimentos; no comentário só é que buscaremos interpretar essas tradições.
342Tudo o que não leva indicada a fonte onde foi colhido em nossas observações pessoais.
Entidades míticas e pessoas dotadas de poderes sobrenaturais
I. Deuses
343157. Não se encontra na tradição popular portuguesa, ao que parece, excepto talvez nalgum nome de lugar de obscura origem, nem um só nome das divindades do Olimpo greco-latino, céltico ou germânico. Somos até o único povo da Europa que abandonou as velhas designações dos dias da semana contendo os nomes das divindades pagãs.22
344Uma parte das tradições relativas aos deuses pagãos sobreviveu, porém, achando-se ligada ou a nomes de santos ou ao do diabo.
345158. Das entidades míticas subalternas das antigas religiões politeísticas não se conservaram também os nomes, com excepção das denominações de sereias e de fadas, a última das quais pertence porém à mitologia da decadência.
346159. Assim como sobreviveram algumas das lendas, assim sobreviveram usos do culto dos velhos deuses, a lembrança dos velhos santuários, dos bosques sagrados, das fontes a que eles presidiam ou onde habitavam.
347160. As designações toponímicas de Monte-São, Monsanto, Monsacro (Monchique-Monsacro, alterado pela pronúncia árabe?23), Águas-Santas, Fonte-Santa, recordam antigos santuários, lugares sagrados.
348161. A virtude maravilhosa atribuída à água de algumas fontes testemunha ainda hoje a antiga presença de uma divindade. Os nossos escritores mencionam várias dessas fontes.
349162. A fonte da Triana, em Alenquer, em que, segundo a tradição, se lavava a rainha Santa Isabel, era tida por de água milagrosa. P. António Carvalho da Costa, Corografia Portuguesa, ii, p. 75. Lisboa, 1712, fol. Havia outra fonte de água milagrosa, por intercessão de Nossa Senhora, na Redinha, Ib., ii, p. 113.
II. Santos (promessas, oferendas, coacção)
350163. Quando alguém está doente, ou corre um perigo, ou deseja melhorar a sua sorte ou alcançar uma outra coisa qualquer, faz uma promessa a um santo com o fim de recuperar a saúde, melhorar de condição, sair do perigo, ou alcançar o que deseja. A escolha dos santos não é arbitrária, mas sim determinada pelo valimento especial de cada um, pela confiança maior ou menor que eles inspiram. Além disso é sobretudo à imagem e a uma imagem determinada que a promessa se dirige. O mesmo se dá para com as imagens da Virgem ou de Cristo. Tal imagem de santo que se tem ao pé da porta não tem valimento, enquanto se irá fazer uma longa romaria para levar uma promessa à imagem do mesmo santo que se acha em lugar afastado. Pedir a um santo uma coisa, prometendo-lhe uma recompensa, uma prova de gratidão, adquire aos olhos do povo quase o valor de um contrato; chama-se a isso apegar-se com o santo. A falta de cumprimento de uma promessa, alcançada a coisa por que ela se fez, implica grandes males; as almas dos que morrem sem as cumprir vagam errantes, sem poder entrar no purgatório, até que de um modo ou outro consigam que alguém realize as promessas.
351164. As promessas podem ser de várias espécies: referir-se a actos ou a cousas. Limitar-nos-emos a mencionar o que há de mais interessante. Muitas vezes não se espera a realização do que se deseja, mas faz-se a oferenda ao santo ou cumprem-se os actos a que aludimos para lhes conciliar o valimento; outras vezes reúnem-se os dois modos.
352165. O uso de oferecer imagens de cera aos santos, à Virgem, a Cristo, ao Espírito Santo, representando ou o corpo do doente, ou a parte afectada (uma perna, um braço, um queixo, um olho, um seio, uma cabeça), uma criança, um animal, por cuja saúde se rogou ao santo, etc., está ainda em vigor, pelo menos ao Norte do Mondego. Uma tia do colector fazia e vendia dessas imagens, de que havia grande consumo, e tinha também para vender olhos de prata para o mesmo fim. Nos santuários vêem-se penduradas em grande número essas imagens de cera.
353166. Vai-se também às romarias amortalhado, para cumprir promessa. É um costume cremos que geral ainda em todo o País.
354167. As pessoas mais abastadas prometem pesar-se a trigo ou a cera, ou levar velas de cera de sua altura; outros contentam-se com levar fitas do comprimento do corpo ou do membro afectado. Mulheres afectadas de doenças de garganta oferecem também gargantilhas às santas, da largura do pescoço.24
355168. Para desviar calamidades agrícolas oferecem-se as primícias dos campos, trigo, milho, azeite, etc.
356169. Considera-se eficaz levar a certos santos um objecto furtado de pouco valor; mas é mister que a pessoa a quem ele se roubou ignore quem foi o roubador: assim, para se curar de febres intermitentes leva-se uma telha furtada ou um feixe de vides furtadas a S. Pedro. (Coimbra, Minho, etc.). Nos Açores crê-se que as verrugas se extinguem a quem furtar na noite do mesmo santo um vaso de flores de alguma janela, sobretudo sendo cravos. (Almanaque Açoriano para 1868, p. 116.)
357170. Estão também ainda em vigor as promessas e oferendas consistindo em pinturas representando navios em perigo, doentes no leito, etc., em que geralmente se faz sentir a influência do santo fazendo-o aparecer entre nuvens, etc. Há grandes colecções dessas pinturas na Capela de Nossa Senhora da Nazaré, na Capela de Nossa Senhora da Encarnação, perto de Buarcos, etc.
358171. Os marinheiros oferecem também uma vela ou um navio em miniatura.
359172. Outras pessoas vão descalças até ao lugar onde está a imagem rogada, todo ou parte do caminho, ou com pedras às costas ou à cabeça.
360173. Também é costume dar voltas de roda do santuário, capela, altar ou sepultura, ou a pé ou de joelhos.
361174. Para obrigar os santos a interceder pelos que os rogam, empregam-se alguns meios de coacção. Quando se roga por chuva e ela não vem, mergulham-se os santos num poço ou tanque; a este costume aludem as Constituições do Bispado de Évora, const. i, tit. 25: «Nem levem as imagens de alguns santos a cerca de água, fingindo que as querem lançar em ela, e tomando fiadores, que se até certo tempo lhes não der água, ou outra coisa que pedem, que lançarão a dita imagem na água.»
362175. Quando se quer obter alguma coisa de algum santo volta-se este com a face para a parede até se alcançar o que se pretende. (Coimbra, Porto.)
363176. Os santos amarrados com fios, ou fitas, postos de cabeça para baixo, ou lançados nalgum poço, operam forçosamente o milagre que se lhes pede. (Almanaque Açoriano para 1868, p. 114.)
364177. Entre outras superstições menciona Vale de Moura: «Immergere sancti alicuius imaginem in fluvium pro pluvia obtinenda.» De incantationibus, 1, 6, 7.
365178. «Quando há falta de água do céu, para que a terra produza, costumam os homens e mulheres desta freguesia levar em procissão S. Cosme a uma fonte de seu nome, em que o molham, e tem para si que logo os socorre; e alguns enfermos, que se vem lavar a esta fonte, invocando o santo, cobram saúde.» Freguesia de S. Cosmede (S. Cosme e Damião, termo dos Arcos de Valedevez.). Carvalho, Corografia, II, p. 229, Lisboa, 1706.
366179. «Para a canoa andar ligeira sopra-se numa botija sem fundo, fazendo as vezes de buzina, para assim atrair o vento; ou se a bordo vai uma imagem de Santo António é amarrar-lhe uma corda ao pescoço e deitá-lo na água, deixando-o ir a reboque até que o vento refresque e o barco encete feliz viagem.» (Pará.) Almanaque de Lembranças para 1862, p. 335.
367180. Os pescadores da Torreira (20 quilómetros a oeste de Aveiro) que padecem de sezões vão à Capela de S. Paio baptizar o santo com vinho que depois bebem. (Almanaque de Lembranças para 1870, p. 166.)
III. O diabo
368181. A língua portuguesa tem como denominações principais desta entidade as mesmas que as outras línguas românicas. 1) diabo do lat. diabolus, gr. διάβολος; outra forma paralela é diacho (diablo), a qual contraída em decho é muito frequente na linguagem popular; outras formas populares são dianho, dialho (* diablo ; para a mudança do Ih em nh e vice-versa, ep. calhamaço ao lado de canhamaço, etc.). 2) demo, demonio do lat. daemon, daemonium, que representam δαἰμον, δαιμόνιον ; demo pertence à linguagem popular.
369182. Como só por si o nome do diabo parece impuro, busca-se evitá-lo em certas relações, principalmente nas famílias bem educadas, e substituí-lo pelo de inimigo. Também o povo gosta de o denominar com diferentes epítetos e algumas palavras que não pertencem à linguagem geral. Tais são: 1) o cornudo; 2) o da unha revoltada ; 3) o tição negro ou simplesmente o tição; 4) o barzabum, corrupção de Belsebuth ; 5) o fusco; 7) o zarapelho ou sarapelho, denominação de origem obscura e pouco usual que ouvimos no Minho algumas vezes25; a ou o coisa má-, 9) o Pedro das Malas-Artes; 11) o tisnado; 12) o macanito, ou mancanito, o mesmo que diabo coxo; 13) Satanás (pop. Santanás), denominação menos popular; 14) Pedro ou Pêro Botelho ; 15) o caroucho; 16) o galhardo.
370183. Ora o povo concebe o diabo como uma entidade unitária, ora como um nome comum de muitos seres da mesma natureza; esses têm também o nome de demónios, diabos, e supõe-se existir entre eles uma certa hierarquia. Um certo número de diabos têm um carácter diminutivo e são denominados diabretes, fradinhos da mão furada26. A estes não se atribuem grandes males; são demónios que se limitam a causar desarranjos na casa, apagar as luzes, quebrar a loiça, atirar pedras pelos sótãos, imitar vozes de diferentes pessoas, fazendo vir os que estão em casa à janela, julgando que essas pessoas estão na rua, mas ouvindo apenas uma gargalhada soltada pelos diabretes. A esta categoria pertencem os draguinhos que figuram nas comédias de Gil Vicente. Drago foi sem dúvida uma antiga denominação popular do demónio.
371184. Considerados sob o ponto de vista da hierarquia, não parece haver denominações particulares para os demónios, em que se reconheça um carácter verdadeiramente popular. O chefe dos diabos é simplesmente o diabo maioral.
372185. O diabo tem mãe que é pior do que o filho. Um provérbio diz: «Ui!, disse o diabo quando viu o cu à mãe.» Outro adágio: «Tal é o demo como sua mãe.»
373186. Um outro provérbio diz: «O diabo nunca é tão feio como o pintam.» No espírito popular a concepção do diabo tem às vezes traços mais brandos do que na imagem apresentada pela igreja, quer considerado quanto ao seu princípio interno, ao seu carácter, quer quanto à sua manifestação, mas sobretudo pelo que respeita ao carácter. As denominações acima reunidas são em geral desfavoráveis, quanto ao aspecto exterior; ele é também concebido como tendo a aparência de um bode, mas sobretudo como tendo pés e cornos de cabra e cauda. É a figura tradicional, com que o povo tanta vez o vê representado na pintura ou em escultura; mas o diabo apresenta-se muitas vezes como um rapaz bonito, uma rapariga bonita, mesmo como um velho bem falante; um ou outro sinal revela a sua natureza. O diabo figura em certas lendas como generoso, justiceiro, amigo de recompensar quem não manifesta por ele o ódio ou desprezo que a igreja recomenda:
374187. A influência da concepção pedantesca, eclesiástica, do diabo, tem sido tão considerável sobre o povo que não admira que a fisionomia verdadeira e completa desta entidade esteja hoje muito obscurecida e se tenha tornado pouco interessante. Em alguns contos tradicionais substitui ele os encantadores, feiticeiros, magos, e as velhas divindades pagãs.
188. Fórmulas diversas:
Que diabo te trouxe aqui!
Os diabos ou o diabo te leve!
Vai-te para o diabo!
Dar-se a todos os diabos!
375Um tanto obscura é a expressão andar o diabo a quatro; na sua acepção usual significa haver desordem, confusão; mas a significação fundamental? O diabo é figurado algumas vezes como andando de carruagem; daí pode vir a fórmula de andar o diabo a quatro.
376Andar o diabo às soltas ou solto, significa também haver desordens, desgraças, pois o povo as concebe como um produto do diabo. Ele crê ainda que em dia de S. Bartolomeu anda o diabo às soltas; vid. n.° 138.
377189. A habitação do diabo é o inferno. A toponímia revela que a imaginação popular viu a abertura do inferno ou a entrada para ele em diferentes pontos: assim diversos fojos são denominados boca do inferno, alguns vales vales do inferno. Há por exemplo uma Boca do Inferno em Cascais, e um Vale do Inferno perto de Coimbra. Em geral o diabo sai do inferno, que fica no centro da terra, por qualquer lugar, que lhe apraz, abrindo-se no chão uma boca por onde sai fumo de alcatrão e fechando-se esta logo. No inferno há uma enorme caldeira onde as almas são deitadas em azeite a ferver e que é chamada caldeira do Pêro ou Pedro Botelho.
378190. O diabo pode ser chamado (conjurado) ou afugentado (esconjurado); quem o chama e se arrepende, não se resolvendo a fazer pauto (pacto) com ele deve dizer-lhe que faça uma coisa que lhe seja impossível, como ir contar as areias do mar, ir buscar água ao rio numa joeira, etc., aliás o diabo leva quem o chamou.
379191. Para afugentar os demónios há diversas fórmulas, umas que se pronunciam, outras que se trazem escritas. «Uma mulher de Santarém atormentada pelo demónio, que aparecia em várias figuras, valeu-se de Santo António, que lhe mandou que lesse uma oração, que acharia no seio; fazendo assim ficou livre das aparições demoníacas; a oração continha o seguinte: Ecce ✠ crucem Domini fugite partes adversae, vicit Leo de tribu Juda Radice David Alleluia, Alleluia. Achou-se depois nas relíquias de D. Diniz.» Chron. de S. Franc. ord. min., c. 1 Pereira, Anacephaleosís medico-juridica, pp. 132-133 (Coimbra, 1734). Fórmulas semelhantes em bentinhos são trazidas ainda pela gente do povo no seio. A cruz ou quaisquer objectos em cruz e algumas plantas são eficazes para o mesmo fim. «Et ex Amato Lusitano lib. 4. in Dioscoridem, Tapsiam apud nostros Conimbricenses Dacmonibus infestam adeo haberi, ut proverbiali quasi elogio ipsam ita loquentem faciant: Eu sou o Tom27 que o diabo fuge donde eu som. Posset que adducere alios nomine Rutae respondentes: E eu sou a Aruda, que sou em tua ajuda.» Vale de Moura, De Incantationibus, 1, 2, 11.
380192. É o diabo também mandado para o mar coalhado, o oceano glacial, cuja notícia confusa se acha muito espalhada no povo, como revela aquela designação.
381193. O povo crê que os maçons têm pauto com o diabo; quando vão à sinagoga (loja maçónica) batem na sola do sapato e tiram de lá dinheiro pelo poder que lhe concede o pacto com o demónio.
382194. Gaspar Correia nas Lendas da Índia, ii, pp. 594-5 (publ. pela Academia das Ciências) fala de um peixe que era o diabo.
383195. O algar do diabo. – «Quem for da freguesia de Arrimal, no concelho de Porto de Mós, para Alcobaça, encontrará perto da Bairrada, onde existe um arco de cantaria, a que os povos daqueles sítios chamam memória do rei, as ruínas de uma antiga habitação, onde outrora, dizem, morava um lavrador, que foi obrigado a mudar de sítio; e, pouco distante, uma grande cova, ou algar, denominado algar do diabo.
384Um ano, durante as colheitas, vinha todos os dias, de manhã e de tarde, um belo novilho comer o melhor pasto e as espigas mais gradas ao lavrador. Este espantava-o, batia-lhe, mas o bezerro não deixava de voltar na manhã e tarde seguintes.
385Um dia, esgotada de todo a paciência do velho, deliberou avisar os lavradores que habitavam os casais distantes, mas, como estes lhe respondessem que o bezerro não era seu, esperou-o à tarde de forcado em punho com o fito de o perseguir até ao curral a que se encaminhasse, a fim de descobrir o dono.
386Desce o novilho do vizinho outeiro, e, em pouco mais de quatro pulos, acha-se na eira! Salta o velho, de forcado em punho, grita-lhe, maltrata-o, pica-o, persegue-o, acompanha-o, até que, já cansado de correr e de cravar as pontas do forcado no bicho, vê de repente abrir-se uma grande cova, e este sumir-se por ela abaixo, deixando um terrível cheiro a resina, pez e enxofre.
387Conheceu o velho então que o destruidor do seu milho era o anjo das trevas; e, cheio de terror, mudou a sua habitação para outro sítio.
388Passando em 1853 por ali, e observando o algar, que fica perto do caminho, contou-me um homem esta lenda.» Almanaque de Lembranças para 1867, pp. 158 e seg.
389196. Casa construída pelo diabo. – Há em diferentes lugares do País a tradição de que certa casa foi construída pelo diabo, que contratara tê-la pronta até ao cantar do galo ou até à meia-noite, pertencendo-lhe a alma do proprietário; mas este, que era astuto, quando faltava apenas pôr uma última pedra, imita o canto do galo; um galo que o ouve canta e o diabo perde por não ter a obra acabada. Nunca foi possível, porém, pôr a pedra que faltava. Um cocheiro contou-nos uma versão localizada desta história, na estrada de Vila Real a Bragança, ao descermos as voltas para Murça.
390197. A ponte do diabo. – A ponte de Misarela foi construída pelo diabo. Acha-se sobre o Regavão ou Misarela, no concelho de Montalegre (Trás-os-Montes). Um criminoso perseguido dera a alma ao diabo para ele o fazer passar ali sobre o abismo (o pavimento da ponte fica 23 metros acima do nível da água); o diabo lançou uma ponte sobre a torrente, que caiu logo que o criminoso passou.
391Um sacerdote que ouvira confissão do criminoso disse ao diabo que fazia com ele pacto, com a condição de ele construir de novo a ponte; mas desta vez o diabo ficou logrado, porque o sacerdote fez exorcismos e esconjuros, de modo que a ponte ficou de pé. (Esta lenda tem sido publicada muitas vezes.)
392198. A fonte do diabo. – «Na vila de Cuba há uma fonte chamada fonte do diabo, onde, acreditava-se, existia o espírito maligno, e se reuniam de noite duendes, espectros, fantasmas, que a certas horas metamorfoseados em bruxas e lobisomens se iam introduzir nas casas a fazer malefícios, enquanto outros percorriam as ruas, uivavam nas encruzilhadas, etc. Quem a tais horas atravessava pelo sítio sem rezar e fazer o sinal da cruz, era agarrado pelos demónios e afogado, tendo sido ali encontrados alguns cadáveres; daí a expressão proverbial: Ir ver o diabo a Cuba.» Almanaque de Lembranças para 1859, p. 373.
393199. S. Gil e o diabo. – «Isto mesmo sucedeu a S. F. Gil da Ordem dos Pregadores, que no século antes de convertido (como outro Cipriano Mártir) foi famoso nigromante, dando-se a vícios e torpezas, e na religião por meio do rigor, e penitência (como outro P. S. Domingos) portentoso santo, adornado de celestiais virtudes e inauditos milagres. Cuja conversão julgamos ser pelos anos 1230, em que tomou o hábito, e cingiu aquela cinta de ferro (de que hoje se valem as prenhadas em partos dificultosos) fazendo outras extraordinárias penitências, com que o Senhor ao cabo de sete anos se deu por satisfeito. Valendo-lhe também muito a poderosa intercessão da gloriosíssima V. Maria, para que o demónio lhe restituísse a cédula que lhe tinha dado, firmada de seu sangue, como restituiu à vista de sua sagrada imagem que estava no Capítulo (em Santarém). O buraco da corda do sino, por onde desceu a cédula, se conservou no mesmo estado até nossos tempos, perdendo-se esta memorável antiguidade por incúria dos prelados, com as novas obras que empreenderam, de que já se queixava com tanta razão o cronista da província. Pois de caso tão raro não há hoje mais memória, que a tradição, junta com a pintura a fresco na Capela do Santo, que a humidade da parede vai gastando, e no alto dela em nicho a mesma imagem da Senhora, que estava no antigo Capítulo.» Jorge Cardoso, Agiologio lusitano (Lisboa, 1666), t. iii, p. 821.
IV. Sereias
394200. A síncope do n do lat. sirenem (do gr. σειρἡν) ou antes de uma forma popular lat. sirena testemunha de um modo certo pela transmissão tradicional da crença nas sereias. Elas são ainda os seres marítimos, meio peixes, meio mulheres, cuja beleza e cantos atraem os navegantes, a quem depois causam a perdição.
395201. As mais antigas alusões às sereias encontram-se em Gil Vicente, que as empregou em suas peças, p. e.:
Será bem que desde o Estreito
Vão em cima de baleias
Havendo à tal festa respeito,
Cantando todas a eito,
Cento e trinta mil sereias,
Diante do seu navio.
(Cortes de Júpiter, t. II, p. 413.)
Al compas que las sirenas
Cantaran nuevos cantares,
Remareis con tristes penas,
Vuesos remos de pesares.
(Náo d’Amores, t. ii, p. 304.)
396202. Nos cantos populares encontram-se ainda hoje frequentes alusões às sereias:
– Chegai, Infanta, à janela,
Ouvi um doce cantar;
Ouvi cantar as sereias
No meio daquele mar.
– Ele não são as sereias,
Nem o seu doce cantar,
Ele é Dom Doardos,
Que a mim me vem visitar.
(Teófilo Braga, Contos Pop. do Arquip.
Açor., pp. 272-3.)
– Vinde, vinde, minha filha
Ouvir tão doce cantar;
Ou são anjinhos no céu
Ou são sereias no mar?
– Não são anjinhos no céu,
Não são sereias no mar;
É o dom Pedro Menino
Que o senhor pai manda matar.
(Ibid. p. 256, ef. pp. 259 e 270.)
Pelo cantar da sereia
Se perdem os navegantes;
Perdem as mães pelos filhos,
As damas pelos amantes.
(Teófilo Braga, Canc. Pop. p. 95.)
A sereia quando canta
Canta no pego do mar;
Tanto navio se perde
Oh que tão doce cantar!
(Ibid. p. 5.)
Quem me dera no mar largo
Ouvir cantar a sereia!
Senhora, não faça caso,
Eu a cantora já tentei-a.
(Foz do Douro.)
397203. As sereias são também denominadas fadas marinhas por Gil Vicente, denominação popular ao que parece; num canto popular elas são chamadas simplesmente as marinhas:
Vai logo às ilhas perdidas
No mar das penas ouvinhas (?);
Traze três fadas marinhas
Que sejam mui escolhidas.
(Auto das fadas, t. III, p. 101.)
– Escutai, se quereis ouvir
Um rico, doce cantar!
Devem ser as marinhas,
Ou os peixinhos do mar;
Deve ser Dom Doardos
Que aqui nos vem visitar.
(Teófilo Braga, Contos Pop.
do Arquip. Açor., p. 271.)
398204. A sereia é um objecto assaz frequente na arte popular. Nas proas dos navios e barcos encontra-se ela muitas vezes representada, já em pintura, já em escultura em madeira. Em fontes antigas também se encontra a sereia como ornato.
399205. No Almanaque do Arquipélago dos Açores para 1868 lê-se: «Sereias – nelas crêem, e não há pescador que já não as tenha avistado no pego, e que se não achasse na perigosa conjuntura de perder-se, correndo após elas. Nem mais nem menos se afiguram como as de que já falou Virgílio, no belo episódio das empresas de Ulisses e da sua frota. Como então, as sereias, de meios corpos formosíssimos, ainda cantam com toda a magnética harmonia, que é um encantamento, uma fascinação irresistível! Para que alguém que as ouça se não perca de amores, e se não precipite no mar em seguida delas, só há o recurso de se prenderem, de se amarrarem à embarcação.» (J. de Torres.)
V. Fadas
400206. As fadas não podem ser consideradas como constituindo hoje uma parte integrante das crenças vivas populares; as fadas figuram nos romances e contos populares, mas não nas lendas a que se quer dar o carácter de acontecimentos verdadeiros; o povo receia as bruxas, crê nas mouras encantadas, mas não vai procurar as fadas.
401207. A mais antiga alusão às fadas encontra-se no Cancioneiro da Vaticana, n.° 481; vid. Etnografia Portuguesa, n.° 64.28
402208. No romance da Infanta de França (Teófilo Braga, Romanceiro Geral, p. 26), diz a donzela:
Sete fadas me fadaram
No colo da madre minha,
Fadaram-me por sete anos,
Por sete anos e um dia.
403Vid. a variante A Encantada (p. 28) e as versões açorianas nos Cantos Pop. do Arquipélago Açoriano, pp. 183 e segs.
404209. As fadas têm uma vara ou varinha de condão, símbolo do seu poder.
405210. As fadas figuram nas tradições populares como beneficiando os bons e castigando os maus.
406211. Garcia de Resende descreve umas festas em que se figuraram fadas: «Chegaram à porta Dauis, onde eram muito bem feitos grandes arcos triunfais, e neles fadas que fadavam a princesa, cada uma de sua coisa.» Cron. de D. João, ii, cap. 123.
VI. Olharapos29
407212. Os Olharapos são ogres ciclópicos; é o que se torna evidente do pouco que deles apuramos. Eles têm poder mágico para enganar as pessoas que querem devorar; são seres de carácter perfeitamente sobrenatural.
408213. Ana Alves Leite, de Ourilhe, concelho de Celorico de Basto, contou-me a seguinte história:
409«Era uma vez um homem e foi ver terras por esse mundo adiante e depois andou, andou e chegou à terra dos Olharapos, que comem gente. Chegou lá e pediu se o acolhiam e disseram-lhe que sim. Foi lá para uma casa e viu lá uma caldeira muito grande que estava a ferver. Nisto os Olharapos maiores da casa foram-se embora e ficou um pequeno e ele disse-lhe:
410– Isto para que é? É para alguma boda?
411– Não fazemos boda nenhuma; isto é para comer dois homens que ali mataram há pouco tempo meus pais.
412– Então vós comeis gente?
413– Pois nós que comemos senão gente? Nós comemos os passageiros que aqui vêm e você também há-de ser comido que meu pai já disse que o havia de matar de madrugada.
414O homem ainda foi ver se abria a porta para sair; mas qual? não soube da chave. Veio o dono da casa e disse-lhe:
415– Venha-se deitar.
416Levava o homem uma capa e eles mandaram-no botar vestido com a capa por cima e botou-se um de uma banda, outro de outra sobre a capa. Ele deixou-os adormecer e com uma navalhinha que trazia cortou a capa de uma banda e de outra e fugiu. Não achando porta para sair meteu-se numa rima de lenha. Assim como deram fé os Olharapos:
417– Ó fulano, ai que ele fugiu!
418E abriram a porta para irem procurar e ele fugiu por ela e passou-lhe adiante; iam eles já perto dele com dois cães de fila e ele subiu-se acima de uma árvore. Nisto os cães deram fé dele em cima e começaram a olhar para cima. Disse um (dos Olharapos):
419– Os cães olham tanto para cima; estará ele lá em cima?
420O outro olhou e viu duas pombas que lá se formaram; foram-se embora e o homem pôde voltar são e salvo à sua terra.»
VII. O papão
421214. O papão, como diz a palavra, é o ogre. É com ele que se impõe respeito às crianças. Uma cantiga de berço diz:
Que está lá um Deus-te-livre
De cima desse telhado,
Deixa dormir o menino
Um soninho descansado.
VIII. O Medo
422215. O Medo é a personificação de tudo o que é vago, desconhecido e assustador. Nada há talvez mais terrificante do que o Medo, pelo seu próprio carácter indefinido.
423Nem a ideia do Diabo, da Bruxa ou da Alma-penada produzem o efeito desta simples frase – anda lá Medo, porque o Medo é tudo isso reunido e mais talvez do que isso.
424Ora se ouvem gritos horríveis, ora arrastar de pesadas cadeias pelos sótãos, ora caem pernas e outros membros de corpos humanos pela chaminé, se apagam as luzes e os que estão na casa recebem formidáveis bofetadas, ora se vêem enterros fictícios passarem de noite pelos olivedos e pinheirais. Muitas casas permanecem às vezes sem locatários por andarem lá Medos (isto até em Lisboa); muitos caminhos são evitados de noite por aparecerem lá Medos.
IX. Deus-te-livre
425216. O Deus-te-livre é um medo, uma espécie de espírito malévolo, de característico mal definido.
426Uma cantiga popular de Coimbra e proximidades diz:
Se fores à Pucariça
Não passes por Cantanhede,
Que está lá um Deus-te-livre
Metido numa parede.
X. Trasgo, trado
427217. Em Trás-os-Montes e Douro crê-se na existência do Trasgo, que parece se apresenta nalguns casos como um espírito do nevoeiro. Os trasgos perseguem principalmente as mulheres; fazendo-lhes várias judiarias, quando elas estão na cama; atiram pedras pelas janelas, quebram a louça das cozinhas.
428218. Em Marecos, perto de Penafiel, diz-se Trado por Trasgo (confusão com trado – latim taratrum).
429O Trado é um medo, um ente invisível, que persegue de várias maneiras as pessoas. Quando alguém pára numa estrada sem saber porquê é o Trado que o faz parar. (Comunicado pelo Sr. Joaquim de Araújo.)
430219. «A estas sombras, ou figuras fantásticas pertencem aqueles diabretes, ou demónios caseiros a quem os gentios chamavam Lares, ou Penates, se os julgavam bons; e Larvas ou Lemures, se os tinham por maus; e hoje os denominam os latinos Manes; os franceses Gueliers; os italianos Parsareli, Maçapengoli ; os espanhóis Duendes; e os portugueses Trasgos; os quais inquietam as casas aonde assistem; e costumam aparecer aos moradores delas em traje de frades, de viúvas; e às vezes com corpo de pigmeus, e outras figurilhas ridículas e fantásticas; e suposto não costumam fazer dano considerável; contudo, divertem as pessoas de virtude de seus exercícios louváveis com peças, burlas, máquinas e sustos; como tem Bodino, Tiréu, Tritémio e Del Rio.» Brás Luís de Abreu, Portugal Médico, p. 598. (Coimbra, 1726, fol.)
XI. Fradinhos da mão furada
431220. «Os Tervísios em Normandia, de que faz menção Alberto Krantzo, amigos de fazer peças e ludíbrios, que pode ser sejam os que chamamos Fradinhos da mão furada, e os Castelhanos Duendes.» Bernardes, Nova Floresta, tit. x, 70, 3, tom. i, p. 403.)
432«Deram ao diabo o nome de fradinho da mão furada, os que se persuadiam que algumas vezes apareciam duendes em figura de frades.» Bluteau, voc. s. v.
433A composição literária intitulada O fradinho da mão furada – novela diabólica (Arquivo Pitoresco, vol. v, 1862), dá a seguinte característica dessa entidade mítica:
434«Uns me chamam diabinho, outros fradinho da mão furada, por alguns de nós termos as mãos tão rotas de liberalidades, que em muitas casas, por onde andamos, fazemos ferver o mel, crescer o azeite, aumentarem-se os bens, lograrem-se felicidades e, sobretudo, quando no-lo merecem, com a boa companhia que nos fazem, descobrimos tesouros escondidos aos donos das casas em que andamos.» O. c., p. 4.
XII. Pesadelo
435221. «Quando uma pessoa está doente de cama e sente em cima de si um peso muito grande, sem ver, ou apalpar, já sabe que tem no espinhaço o pesadelo da mão furada : é este um espírito mau que atormenta os enfermos, já oprimindo-os sob formas invisíveis a ponto de lhes fazer doer o corpo, já pousando sobre eles, ora cacarejando como galinha choca, ora piando como mocho agoireiro; se o doente sabe a oração do pesadelo, é um momento enquanto se vê livre dele.» Almanaque de Lembranças para 1859, p. 364, Alentejo.
436222. Chama-se também insonho ao pesadelo. O insonho é um espírito, ou também uma bruxa.
437223. Para evitar pesadelos durante o sono mete-se uma faca ou garfo debaixo do travesseiro. Cabo Verde, Almanaque de Lembranças para 1872, p. 196.
XIII. Gigantes
438224. São raras hoje em Portugal as tradições acerca de gigantes, segundo cremos.
439Os gigantes, os ogres, foram substituídos na tradição por ladrões. Mostram-se em diversos lugares (por exemplo num monte entre Barcelos e Viana do Castelo) covas do ladrão e correm acerca delas apagadas lendas.
440«Em um cabeço, que está perto desta lagoa, e à vista da estrada do Pereiro se vê a Torre do Ladrão Gaião (antigalha célebre e de que nunca se pode dar notícia certa de sua origem), a qual é uma casa forte, que ainda nas suas ruínas mostra que foi habitação de alguma pessoa grande, e que teve janelas, e ao redor mais casas, e estrebarias. É esta torre de forma quadrada, e mostra que teve três sobrados; não tem escada, e só se lhe vê uma portinha muito baixa na altura do primeiro sobrado, de que nasceu dizer-se que por ela subia de salto para o não prenderem, e que dali vigiava os caminhantes, que passavam pela estrada, para os roubar, até que passando um homem mui pequeno (querendo o gigante roubá-lo) lançou a bolsa no chão, e abaixando-se o gigante para a tomar, lhe deu com uma faca, e por causa da ferida caindo sobre o homem pequeno ficaram ambos mortos, e ali os enterraram, demarcando com pedras as sepulturas de ambos, que ainda hoje se mostram; e assim elas, como a Torre, são remora dos passageiros, a quem os maliciosos metem mil patranhas na cabeça. E chegou a tanto o excesso, que passando por ali o Infante D. Luís, filho de el-rei D. Manuel, mandou abrir a sepultura do gigante para ver os ossos, e não achou coisa alguma. Brandão, na terceira parte da Monarquia Portuguesa, livro 10, cap. 44, quer que esta torre fosse de D. Gaião, alcaide-mor de Santarém, a quem, por ser facinoroso, chamavam ladrão. Isto me parece verosímil, ainda que em coisas tão antigas não se pode afirmar, nem duvidar.» Carvalho, Corografia, III, p. 221. (A lagoa fica perto do lugar de Avecasta, termo da Vila das Pias.)
XIV. Anões
441225. Não encontrámos ainda nenhuma lenda característica relativa a anões sobrenaturais. Nos contos populares portugueses figuram, porém, entes de pequena estatura, dotados de forças sobre-humanas. Vid. por exemplo o Grão de Milho, na nossa colecção.
XV. Mouras encantadas e tesouros encantados
442226. Do tempo em que os mouros estiveram em Portugal ficaram muitas mouras encantadas, em covas, subterrâneos, debaixo dos rios, guardando grandes tesouros.
443227. «Já que falamos em tesouros, não vem fora de propósito falar sobre os que chamam encantados, por outro nome vulgarmente Mouras encantadas, cujas almas diz a opinião popular estão ali guardando estas opulências até que haja pessoa que tenha resolução de as descobrir, a quem aparecem, ou em forma de mulher, ou de cobra, e se acaso descobrirem o segredo, se lhe dobra o encantamento, e perdem estes tesouros, que se lhe transformam em carvões, tijolos, áreas, etc...
444Não é fabuloso dizer que há tesouros encantados, porque há inumeráveis ocultos com cujo descobrimento tem muita gente luzido; e nestas partes é fama constante, que na vila de Belver se acharam dois grandíssimos tesouros no seu castelo, com que se fez uma casa forte, quero dizer, enriqueceu uma casa, com que se exaltou a família; pois é certo que na expulsão dos mouros deste reino, e de toda a Espanha, com a esperança de tornarem, enterrariam estes seus tesouros, assim como sucedia entre nós, nos calamitosos anos da guerra passada, em que nas ocasiões dos rebates, fugindo os moradores de qualquer terra, sepultavam o que tinham, e não podiam levar, e de que outros depois, como sabemos de muitos, se chegaram a aproveitar.» Bernardo Pereira, Anacephaleosis, pp. 98-99.
445228. Em Coimbra havia um caminho subterrâneo que ia dar ao rio, junto do ângulo da ponte com o cais, da parte de cima, onde se chamava o cantinho; a porta desse caminho via-se ainda ali há alguns anos, mas acha-se hoje completamente coberta, pelo assoreamento do leito do rio. Os mouros no tempo em que tiveram a cidade, vinham segundo a tradição dar ali de beber aos cavalos; ali ficou encantada uma formosa moura, que no dia de S. João (ou ainda noutros dias) vinha pôr ao sol as suas alfaias.
446229. As mouras aparecem às vezes na forma de cobras com grandes cabeleiras.
447230. A cobra encantada. – Cópia de um auto que mandou fazer o ouvidor Simão de Paiva, sobre um pouco de ouro que se achou no termo da vila de S. Romão (Dos mss. da Bibl. do conde de Santa Cruz):
448«Anno do Nascimento de nosso Senhor Jesu Christo de 1653, aos 16 dias do mez de Mayo do dito anno, n’esta vila de Govea, e pousada do Ouvidor Simão de Payva, que o he das terras do Marquez da dita Villa, por elle foi dito, que á sua noticia chegàra, que hum moço chamado Pedro morador na Villa de S. Romão, que he da dita Ouvidoria, achâra hūas peças de ouro nos Apriscos, termo da dita Villa de S. Romão. E para effeito de saber a verdade do caso, mandàra vir perante si o dito Pedro. O qual com effeito logo alli pareceu diante d’elle ouvidor, & testemunhas; e em presença de mim Escrivão lhe forão feitas as perguntas seguintes: Donde era, como se chamava, onde vivia, & filho de que paes era, e se achàra algum thesouro, ou peças, & em que parte ou por ordem de quem, ou se acaso? E logo por elle foi dito, que se chamava Pedro, filho de Francisco Fernandes, natural de Travancinhos, termo da Villa do Cazal, Comarca da Guarda, & de Maria Jorge sua mulher, natural da dita Villa de S. Romão, onde o dito seu pae veyo com ella a casar-se & ahi moravão os ditos seus paes, & entre os mais filhos tiverão a elle Pedro, que até ao presente sempre morou na dita Villa de S. Romão. E que sendo Domingo de Lazaro, trinta do mez de Março, do anno presente, a horas que o Sol se hia pondo, caminhando elle para um moinho, que foi de Manoel Tavares, com um sarrão de pão para o dito moinho, chegando a hum barrocal, que chamão os Apriscos (que he no termo da dita Villa): & saindo-se do caminho para o dito barrocal a hūa necessidade: ouvio como hum rugido de couro roçado por pedra; & olhando para onde soava vio hūa cobra do comprimento, & grossura de hum moço de doze annos, com a pelle & rostro, & o mais feitio de cobra, & sómente lhe pareceu que tinha na cabeça cabellos de mulher louros, & formosos, de comprimento de hum palmo, nedios, & não crespos: a qual cobra estava sobre hūa pedra meya enterrada, que mostrava descuberto mais de tres varas, & lhe parece que era pedra immovel, a qual tinha para hūa das partes hūa greta grande, ou aberta, que lhe parecia por dentro dourada, ou de ouro. E por a cobra fazer hūa demonstração para a terra que está junto ao dito penedo: elle Pedro assi atemorisado, & confuso da visão, olhando para onde a cobra fazia a dita demonstração, vio como cousa de ouro enterrado na serra. E neste comenos se recolheu a cobra naquella greta, ou abertura de pedra, deixando porèm a cabeça de fóra, virada para ele Pedro. E logo tirando de hūa faca á vista da mesma cobra, que tinha nelle posto os olhos, foi descobrindo terra, onde vira luzir o dito ouro: & achou logo hūa argolla artificial do feitio de azelha de cabeceira de contador, caixão, ou escritório, por não ser aberta nas duas pontas por força; senão brunhida & de feitio como se servisse do sobredito. E continuando com a dita argolla, achou mais outras duas do mesmo feitio, & grandeza, hūas sobre as outras em pé, & não deitadas. E acabando de tirar as ditas argollas, olhando para onde a cobra estava com a cabeça fóra da dita abertura, ou greta do penedo a não vio: antes vio, que a dita abertura, ou greta estava tão fechada, como se alli nunca houvera mais que a mesma pedra toda massissa, como até hoje se vê. E passado isto, se foi andando com as argollas na mão, para o dito moinho cõ o sarrão de pão às costas, sendo jà noyte fechada. E dormindo, no dito moinho aquella noyte, tornou ao outro dia, já Sol sahido, pela mesma parte onde o caso lhe acontecèra: & olhando para a pedra onde vira de antes sumir-se, & esconder-se a cobra, vira sobre a dita pedra hū vulto de mulher, que lhe pareceu de rostro muito branca, & formosa, & os olhos pretos, & com os cabellos do mesmo feitio, & postura, & cor, que os tinha visto na cobra: & lhe pareceu que tinha sobre a cabeça hum volante muito raro, & transparente com listas negras. A qual visão de mulher disse para elle dito Pedro, com falla delgada, como de mulher, em lingua Portugueza: Não te pudeste ter sem dizer aos pastores o que achaste? E respondendo-lhe elle Pedro, que não tinha algibeira, onde esconder as argollas, lhe disse a dita mulher: Meteralas entre o couro, & a camisa. E logo desappareceu a dita mulher, sumindo-se no dito logar, como se não estivesse nelle nada. Do que ficou elle Pedro sobresaltado, & atemorisado, & para desmayar. E vindo-se para a dita Villa de S. Romão, já nella era publico que tinha achado as ditas argollas: por quanto no dia, que as achou antes de chegar ao moinho, encontrou hum moço por nome Manoel, filho de Antonio João da dita Villa, a quem as mostrou. E logo pelo dito Pedro foi mostrada hūma d’ellas (cuja grandeza, & fórma vai ao pé d’este Auto plantada): & as outras duas deixara em poder do Doutor Antonio Ferrão de Carvalho, Prior da ditta Villa de S. Romão, &c.
449Deixo o resto do Auto, por evitar prolixidade. Contèm, que o dito Pedro tomou o juramento de que fallàra verdade em tudo o sobredito: & que não tornàra ao dito lugar.» P. Manuel Bernardes, Nova Floresta, tomo ii, pp. 234-236 (Lisboa. Na oficina de Valentim da Costa Deslandes, 1708, in 4.°).
450A p. 232 s. do tomo ii da Floresta, menciona Bernardes as Mouras encantadas atribuindo a crença aos tesouros enterrados pelos mouros, mas sem particularidades populares que nos interessem.
451231. O tesouro encantado. – «Eram três homens e disseram uns para os outros:
452– Há um tesouro encantado em tal terra e nós havemos de ir e havêmo-lo de tirar.
453– Pois vamos.
454Dois caminharam à noite e passaram à porta do outro, que havia também de ir, e ele já estava na cama.
455– Ó fulano, anda vamos.
456– Ora, eu já estou na cama; Deus os afortune bem, eu ai de mim não vou que estou quase a dormir.
457Os dois caminharam; chegaram, lá escavaram; acharam umas poucas de bolotas enterradas; pegaram numas poucas e trouxeram-nas. Chegaram à porta dele e disseram: ó fulano aqui tens do que nós achamos para amanhã almoçares antes de ires para a missa.
458– Eu não me levanto; botem isso aí por debaixo da porta que eu amanhã assim que me puser a pé aí o acho.
459Ao outro dia veio ele abrir a porta; quantas bolotas lhe botaram quantas peças ele lá tinha. Ele foi para a missa e disse-lhes:
460– Vocês foram de resposta, que repartiram comigo do que acharam.
461Eles riram-se muito e disseram:
462– Então chegou-te para o almoço?
463– Chegou e cresceu; mas de que vos estais a rir?
464– Nós estamos a rir porque achamos umas bolotas e as botamos por baixo da porta.
465– Pois se eram bolotas, quantas bolotas me deitaste quantas peças eu achei.
466Os dois foram ao sítio a ver se lá havia mais bolotas, mas não acharam nada.» (Celorico de Basto.)
467232. Em Cabeceiras um homem ouviu ler que em Bobadela havia um penedo em cujo interior estava um tesouro e que o encanto se quebrava indo em cima do penedo assar meio cento de sardinhas, sem as virar, em cima de palha. O homem foi lá assar as sardinhas; o penedo abriu-se; ele viu grande quantidade de dinheiro lá dentro e exclamou:
468– Ai Jesus, que agora estou rico.
469O penedo fechou-se imediatamente e nunca mais se abriu. (Celorico de Basto.)
470233. Em Arnoia havia um penedo chamado Penedo do ouro. Dizem que foi lá descoberto um grande tesouro.
471234. Em Vale de Passos, perto de Nogueira, circunvizinhança de Vila Real (Trás-os-Montes) há um rochedo que contém dentro dois vasos, um cheio de preciosidades, outro de peste.
472235. No caminho de Coimbra a Celas, por onde passa o aqueduto da cidade, há três depósitos de água; o povo cria que um desses depósitos continha fogo, outro peste, outro dinheiro, mas, como ninguém sabia qual deles continha o dinheiro, não se ousava arrombar-lhe as portas.
473236. No Livro de S. Cipriano, de que correm entre as mãos do povo numerosas cópias manuscritas e de que há alguns anos se publicou uma versão30, há indicação de numerosos lugares onde se acham tesouros.
XVI. Almas penadas31
474237. Muitas almas por não terem confessado um pecado ou feito a reparação de um crime, ou não se rezarem missas por sua intenção, andam errantes sem poderem entrar nem no céu, nem no purgatório. Essas almas aparecem com a forma corpórea que tinham em vida, vestidas de branco a horas mortas em certos lugares, ou mesmo nas casas; é necessário interrogá-las para que elas digam o que é necessário fazer para as livrar de andarem penando. Introduzem-se também pelos sótãos e forros da casa, onde se ouvem arrastar pesados grilhões.
475238. As histórias de almas penadas são em número enorme na tradição popular, mas reduzem-se quase todas ao mesmo fundo, em geral pouco interessante. Eis duas tais como nos foram contadas por uma mulher do Minho, que se desviam da monotonia usual delas.
476239. O morto reconhecido. – «Era um homem que tinha o signo de ser enforcado e ele disse:
477– Meu pai não há-de sentir esse desgosto; vou-me embora.
478Chegou lá a uma terra e estava um defunto por enterrar havia oito dias, por não terem que pagar ao coveiro. Ele mandou-o enterrar; depois, à primeira noite não, à segunda, dormiu num pinhal e mais outro que encontrou no caminho. De noite acordou muito assustado a gritar; o outro disse-lhe:
479– Tu que tens?
480– Ai, Jesus, senti que me estavam a esganar.
481E nisto apareceu-lhe ali um fantasma e disse-lhe:
482– Podes-te ir embora para tua casa, que já não morres enforcado, que pela obra de misericórdia que tu fizeste de mandar enterrar aquele defunto, o Senhor perdoou a morte de seres enforcado; passou-te um elo de uma vide no pescoço e quem to cortou fui eu.
483E o homem foi para sua casa muito satisfeito.» (Ourilhe – Celorico de Basto.)
484240. O soldado e a alma penada. – «Um soldado foi levar umas ordens, chegou a uma terra e pediu pousada e disseram-lhe:
485– Aqui não há quem lhe dê pousada.
486– E naquela casa rica?
487– Aí aparece um demónio que fez que as pessoas que lá moravam fugissem.
488– Pois eu na rua não hei-de ficar; cá comigo não é nada.
489Foi e sentou-se numa varanda e deixou-se ficar.
490De noite houve grande estropeada dentro, abrir portas e fechar. Nisto saiu um padre revestido pela porta fora e ele disse:
491– Graças a Deus temos missa do galo; pois vou ouvi-la para ficar prontinho para ir entregar as ordens. – E caminhou atrás do padre. Chegou à igreja o padre; fez oração; ele acendeu as luzes e ajudou à missa ao padre. Depois saiu pela porta fora, chegou ao adro da igreja e o padre virou-se para ele e disse-lhe:
492– Pede-me agora o que quiseres que eu vou para o céu e tudo faço que pedires que eu vou-o pedir a Deus. Tu fizeste-me uma obra que ainda ninguém me fez; ali à porta muitos têm vindo, mas da porta para dentro só tu tiveste a atrevidade de entrar. Eu andava aqui há muito ano; tenho feito terramotos; eu devia esta missa de que recebi e comi o dinheiro e não a disse e Deus não me perdoava enquanto eu a não dissesse.
493Disse-lhe o soldado:
494– Pois eu o que quero que peças ao Senhor é que me salve a minha alma e a da minha mulher; o Senhor me livre de eu ser soldado, que me dêem a baixa, que já estou cheio de ser soldado; que o Senhor me dê uma passaginha livre de eu andar a pedir.
495– Vai na paz de Deus que tudo que tu me pedes tudo te eu hei-de fazer; e não olhes para trás, nem tenhas medo.
496Ele não pôde resistir à curiosidade: olhou para trás e viu uma toca32 a arder.
497O soldado foi entregar as ordens e na volta passou por casa da mulher e a mulher disse-lhe:
498– Homem tu que bem-fazer fizeste por lá que não tinha azeite e ia para lavar a amotolia no caldo e achei-a meia de azeite; não tinha pão e achei meia broa dele. – E ele disse-lhe:
499– Mulher, encomenda-te a Deus, e adeus, que eu talvez tenha baixa e me venha embora.
500Montou para o seu quartel; chegou lá; entregou as ordens que trazia e o general disse-lhe:
501– Ora cumpriste muito bem o que te mandaram; vou-te dar um posto.
502– Senhor, eu o posto que queria era que me mandasse embora que eu estou já cheio de ser soldado.
503O governo33 deu-lhe a baixa e ele foi-se embora.
504Trataram ele e a mulher de ir à missa e rezar muito; do pouco que tinham davam esmolas; havia uns meninos vizinhos que iam todos os dias para lá para lhes darem um bocadinho de pão. Um dia desapareceu o soldado e a mulher: os mesmos meninos espreitaram pelo buraco da porta e disseram:
505– Os nossos pais (era como lhes chamavam) estão lá que nós vimos luzes lá dentro e eles estão deitados.
506O povo foi aonde ao governo da terra para arrombar a porta e arrombada a porta acharam-nos ambos mortos: tinham quatro luzes acesas. Os meninos viram ao pé uma mulher sentada, mas nenhuma outra pessoa a viu.» (Ourilhe, Celorico de Basto.)
507241. As crónicas dos conventos, etc., abundam também em narrativas de almas penadas e aparições de mortos; semelhantes histórias contam-se até de personagens célebres. Como espécimes dessas narrativas, que não podem ser consideradas geralmente como populares, damos as seguintes:
508242. «Foi tradição muito recebida entre os religiosos antigos do Mosteiro de Alcobaça, onde está sepultado D. Pedro i, que depois de morto, estando já frio, e preparado para o embalsamarem, tornara outra vez a ressuscitar, com admiração dos circunstantes, e chamando o seu confessor, lhe confessara um pecado, que por inadvertência, ou esquecimento, deixara de confessar vivendo, a qual confissão acabada, e recebida absolvição, se tornou a compor, e dar seu espírito ao Senhor, sem dizer mais senão que a inteireza de sua justiça, e os méritos do Apóstolo S. Bartolomeu lhe alcançarão de Deus aquele estranho favor para remédio, e salvação de sua alma.» Fr. Bernardo de Brito, Elogios dos Reis de Portugal. D. Pedro I.
509243. «De Joanne primo Duce itidem Brigantino nostro Theodosii eiusdem filio et Catharinae conjuge fama quoque est vulgatissima, quod anno circiter 1600 ex Purgatorio adveniens apparuerit Blasio Romano cius olim, et tum temporis Theodosii 2, illius filii, ac patroni nostri puero apodyterii: dixisseque nonnulla, quae Theodosio tantummodo, Catharinae, & Alphonso de Lucena eins à secretis nota fuisse dicuntur.» Vale de Moura, De Incantationibus 2, 3, 40.
510244. «De Joanne 3. Lusitaniae Rege nostro extat quoque vulgatissima fama, praesertim apud eius tempestatis nobiles, et diinastas, et apud Augustinianos patres, apparuisse cuidam ejus ordinis monacho, nomine fr. Ludovico de Moura, quem ita terruit ea, cujuscumque fuerit, visio, ut ad vitae forsan discrimen (sic ut ipse querebatur) eum detulerit. Cui monacho multa dixit, ut suo nomine Reginae Catharinae conjugi renuntiaret, dato prius in veritatis signum secreto quodam, quod à solo utroque conjuge poterat internosci. Ómnia autem eo fere reducebantur, ut Regni clavum, quem Regina à se dimiserat, omnino reassumeret. Preterea ut confessarium, cui ipsa peccata fatebatur, dimitteret, idemque faceret nepos ipsorum Rex Sebastianus adolescens, seu puer adhue cum esset; absque scandalo tamen. Deinde retulit, se in eo salutis statu ob divinam misericordiam esse collocatum; ut nullis vivorum fidelium suffragiis jam egeret: commendavit tamen enixe, ut pro Principis fratris, Sebastianique parentis: & pro infantis fratris sui Eduardi, ac pro Principis Hispaniarum Caroli animabus quinquaginta Missae Deo offerrentur; viginti nempe in Deiparae honorem, triginta antem quinque vulnerum Christi Domini: aliae rursus quinquaginta de defunctis: cum aliquibus eleemosynis, praesertim quinque faeminas parentibus orbatas in matrimonio collocando, eo quod nihil Deo gratius sit: quinque deinde defunctorum officia solemnia in monasterio de Belem: apud quod scilicet nostri Reges corumque filii sepeliuntur: pro anima Eduardi ejusdem Joannis filii triginta, tres Missae in honorem triginta trium annorum vitae Christi: quia, inquiebat: Isto só lhe é impedimento há tanto tempo, para não ver a quem tanto desejam de ver todos, e para o que fomos todos criados. E de todas estas ao menos missas, dirá este religioso a metade. Isto tomai senhora da parte de Deus, porque eu assim o digo; e assim mandou, e revelou que está em sua vontade. E desencarrego nisto minha alma, etc.» Ibidem, 2, 3, 41.
511245. As almas penadas introduzem-se nos corpos das pessoas, falam de lá e indicam ordinariamente o que é preciso fazer para acabar a sua pena. Eis duas de entre milhares de histórias semelhantes que correm no País sobre almas introduzidas em corpos vivos:
512«Uma mulher do arrabalde de Santa Clara, perto de Coimbra, ao passar a ponte sobre o Mondego viu um dia uma mão muito branca com uma vela de cera acesa e um laço roxo. A mulher começou daí em diante a ter flatos (sic), desfalecimentos, e a falar com voz estranha. Tinha-se introduzido nela a alma de uma pessoa de sua família, falecida havia algum tempo. A alma falou um dia e disse que deviam ir todos os parentes com a mulher ouvir uma missa a determinada igreja. Cumpriram o que a alma ordenara e, no momento em que o padre ia a levantar a hóstia, a mulher exclamou: ‘Ah! lá vai uma pombinha branca! ’, e caiu desfalecida. Fora a alma que a abandonara e subira para o céu.» (Recordação da infância.)
513Um vigário conta no Almanaque de Lembranças para 1868, p. 365: «Estava eu há tempos dizendo missa, a que assistia, entre outras pessoas, uma mulher casada que muito padecia de histéricos, e dizia trazer em si a alma do avô, que imaginou devia subir ao céu quando eu fazia a sagrada elevação; senti nesse momento um pequeno barulho entre os circunstantes, não fiz caso, por saber o que era; porém no fim da missa o que me revoltou foi ver o tal curandeiro de Soure que chegara havia pouco de uma taverna, e que tinha a pobre mulher agarrada; metia-lhe na boca uma grande chave de broca, que dizia ser para lha fechar a fim de não tornar a entrar mais nenhum espírito.»
514246. Para saber se uma alma foi para o céu, se para o purgatório, se para o paraíso, embrulha-se de determinada maneira um pãozinho numa tira de papel; da disposição do pãozinho ao desembrulhar-se conclui-se que destino teve a alma.
515247. Quando morre alguém deve-se despejar toda a água que houver em casa, porque a alma vai-se lá banhar. (Porto.)
516248. Não é bom dormir ao pé de um oratório, porque os defuntos fazem oração em cima da gente. (Ilha do Príncipe). Almanaque de Lembranças para 1863, p. 280.
517249. Não se deve vasar água fora de noite por uma janela ou porta sem primeiro pedir licença aos defuntos de um e outro sexo. (Ibidem.)
518250. Na véspera de fiéis defuntos (noite de um para dois de Novembro), as crianças metem castanhas piladas (secas) debaixo do travesseiro para as almas dos defuntos; aliás eles vêm roer-lhes as orelhas. (Coimbra.)
519251. Não se deve tirar o chapéu de noite, passando junto de uma igreja, porque as almas do purgatório saem-lhe ao encontro. (Cabo Verde.) Almanaque de Lembranças para 1872, p. 195.
XVII. Fogos fátuos
520252. Nos fogos fátuos o povo vê ora bruxas, ora almas do outro mundo e principalmente almas das crianças que morreram sem baptismo. Aos fogos fátuos chama o povo fogachos ou candeínhas.
XVIII. Lobisomens
521253. Diversos escritores do século xvi e xvn pois (não nos recordamos de passagem anterior) mencionam os lobisomens como objecto de crença actual do povo, por exemplo Sá de Miranda, no século xvi:
Bento, maus lobos são homens
E mais os dessas montanhas,
Que há cem mil lobisomens;
Cuidava eu que eram patranhas!
(Ed. C. Michaelis de Vasconcelos, p. 393.)
522254. Hoje a crença nos lobisomens está ainda muito arreigada no espírito popular, principalmente nas províncias do Norte do País, na Beira e nos Açores.
523255. Segundo a ideia popular, o lobisomem é um homem que em virtude de certas condições está sujeito, em determinados dias e horas da noite, a transformar-se em animal e correr por diferentes partes, sem que isso dependa da sua vontade. Chama-se a isto correr fado ou ter fadário.
524256. A crença mais generalizada é que só é lobisomem o último de sete filhos varões e em rigor de filhos que nasceram de seguida, sem irmã de permeio. Segundo um artigo no Almanaque de Lembranças para 1870, p. 341, nos arredores de Lamego. «A existência de um lobisomem está dependente de várias circunstâncias. Assim morrendo alguém que se julga ter sido vítima de uma bruxaria, transforma-se depois em lobisomem com a propriedade de tomar por algum tempo a figura de um lobo, de um jumento, de um bode, ou de um cabrito montês, outras vezes o lobisomem gera-se quando algum jumento se espoja no chão ou aparece bruxa, e esta diz certas palavras incompreensíveis. Gera-se também espontaneamente quando, havendo numa família um certo número de filhas, aparece um filho. Dando-se este caso esse filho é forçosamente lobisomem.» Isto destoa assaz do que temos colhido da tradição directamente.
525257. Há meios de evitar que o filho sétimo, condenado a ser lobisomem o seja. «Logo que nasçam três filhos varões seguidos, o terceiro deve ser baptizado com o nome de Adão; não tendo havido essa precaução e completando-se a série dos sete o último deve ter por padrinho o primeiro.» (Foz do Douro.) Nos Açores e Brasil o meio consiste em o primeiro dos sete ser padrinho do último e dar-lhe o nome de Bento. (Almanaque Açoriano para 1868, p. 111. Almanaque de Lembranças para 1860, p. 181).
526258. Qual é a idade em que começa o fadário? As versões são desencontradas ; mas a que nos parece mais digna de ser registrada é a que fixa essa idade aos treze anos; então, numa terça ou quinta-feira, que são os dias de correr fado, segundo algumas versões, o que está condenado a ele vai a uma encruzilhada e espoja-se no chão, tomando a forma do último animal que ali se tenha deitado ou espojado. (Foz do Douro.) Segundo uns, essa forma guarda-se todas as vezes que vai correr fado; segundo outros, cada noite que vai espoja-se de novo e toma a forma do último animal que o tenha precedido. Em S. Miguel parece que se crê que ele toma a forma do primeiro animal quadrúpede que encontra (Almanaque Açoriano, ibid.)
527259. É a cor extremamente pálida, sem doença aparente, que revela o lobisomem na sua forma humana.
528260. Ele sai de casa nos dias marcados, sem que ninguém o veja; se passa por casa com luz acesa que se veja por um pequeno buraco, entra por ele e vai perseguir as pessoas que lá estão; se o buraco está alto, só pode entrar tendo forma de animal que trepe (Foz do Douro); ou acomete quem encontra no caminho e que não se desvia, porque, segundo outros, ele segue caminho direito, correndo sempre. (Coimbra.)
529261. «Os lobisomens apresentam-se às horas do crepúsculo em alguma mata ou lugar sombrio, e de noite atravessam as povoações fugindo e fazendo grande barulho nas ruas, barulho que é ouvido especialmente pelas pessoas sobre quem querem influir. Os malefícios piores são os dos lobisomens que têm a forma de homem com pés de cabrito ou cavalo; quando se vê algum destes se se proferir três vezes Avé-Maria, Avé-Maria, dá um grande estoiro e arrebenta.» (Arredores de Lamego.) Almanaque de Lembranças para 1870, p. 341.
530262. Em Coimbra havia na Couraça de Lisboa, na muralha acima da Alegria, uma pilastra ou ameia que, era fé no sítio, fora derribada por um lobisomem. (Recordação da infância.)
531263. Uma mulher dava muitas vezes pela falta do marido na cama e notava a sua cor macilenta no dia seguinte; curiosa de saber para onde ele ia, foi para uma janela de sacada, num primeiro andar, de noite; pouco depois passou um lobo correndo muito e ao passar por ela deu um pulo e levou-lhe um pedaço da saia vermelha; no dia seguinte ela viu na boca do marido fios de lã vermelha e reconheceu que ele era lobisomem. (Coimbra, recordação da infância.)
532264. «Era um homem e tinha o fado de lobisomem e foi uma vez para uma carrada (buscar lenha ao mato) e levou um menino que tinha consigo e disse-lhe:
533– Olha tu, deixa-te ir aqui no carro, e se vires vir alguém ou algum burro para o pé do carro chuça-o com esta vara.
534Ora depois o rapazinho foi no carro e de noite o homem lá foi para o seu fadário. Depois os bois e o carro apareceram em casa, mas não apareceu o rapaz, nem o homem. O homem tinha vindo feito num cão e comeu o filho e depois de voltado à sua forma chegou a casa e disse à mulher que o catasse. Estava muito amarelo e muito estafado. A mulher pôs-se a catá-lo e disse-lhe:
535– Então o rapaz?
536– O rapaz, ele virá.
537A mulher, ansiosa pelo filho, tornou a perguntar-lhe:
538– Mas tu por onde andaste? Tu não foste à carrada.
539– Fui a um pouco (dar um passeio). Estou tão enojado do estômago; tenho vontade de lançar. – E nisto começou a lançar e conheceu-se dedos do menino.» (Ourilhe, Celorico de Basto.)
540265. «Há diferentes modos de fazer terminar o fado a um lobisomem. Este sai de casa com o seu fato e vai a uma encruzilhada, despe-se todo, espolinha-se num lugar onde se espolinhou antes um animal, cuja forma recebe, e esconde bem o fato; alguém fino e atrevido que lhe ache o fato e lhe leve a camisa pode quebrar-lhe o fado; para isso vem para uma casa que tenha forno, tranca-se bem a porta, lança-se fogo ao forno, como para cozer pão, e depois de quente atira-se-lhe a camisa; nisto o lobisomem, que deu pela falta dela, vem à porta e tenta lançá-la dentro, mas ao passo que a camisa arde ele vai perdendo as forças e a forma de animal e volta à sua de homem e vai bater à porta da sua casa. Outro modo de lhe acabar o fado é ferir a sombra dele do lado esquerdo um homem resoluto.» (Foz do Douro. Ouvido da mulher de um marinheiro, Cristina.) Outros dizem que o meio infalível é feri-lo, sem que ele veja.
541266. Há muitas outras variantes, segundo as localidades, em relação às causas do fado e forma que toma o lobisomem. Eis uma da Serra da Estrela.
542«O pastor, enquanto seguíamos com o guia José Belo e com diversos excursionistas para a Lagoa Escura, foi-nos referindo vários casos de lobisomens conhecidos, de quem sabia a história, que contava com lástima, porque todos têm pena daqueles a quem cai tal fado. Alguns homens bons, parentes até dos lobisomens, se têm arriscado a tirar-lhes o fadário. O meio mais seguro para que não espirre o sangue sobre quem lhes faz esse benefício, o que seria perigoso, é esconder-se o indivíduo debaixo de um carro, e com uma aguilhada, quando o lobisomem passa, feri-lo bem a direito nas costas ou na ilharga. Um conhecido contara à mulher os trabalhos do seu fado, e a ela fazia-lhe isso grande pena, até que pediu a um parente que o ferisse assim, o que ele fez e quebrou-lhe o fado …………………. Na serra da Estrela, porém, o lobisomem tem uma transmutação especial que confrontámos na versão de cinco pastores diferentes – toma a forma de pato marreco, e entretêm-se a roubar as águas das regas. O pato marreco habita muito as lagoas da serra. Vimo-los na dos Cântaros e na do Paxão.» (Eduardo Coelho, Quinze Dias na Serra da Estrela. Diário de Notícias, n.° 5595, 1881).
543267. «Os lobisomens cumprem fado por feitiços ou em castigo de promessas não cumpridas. Se quem o fere para lhe quebrar o fado receber a mais leve pinga de sangue dele fica com o fado. Só a mulher pode com um alfinete feri-lo impunemente. (Minho.) Almanaque de Lembranças para 1861, p. 76.
XIX. Encantados
544268. Pelo poder de uma bruxa, de uma feiticeira (nos contos também pelo de uma fada), ainda pelo poder de certos objectos em que se toca, de certos lugares, por se pronunciarem certas palavras, por se olhar para trás em certos caminhos fica-se encantado. A pessoa encantada ou se transforma num animal ou numa planta, ou num objecto inanimado, ou fica convertida em estátua de pedra, de sal; algumas vezes conserva a forma humana, mas permanece em estado de mudez ou de imobilidade. O encanto pode reduzir-se a um prolongado sonho. O encanto quebra-se de modos muito variados, de que os contos populares nos apresentam exemplos.
545269. Nos Açores o encantado é um ser de forma humana que tem as costas em fogo ardente, mas que não quer que ninguém lhas veja. O encantado sai ao caminho aos viandantes e luta com eles; se eles se mostram covardes mata-os, mas é vencido se eles mostram que não têm medo dele e lhe falam em tom imperativo. Sendo vencido diz ele ao viandante: queres ser rico? Cava aqui. Se o viandante cava ele mata-o, mas se o viandante com sobranceria lhe diz: cava tu, o encantado cava e mostra um grande tesouro ao viandante de que este fica senhor. Para que o tesouro não se transforme em carvão é necessário que o viandante imediatamente faça sangue em si próprio e deite uma gota dele sobre o tesouro. (Comunicação do Sr. Teófilo Braga, que é natural dos Açores.)
546270. Nos romances populares há também referência a encantados. Vide Teófilo Braga, Romanceiro Geral, n.os 10 e 11 e Cantos Pop. do Arqu. Açoriano, n.os 1 a 5.
– Renego de ti cristão
E mais do teu pelejar!
Não há outro cavaleiro
Que se te possa igualar;
Só se fosse Dom Roldão,
O encantado sem par.
(Melisendra, Romanc. Geral, n.° 37.)
XX. Benzedores, pessoas de virtude
547271. Os benzedores derivam de Deus o seu poder, enquanto os feiticeiros o derivam do diabo.
548Os benzedores ou benzedeiros curam doenças, expelem demónios do corpo, desviam quebranto, esconjuram tempestades. Alguns documentos mostram-nos o crédito que lograram certos benzedores, concedendo-lhes os reis licença para exercerem as suas virtudes.
549272. Um Pedro Eanes de Covão, território de Estremoz, que curava doenças, principalmente as produzidas por caẽs danados, obteve licenças para isso do cirurgião de D. Sebastião, mestre Gil e essa licença foi confirmada pelo cardeal D. Henrique, então bispo de Évora, em 10 de Abril de 1534: «Havendo nós respeito a Nosso Senhor querer dar virtude a Pedro Eanes Maio contra a dor, e derramar dos cães maus; havemos por bem dar-lhe licença para benzer, água, sal e tudo mais contra a dita dor, etc. Nihil ominus 3. Maii 1555 fuit captus, et carceratus in sacro tribunali, et 30 Junii ejusdem anni, abjuravit in forma Haereses in quas inciderat ex pacto daemonis, quem adoraverat, quodque inierat.» Vale de Moura, De Incantationibus, 2, 10, 17.
550273. «Eu el-rei faço saber aos que este meu alvará virem que, tendo respeito à informação, que se me deu das curas, que António Rodrigues, soldado, tem feito com palavras em alguns cabos, capitães e soldados do exército do Alentejo, e do préstimo e utilidade, de que será nele para as continuar, hei por bem de lhe fazer mercê de quarenta mil réis por ano de acrescentamento no seu soldo com obrigação de assistir no exército para se poderem valer dele os referidos e os curar. E mando que os ditos quarenta mil réis se lhe assentem no Livro do soldo do dito exército para deles haver pagamento a seu tempo devido e costumado. E este alvará quero se cumpra tão inteiramente como nele se contém.
551Domigos Luís o fez em Lisboa aos 13 dias do mês de Outubro, de 1654 anos, António Pereira e eu o fiz escrever. – Rei.»
552Regist. a fl. 101 do Liv. 3 do Reg. das Patentes e Alv. pela Contadaria Geral do Exército do Alentejo, publ. no Jornal de Coimbra, n.° 45, parte i, p. 219, reimpresso no Instituto, X, 134, n. 3.
553274. Hinc anno 1617. Illustrissimi, ac Reuerendissimi Domini Cardinales contra Haereticam prauitatem Romae Generales Inquisitores à Sanctissimis deputati, post multas ea de re tractationes hinc, inde à doctissimis viris summo examine, diligentia, ac concertatione factas, declararunt, ea omnia quae de famosíssima Sorore Joanna (que antea sancta Joanna, & dicebatur, & habebatur) miraculosa opera, relíquias, ac cerimonias (in quibus multa diuina beneficia, quasi ex opere operato, contra tempestates, Daemonum infestationes, humanorum corporum obsessiones, alia que innumera nocumenta promittebantur, experimentoque comperta asseuerabantur) in libro ea de re edito contenta, apocrypha esse, & mullius auctoritatis, et nulla fide digna. Super quo nostri Lusitani Inquisitores sequens edictum protulerunt mense Januarii 1618.
554«Os Inquisidores Apostolicos etc. fazemos saber que os Illustrissimos & Reverendissimos senhores Cardeaes contra a Heretica pravidade, Inquisidores geraes de Roma declararão, & determinarão, que as Coroas, Cruzes, & Contas que dizem, nosso Senhor haver benzido no Ceo, & a Virgem nossa Senhora á instancia de Soror Joanna da Cruz, Indulgencia, Livros, Orações, & mais cousas, erão de nenhuma authoridade, nem se lhe podia, nem devia dar fé nem credito algum.» Vale de Moura, 2, 15, 37-38.
555275. «Há em Fafe e noutras partes; dessas mulheres de virtude, que curam com palavras os desfiamentos dos braços ou das pernas. Põem para isso ao lume um púcaro com água, fazem-na ferver, e quando a fervura se activa, vasam então a água num alguidar ou bacia, e põem o púcaro sobre ela com a boca para baixo colocando depois a parte aberta ou desfiada do doente por cima do dito púcaro. Toma então a benzedeira uma maçaroca de linho cru, fiada de propósito para semelhante objecto, enfia uma agulha nesse linho, e passa-a deste modo por baixo da parte doente, dando voltas sucessivas com o fio enfiado do linho, até à total ou quase total absorção da água pelo púcaro, travando-se então o seguinte diálogo:
Benzedeira.– Eu que é que aqui coso?
Doente. – Carne aberta, fio torto.
Benzedeira. – Isso mesmo é que eu coso.
Em louvor de S. Silvestre,
Quanto eu fizer, tudo preste.
556E se o púcaro, durante este tempo da repetição das palavras de virtude, chegar a absorver a água toda ou quase toda, sobre a qual está de fundo para cima e de boca para baixo, ficará então a parte torcida de todo sã da abertura ou desfiamento; aliás não poderá o enfermo sarar daquela vez, e ficarão sem virtude as palavras da benzedeira. Não é o primeiro púcaro que se enche na fonte, mas só o décimo depois de cheios e despejados a fio os nove primeiros, é que se põe ao lume. E quando depois da fervura, o despejam e emborcam sobre água, costumam colocar-lhe no fundo e em cruz umas contas, um pente e uma tesoura antes de repetir a fórmula.» Almanaque de Lembranças para 1859, p. 153.
557276. «A estes médicos, que o vulgo chama Benzedores, chamam os latinos Salutatores ; e são aqueles homens a quem se atribui virtude própria para curar achaques; e isto, ou só com a presença da pessoa; ou ajudado do próprio hálito, bocejo e tacto; com as quais coisas, sem aplicação de ervas, medicamentos ou outro algum remédio vencem queixas insuperáveis, e irradicam enfermidades as mais hercúleas; como disputa Moura.» Brás Luís de Abreu, Portugal Médico, pp. 618-619. Abreu distingue os benzedores que curam por graça de Deus e os que o fazem por ajuda diabólica, indicando segundo os teólogos as características dos segundos.
558«Eis aqui como são muitos médicos benzedores e benzedoras; a quem o nosso vulgo chamam também Mestres e Mestras.» Ob. cit., pp. 621-622.
XXI. Saludadores
559277. Os saludadores ou saudadores parece terem desaparecido completamente hoje em Portugal. Na Espanha, de onde, ao que parece, eram originários, a crença neles conserva-se viva.
560278. Saludadores são os que nascem no dia de Corpus Christi e têm uma cruz no céu da boca; vêem os objectos ao longe e os tesouros que se acham escondidos debaixo da terra. (Comunicação indirecta de uma senhora espanhola residente em Lisboa.)
561279. «Nem tenham cabeças de saudadores encastoadas em ouro: ou em prata: ou em outras coisas.» Constituições Sinodais do Bispado de Évora de 1534, xxv, 1, cf. Orden. Manuelina V, 33 e Orden. Philippina V, 4.
562280. «E falando eu com alguns saludadores, que achei em Castela e Portugal, lhes perguntei com que virtude obravam semelhantes obras? Todos me disseram que era virtude divina, e não natural; ao que lhe respondi, que natural certo era não poder ser; porque naturalmente se não pode ver o que está a remotas léguas, como os saludadores vêem os doentes e os cães que lhes morderam tal ou tal dia. Os saludadores usam de palavras, e ervas, e unções de azeite e pão, que dão a comer, no qual bafejam, e imprimem cruzes, e outras vezes diversos caracteres com a ponta de um canivete. Vi outros que, em um alguidar de água clara, ou espelho, adivinhavam e viam ao cão que mordera, dizendo se era rafeiro, se podengo. E também diziam que viam ao boi, ou ao negro perdido, e aonde o poderiam achar. E com estas obras tão confusas, e incertas, trazem a todos enganados; como também algumas embusteiras, que dizem estão vendo nas bacias de água as embarcações que vêm pelo mar, e quem vem nelas, e para onde fazem sua viagem... A verdade é que uns destes saludadores usam de ervas e palavras, obrigados pelo diabo por algum concerto a que concorre com certa obra, sem que a erva tenha tal virtude, nem por imaginação; e deste modo os engana, para que soltando-se do pacto que com ele fizeram, fiquem não sabendo nada.
563Outros saludadores usam da segunda espécie da Arte Mágica, a que chamamos hidromancia, a qual sem pacto tácito, ou expresso se não pode exercitar; e com este pacto obrigado, o diabo lhes figura na água as imagens, e semelhanças das coisas que querem saber, e assim dá seus prognósticos e respostas, mentindo-lhe nelas a cada passo, etc.» Fr. Manuel de Azevedo, Correcção d’Abusos Introduzidos contra o Verdadeiro Método da Medicina. Lisboa, 1668, 4.°, ii, pp. 34-3734.
564281. «Já que falámos nesta pestilencial gente, razão é que toquemos nos saludadores; estes, ao que parece, mostram ter, por graça especial de Deus, o dom divino para curarem mordeduras de cães raivosos, ou danados, e preservarem os mesmos os gados, e os racionais deste achaque. Diz-se que se conhecem por terem no paladar a roda de Santa Catarina, ou em outra qualquer parte do corpo. Sei que muitos celebram os seus bons efeitos; mas rio-me de ver, e ouvir as suas orações, e conjuros, as palavras toscas, e grosseiras, de que se admira, e suspende a gente simples, e rústica; porque ordinariamente são homens de baixa condição, ignorantes, e de não bom exemplo na sua vida, e acções; e contudo se gabam de entrarem em um forno ardendo sem receberem dano, o que me faz presumir ser obra, ou ajuda do demónio.» Fr. João Pacheco, Divertimento Erudito. Lisboa, 1741, fol. iii, 671.
XXII. Vedores de água
565282. Os vedores de água têm a virtude especial de ver onde corre a água debaixo da terra. Ainda hoje vigora a crença em tais vedores de que há menção em obras dos séculos xvi, xvii e xviii. «An autem sint superstitiosi illi homines, qui lusitane dicuntur vedores de água, qui scilicet dicunt videre aquas in visceribus terrae, & metallorum thesauros & cadavera.» Fr. Anton. do Espírito Santo, Director. confessor, ii, 82 apud Bernardo Pereira, Anacephaleosis, p. 98. Há horas do dia a que esses vedores não têm virtude. Pereira, Ibidem, p. 96 n.
XXIII. Amentadores
566283. Segundo Morais (Dic. da Língua Port.) amentar entre pastores é encantar, convocar por conjuros os lobos, que venham estragar o rebanho de outrem; ou tirar com conjuros a natural fereza aos animais bravios, para deles se usar à vontade, segundo a crença rústica. No Dicionário da Língua Port. publ. pela Acad. Real das Ciências de Lisboa (1793, vol. I) citam-se as Constituições Sinodais do Bispado de Miranda, 30, 1: «Nem amentem, nem encomendem com superstições o gado perdido.» Em Fr. João Pacheco encontra-se aumentadores por amentadore, o que pode muito bem ser uma alteração popular por confusão de palavras. «Este caso mostra que há saludadores com a graça especial de curar as mordeduras dos cães danados; ainda que há muitos que fingem esta virtude, e são embusteiros, e outros, que obram por arte diabólica; como o fazem aqueles, a que o vulgo chama aumentadores, os quais com certas cerimónias e palavras fazem vir diante de si os lobos e as feras, como se fossem mansas; e outras vezes das mansas as fazem ferozes; e bravas; e a umas e outras mandam fazer o que querem.» Fr. João Pacheco, Div. Erud., III, 672.
XXIV. Entreabertos
567284. «Diabólica traça tem inventado em esta ilha o diabo, para grandes e desordendas ofensas de Deus, que cada dia nela se estão cometendo, consultando em as doenças e enfermidades a certos embusteiros, a que vulgarmente chamam entreabertos. Pelo que mandamos, que ninguém use de tal embuste, nem os consulte, para com eles se curar, mas antes encarregamos muito a consciência a todos, que tanto que tiverem notícia de algum, ou de quem os consulta, logo o façam saber ao nosso ouvidor, para que os castigue gravemente, sob pena de que, o que for sabedor de tal pecado e o não denunciar como lhe mandamos, se procederá contra ele, como que se fosse entreaberto.» (Visita do bispo D. Fr. Lourenço de Castro, na Igreja de S. Pedro de Ponta Delgada, em 29 de 1674.)
568285. «Há nesta ilha umas mulheres a que chamam entreabertas, que por arte diabólica afirmam que as almas vêm da outra vida a esta para atormentar os enfermos, sendo tudo o que dizem contra o que tem e ensina a igreja católica nossa mãe, e como tal se castiga com grande rigor no tribunal do santo ofício. E desejando pôr remédio a tão manifesto erro, oposto à nossa santa fé, mando com pena de excomunhão maior ipso facto, e de cinco cruzados para a bula e meirinho, que nenhuma pessoa dê crédito às tais entreabertas ou embusteiras, nem as cometa ou chame a sua casa para semelhantes curas, antes sabendo que alguma infama (?) almas, ou usa de curas supersticiosas, a denuncie ante o reverendo ouvidor, para que se castigue na forma de nossas constituições.» (Visita do vigário Simão da Costa Resende, na dita igreja, em 30 de Março de 1969.) Almanaque do Arquipélago dos Açores para 1868, pp. 108-9.
XXV. Imaginários
569286. O povo chama imaginários a homens, geralmente lavradores velhos, fortes em prognósticos de lavoura, que se deitam a adivinhar o futuro, e lêem sinas (buena dicha). Encontrámos há anos um destes imaginários, num lugar entre a Figueira da Foz e Buarcos, sobre as arribas do mar, que nos leu a sina e expôs diversas teorias agrícolas que ele achara lá no seu isolamento. Sabia ler e uma parte da sua ciência era sem dúvida derivada do Lunário Perpétuo (Leonardo perpeto, na pronúncia popular), calendário que deve ser catalogado entre os livros populares de Portugal. No caminho, perguntando a um pescador quem era aquele lavrador, respondeu-nos que era o imaginário da Mortinheira.
570Na freguesia das Caldas da Rainha há um Casal do Imaginário. Perto de Évora há uma Quinta da Imaginária; esses nomes ligar-se-ão à nossa tradição?
XXVI. Bruxas
571287. «As bruxas são aquelas pessoas que se concertam expressamente com o Demónio, tomando-o, e recebendo-o por senhor, deixando-se assinalar como escravas suas, porque ele lhes põe um sinal, que o vulgo diz que trazem sempre em um dos olhos, figurado à semelhança de uma mão de toupeira; pelo qual se conhecem umas às outras, fazendo muitas delas entre si uma irmandade ou confraria; e se ajuntam em certos tempos para exercitarem as suas maldades, e cumprirem os seus infernais apetites, e deleites, e antes disso se prostram diante do demónio, tratando-o com todo o acatamento e respeito, e reverência, o qual pela maior parte se lhes manifesta na figura de Bode.» Fr. João Pacheco, Divert. erud., t. iii, pp. 667-8.
572288. «Entre a magia diabólica, ou feitiços, se deve numerar o que se experimenta de serem os meninos chupados pelas bruxas chamadas por outro nome lamias, pela semelhança de um animal, que tem cara de mulher, e o mais corpo de bruto; ou striges, tomada a denominação de umas aves deste nome que de noite voam com grande estrondo, e chupam o sangue dos meninos.» Bernardo Pereira, Anacephaleosis, p. 23. Cita Bluteau, 2 lit. B. p. 200.
573289. «São pois os bruxos e bruxas uma casta de gente, a quem o demónio engana, prometendo-lhes que hão-de ver terras muito distantes; ou dando-lhe traça para que cumpram todo o género de apetites torpes, de que fazem gosto. Porém, é certo que destes enganados são em muito maior número, que os homens, as mulheres... A primeira acção em que as bruxas rompem, para o ser é renegar de Deus e da sua Santíssima Mãe, oferecendo-se ao demónio, com pacto expresso...» Brás Luís de Abreu, Portugal Médico, pp. 622 e 623.
574290. «Tomam ordinariamente (as bruxas) a forma de mulher, e aparecem vestidas de branco, com os cabelos desgrenhados, a altas horas da noite, nas encruzilhadas, pinheirais, fornos, tanques, fontes, e em todo o lugar onde haja água; andam sob as ordens de Belzebuth, com quem falam à meia-noite, dirigindo-se depois para as diferenças partes, onde lhes manda cometer os seus malefícios. Quem tiver a desgraça de as ver, acontece-lhe pouco depois grande desarranjo, e se é viandante que as descobre de noite, patinhando nalgum ribeiro, é atormentado todo o caminho com dores de cabeça, calafrios, vómitos e mil diabruras. Para as evitar é conveniente trazer um dente de alho na algibeira, ou uma figa ao pescoço.» (Lamego.) Almanaque de Lembranças para 1870, p. 340.
575291. «A maior parte das doenças das crianças são atribuídas a bruxarias; quando adoecem passam-nas pelo ‘biscoito’. Chamam três Marias (solteiras); entregam-lhes uma porção de farinha de centeio, a qual elas amassam, fazendo depois um biscoito pelo qual possa entrar a criança embruxada; chamam depois um Manuel (solteiro) e levam todos quatro a criança pela meia-noite a uma encruzilhada de caminhos; ali, segura a criança por duas Marias, a terceira com o Manuel lançam mão do biscoito, passam a criança três vezes por ele dizendo três vezes: ‘Maria, aqui tens este menino ensarilhado e dá-mo desensarilhado.’ ‘Manuel, aqui tens, etc.’ Findo isto despojam a criança da roupa que leva e deixam-na à bruxa que fica entretida com ela a procurar a criança. Pessoa que no regresso olhar para o lugar em que fica a roupa na encruzilhada fica embruxada. As bruxas têm pacto com o diabo. Para se livrar de bruxaria basta esfregar as mãos com alhos ao deitar.» (Vila Alva, Alentejo.) Almanaque de Lembranças para 1866, p. 311.
576292. Quando uma bruxa ou uma feiticeira está para morrer toma uma maçaroca ou novelo que o diabo lhe deu e em que reside o seu poder e exclama: «Quem toma que eu largo?» Se alguma mulher toma o novelo ou maçaroca fica bruxa ou feiticeira e a outra morre logo. (Foz do Douro.)
577293. «Quando se encontra alguma bruxa faz-se desaparecer, fazendo uma cruz e cruzando as pernas, dizendo:
Tu és ferro,
E eu sou aço;
Tu és o diabo
E eu te embaço.»
(Almanaque de Lembranças para 1870, p. 140.)
578294. Eficazes contra as bruxas são as figas, quer se façam com o gesto, quer se representem em peças, em geral de marfim ou de azeviche, que se penduram principalmente ao pescoço das crianças e dos animais.
579295. «Para as bruxas não chuparem uma criança põe-se à cabeceira desta uma tesoura aberta e ramos de arruda e alecrim.» (Minho.) Almanaque de Lembranças para 1856, p. 271.
580296. Para desviar a acção maléfica das bruxas queimam-se chinelos velhos; ou esfregam-se as palmas das mãos com alho. (Tomar.)
581297. «Para evitar que as bruxas penetrem em casa logo que nasce uma criança conserva-se uma luz acesa todas as noites, que só se apaga quando a criança se baptiza; consegue-se o mesmo resultado pondo uma tripeça de pernas para o ar.» Almanaque de Lembranças para 1871, p. 233.
582298. Os feitiços são feitos a pessoas a que faltaram algumas palavras no baptismo; o remédio para se evitar que lhes façam de novo feitiços é rebaptizá-las. (Ourilhe, Celorico de Basto.)
583299. Servem também para desviar a acção maléfica das bruxas: 1) um chavelho pendurado de uma fita, quase sempre vermelha, que se vê pendurado nas portas, nos mastros das fragatas no Tejo, etc.; 2) um dente de alho metido numa bolsinha; basta em verdade trincar o alho para conseguir o mesmo resultado; 3) uma ferradura pregada na porta.
584300. «Mostarda – as suas virtudes são grandes como contraste de feiticeiras. Lançada à porta de qualquer recinto em que esteja gente, todos poderão sair dele, menos quantos forem feiticeiros!» Almanaque do Arquipélago dos Açores para 1868, p. 112.
585301. Vestindo uma peça do vestuário, por exemplo, calçando as meias do avesso para fora, está-se livre da acção maléfica das bruxas.
586302. Provérbio
Tempo a alforrar
Feiticeira a se casar
(Almanaque do Arquipélago dos Açores para 1868, p. 106.)
587303. «Contra as bruxas dizem é bom à cabeceira da cama se ponha uma espada nua; outros que se traga uma cruz de louro macho.» Invectivas contra as Bruxas, Ciganas e Benzedeiros, Lisboa, 1763, folheto, p. 6.
588304. A aprendiza de bruxa. – «Havia uma mulher que tinha uma comadre que era bruxa e pediu-lhe que lhe ensinasse o segredo de voar como ela; a comadre deu-lhe o unguento para ela se untar e ensinou-lhe que dissesse depois de se ter untado:
Voa, voa,
Por cima de toda a folha!
mas a aprendiza de bruxa enganou-se e disse:
Voa, voa,
Por baixo de toda a folha!
589No dia seguinte o marido achou-a na cama num miserável estado, toda arranhada.» (Coimbra.)
590305. Outra aprendiza de bruxa. – «Perto de Ourilhe há um sítio chamado o Vale de Água; havia ali uma mulher e convidou uma comadre para ir com ela de noite a um pouco (dar um pequeno passeio); e esta disse-lhe:
591– E eu como hei-de ir? E o meu fulano (o marido)?
592– O teu fulano deixa-o a dormir, que em tu vindo ainda estará a dormir.
593A comadre foi; chegou lá, ajuntaram-se lá muitas mulheres; e vai ela e disse para a comadre:
594– Ó comadre despe-te.
595Diz ela:
596– Para que me hei-de eu despir?
597– Despe-te.
598Ela despiu-se e nisto diz que vem um carneiro negro, muito grande e ia-se chegando para o pé dela e ela disse:
599– Ai Jesus!
600O carneiro desapareceu, e a mulher ficou aí só.
601Ao outro dia já dava o sol e chegou lá um vizinho dela e o vizinho disse-lhe:
602– Ó fulana isso que foi? Quem te trouxe aí?
603E ela disse:
604– O diabo.
605E ela estava nua e ele chegou-lhe a roupa para o pé e ela vestiu-se e contou-lhe o que sucedera.» (Celorico de Basto.)
606306. O rapaz e as bruxas. – «Uma vez as bruxas foram com um rapaz a uma adega e abriram uma cuba e ele quando viu o vinho a correr foi tapar o vinho com o dedo e gritou:
607– Ai Jesus, que se entorna o vinho.
608As bruxas disseram:
Já que tu falaste no tu-ru-lu
Fica para aí homem nu.
609E no dia seguinte de manhã encontraram o rapaz nu na adega com o dedo no furo da cuba.» (Celorico de Basto.)
610307. A mulher embruxada. – «Uma mulher de Ourilhe, casada, desde o dia em que casou padeceu anos de feitiço, sem poder sair da cama; assim que lhe dava luz do dia tinha grandes dores de cabeça. Um padre e alguns homens foram dali à ponte de Aliviada, onde se cruzam dois rios, e se chama Entre-Ambos os Rios, e ali com uma espada fizeram um sanso limão (sino saimão35) no chão e meteram-se nele e o padre começou com as rezas no livro e apareceram facanititos (diabretes) e o padre a dizer-lhe:
611– Põe aqui os feitiços de fulana.
612E eles diziam:
613– Não os tenho; salta tu daí para fora.
614– Não salto (dizia o padre); salta tu para dentro.
615– Aí vem o macanito (mancanito, diabo coxo) que tos dê.
616Veio por fim o macanito e disse ao padre que saltasse para fora, mas o padre disse-lhe que saltasse ele para dentro ou que lhe desse os feitiços na ponta da espada; o macanito pôs-lhe uns ossos de uma galinha que a doente tinha comido no dia do casamento; e a mulher curou-se. Ainda vive.» (Ourilhe, Celorico de Basto.)
617308. Outra mulher embruxada. – «Era uma mulher e andava muito doente e o homem foi à Galiza saber do mal dela a uns benzedeiros; chegou lá e eles disseram-lhe que o mal era causado por uma vizinha e que eles lha mostrariam; o que fizeram dando-lha ver num alguidar de água; ele pediu-lhes que lhe deixasse bater, mas eles apenas com dificuldade consentiram que lhe tocasse na sombra. Chegando a casa achou a mulher boa, que lhe disse que sarara logo que houve tempo de ele ter chegado a Galiza e que a única novidade que havia na terra era a morte de fulana (a tal vizinha), que morrera de repente sem se saber como, e apenas lhe tinham achado uma ferida sobre o coração. A mulher era de Bobadela, em Cabeceiras.» (Ourilhe, Celorico de Basto.)
618309. Uma bruxa em forma de gato. – «Era uma vez uma mulher a quem morriam os filhos pequenos todos chegados a certa idade. O homem entristecido por isso foi ter com uma feiticeira que lhe disse que logo que lhe morresse outro filho comprasse um arrátel de carne gorda de vaca e que esfregasse com ela o focinho à gata que havia de estar segundo o costume em cima do berço. Nasceu um filho ao homem e ele fez segundo lhe aconselhara a feiticeira. Apenas acabou de esfregar o focinho à gata ouviu tocar ao Senhor e soube depois que ia à mãe dele, que ainda havia pouco estava de perfeita saúde. O homem foi lá e ela disse-lhe que estava a morrer pelo que o filho lhe fizera; este pediu explicações e ela confessou que em forma de gata ia sugar o hálito aos netos e que por isso eles morriam. O homem matou a mãe.» (Ourilhe, Celorico de Basto.)
619310. A viagem rápida. – «Um homem que estava no Brasil e tinha uma demanda em Lisboa precisou de lá ir com rapidez: foi ter com uma feiticeira que mediante boa paga lhe disse que saltasse ele por cima de um alguidar, mas com as costas voltadas (para trás) e que então que lhe devia de aparecer uma burra branca, que montasse nela e que pelo caminho em vez de se lembrar do mar vermelho (sic) dissesse à burra: ‘Arre diabo lá para diante’; e quando chegasse onde visse uma figueira se agarrasse aos ramos dela e deixasse ir a burra. O homem assim fez e quando chegou a Lisboa ouviu tocar ao Senhor, que ia à mãe; ela estava com a boca ensanguentada e morta de cansaço, porque tinha sido nela que o homem viera a cavalo.» (Ourilhe, Celorico de Basto.)
620311. Viagem de um soldado à índia numa noite. – Em Mértola conta-se que um soldado se meteu de noite num barco que estava no Guadiana e que depois viu o barco pôr-se em movimento rápido e ouviu o ruído dos remos, sem ver ninguém; ao amanhecer, depois de uma viagem de que não calculava a extensão estava de volta ao lugar onde o barco estava amarrado na véspera, trazendo um ramo, de uma árvore da terra onde tinha sido levado; ninguém sabia dizer de que árvore era aquele ramo, até que apareceu um homem que disse que a árvore de que era aquele ramo só na Índia a havia. O soldado tinha sido levado à índia pelas bruxas.
621312. As bruxas e os almocreves. – «Um dia um almocreve caminhava por um descampado, e anoiteceu-lhe no caminho. O homem prendeu os machos a uma árvore e deitou-se; mas perto da meia-noite viu chegar um rancho de bruxas e logo após elas um diabito, que elas logo começaram a beijar e a encher de carinhos. O almocreve escondeu-se logo atrás da árvore. As bruxas formaram uma roda, meteram o diabito no meio, e começaram a dizer:
622– Viva a segunda, a quarta e a sexta.
623Repetiam isto muitas vezes; depois disseram: ‘A filha do rei está muito doente; ninguém atina com a doença, e o rei premiará muito bem quem curar a princesa.’ Diz o diabito: ‘O que a princesa tem é causado por um sapo que está debaixo do travesseiro da cama dela.’ O almocreve, que ouviu isto, saiu de trás da árvore e foi-se meter no meio das bruxas, e começou também a dizer:
624– Viva a segunda, a quarta e a sexta.
625Então as bruxas começaram todas a dizer: ‘Este é dos nossos, este é dos nossos; havemos de dar-lhe um prémio: o que há-de ser? o que há-de ser?’ Depois, reparando que o almocreve tinha uma grande corcunda disseram: ‘Tiramos-lhe a broa que ele tem nas costas.’ E tiraram a corcunda ao homem. De madrugada seguiu ele para o palácio do rei, e encontrou no caminho um companheiro, que admirado por o ver sem a corcunda lhe perguntou: ‘Olha lá! que fizeste à broa que tinhas nas costas?’ Ao que ele respondeu contando tudo o que lhe sucedera, menos o que dizia respeito à doença da princesa.
626O companheiro chegou ao sítio onde as bruxas costumavam dançar, e meteu-se também no meio delas e começou a dizer:
627– Viva a segunda, a quarta e a sexta – e acrescentou, para ver se agradava mais às bruxas: – E o sábado, se for necessário.
628Ora as bruxas, que são inimigas do sábado, quando tal ouviram, começaram a dizer: ‘Castiguemos este maroto, castiguemo-lo.’ Outras disseram: ‘Pomos-lhe nas costas a broa que tirámos ao outro.’ Dito e feito; lá foi o pobre almocreve com a corcunda nas costas. O outro almocreve chegou ao palácio do rei, perguntou se a princesa estava melhor, e disseram-lhe que não. Depois disse que trazia um remédio para curar a princesa, mas que era preciso ir ao quarto dela. Não o queriam deixar entrar, mas ele tanto teimou que cederam. Foi então tirar o sapo que estava debaixo da cabeceira da princesa, ela ficou boa, e o rei deu-lhe grandes somas de dinheiro.» (Coimbra.)
XXVI. Feiticeiros e feiticeiras36
629313. Entre feiticeiras e bruxas há distinção considerável, conquanto por vezes os escritores e ainda o povo confunda as duas espécies de criaturas. A feiticeira deriva em rigor o seu poder de uma arte que lhe é própria, do emprego de fórmulas, de palavras que obrigam à obediência os espíritos malévolos, que só por si produzem transformações, visões, etc.; a bruxa deriva todo o seu poder do pacto que tem com o diabo, a que é subordinada.
630314. «A esta peste da Monarquia Medicinal, a quem a nossa vulgata chama Feiticeiros, dizem os latinos Empsalmatores; que são bons homens, que costumam curar achaques, e vencer doenças com certas orações, ou forma de palavras compostas à maneira de versos ou de Psalmos, a que chamam encantos.» Brás Luís de Abreu, Portugal Médico, p. 590.
631315. «Também há bruxas assim como há feiticeiras, que só diferem secundum magis, vel minus.–» Bernardo Pereira, Anacephaleosis, p. 24.
632316. «Feiticeiras – são temíveis; tem poder quase ilimitável; consultam-se de noite a desoras, nos lugares ermos; viajam com a velocidade do pensamento; a invocação por debaixo dos telhados, por cima dos silvados..., as leva à Índia, onde vão, e de onde vêm numa só noite; preferem reunir-se nos ares, e as de Rosto de Cão e Vila Franca do Campo, são por isso afamadas! Escondem os feitiços à borda do mar, e os padecimentos da pessoa enfeitiçada estão na razão directa do preamar ou baixa-mar. Manifestam-se ao longe como luzes dançantes. São remédio contra elas o sino saimão feito com terebentina no anterior das portas das casas, a roupa vestida dos avessos, e estas palavras santas acompanhadas de persignação: coronguena ✠ santa cruz ✠ mechiconto ✠ jeque ✠ domenada ✠ domenatatada ✠ subistisanto ✠. A feiticeira não finda a vida senão com o credo ‘quem pega que eu largo’ até que haja alguém que pegue e lhe suceda no mando; do que se infere que o número das iniciadas é prefixo, permanente, e sempre cheio, como os quarenta da academia francesa!» J. Torres, Almanaque do Arquipélago Açoriano para 1868, p. 110.
633317. Feiticeiras. – «Têm relações com as bruxas e pacto constante com Belzebuth. de quem recebem autorização e poder para fazerem mal; há-as nocturnas e diurnas. As primeiras aparecem nas horas do silêncio fazendo travessuras e tentações, e falam aos cantos das ruas, invocando com palavras misteriosas o poder de Satanás; andam sempre vestidas de preto com largos capotes ou com hábitos de freiras. As segundas são velhas imundas e horripilantes que vivem nas povoações, onde nasceram, exercendo o mister de adivinhar o futuro, e entretendo-se de vez em quando em fazer alguma diabrura; como por exemplo dar longa doença a qualquer pessoa, deitar mau olhado, adoecer e matar o porco da vizinha, etc., etc. Tem sempre em casa algum instrumento, por meio do qual recebem inspiração e poder do diabo; ordinariamente é uma amotolia onde têm azeite e o bebem; se lhes sabe bem, dão bons conselhos, e ensinam a prevenir as desgraças; se lhes sabe mal urdem intrigas diabólicas, fomentando a desordem em toda a parte, e profetizam só o mal. (Arredores de Lamego.) Almanaque de Lembranças para 1870, p. 341.
634318. As feiticeiras empregam para os seus feitiços numerosos ingredientes; um dos que têm mais virtude é a hóstia consagrada.
635319. O santo milagre de Santarém. – «No ano de 1247, reinando em Portugal D. Afonso III, morava na Rua das Esteiras em Santarém uma mulher de baixa esfera a quem o marido tratava mal, do que lhe provinham suspeitas contra a fidelidade dele. Aconselhou-a uma judia, que ela um dia fez sua confidente, que, se queria ver mudar o aspecto das coisas, fosse comungar e trouxesse na sua beatilha a partícula consagrada, o que ela fez na Igreja de Santo Estêvão. Passando, porém, por certo sítio saiu sangue da hóstia que correu pelas dobras da beatilha, o que fez que lhe perguntassem que feridas eram aquelas que vertiam tanto sangue, pelo que ela entendeu melhor retroceder para casa que levar a hóstia à feiticeira. Ali meteu a hóstia numa arca. De noite o marido viu a casa toda iluminada, o que fez que descobrisse o crime da mulher, de que deu parte aos clérigos.» Fr. Inácio da Piedade, Historia de Santarém, parte i, liv. ii, c. 237. Na Igreja de Santo Estêvão ou do Santo Milagre conserva-se uma hóstia que se diz ser a que fora levada pela mulher e há quadros em que se figuram as peripécias da lenda.
636320. O anel perdido. – «Era uma vez um homem casado e desconfiou a mulher do abade da freguesia. Tinha o homem dado à mulher um anel de oiro; faltou-lhe o anel no dedo; começa ele a dizer que ela que deu o anel ao abade; ela dizia: ‘Olha o anel faltou-me no dedo; não vi onde o perdi; eu não o dei a ninguém.’ ‘Ó bêbeda!, deste-o ao abade; mas deixa que eu vou aonde há uma feiticeira; se ela me disser que tu que o deste ao abade mato-te.’ Pega num criado consigo e monta a cavalo e foi. Chegou aonde a feiticeira, e ela disse-lhe: ‘Olhe senhor, eu hoje não lhe posso dizer nada; há-de ficar cá que amanhã é que terei resposta a dar-lhe.’ O homem ficou; de noite o criado dele deitou-se debaixo da mesa da cozinha; ela não fez caso do criado, nem o viu. De noite pôs-se a chamar por uns pintinhos e pôs um alguidar de água no meio da casa e nisto eis aí que aparece uma turba de pintos negros e ela diz que dizia: ‘Dizei-me onde está o anel da mulher de fulano.’ E eles diziam: ‘Aí vem atrás outro que to diga.’ Depois vieram outros e ela fez a mesma pergunta; disseram eles: ‘Aí vem o velho manquito que esse sabe.’ E nisto vem então um frangalhão manso e ela disse-lhe: ‘Diz-me onde está o anel da mulher de fulano; se ela o deu ao abade ou não.’ Diz ele: ‘Está na barriga do porco ruço, que ela foi pensar os porcos e o anel caiu-lhe na água; mas não lhe digas assim; diz-lhe que ele está na mão do abade, porque ele chega a casa e mata a mulher e mata também o abade e é o que eu quero.’ Ao outro dia de manhã ela deu-lhe a resposta: ‘Olhe, senhor, o anel sempre está na mão do abade, de quem o senhor desconfiou.’ O homem montou a cavalo e caminhou; o rapaz queria-lho dizer, mas ele não esperava. ‘Senhor meu amo, espere, espere, que lhe quero dizer uma coisa.’ Chegou lá mais longe; quebrou-se-lhe o arreio do burro e então esperou, porque não teve outro remédio, para guiar o arreio. O moço chegou ao pé e contou-lhe o que vira. Chegaram a casa e o amo disse: ‘Vou matar o porco e se o anel lá não estiver mato-a a ela e a ti.’ Foi matar o porco ruço e achou-lhe o anel no bucho e desde então não tornou a desconfiar da mulher.» (Contado por uma mulher do Minho.)
XXVII. Mágicos, estrugeitantes
637321. O povo distingue por vezes os mágicos dos feiticeiros. Os mágicos têm sobretudo o poder de sujeitar a transformações suas próprias pessoas ou outras, de fazer transpor o espaço a quem querem, de mudar o aspecto aos objectos, etc. No Minho os mágicos são chamados estrujeitantes ou estregeitantes. Vid. os nossos Contos Populares Portugueses n.° 15 e a nota a p. 31.
638322. Ana Alves de Ourilhe (Celorico de Basto) contou-nos que conhecera na sua terra um Dr. João Teixeira, que era grande estrujeitante. Afirmavam dele, entre outras histórias, as seguintes: Tinha uma irmã que se dava muito com um padre, que muitas vezes ia comer a casa dela; um dia, pelo poder do doutor, tudo quanto se apresentava à mesa se transformava em papas e a irmã do doutor acabou por atirar com papas à cara do padre. Um dia que ela saíra com a criada, disse-lhe esta: «Ai como a minha ama vai!» «Então como vou?» «Leva as saias levantadas até à cabeça!» A ama olhou para a criada e afirmou que era ela que ia daquela maneira indecente. Eram tudo enganos produzidos pelo doutor que queria castigar a irmã. João Teixeira convidou um dia seus amigos para um jantar. Os criados entravam na sala com pratos apetitosos, mas ao aproximarem-se da mesa transformava-se tudo em lavagem de porcos. O doutor disse aos convidados que fossem ao quintal apanhar as belas uvas da latada; mas quando eles iam a cortá-las cortaram os narizes uns dos outros.
639323. O mágico de Roma. – «Um dia chegou a uma terra do Minho um homem que pediu a um lavrador que o recolhesse em sua casa e depois lhe perguntou se por aqueles sítios não havia cobras. O lavrador indicou-lhe os lugares aonde apareciam cobras; o homem foi lá e chamou-as; elas vieram enrolar-se nele sem lhe fazerem mal algum e o desconhecido levou-as para um quarto que o lavrador lhe deu e com elas passava longas horas. Passado algum tempo, o homem partiu levando as cobras consigo, depois de ter agradecido muito ao lavrador a hospedagem que lhe dera e de lhe dizer: ‘Ó Sr. Francisco, se precisar alguma coisa de Roma, para aonde vou, escreva para tal e tal que tudo se lhe arranjará.’ ‘Que hei-de eu precisar de Roma?’ ‘Deixe estar que talvez venha ocasião em que precise.’
640Passados tempos um filho do lavrador resolveu-se a casar com uma prima e o lavrador lembrou-se do homem de Roma e partiu para ali a fim de obter por intermédio dele a licença do papa para o casamento. Chegado lá foi recebido pelo seu antigo hóspede com grande satisfação e foi muito bem tratado por ele. Enquanto ali estava chegou a festa do Natal e disse o lavrador ao dono da casa. ‘É hoje véspera de Natal e tenho imensa pena de não passar a festa com a minha família.’ ‘Isso pode arranjar-se’, respondeu o hospedeiro. ‘Como se daqui lá se gasta tanto tempo?’ ‘Diga-me: há na sua freguesia alguma mulher chamada Maria que esteja amancebada com algum padre?’ ‘Há só uma, que é minha madrinha.’ ‘Vá lá abaixo à cavalariça e encontrará lá uma mula; monte nela e quando ela se demorar pelo caminho, diga-lhe: anda, mula do diabo, para casa do teu dono.’
641Francisco assim fez e chegou com incrível rapidez à sua terra; chegado à porta da sua casa disse: ‘Anda, mula do diabo, para casa de teu dono’, e a mula desapareceu. Pouco depois tocava ao Senhor e soube-se que o sacramento era levado à amiga do abade, madrinha do lavrador, que foi logo lá a correr. A madrinha quando o viu disse: ‘Ai! Francisco, que só de mim te havias de lembrar!’ E contou que andando na horta a apanhar umas couves se sentiu transformada em mula e levada para Roma, de onde viera com o afilhado às costas, e que estava muito doente por causa da pancada e esporadas que o afilhado lhe dera pelo caminho.
642Desde esse dia, diz o povo, os padres à missa excomungam as suas próprias amásias.» (Porto, de uma mulher do Minho.) Cf. n.° 310.
Notes de bas de page
1 Originalmente publicado na Revista de Etnologia e Glotologia, 1880, vol. i, pp. 5-34, 49-108 e 145-207.
2 Voy. ci-dessus, pp. 313 e 347, note 2. II paraît qu’il y avait deux fêtes de ce nom, l’une apr̀es le solstice d’hiver, l’autre à l’équinoxe du printemps (Mihirgan). Conf. de Hammer (Wiener Jahrb. der Litterat., 1818, i, p. 107).
3 Harduin. et Petav. ad Julian, p. 87.
4 Conf. ci-dessus, p. 66; Philipp. à Turre Monument. vet. Antii, pp. 227 e seg.
5 Voy. ci-après, liv. iii, chap. 2.; Epiph. adv. Haeres., 1, p. 29. Conf. Jablonski, de Orig. fest. nativ. Christi, etc., in Opuscul, iii, p. 346 sqq., et ibi Te Water. – On sait, du reste, que dès le temps des apôtres, le Christ était comparé au soleil; que les chrétiens, dans leurs actes réligieux, se tournait vers l’Orient, d’aprés un usage qu’ils tenaient originairement des Juifs; qu’enfin et cet usage et ce nom de soleil donné au Christ, principal objet de leur culte, leur valurent de la part des païens le titre d’adorateurs du soleil. Voy. Starck, Gesch. der Christi. Kirche des erst, Jahrh., iii, p. 144.
6 Sobre o acadiano fazemos legítimas reservas.
7 Hymn., i,. Ad Galli Canturn, v. 37. Edit. Parmae, 1788.
8 Hymn., i Ad. Galli Cantum, v. 65. Edit. Parmae, 1788.
9 Não reproduzimos o texto provençal.
10 Deus do trovão.
11 Os costumes observados em França. Vide Commentario.
12 De um fragmento de Fastos portugueses que Filinto projectou escrever. «Tinha, diz ele, à imitação de Ovídio, começado estes Fastos, onde desse conta das nossas festas cristãs, das nossas romarias, círios, festejos que os acompanham, e ouros ritos, que são de nosso uso.» A amostra publicada não prometia, mas a obra seria, apesar disso, a única no seu género entre nós.
13 Santo António.
14 Pulhas, que propriamente significava pós, polvilhos, muito usados na festa, veio a designar as perguntas d’engano que se fazem por essa ocasião. Consistem elas em certas frases que se dirigem a quem está desprevenido com o fim de excitar uma certa resposta, ou acabamento de frase, a que se replica com algumas palavras insultuosas ou grosseiras que rimam com ela; por exemplo diz-se:
– Barco parado... – e o ouvinte desprevenido conclui o adágio:
– Não faz viagem.
O empulhador replica:
– És um bom cavalo.
– Para a minha carruagem.
Essas pulhas são sempre tanto ou mais ineptas do que o exemplo apresentado, e geralmente de uma imundície completa. Com muita razão a palavra acabou por designar na língua uma coisa ou pessoa vil.
15 Z. Consiglieri Pedroso, Contribuições para Uma Mitologia Popular Portuguesa, iii. Algumas superstições e crenças populares relativas à noite e ao dia de S. João, 8.°, 2 pp, Porto, 1880. Deste trabalho, o mais completo sobre o assunto, extraímos a notícia de alguns usos que não encontrámos em nossas investigações. A fonte vai devidamente indicada.
16 Das mouras encantadas e suas aparições, assim como das cobras encantadas, trataremos noutra secção destes Materiais.
17 No dialecto do Queiras (Alpes Cottios; vid. Mélusine, i, p. 536) as festas do Natal são chamadas chalendés, charendés; a provisão de pão que se coze por um ano pelo Natal é chalendar, charendar. Chalandé, calandè, galandè, guilandé, guilanné, guilaneuf, etc., são formas que assentam sobre um tipo fundamental calendalum, a. M. H. Gaidoz, num seu artigo a propósito do gui de chêne dos galos na Revue de l’histoite des religions, ii, pp. 68-81, diz pois com razão: «Nous no parlons pas de l’Aguilaneuf, parce que rien ne donne à croiré qu’il faille voir le nom du gui dans ce cri de la nouveile année.»
18 Podemos ainda aproveitar esta importante obra que não tínhamos à mão no começo do nosso trabalho. Poucos dias depois de termos lido o i vol. chegava-nos a notícia da morte do autor. Foi uma grande perda para a ciência mitológica.
19 On donne toujours ces deux portions au premier pauvre qui se présente.
20 Grant’s Superstitions of the Highlanders’, vol. ii, p. 217.
21 Concluir-se-á no fascículo v o comentário do Calendário popular.
22 Segundo uma explicação que há pouco foi proposta num termo popular para designar doença, quebranto, tangromangro, haveria o nome de uma divindade turaniana Tengr e o persa Anro-manyus. É uma etimologia do género fóssil.
23 Buçaco pode muito bem ser uma alteração de Mon-sacro. Todas as outras etimologias propostas são da mais estupenda inépcia.
24 Na freguesia de Pêra (Algarve) é remédio infalível para epilépticos medirem-se com uma cana e colocarem-na depois por detrás do altar do Menino Jesus em noite de Natal. (Almanaque de Lembranças para 1870, p. 309.)
25 Talvez um derivado do tema sarp.; vid. C. Michaelis de Vasconcelos, Studien zur romanischen Wortscshöpfung, pp. 57 e segs.
26 Vid. o capítulo xi desta secção sobre o fradinho da mão furada.
27 Moura escreve Othom, o que desfigura a palavra, unindo o artigo com ela. Tom (thymus) é o peucedanum officinale.
28 A indicação Etnografia Portuguesa refere-se a artigos que publicamos no Boletim da Sociedade de Geografia. Nova série, fase, vi e segs., onde reunimos, sob este título e o secundário de Crenças e Costumes Populares, um grande número de passagens dos nossos antigos escritores, da legislação, dos processos inquisitoriais, etc., que se referem a essas tradições, e que nós numerámos para facilitar as citações. Esse trabalho completa o que publicamos nesta Revista.
29 Num folhetim em O Penafidelense, de Julho 12 de 1881, de que só tivemos conhecimento depois de o nosso artigo estar paginado, reuniu o Sr. J. Leite de Vasconcelos algumas particularidades interessantes sobre os Olharapos.
30 Sobre esse livro preparamos um artigo.
31 As almas penadas ou do outro mundo que aparecem dá o povo, entre outros nomes, os de abejão (visão) e abantesma (fantasma); mas outras entidades são ainda denominadas do mesmo modo.
32 Árvore velha.
33 Homem que manda.
34 «Para que tirem por via natural a fama aos viandantes, berlambuches e saludadores, a quem por ignorância deixam levar o melhor crédito da medicina.» Ob. cit., p. 38.
35 Signo de Salomão.
36 Limitamo-nos hoje às pouco numerosas notícias que seguem, reservando para outra ocasião tratar detidamente da história da feitiçaria em Portugal.
37 Segundo o cronista a lenda acha-se num pergaminho antigo em latim no cartório da Igreja de Santo Estêvão.
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