Capítulo 3. Padrões de nupcialidade em Portugal na segunda metade do século XIX
p. 75-117
Texte intégral
I
1A reorientação dos estudos de demografia histórica efectuada desde o imediato pós-guerra traduziu-se, como já vimos no capítulo anterior, na atribuição à nupcialidade de um papel determinante como regulador da dinâmica das populações europeias do Antigo Regime. Para essa reorientação foi fundamental a contribuição do estatístico britânico John Hajnal, que em três artigos decisivos [1953; 1965; 1982]:
demonstrou ser possível analisar a nupcialidade mesmo na ausência de paroquiais ou do estado civil) de casamento;
sublinhou, com base nos resultados da aplicação dessa técnica aos recenseamentos dos países europeus em finais do século XIX, a especificidade do regime de casamento da Europa ocidental; e
apontou para a importância das relações entre o modo de formação dos agregados domésticos, o regime de nupcialidade e a dinâmica de populações que não praticavam qualquer forma de controlo da fecundidade matrimonial.
2Os trabalhos de reconstituição de famílias levados a cabo em França a partir da década de 50 tinham mostrado ser falsa a imagem corrente de uma demografia antiga de alta pressão regulada pela mortalidade. Os artigos de Hajnal, e em particular o seu célebre ensaio de 1965 sobre o “modelo europeu de casamento”, tinham mostrado como o controlo social do acesso ao casamento e à reprodução legítima podia, mesmo na ausência de controlo da fecundidade matrimonial, servir como regulador eficaz do nível de fecundidade geral de uma população.
3As investigações em demografia histórica passaram a estruturar-se cada vez mais frequentemente em função de noções como a de “sistema demográfico do Antigo Regime” e, na esteira da reabilitação dos temas malthusianos por parte dos historiadores-demógrafos de Cambridge, em função da problemática dos regimes demográficos e da sua análise comparada.
4No contexto português, contudo, devido em parte ao estado ainda incipiente dos estudos de demografia histórica e à falta de um enquadramento institucional adequado para investigações nessa área, a informação continua a ser insuficiente para que tenha sentido ensaiar uma síntese, e os poucos dados conhecidos raramente têm sido objecto de análise numa perspectiva comparada. No que diz respeito a estudos de carácter local, a maior parte dos trabalhos limita-se ao cálculo da idade média ao casamento e do nível de celibato definitivo, sem qualquer tentativa de enquadramento mais amplo.1 Não é só a representatividade de tais resultados locais que permanece em dúvida, como também a sua própria interpretação: o leitor de um estudo típico fica a saber que a idade média ao casamento das mulheres durante o século XVIII em, por hipótese, Cebolais de Cima era de 24,1 (ou 26,4 ou 22,7) anos, sem que lhe seja dada qualquer indicação a respeito do alcance ou significado de uma tal constatação.
5Constituem uma excepção parcial, neste contexto, os três trabalhos publicados por J. Manuel Nazareth e F. de Sousa [1981; 1983; 1987] com base em outras tantas listas de habitantes de localidades do Ribatejo em finais do século XVIII. Nesses três estudos paralelos, os autores submetem as listas a um conjunto variado de testes e cálculos, utilizando técnicas apropriadas à análise de recenseamentos para calcular uma série de indicadores demográficos. Entre essas análises está incluído o cálculo da idade média ao casamento e do nível de celibato definitivo, utilizando o método de Hajnal. Em cada um dos três trabalhos os autores utilizam como quadro de referência para a interpretação dos comportamentos demográficos a noção de “sistema demográfico do Antigo Regime”, tal como fora inicialmente proposta por Dupâquier, que supõem aplicável a toda a Europa ocidental durante a época moderna.2 No primeiro dos três trabalhos, sobre Salvaterra de Magos, em 1788, constataram a existência de comportamentos matrimoniais — celibato definitivo bastante elevado, casamento feminino relativamente tardio (23,7 anos) — que pareciam corresponder às previsões do modelo, e esboçaram uma interpretação de tipo cronológico, segundo a qual Salvaterra de Magos em finais do século XVIII se encontraria ainda submetida a uma demografia do Antigo Regime [1981: 352]. No segundo trabalho, sobre Coruche, em 1789, depararam-se-lhes algumas diferenças, nomeadamente no que diz respeito ao modelo de nupcialidade, mas continuaram a referir-se ao modelo de Dupâquier. A idade média ao casamento das mulheres era, em Coruche, bastante mais baixa (20,6 anos), e os autores sugerem que, dentro da lógica do modelo, talvez isto se deva a um período de recuperação após uma crise de mortalidade, ou eventualmente à interferência de movimentos migratórios e da proximidade do Alentejo, que poderiam ter implicado “a existência de um modelo de nupcialidade diferente” [1983: 5-12, 41-42]. No terceiro trabalho, por fim, sobre Samora Correia, em 1790, depararam-se-lhes novamente anomalias em relação ao que seria de esperar à luz do modelo, com uma idade média ao casamento das mulheres ainda mais baixa que em Coruche (19,3 anos). Tal como no trabalho anterior, sugerem que isto poderá eventualmente dever-se a distorções provocadas pelos movimentos migratórios, a uma crise de mortalidade excepcionalmente severa, ou talvez (de novo) à influência do Alentejo [1987: 36]. Em abono desta última hipótese, apontam para a precocidade relativa do casamento feminino que podia ser observada no Sul do país através da análise dos dados do Censo de 1864. Concluem ser urgente “um estudo aprofundado da orientação espacial da nupcialidade em meados e finais do século XIX” [1987: 35].
6Esta conclusão constitui um reconhecimento implícito, embora tímido, da falta de adequação à realidade demográfica portuguesa do modelo de “sistema demográfico do Antigo Regime” e da perspectiva cronológica que lhe está subjacente, e aponta para a necessidade do estudo da demografia histórica portuguesa numa perspectiva regional e comparada.
7Na altura, contudo, já se dispunha há algum tempo de análises que abordavam, com maior ou menor profundidade, a configuração regional de comportamentos demográficos, e em particular da nupcialidade, em Portugal no século XIX. No âmbito do projecto de Princeton, Massimo Livi Bacci publicara a sua clássica análise da transição demográfica em Portugal [Livi-Bacci, 1971], na qual incluíra um mapa da distribuição regional, por distritos, do indicador da nupcialidade Im. Mais recentemente, Nazareth publicara um artigo em que apresentava os valores distritais da idade média de acesso ao casamento e do celibato definitivo de homens e de mulheres, calculados segundo o método de Hajnal a partir dos dados dos recenseamentos de 1864,1878 e 1890.3 No ano seguinte, fora publicado um trabalho nosso de carácter mais geral [Rowland, 1984], no qual se incluía um mapa pormenorizado da distribuição regional da idade de acesso ao matrimónio das mulheres, calculada — sempre com o método de Hajnal — ao nível concelhio a partir dos dados do Recenseamento de 1878. E, em 1987, Elizabeth Reis defendia, na Inglaterra, a sua tese de doutoramento sobre a dimensão espacial da demografia portuguesa na segunda metade do século XIX [Reis, 1987], baseada numa análise minuciosa ao nível concelhio dos dados dos recenseamentos de 1864 e 1878.
8Em todos esses trabalhos, mesmo naqueles em que os cálculos foram efectuados apenas ao nível distrital, é mais que evidente o contraste entre os modelos de nupcialidade do Norte e do Sul do país. As análises efectuadas ao nível concelhio mostram a existência de variações consideráveis a norte e a sul do Tejo, com uma configuração espacial que recorda as regiões e sub-regiões identificadas pelos geógrafos. A sublinhar a necessidade de uma abordagem regional da nupcialidade em Portugal está ainda o facto de os poucos dados disponíveis para os séculos XVI a XVIII se enquadrarem quase perfeitamente na configuração regional evidenciada pelos recenseamentos de finais do século XIX, sem que haja qualquer indício de evolução cronológica ou da passagem, em qualquer parte do país, de um modelo matrimonial a outro [Rowland, 1984].
9É obviamente necessário, para tornar menos esquemático e fragmentado o nosso conhecimento da nupcialidade portuguesa do Antigo Regime, multiplicar os estudos locais em todas as regiões do país. Mas esses estudos, por mais numerosos que sejam, terão sempre um âmbito restrito e, por conseguinte, uma representatividade duvidosa. Para completá-los, é preciso levar a cabo estudos que abarquem, de maneira suficientemente desagregada, populações mais amplas, e que aproveitem plenamente a informação contida nos recenseamentos efectuados na segunda metade do século XIX.
10Constituíram um primeiro passo nessa direcção as análises a nível concelhio iniciadas a partir de 1981 no âmbito do programa de investigações do Núcleo de Sociologia Histórica do Instituto Gulbenkian de Ciência, cujos primeiros resultados foram apresentados no nosso trabalho, já mencionado, sobre “Sistemas Familiares e Padrões Demográficos em Portugal” [1984].4 Mas desde o início tornara-se claro que uma análise desagregada, pelo simples facto de lidar com populações relativamente reduzidas, exige um acrescido rigor metodológico.
11Com efeito, muitas das técnicas indirectas utilizadas em demografia e demografia histórica recorrem à teoria das populações estáveis para suprir deficiências das fontes de informação, utilizando valores derivados das características dessas populações teóricas quando se não conhecem os valores correspondentes para a população analisada. Como é evidente, este tipo de procedimento só será válido e aceitável na exacta medida em que a população analisada corresponder de facto ao modelo teórico de uma população estável. Algumas técnicas podem pressupor outras condições mais ou menos realistas, como a estabilidade dos comportamentos matrimoniais, ou a ausência de mortalidade diferencial de solteiros. Qualquer análise que utilize uma dessas técnicas deveria incluir, de forma rotineira, uma avaliação da medida em que a população analisada corresponde aos pressupostos do modelo teórico de referência.
12Infelizmente, isso nem sempre acontece. No caso, por exemplo, do cálculo, pelo método de Hajnal, da idade média ao casamento a partir das proporções de solteiros em cada grupo de idades, são poucos os historiadores-demógrafos que foram consultar o artigo original [Hajnal, 1953] para ver quais são as condições de validade para a utilização do método. Muitos, e não só em Portugal, utilizam uma versão mais simples da fórmula original, obtida em algum manual de demografia, sem ter em conta a natureza dos cálculos realizados e os seus pressupostos. Mesmo o manual de Louis Henry, frequentemente utilizado por historiadores-demógrafos, reproduz a fórmula sem especificar as condições de validade do método [Henry, 1980: 32-34].
13Estas considerações têm especial cabimento no caso de uma análise desagregada da nupcialidade da população portuguesa na segunda metade do século XIX. Em primeiro lugar, há que recordar que a técnica foi elaborada tendo em vista a análise da nupcialidade em populações do século XX, o que levou Hajnal a considerar que as distorções devidas à mortalidade seriam de pouca monta. No contexto português, contudo, e durante a segunda metade do século XIX, não pode ser descartada a hipótese de que a mortalidade, mais severa e regionalmente diferenciada que nos casos analisados por Hajnal, possa introduzir distorções significativas nos resultados. Em segundo lugar, e para além do risco de perturbações aleatórias devidas aos pequenos números, convém ter em atenção que quanto mais reduzida a população, maior é a influência dos movimentos migratórios sobre a sua estrutura. Dada a intensidade das migrações em Portugal nesse período, as distorções devidas aos movimentos migratórios poderiam mesmo comprometer os resultados de uma análise ao nível distrital, pelo menos no que diz respeito à nupcialidade masculina, e torna-se necessário avaliar a sua importância. E em terceiro lugar, e uma vez que o método pressupõe a estabilidade dos comportamentos matrimoniais nos 35 anos anteriores ao recenseamento analisado, é preciso avaliar até que ponto poderá ter havido alterações nos comportamentos demográficos suficientes para invalidar os resultados da análise.
II
14Este conjunto de problemas, que decorrem da tentativa de analisar a nupcialidade da população portuguesa na segunda metade do século XIX, exige uma reconsideração da metodologia proposta por Hajnal no seu clássico, mas pouco lido, artigo de 1953.5
15No seu artigo, Hajnal insistiu que o seu método não deveria ser considerado apenas como sucedâneo para os cálculos mais laboriosos que seriam possíveis com um registo mais completo, civil ou eclesiástico, dos matrimónios. Atendendo a que as proporções de solteiros reflectem os efeitos dos primeiros casamentos, podem de certo modo constituir um indicador mais sensível das mudanças nos comportamentos matrimoniais que as taxas brutas de nupcialidade, que não levam em conta o estado matrimonial anterior dos contraentes.
16Para os historiadores-demógrafos, contudo, a principal vantagem do método reside no facto de permitir uma análise da nupcialidade de populações para as quais não existe um registo adequado dos casamentos, ou onde o cálculo das idades de acesso ao matrimónio através do cruzamento nominativo entre registos de nascimento (ou baptismo) e de casamento seria demasiado laborioso ou incerto.
17Além disso, pelo facto de produzir estimativas separadas da idade de acesso ao casamento e da sua intensidade (ou seja, do nível de celibato definitivo), este método permite comparações com os resultados de cálculos efectuados a partir de registos paroquiais através da reconstituição de famílias.6
18Em termos gerais, a aplicação do método depende de duas condições. Depende, em primeiro lugar, da possibilidade de se considerar a situação em dado momento de várias coortes sucessivas, tal como é registada num censo, como se fosse uma representação adequada da trajectória de uma única coorte fictícia.7 Depende, em segundo lugar, da possibilidade de se interpretar a diminuição na proporção de solteiros registados em idades sucessivas como se reflectisse o número de primeiros casamentos que haveria, em cada idade, na experiência da referida coorte fictícia.
19Nestes termos, e admitindo-se que o acesso ao matrimónio se verifica entre os 15 e os 50 anos, são necessários os seguintes pressupostos:
20a) a população em causa tenha sido estável durante os 50 anos anteriores ao censo;
21b) os comportamentos matrimoniais da população tenham sido estáveis durante os 35 anos anteriores ao censo; e
22c) não tenha havido nem mortalidade nem movimentos migratórios entre os 15 e os 50 anos.
23Nestas condições, se
Sx = proporção de solteiros na população (masculina ou feminina) à idade x,
a = idade mínima de acesso ao matrimónio,
b = idade máxima de acesso ao matrimónio,
SMAM = idade média de acesso ao matrimónio (singulate mean age at marriage),8
24então
25Numa hipotética) em que todas as condições referidas se encontrassem satisfeitas, o resultado deste cálculo (SMAM) seria exactamente igual à média aritmética das idades dos que teriam casado pela primeira vez, entre as idades a e b, em qualquer dos (b — a) anos anteriores ao censo em causa.
III
26É evidente que a terceira das condições de validade do cálculo é pouco realista. O referido postulado c) pode, no entanto, ser substituído por outra condição menos restritiva, ou seja,
27d) a incidência da mortalidade e dos movimentos migratórios entre os 15 e os 50 anos tenha sido igual, a cada idade, para os solteiros e para os casados e viúvos.
28Neste caso, SMAM representará uma ligeira sobrevalorização da idade média de acesso ao matrimónio. Isto deve-se a que as condições a), b) e d) nos permitem a derivação de um conjunto de taxas de nupcialidade, por idades, com base nas “taxas de extinção” dos solteiros (traduzidas nas sucessivas diminuições nas proporções de solteiros), mas, por outro lado, não levam em conta o facto de que a população em risco de casar em idades sucessivas está a ser reduzida pela mortalidade. Derivar a idade média de acesso ao casamento directamente das taxas de nupcialidade é de certo modo equivalente a incluir no cálculo os casamentos que teriam sido realizados por aqueles que morreram ainda solteiros. Uma vez que estes casamentos “frustrados” teriam sido casamentos mais tardios que a média, a sua inclusão produz uma ligeira sobrevalorização — que Hajnal admite, mas não tenta quantificar — da idade média de acesso ao casamento. Uma vez que o nível de distorção é proporcional, ceteris paribus, ao nível da mortalidade de adultos, os seus efeitos serão mais significativos no caso de populações históricas que no caso das populações contemporâneas analisadas no artigo de Hajnal.
29Hajnal concentrou a sua atenção não nas consequências da adopção da condição d), mas nas distorções provocadas pela sua violação — ou seja, pela mortalidade e emigração selectivas de solteiros. Os efeitos destes dois factores, conclui, são análogos e cumulativos: ao reduzirem as proporções de solteiros, criam a ilusão de casamentos adicionais; e uma vez que estes casamentos “espúrios” tendem a concentrar-se nas idades menos jovens, o seu efeito global, segundo Hajnal, é de acentuar a sobrevalorização da idade estimada de acesso ao matrimónio. Esta segunda distorção será tanto mais significativa quanto maiores sejam as proporções de solteiros.
30No intuito de estabelecer o seu limite máximo Hajnal calculou que numa hipotética população masculina com uma mortalidade severa, igual à da França em 1933-1938, mas com proporções de solteiros tão elevadas como as da Irlanda em 1941, a distorção poderia ser de até seis meses. Numa população normal, os seus efeitos seriam bastante menos significativos. A análise das melhores estatísticas então disponíveis sobre a emigração por estado matrimonial — as da Suécia entre 1901 e 1910 — sugeria, ainda, que os efeitos da emigração selectiva de solteiros eram menos sensíveis que os da mortalidade selectiva. Hajnal pode assim concluir que em populações do mundo real o efeito cumulativo das distorções produzidas pela mortalidade e pela emigração selectivas de solteiros não seria superior, mesmo em casos extremos, a seis meses.
31A fórmula geral (1) apresentada acima baseia-se nas proporções de solteiros por cada ano de idade entre os 15 e os 50 anos. Quando só se encontram disponíveis dados por grupos de idades, a proporção de solteiros em cada um dos grupos em causa deve ser multiplicada pelo número de anos no grupo respectivo. No caso de serem utilizados grupos quinquenais (por exemplo 15-19, 20-24, etc.),9 então,
32e
33Hajnal diz que os efeitos desta simplificação são pouco significativos, e cita o caso da Suíça (1941), em que a distorção produzida pela utilização de grupos quinquenais (em vez de anos individuais) é de +0,08 ano para os homens e -0,05 ano para as mulheres. Mesmo que neste exemplo os efeitos tenham sido pouco significativos, há que levar em conta que, quando o cálculo se baseia em grupos de idades e não em anos individuais, a amplitude das distorções poderá variar em função não apenas da distribuição efectiva das idades ao casamento como também do número de anos em cada um dos grupos de idade em causa.
34Da apresentação e discussão no artigo original de Hajnal pareceria ser possível concluir que SMAM representa uma estimativa relativamente exacta da idade média de acesso ao casamento. As distorções que resultam da inobservância das condições c) e d) parecem ser bastante reduzidas, e nos exemplos citados traduzem-se numa sobrevalorização sistemática de até seis meses no máximo.
IV
35Mas esta conclusão reconfortante não deve ser interpretada como autorização para o cálculo indiscriminado de SMAM cada vez que a informação necessária se encontra disponível. Hajnal utilizou o seu método na análise de populações do século XX cujo nível de mortalidade era relativamente baixo, mas onde esse nível tenha sido significativamente mais alto que em França durante os anos 1930 — ou seja, em quase todas as populações estudadas pela demografia histórica — esse limite de seis meses poderia não ser aplicável.
36Todos os seus exemplos, por outra parte, dizem respeito a populações nacionais. Não só são essas populações suficientemente numerosas para reduzir ao mínimo o risco de erros devido a flutuações aleatórias (produzindo alterações na proporção de solteiros entre um grupo de idades e o seguinte que nada têm a ver com as taxas de nupcialidade correspondentes), como também, o que é ainda mais importante, as distorções devidas aos movimentos migratórios ficam limitadas às que resultam das migrações internacionais. Quando estas condições favoráveis se não verificarem, SMAM poderá não ser mais que uma aproximação à idade média de acesso ao matrimónio, e as margens de erro propostas por Hajnal terão de ser revistas.
V
37Nas páginas seguintes tentar-se-á uma estimativa da magnitude e direcção das distorções que resultam da aplicação do método de Hajnal a situações onde não se verificam todas as condições mencionadas, e onde não há razões para supor que os erros serão mantidos dentro dos limites relativamente optimistas que correspondem aos exemplos citados no seu artigo.
38Este exercício tornou-se necessário no contexto do programa de investigação do Núcleo de Sociologia Histórica do Instituto Gulbenkian de Ciência, que se propunha analisar os padrões regionais de nupcialidade na Península Ibérica nos seculos XVIII e XIX. Os principais problemas que tiveram de ser enfrentados foram dois. Em primeiro lugar, havia o facto de o nível de mortalidade na Península, apesar de muito variável no espaço, ter sido geralmente muito elevado.10 Pareceu aconselhável, como precaução, ensaiar uma estimativa das distorções que esse facto poderia introduzir no cálculo de SMAM. Em segundo lugar, qualquer análise conduzida ao nível regional teria de levar em conta não apenas as migrações internacionais, como também as migrações internas entre províncias e regiões, e não havia razões para supor que o efeito destas últimas sobre o cálculo de SMAM seria tão reduzido como no exemplo utilizado por Hajnal.
VI
39Como já vimos, o método de Hajnal pressuporia, idealmente, a ausência de mortalidade ou de movimentos migratórios entre os 15 e os 50 anos (condição c)). Quando esta condição não for satisfeita e tiver sido substituída por outra mais realista — condição d), não existência de mortalidade (ou migrações) selectivas de solteiros —, o resultado será uma ligeira sobrevalorização de SMAM. Apesar de reconhecer sua existência, Hajnal não tentou calcular a magnitude dessa distorção, mas, atendendo a que aos seus efeitos irão juntar-se os que derivarem da eventual inobservância dessa mesma condição d), qualquer discussão sobre a aplicação do método a situações menos favoráveis que as previstas pelo autor parece exigir uma avaliação prévia das distorções atribuíveis à mortalidade e devidas à substituição da condição c) pela condição d). Isto exigirá o cálculo de um indicador alternativo da idade média de acesso ao matrimónio, aqui designado Am.
40A figura 3.1 representa a nupcialidade de uma população imaginária em que os efectivos em cada grupo de idade são iguais e em que não há nem migrações nem mortalidade. Para facilitar a exposição só será tida em conta a população com menos de 85 anos. As mudanças nas proporções de solteiros em cada grupo de idade reflectem apenas o número de primeiros casamentos ocorridos em cada idade. A idade média de acesso ao matrimónio corresponde ao número médio de anos vividos no estado de solteiros por aqueles membros de cada geração que acedem ao matrimónio, e pode ser calculada directamente utilizando a fórmula de Hajnal, que é equivalente, na sua forma geral, à equação n.° 1, acima. As duas áreas sombreadas no gráfico correspondem ao número de anos-pessoa vividos, respectivamente, no estado de casados ou viúvos antes da idade média de acesso ao matrimónio (Am), e no estado de solteiros depois dessa mesma idade, pelo conjunto dos membros da população que de facto acedem ao matrimónio.
41As duas áreas são iguais. Por conseguinte, o rectângulo ABCD corresponde (i) ao número de anos-pessoa vividos no estado de casados ou viúvos (até os 85 anos) por cada geração, e (ii) ao número de indivíduos casados ou viúvos que podem ser observados, em qualquer momento, na população com menos de 85 anos. A proporção de casados e viúvos nessa população é assim igual à proporção dessa população com idades situadas entre a idade média de acesso ao matrimónio (Am) e os 85 anos multiplicada pela proporção de cada geração que efectivamente acede ao matrimónio.11
42Seja
Am = idade média de acesso ao matrimónio,
Lx = proporção da população com idade x,
a = proporção de cada geração que não acede ao matrimónio,
Sp = proporção de solteiros na população entre os 0 e os 85 anos,
Sb = proporção de solteiros na população entre os b e os 85 anos.
43Assim,
44e
45Assim temos
46Mas uma vez que
47temos
48Nas referidas condições de inexistência de mortalidade ou de migrações, o valor de Am na expressão n.° 6 é exactamente igual ao de SMAM, e ambos correspondem à média aritmética das idades de acesso ao matrimónio observadas na população.
49Ao substituir-se a condição de ausência de mortalidade tout court pela condição de ausência de mortalidade selectiva de solteiros, as proporções de solteiros em cada idade não serão afectadas e o valor de SMAM ficará inalterado. Mas SMAM já não corresponderá à média efectiva das idades de acesso ao matrimónio, porque alguns solteiros, que de outro modo teriam casado e cujos matrimónios estão previstos no cálculo de SMAM, terão morrido antes de se casarem.
50Nestas condições, o valor de Am (na expressão n.° 6) será mais baixo que em condições de inexistência de mortalidade. Isto fica claro na figura 3.2, que reproduz o mesmo conjunto de relações que a 3.1, mas sob condições de mortalidade severa (e0 (F) = 25). Em ambos os gráficos as proporções de solteiros em cada grupo de idades são idênticas. O número de casados e viúvos está representado, no gráfico da figura 3.1, pelo rectângulo ABCD, e no da figura 3.2 pela área triangular ABC.
Quadro 3.1. Funções-modelo de nupcialidade feminina: proporções de solteiras por grupos de idade
Grupos de idade | 15-19 | 20-24 | 25-29 | 30-34 | 35-39 | 40 e + |
População A | 0,95 | 0,6 | 0,3 | 0,2 | 0,1 | 0,1 |
População B | 0,98 | 0,8 | 0,6 | 0,45 | 0,33 | 0,33 |
51Enquanto em condições de ausência de mortalidade — e com as proporções de solteiros representadas nos gráficos — o valor de Am era de 25,95 anos, nas condições de mortalidade representadas no gráfico da figura 3.2 Am fica reduzido a 25,68 anos. Isto porque Am, como se disse, é a idade em que o número de anos-pessoa vividos no estado de casados ou viúvos antes dessa idade é igual ao número de anos-pessoa vividos no estado de solteiros por pessoas que acabam por aceder ao casamento. Uma vez que a incidência da mortalidade é relativamente mais severa em idades superiores a Am, as duas áreas sombreadas no gráfico da figura 3.2 só serão iguais se o valor de Am for mais baixo.
52Se a mortalidade de casados e viúvos em idades inferiores a Am fosse inexistente, este valor mais baixo de Am corresponderia exactamente à média das idades observadas de acesso ao matrimónio, e a discrepância entre Am e SMAM (0,27 ano neste exemplo) representaria a distorção introduzida pela mortalidade no cálculo deste último indicador. Na realidade, porém, essa discrepância corresponde ao efeito da diferença entre a mortalidade em idades respectivamente superiores e inferiores a Am, e representa, portanto, só uma parte desse erro. Apesar disso, e considerando que a mortalidade de casados e viúvos em idades inferiores a Am é pouco significativa, poderá considerar-se que em condições reais de mortalidade, e sobretudo de mortalidade severa, Am constitui um indicador da idade média de acesso ao matrimónio mais seguro que SMAM.
53Até agora a análise tem sido efectuada em termos de populações estacionárias, nas quais a situação de grupos de idades sucessivos corresponde à experiência de uma coorte fictícia. Se a taxa de crescimento da população for positiva, o efeito será análogo ao que teria sido produzido por uma intensificação da mortalidade, e o valor de Am será mais baixo que no caso de uma população estacionária.
54Neste último, o valor de Am determinado pela expressão n.° 6 é quase exactamente igual, como vimos, à idade média de acesso ao matrimónio, mas em condições mais realistas isso poderia não suceder. Tentou-se, por conseguinte, calcular as distorções que se verificariam em diferentes condições de crescimento e de mortalidade. O mesmo exercício também permitiu uma estimativa das discrepâncias entre Am e SMAM em condições mais realistas. Atendendo a que estas distorções não dependem apenas da taxa de crescimento ou do nível da mortalidade, mas são também afectadas pela distribuição das idades de acesso ao matrimónio, os cálculos foram efectuados mediante o recurso a duas populações hipotéticas, cada uma delas caracterizada por uma função de nupcialidade própria (ver quadro 3.1). Excepto no caso imaginário de ausência de mortalidade, cada uma das duas populações — femininas — tem uma estrutura por idades conforme ao modelo Sul de Prínceton com determinados níveis de mortalidade e taxas de crescimento. Os resultados da simulação (quadro 3.2) correspondem à aplicação da expressão n.° 6 a uma série de populações-modelo construídas segundo os parâmetros (modelo e nível de mortalidade, taxa de crescimento e pauta de nupcialidade) já mencionados.
Quadro 3.2. Valores de Am em diferentes condições de mortalidade, crescimento e nupcialidade (populações femininas, modelo Sul)
Taxa de crescimento (%) | Esperança de vida | ||||
25 | 30 | 40 | 57,5 | [∞] | |
População A | |||||
0,0 | 23,96 | 24,00 | 24,05 | 24,12 | 24,17 |
0,5 | 23,90 | 23,93 | 23,98 | 24,05 | 24,10 |
1,0 | 23,83 | 23,86 | 23,92 | 23,98 | 24,03 |
1,5 | 23,77 | 23,80 | 23,85 | 23,91 | 23,96 |
População B | |||||
0,0 | 26,04 | 26,08 | 26,14 | 26,22 | 26,27 |
0,5 | 25,96 | 26,00 | 26,06 | 26,14 | 26,19 |
1,0 | 25,88 | 25,92 | 25,98 | 26,06 | 26,11 |
1,5 | 25,81 | 25,85 | 25,91 | 25,98 | 26,03 |
55Como seria de esperar, é no caso da população B que o indicador Am é mais sensível às variações no nível de mortalidade e na taxa de crescimento, mas as diferenças não são muito significativas. À luz da discussão anterior é também animador verificar que até em condições extremas — como as que correspondem a uma esperança de vida de 25 anos e uma taxa de crescimento anual de 1,5% — a diferença entre SMAM e Am se mantém abaixo de 0,5 anos.12
56Da análise anterior é possível concluir — admitindo-se como insignificante a mortalidade de casados e viúvos em idades inferiores à idade média de acesso ao matrimónio — que os valores de Am em condições de crescimento anual nulo13 são quase exactamente iguais à idade média de acesso ao matrimónio que, nas diferentes condições de mortalidade admitidas, corresponde a cada uma das pautas de nupcialidade do quadro 3.1. Estes valores são, ao mesmo tempo, mais baixos que SMAM e mais altos que Am em populações com taxas de crescimento positivas. Mas em ambos os casos as diferenças não ultrapassam os três meses.
57Estes resultados confirmam que mesmo em condições de mortalidade muito mais severas que as contempladas por Hajnal em seu artigo, a substituição da condição c) pela condição d) (cfr. acima, secção III) não invalida a utilização de SMAM como indicador aproximativo da idade média ao matrimónio: o quadro 3.2 indica o grau de distorção — muito reduzido — que resulta dessa substituição.
58Ao mesmo tempo, estes resultados indicam que Am pode ser considerado uma alternativa aceitável nos casos em que, com a informação disponível, o seu cálculo se revele mais fácil (ou mais realista). Numa população estacionária o valor de Am será ligeiramente superior à média das idades efectivas de acesso ao matrimónio; mas em populações com uma taxa de crescimento anual moderada essa distorção será compensada pela distorção contrária, devida ao crescimento da população, e o valor de Am poderá ser considerado como equivalente na prática à idade média de acesso ao matrimónio.
59Esta conclusão pressupõe, no entanto, que a condição c) — ausência de mortalidade diferencial dos solteiros — seja respeitada. Como já vimos, Hajnal calculou que, nas condições hipotéticas de uma nupcialidade irlandesa e uma mortalidade francesa, a mortalidade diferencial de solteiros poderia dar origem a uma sobrevalorização de SMAM de até seis meses. Não dispomos de dados que permitam avaliar os seus efeitos em condições demográficas semelhantes às da Europa pré-industrial, mas, atendendo a que seria pouco provável que essa situação hipotética se verificasse em condições históricas reais, e à luz dos resultados anteriores, poderá não ser demasiado optimista considerar que esse mesmo limite de seis meses não será superado em situações típicas da Europa pré-industrial. No que diz respeito, finalmente, ao efeito da mortalidade diferencial de solteiros sobre o valor de Am, a única coisa que se pode dizer é que terá tendência para fazer baixar ligeiramente o valor calculado do indicador, acentuando os efeitos de uma taxa positiva de crescimento da população. E, apesar de não ser possível quantificá-la, parece provável que também esta distorção se manterá dentro de limites comparáveis aos que foram calculados.
VII
60O cálculo de Am através de qualquer das versões da expressão n.° 6 exige que sejam conhecidos os seguintes elementos de informação:
a proporção de solteiros na população (ou na população com mais de b anos);
o nível do celibato definitivo; e
a estrutura por idades da população.
61Quando a informação sobre a estrutura por idades é inexistente, ou demasiado limitada para permitir (mesmo recorrendo à interpolação) a estimativa directa de Am, a informação disponível pode ser combinada com a que se pode derivar de uma população-modelo apropriada. Neste caso, a estimação indirecta de Am exige que, em vez da estrutura por idades efectiva, sejam conhecidos os parâmetros que permitem definir a população-modelo correspondente. Quando se utilizam as tábuas-tipo de Prínceton é preciso conhecer (ou poder estimar) o modelo apropriado (Norte, Sul, Leste ou Oeste), o nível de mortalidade (ou a esperança de vida) e a taxa de crescimento. Estes parâmetros permitem definir a estrutura por idades da população-modelo de referência, e o cálculo poderá então ser efectuado utilizando uma das formas da expressão n.° 6.
62Embora seja relativamente simples efectuar o cálculo desta maneira, a operação é um tanto laboriosa e só se justificaria no caso de uma investigação que exigisse um grau elevado de precisão. Para o cálculo ocasional de A m uma aproximação bastante aceitável do valor do indicador poderá obter-se através de uma equação de regressão.14
63Seja
M = nível de mortalidade (e0 (F) = 17,5 + 2,5M);
R = taxa de crescimento anual (%);
Sb = proporção de solteiros na população com mais de b anos; e
a = celibato definitivo (%).
64Numa população correspondente ao modelo Sul de Princeton,
65(7) Am (F) = 0,001Sb (14M – 112R + 4Sb + a + 184) – 0,00276a (3M – 29R + + a + 122) – 0,00286M (M + 40R) + 0,00698b (7R + b + 92)+ 1,05214R + + 5,455
66e
67(8) Am (M) = 0,00101Sb (11M – 94R + 4Sb + a + 168) – 0,00266a (3M – 27R + + a + 120) – 0,00143M (M + 46R) + 0,00712b (6R + b + 89)+ 0,28917R + + 6,017.
VIII
68Na sua apresentação original, John Hajnal baseou a sua discussão das distorções produzidas pelos movimentos migratórios numa análise dos dados suecos relativos à emigração (internacional) no período 1901-1910. Para determinar o limite máximo do efeito da migração selectiva sobre as proporções de solteiros, não incluiu na sua análise nem a imigração nem os retornos de emigrantes. Esta decisão poderá ter contribuído para reforçar a sua tendência para considerar os efeitos das migrações como análogos aos da mortalidade, e poderá explicar a sua conclusão, que os movimentos migratórios tendem a produzir uma sobrevalorização de SMAM.
69No contexto português, e sobretudo ao nível regional, essa conclusão não é necessariamente válida. Nalgumas regiões, e em particular no Noroeste, a emigração de solteiros, em especial para o Brasil, tem sido há séculos um fenómeno estrutural relacionado com os sistemas de propriedade, herança e família. Noutras zonas, as migrações temporárias inter-regionais parecem ter sido frequentes. Mas em ambos os casos os efeitos das migrações sobre as proporções de solteiros, e por conseguinte sobre o valor de SMAM, podem ter sido diferentes dos produzidos pela mortalidade. O “desaparecimento” de solteiros em idades mais baixas que a idade média ao casamento irá reduzir as proporções de solteiros nessas idades e criar a ilusão de espúrios casamentos precoces. O regresso de emigrantes solteiros em idades mais avançadas irá aumentar as proporções de solteiros nessas idades, criando a ilusão de “matrimónios negativos” e reduzindo ainda mais o valor de SMAM — a menos que este efeito seja compensado pelos casamentos posteriores (e tardios) dos emigrantes retornados. Qualquer discussão das distorções produzidas por um nível determinado de emigração terá, com efeito, de levar em conta quer a distribuição por idades dos migrantes, quer a medida em que a emigração e o retorno podem estar relacionados com modelos e estratégias de matrimónio e de formação de novos agregados domésticos.
Quadro 3.3. Saldo migratório masculino por grupos de idades e distrito, Portugal, 1878
Distrito | Saldo migratório (% de cada coorte) | ||
20-29 | 30-39 | 40-49 | |
Aveiro | 39 | –35 | –30 |
Beja | –4 | 5 | 9 |
Braga | –35 | –35 | –32 |
Bragança | –11 | –1 | –1 |
Castelo Branco | –14 | –4 | 1 |
Coimbra | –31 | –24 | –20 |
Évora | 4 | 6 | 9 |
Faro | –16 | –9 | –9 |
Guarda | –15 | –9 | –8 |
Leiria | –15 | –9 | –8 |
Lisboa | 19 | 10 | –9 |
Portalegre | 4 | –2 | 1 |
Porto | –26 | 29 | –30 |
Santarém | –6 | –2 | –3 |
Viana do Castelo | –37 | –37 | –32 |
Vila Real | –20 | –17 | –9 |
Viseu | –31 | –23 | –18 |
70Infelizmente não dispomos de estatísticas de emigração relativas ao seculo XIX suficientemente exactas para permitirem uma estimativa dessas distorções. Uma vez que a emigração parece ter sido um fenómeno quase exclusivamente masculino até finais do século XIX, a estimação da nupcialidade feminina será pouco afectada; mas no caso dos homens haverá que escolher entre abandonar o cálculo de SMAM ou recorrer a métodos indirectos e aproximativos de estimativa.
71No caso de Portugal no século XIX, se admitirmos, na ausência de tábuas regionais de mortalidade, que a estrutura por sexo e idades da mortalidade em cada distrito corresponde à que caracteriza uma das “famílias” de tábuas-tipo de mortalidade de Prínceton — no nosso caso, o modelo Sul —15 e se admitirmos, ainda, que
72a) as populações em causa são aproximadamente estáveis
73b) a distribuição por idades da população migrante é estável; e que
74c) só os homens são migrantes,
75então já se torna possível, através de uma comparação entre as relações de masculinidade, por idades, na população observada e na população-modelo correspondente, proceder à estimativa do número de homens que faltam (ou sobram) em cada grupo de idades.
76Em termos gerais, e para cada idade x, se PMx e PFx são as populações presentes masculina e feminina, se RMTx é a relação de masculinidade correspondente na população modelo apropriada, e se Mx é o saldo migratório masculino, enquanto proporção dos sobreviventes até a idade x (presentes e ausentes) em cada coorte, então
77O quadro 3.3 apresenta uma estimativa do nível do saldo migratório masculino, por grandes grupos de idades, em cada um dos 17 distritos continentais em 1878. Os números foram calculados relacionando os efectivos presentes em cada grupo de idades com as relações de masculinidade correspondentes numa população modelo do modelo Sul de Prínceton (nível 5, R = 0,5%).16
78Como se pode observar no quadro, os níveis de emigração são muito mais elevados no Noroeste, mas em todos os distritos o seu nível é suficientemente elevado para introduzir distorções significativas em qualquer cálculo baseado (como o cálculo de SMAM) nas proporções observadas de solteiros.17
Quadro 3.4. Idade média ao casamento e intensidade do matrimónio, Portugal, 1878
Distrito | Mulheres | Homens | ||||
SMAM | IM | SMAM | SMAM* | IM | IM* | |
Aveiro | 27,2 | 75,3 | (27,7) | 29,7 | (87,0) | 62,9 |
Beja | 24,2 | 88,0 | 28,2 | (28,8) | 88,0 | (94,9) |
Braga | 27,5 | 70,3 | (28,0) | 30,0 | (86,5) | 62,4 |
Bragança | 26,5 | 79,5 | (29,6) | 30,1 | (82,4) | 81,5 |
Castelo Branco | 25,3 | 84,5 | (28,5) | 29,6 | (90) | 91,4 |
Coimbra | 27,5 | 79,2 | (29,3) | 30,5 | (89,2) | 72,1 |
Évora | 25,1 | 83,6 | 30,0 | (29,8) | 81,7 | (86,9) |
Faro | 24,5 | 90,1 | (27,7) | 28,8 | (91,5) | 85,9 |
Guarda | 26,0 | 83,4 | (28,8) | 30,2 | (88,9) | 85,6 |
Leiria | 27,6 | 87,3 | (30,1) | 30,3 | (89,7) | 82,5 |
Lisboa | 27,1 | 78,4 | 30,7 | (29,7) | 80,0 | (78,0) |
Portalegre | 24,7 | 86,9 | (28,9) | 29,0 | (87,1) | 87,0 |
Porto | 25,8 | 74,4 | (27,3) | 27,6 | (87,3) | 62,6 |
Santarém | 26,9 | 87,2 | (30,1) | 29,6 | (88,5) | 83,8 |
Viana do Castelo | 28,7 | 70,0 | (28,9) | 31,4 | (84,4) | 61,6 |
Vila Real | 27,3 | 74,4 | (29,6) | 31,1 | (80,4) | 74,5 |
Viseu | 27,3 | 74,1 | (29,4) | 30,9 | (84) | 70,3 |
79Estes resultados implicam, assim, que em condições como as referidas só será possível utilizar SMAM como estimativa da idade média de acesso ao casamento dos homens se a estrutura por idades e a intensidade das migrações for levada em conta. E isso só será possível se o postulado de ausência de migrações, ou pelo menos de migrações de solteiros, tiver sido substituído por algo mais realista.
80Se às três condições mencionadas anteriormente forem acrescentadas outras duas, a saber:
81d) só os solteiros participam nos movimentos migratórios; e
82e) os emigrantes não contraem matrimónio fora de sua região de origem,18
83já se torna possível relacionar o número de casados e viúvos (presentes) em cada grupo de idades com o número total de sobreviventes (presentes e ausentes) da mesma coorte, e obter uma estimativa do que teria sido a proporção de casados e viúvos se todos os solteiros estivessem presentes, ou seja, na ausência de movimentos migratórios. Estas proporções podem facilmente ser convertidas em proporções (corrigidas) de solteiros por grupos de idade, as quais, por sua vez, podem utilizar-se para o cálculo de SMAM pelo procedimento normal.
84Assim, para cada idade x, seja
CMx = homens casados (presentes)
VMx = homens viúvos (presentes)
PFx = população feminina (presente)
RMTx = relação de masculinidade teórica (cfr. acima), e
S’x = proporção de solteiros (presentes + ausentes) na coorte correspondente.
85Então
86S’x corresponde à proporção corrigida de solteiros à idade x, e pode ser utilizada no lugar de Sx na expressão n.° 1 (e suas adaptações) para calcular o valor corrigido de SMAM.
87O quadro 3.4 apresenta os resultados da aplicação deste método modificado de cálculo aos dados do Censo de 1878. Para fins de comparação foram incluídos também os valores não corrigidos.19 No caso deste censo, a = 11, b = 51 e
88Como se poderá observar, os valores corrigidos de SMAM são em quase todos os casos mais altos que os valores não corrigidos. As distorções produzidas pelas migrações em Portugal — pelo seu volume e pela estrutura por idades e estado matrimonial da população migrante — incidem directamente, e ao contrário do exemplo sueco examinado por Hajnal, sobre as proporções de solteiros, e traduzem-se, com o método convencional de cálculo, numa subvalorização de SMAM. A importância da distorção varia segundo a intensidade dos movimentos migratórios, mas reflecte também a idade e o estado matrimonial dos migrantes. Apesar das limitações óbvias do método, parece evidente que no contexto português, e no contexto mais geral da Península Ibérica, as suas condições de validade são menos irrealistas que as do método original e, em termos gerais, os resultados que produz são mais plausíveis. Quando se verificarem condições semelhantes às aqui descritas — níveis elevados de migração masculina, geralmente limitada aos solteiros, com incidência variável segundo a idade —, os resultados deste método serão mais satisfatórios, no que diz respeito à nupcialidade masculina, que os produzidos pelo método original de cálculo proposto por Hajnal.20 Mas o que estes resultados permitem sublinhar é, sobretudo, a importância de um princípio metodológico banal, mas que nem sempre é respeitado: o de que a validade dos resultados obtidos com métodos como o que foi desenvolvido por John Hajnal, ou como a versão modificada aqui proposta, estará sempre condicionada à verificação dos postulados que lhe serviram como ponto de partida.
IX
89Resolvido, em certa medida, o problema da influência da mortalidade e das migrações, resta o terceiro, e talvez o mais grave, dos problemas referidos acima: o problema da estabilidade dos comportamentos demográficos. Com efeito, o método de Hajnal pressupõe a estabilidade da população (taxas constantes de natalidade e mortalidade) e dos comportamentos matrimoniais (idade de casamento, celibato definitivo) durante, respectivamente, os 50 e os 35 anos anteriores ao recenseamento utilizado. Nestas condições, os resultados do cálculo referem-se não ao ano do recenseamento, mas aos 35 anos precedentes. Por conseguinte, e visto que o método pressupõe comportamentos estáveis durante todo esse período, não tem muito sentido utilizar o método para analisar as mudanças de comportamento entre recenseamentos. Quando muito, poder-se-ia utilizá-lo para analisar mudanças entre períodos de 35 anos, cada qual caracterizado por comportamentos estáveis.
90Todos os autores que analisaram recenseamentos sucessivos de finais do século XIX constataram, contudo, a existência de mudanças entre um recenseamento e outro. Visto que o intervalo máximo entre esses recenseamentos era de 14 anos, em rigor esses autores não poderiam descrever ou analisar essas mudanças nos comportamentos: podiam apenas constatar a existência de comportamentos instáveis, os quais, pelo simples facto de existirem, comprometiam à partida o método utilizado.21
91Nestas condições, torna-se necessário: primeiro, avaliar em que medida a existência dessas mudanças comprometeria irremediavelmente os resultados obtidos com o método de Hajnal; e depois, se possível, elaborar um método de cálculo alternativo que fosse aplicável em situações e períodos, como a de Portugal na segunda metade do século XIX, onde não teria cabimento o postulado da estabilidade dos comportamentos demográficos.
92O resto deste capítulo tem, nesse contexto, três objectivos: o de apresentar uma segunda modificação do método de Hajnal, que permite a caracterização, mesmo em períodos de mudança, dos comportamentos matrimoniais de uma geração a partir da análise de recenseamentos sucessivos; o de avaliar, à luz dos resultados obtidos com esse método longitudinal, a medida em que a ausência de estabilidade dos comportamentos compromete a validade dos resultados obtidos com o método transversal original; e o de apresentar uma caracterização completa e desagregada dos padrões de nupcialidade em Portugal na segunda metade do século XIX, com base na experiência matrimonial da geração (masculina e feminina) nascida em 1849, reconstituída a partir da análise conjunta dos recenseamentos de 1864, 1878,1890 e 1900.
X
93O método elaborado por John Hajnal para determinar a idade média ao casamento e o nível de celibato definitivo a partir das proporções de solteiros, por grupos de idades, registadas em qualquer recenseamento moderno pressupõe, como já se disse, a estabilidade dos comportamentos matrimoniais durante os 35 anos anteriores ao recenseamento em causa.22 Esse pressuposto é necessário porque as informações a respeito do estado matrimonial das pessoas registadas no censo dizem respeito a acontecimentos — casamentos, viuvez, recasamentos — que se verificaram em datas diferentes, consoante a idade actual das pessoas envolvidas. Só se torna possível considerar que o conjunto das situações resultantes representa um modelo de comportamento se se admitir que esse modelo se manteve estável ao longo de todo o período em que essas situações foram sendo definidas. Só se pode considerar, por exemplo, a situação matrimonial actual das mulheres que hoje têm 50 anos como representando o destino das que têm apenas 25, e a situação actual das mulheres de 25 anos como representando o passado das que hoje têm 50, se essas duas gerações tiverem carreiras matrimoniais idênticas, pelo menos no que diz respeito aos aspectos que são objecto de estudo. Por outras palavras, e simplificando, seria necessário que os comportamentos matrimoniais se tivessem mantido estáveis para que mães e filhas tivessem tido carreiras matrimoniais idênticas, e para que fosse legítimo reconstituir uma carreira matrimonial típica a partir da situação actual de umas e outras.
94O requisito da estabilidade deriva do facto de se procurar caracterizar um processo — a experiência matrimonial de uma geração — a partir de informações sobre a situação matrimonial em determinado momento de uma população composta de várias gerações. O método utiliza informações a respeito das experiências matrimoniais de gerações nascidas em anos sucessivos para reconstituir a carreira matrimonial de uma única geração — ou coorte — fictícia. A experiência das coortes sucessivas cuja situação actual é registada no censo é considerada como se fosse a experiência dessa coorte fictícia ao longo de toda a sua carreira matrimonial. Uma vez que a carreira matrimonial de uma coorte costuma, convencionalmente, iniciar-se aos 15 anos (quando se verificam os primeiros casamentos) e terminar aos 50 (idade a partir da qual os casamentos e recasamentos não têm mais efeitos sobre a fecundidade e o celibato pode ser considerado como definitivo), o período durante o qual os comportamentos teriam de se manter estáveis corresponde aos 35 anos durante os quais se definiria a carreira matrimonial da coorte fictícia.
95Numa situação em que os comportamentos matrimoniais estivessem, por qualquer razão, a mudar, a experiência das gerações mais antigas já não representaria o futuro das gerações mais novas e, inversamente, o comportamento actual das mais novas seria diferente da experiência das mais velhas. Uma trajectória hipotética construída a partir da experiência de gerações sucessivas já não corresponderia à experiência de qualquer uma delas. É só numa situação em que os comportamentos fossem estáveis que seria possível reconstituir a carreira matrimonial de uma ou mais gerações a partir de um único recenseamento.
96Mas se, por hipótese, tivesse havido recenseamentos anuais, seria possível seguir a trajectória de cada geração de recenseamento em recenseamento, e reconstituir a carreira matrimonial de uma geração a partir da situação das mesmas pessoas em anos sucessivos. Analisando as proporções de solteiras entre as mulheres de 15 anos no recenseamento de 1915, de 16 anos no de 1916 e, assim por diante, até chegar às mulheres de 50 anos no recenseamento de 1950, teria sido possível reconstituir a carreira matrimonial da geração — uma coorte real e não fictícia — nascida em 1900.
97Do mesmo modo, se tivesse havido recenseamentos quinquenais, teria sido possível reconstituir a trajectória de uma coorte quinquenal seguindo-a de recenseamento em recenseamento: as mulheres nascidas em 1896-1900 teriam 15-19 anos em 1915, 20-24 anos em 1920 e, assim por diante, até 1950, quando teriam 50-54 anos. Seria possível, deste modo, reconstituir a carreira matrimonial da coorte e calcular a idade média ao casamento e o nível de celibato definitivo correspondentes, sem que fosse necessário recorrer ao pressuposto, ou à ficção, da estabilidade dos comportamentos matrimoniais.
98Estaria, neste caso, a recorrer-se implicitamente a uma dupla interpolação para estabelecer a proporção de solteiros em cada idade: entre os anos centrais de cada grupo de idades, e entre um recenseamento e outro, para determinar a proporção de solteiros a cada idade. A natureza da operação pode ser tornada mais clara através de um exemplo hipotético. Imagine-se que houve recenseamentos quinquenais a partir de 1850 e que o acesso ao casamento se estava a tornar mais precoce. No recenseamento de 1850, as proporções de solteiras nos grupos de idades 15-19, 20-24 e 25-29 eram, respectivamente, 0,980, 0,750 e 0,500. No recenseamento seguinte, em 1855, essas mesmas proporções eram 0,900, 0,600, e 0,350. A utilização, no cálculo da idade média ao casamento, de proporções de solteiros por grupos de idades em vez das proporções por idades equivale à atribuição, a cada idade de um grupo, da média dos valores das idades desse grupo. Para recuperarmos o valor correspondente a cada idade, devemos efectuar uma interpolação entre os valores médios, referidos às idades centrais de cada grupo.23 No caso de estarmos a seguir os grupos quinquenais de um recenseamento quinquenal a outro, a atribuição ao grupo de idades 15-19 do valor 0,980 (de 1850) e ao grupo de idades 20-24 do valor 0,600 (de 1855) implica uma dupla interpolação. De facto, a trajectória da geração que, em 1850, tinha 17 anos e, em 1855 22 anos é representada pelos seguintes valores da proporção de solteiros: 0,980 aos 17 anos em 1850; 0,915 aos 18 anos em 1851; 0,845 aos 19 anos, em 1852; 0,769 aos 20 anos, em 1853; 0,687 aos 21 anos em 1854; e 0,600 aos 22 anos em 1855. O conjunto dos valores registados e os que resultam da dupla interpolação constituem a matriz representada no quadro 3.5.
Quadro 3.5. Proporções de solteiros por idades (análise longitudinal): parte de uma matriz de interpolações hipotética
Idades | Ano | |||||
1850 | 1851 | 1852 | 1853 | 1854 | 1855 | |
27 | 0,500 | 0,470 | 0,440 | 0,410 | 0,380 | 0,350 |
26 | 0,550 | 0,520 | 0,490 | 0,460 | 0,430 | 0,400 |
25 | 0,600 | 0,570 | 0,540 | 0,510 | 0,480 | 0,450 |
25 | 0,650 | 0,620 | 0,590 | 0,560 | 0,530 | 0,500 |
23 | 0,700 | 0,670 | 0,640 | 0,610 | 0,580 | 0,550 |
22 | 0,750 | 0,720 | 0,690 | 0,660 | 0,630 | 0,600 |
21 | 0,796 | 0,769 | 0,742 | 0,714 | 0,687 | 0,660 |
20 | 0,842 | 0,818 | 0,793 | 0,769 | 0,744 | 0,720 |
19 | 0,888 | 0,866 | 0,845 | 0,823 | 0,802 | 0,780 |
18 | 0,934 | 0,915 | 0,896 | 0,878 | 0,859 | 0,840 |
17 | 0,980 | 0,964 | 0,948 | 0,932 | 0,916 | 0,900 |
99Não havendo correspondência entre o número de anos em cada grupo de idades e os intervalos entre um recenseamento e outro, já não é possível efectuar a necessária interpolação de maneira implícita, e torna-se necessário fazê-la, como no exemplo, de maneira explícita. Isto exige, em primeiro lugar, que se obtenha a partir de cada um dos recenseamentos em causa, por interpolação entre os anos centrais dos respectivos grupos de idades, as proporções de solteiros a cada idade entre os 15 e os 50 anos. Em seguida, por interpolação linear entre recenseamentos, seria possível obter as proporções de solteiros em cada idade (entre os 15 e os 50) e em cada ano entre o primeiro e o último dos recenseamentos disponíveis.
100A partir da matriz assim obtida, e dentro de limites determinados pelas datas dos recenseamentos, seria possível seguir a trajectória matrimonial de uma ou mais gerações (masculinas ou femininas) entre os seus 15 e 50 anos e calcular, a partir das proporções de solteiros em cada idade, a idade média ao casamento e o nível do celibato definitivo.
101No caso de Portugal na segunda metade do século XIX, foram realizados a partir de 1864 quatro recenseamentos, a intervalos de, respectivamente, 14, 12 e 10 anos. Apesar de abrangerem um período de mais de 35 anos, e de permitirem em teoria o seguimento de uma geração ao longo de sua carreira matrimonial, os intervalos entre os recenseamentos são irregulares. Além disso, há diferenças entre um recenseamento e outro no que diz respeito à classificação por grupos de idades. Por essa razão, a análise tem de basear-se, explicitamente, numa dupla interpolação: entre as idades centrais dos grupos de idades e entre um recenseamento e outro.
102As gerações nascidas em 1849/1850 iniciaram a sua carreira matrimonial em 1864/1865 e terminaram-na em 1899/1900. Para qualquer delas, toda a carreira poderá, em princípio, ser reconstituída a partir de uma análise conjunta dos quatro recenseamentos disponíveis.24
XI
103Para levar a cabo esta análise foi desenvolvido um conjunto de programas de computador que,25 na sua versão actual, efectuam as seguintes operações:
leitura dos dados de cada recenseamento relativos à distribuição da população masculina e feminina por estado matrimonial e grupos de idades;
cálculo, para cada recenseamento (por interpolação linear entre as idades centrais de cada grupo de idades), da população por estado matrimonial e das proporções de solteiros, por idades, entre 0 e 80 e mais anos;
cálculo, para cada recenseamento (a partir das relações de masculinidade, por idades, de uma tábua-tipo de mortalidade cujos parâmetros — e0, taxa de crescimento — correspondem aos da população em questão), das proporções de solteiros corrigidas (para compensar as distorções introduzidas pelos movimentos migratórios);
cálculo, por interpolação linear entre os valores, por idades, correspondentes a cada um de uma série de recenseamentos sucessivos, dos números de solteiros, casados e viúvos, por idades, e das correspondentes proporções de solteiros (corrigidas e não corrigidas) que caracterizam a biografia colectiva e a carreira matrimonial da geração masculina e feminina nascida num ano determinado;
cálculo, a partir dessas proporções de solteiros, da idade média ao casamento, da intensidade do matrimónio, do celibato definitivo e — no caso da população masculina — do saldo migratório por idades correspondentes à experiência da geração em questão.
XII
104Este conjunto de instrumentos permite um confronto entre as idades médias de casamento calculadas pelo método original de Hajnal a partir da análise transversal do recenseamento de 1900 — idades que se referem, com o pressuposto da estabilidade dos comportamentos, ao período 1865-1899 — e as idades calculadas pelo método modificado longitudinal, que se referem à experiência concreta durante o período 1864-1898 da geração nascida em 1849. Esse confronto permitirá uma avaliação — pelo menos, no que diz respeito a Portugal na segunda metade do século XIX — da medida em que a instabilidade dos comportamentos matrimoniais compromete a validade de cálculos efectuados com o método original.
Quadro 3.6. Idade média ao casamento das mulheres, por distritos, 1864-1900 (métodos transversal e longitudinal)
Distrito | Método transversal (recenseamentos e períodos abrangidos) | Método longitudinal | |||
1864 | 1878 | 1890 | 1900 | ||
Aveiro | 27,2 | 27,2 | 25,7 | 25,1 | 27,0 |
Beja | 24,1 | 24,2 | 23,8 | 24,3 | 24,1 |
Braga | 27,1 | 27,5 | 25,6 | 24,9 | 27,2 |
Bragança | 25,3 | 26,5 | 26,1 | 26,1 | 26,5 |
Castelo Branco | 25,0 | 25,3 | 24,7 | 24,7 | 25,6 |
Coimbra | 26,8 | 27,5 | 26,1 | 25,7 | 27,4 |
Évora | 24,2 | 25,1 | 25,0 | 24,7 | 25,1 |
Faro | 23,8 | 24,5 | 23,9 | 24,0 | 24,2 |
Guarda | 25,5 | 26,0 | 25,4 | 24,7 | 25,5 |
Leiria | 26,5 | 27,6 | 26,4 | 24,4 | 27,1 |
Lisboa | 25,2 | 27,1 | 25,1 | 25,3 | 25,9 |
Portalegre | 23,4 | 24,7 | 23,2 | 23,8 | 23,9 |
Porto | 26,7 | 25,8 | 24,1 | 24,4 | 26,0 |
Santarém | 25,6 | 26,9 | 25,4 | 25,3 | 26,8 |
Viana do Castelo | 27,9 | 28,7 | 27,5 | 26,5 | 27,9 |
Vila Real | 26,5 | 27,3 | 26,8 | 25,7 | 27,4 |
Viseu | 27,0 | 27,3 | 26,7 | 26,3 | 27,4 |
Quadro 3.7. Idade média ao casamento dos homens, por distritos, 1864-1900 (métodos transversal e longitudinal)
Distritos | Método transversal (recenseamentos e períodos abrangidos) | Método longitudinal | |||
1864 | 1878 | 1890 | 1900 | ||
Aveiro | 29,7 | 29,7 | 27,3 | 25,7 | 28,5 |
Beja | 28,0 | 28,2 | 27,7 | 27,6 | 29,0 |
Braga | 29,8 | 30,0 | 27,2 | 25,5 | 28,9 |
Bragança | 28,0 | 30,1 | 30,4 | 29,2 | 29,6 |
Castelo Branco | 27,7 | 29,6 | 28,4 | 27,5 | 28,5 |
Coimbra | 29,1 | 30,5 | 29,7 | 28,7 | 29,8 |
Évora | 29,1 | 30,0 | 29,2 | 28,3 | 29,8 |
Faro | 28,6 | 28,8 | 28,7 | 27,7 | 29,2 |
Guarda | 28,0 | 30,2 | 29,5 | 31,1 | 30,7 |
Leiria | 29,0 | 30,3 | 29,3 | 29,3 | 30,3 |
Lisboa | 29,5 | 30,7 | 29,0 | 28,4 | 30,2 |
Portalegre | 27,2 | 29,0 | 26,8 | 27,2 | 28,4 |
Porto | 29,0 | 27,6 | 24,7 | 24,7 | 26,6 |
Santarém | 28,5 | 29,6 | 28,3 | 27,7 | 29,6 |
Viana do Castelo | 29,7 | 31,4 | 29,0 | 28,9 | 29,7 |
Vila Real | 29,5 | 31,1 | 31,0 | 27,1 | 30,2 |
Viseu | 29,3 | 30,9 | 30,9 | 28,9 | 30,3 |
105Antes, contudo, de proceder a esse confronto convirá estabelecer até que ponto houve de facto, nesse período, mudanças significativas nos comportamentos matrimoniais. Os quadros 3.6 e 3.7 apresentam os valores da idade média ao casamento de mulheres e de homens, por distritos, calculados a partir dos recenseamentos de 1864, 1878,1890 e 1900 pelos métodos transversal e longitudinal.
106Conforme se depreende dos dois quadros, as variações entre um recenseamento e outro nas proporções de solteiros por grupos de idades foram suficientes para produzir diferenças às vezes consideráveis no resultado do cálculo da idade média ao casamento pelo método transversal. Em relação às mulheres, nove distritos apresentam diferenças superiores a um ano, dois dos quais com uma diferença superior a dois anos. Em relação aos homens, a diferença é superior a um ano em catorze distritos (e superior a três anos em dois). Não parece haver como escapar à conclusão de que o pressuposto da estabilidade dos comportamentos matrimoniais é importante não apenas em teoria, como também na prática: em períodos de mudança social, a instabilidade dos comportamentos compromete de facto bastante seriamente a utilização, para o cálculo da idade média ao casamento, do método transversal de Hajnal.26
XIII
107Torna-se necessário, por conseguinte, recorrer a uma análise longitudinal para ensaiar uma caracterização adequada da nupcialidade da população portuguesa na segunda metade do século XIX. Os mapas 3.1 a 3.7, assim como o quadro A.1 (em apêndice), apresentam, por distritos e por concelhos, os resultados de uma análise da carreira matrimonial da geração nascida em 1849, abrangendo o período 1864-1899.27
108Para cada concelho,28 apresentam-se estimativas da idade média de acesso ao casamento, da intensidade do matrimónio e do celibato definitivo de homens e mulheres, bem como do saldo migratório masculino aos 50 anos, que é um indicador da emigração diferencial masculina.29
109Como se depreende dos mapas respectivos, quatro das variáveis incluídas nesta análise apresentam-se de forma nitidamente regionalizada. Trata — se das duas variáveis relativas à nupcialidade feminina, mais a intensidade do matrimónio dos homens e a emigração diferencial masculina aos 45-54 anos. Duas variáveis, a idade média ao casamento dos homens e o celibato definitivo masculino, não apresentam, pelo contrário, qualquer configuração regional, excepto no que se refere a algumas zonas localizadas, como — em relação a ambas as variáveis — a área de influência do Porto e a Beira Baixa, como a zona do Alto Douro em relação à idade ao casamento, ou como Trás-os-Montes e o litoral alentejano em relação ao celibato definitivo.
110O quadro 3.8 apresenta a matriz de correlações entre as seis variáveis, bem como as correlações parciais entre as cinco variáveis que dizem respeito directamente aos comportamentos matrimoniais (controlada a variável relativa à emigração diferencial masculina). Como se pode depreender das correlações apresentadas, e das diferenças entre as duas matrizes, o sistema matrimonial português na segunda metade do século XIX encontra-se estruturado por dois factores. Na primeira matriz, que inclui a variável relativa à emigração diferencial masculina, encontramos dois conjuntos de variáveis, parcialmente independentes um do outro. Por um lado, temos as duas variáveis relativas à nupcialidade feminina (idade média de casamento e celibato definitivo), que se encontram fortemente correlacionadas com a intensidade do casamento dos homens e com a emigração diferencial masculina. Por outro lado, temos a idade ao casamento dos homens e o celibato definitivo masculino. Duas variáveis (a emigração diferencial masculina e a idade ao casamento das mulheres) relacionam-se com ambos os conjuntos. A segunda matriz, que contém as correlações parciais entre as variáveis que se referem à nupcialidade no sentido mais restrito, mostra até que ponto as relações traduzidas pela primeira matriz reflectem a influência da emigração diferencial masculina (e, por conseguinte, dos seus efeitos sobre o mercado matrimonial), bem como dos factores socioeconómicos que lhe estão subjacentes.30 Nesta segunda matriz, que em termos muito aproximativos poderemos talvez considerar como correspondente aos factores culturais e regionais subjacentes à nupcialidade,31 encontramos relações mais estreitas entre a idade média ao casamento de homens e de mulheres e entre o celibato definitivo masculino e feminino. Há uma relação mais ténue, mas sempre muito significativa, entre a idade ao casamento das mulheres e o celibato definitivo (e a intensidade do casamento) masculino, e entre a idade ao casamento dos homens e o celibato definitivo feminino.32
Quadro 3.8. Nupcialidade em Portugal continental na segunda metade do século XIX, 1864-1899 (matrizes de correlações)
111Correlações simples
SMAM (F) | CD (F) | IM (M) | MIG50 | SMAM (M) | CD (M) | |
SMAM (F) | 1,000 | |||||
CD (F) | 0,562 | 1,000 | ||||
IM (M) | -0,585 | -0,868 | 1,000 | |||
MIG50 | -0,609 | -0,766 | 0,826 | 1,000 | ||
SMAM (M) | 0,450 | • | • | • | 1,000 | |
CD (M) | • | • | • | 0,557 | 0,251 | 1,000 |
112Correlações parciais (com MIG50 controlada)
SMAM (F) | CD (F) | IM (M) | SMAM (M) | CD (M) | |
SMAM (F) | 1,000 | ||||
CD (F) | • | 1,000 | |||
IM (M) | • | -0,651 | 1,000 | ||
SMAM (M) | 0,703 | 0,334 | • | 1,000 | |
CD (M) | 0,298 | 0,661 | -0,744 | • | 1,000 |
XIV
113Numa perspectiva comparada e em relação ao contexto europeu a nupcialidade portuguesa caracteriza-se pela diversidade das situações regionais configuradas por este conjunto de variáveis. Mas antes de tentar uma rápida caracterização dessas situações, convirá examinar o comportamento de cada uma das variáveis e tentar situar os valores observados dentro de um contexto comparativo.
114Os valores mais baixos da idade média ao casamento das mulheres (22,2 a 24,4 anos) são relativamente baixos no contexto europeu, mas a média (26,1 anos) é elevada e registam-se algumas idades excepcionalmente altas, como em Oliveira de Frades (30,0), Montalegre (30,6) ou Vila de Rei (30,8). Os contrastes observados no continente português entre estes valores e os valores mínimos de Alcácer do Sal e Campo Maior (22,2) ou de Coruche (22,5) não têm paralelo a nível europeu nesta época, sobretudo tendo em consideração as reduzidas dimensões do país. Do mesmo modo há uma enorme variação no nível do celibato definitivo feminino. A média dos valores concelhios (18,7% de solteiras aos 50 anos) é bastante elevada em termos europeus, mas encontram-se valores muito baixos — Cadaval (5,9%), Lourinhã (6,0%), Mértola, Azambuja e Cartaxo (6,5%) — ao lado de valores extremamente elevados — Terras de Bouro (35,8%), Paços de Ferreira (36,6%) e Montalegre (39,7%). Se, em termos globais, a nupcialidade feminina em Portugal nesta época é relativamente restrita, a extrema variedade de situações regionais limita o alcance de qualquer análise global.
115A nupcialidade masculina, por outro lado, apresenta-se com algumas características específicas. A idade média ao casamento dos homens é em geral muito elevada, com uma média dos valores concelhios de 29,5 anos e com valores acima dos 30 anos em mais de um terço dos concelhos. Mesmo os valores mais baixos (24,3 a 28,0 anos) são bastante elevados em termos europeus. O celibato definitivo masculino, pelo contrário, é em geral pouco significativo, com um valor médio de 11,1% de solteiros aos 50 anos. Quase todos os valores situados acima dessa média encontram-se em Trás-os-Montes e no Alentejo, com uma concentração dos valores mais elevados (acima de 15,8%) na Terra Fria transmontana e no litoral alentejano. Mas em geral nem a idade média ao casamento dos homens nem o celibato definitivo masculino se apresentam de maneira fortemente regionalizada.
116A emigração diferencial masculina, pelo contrário e como seria de esperar atendendo à sua associação com a agricultura camponesa,33 é um fenómeno que apresenta uma nítida configuração regional, com os seus valores mais elevados no Minho e na parte ocidental das Beiras e de Trás-os-Montes. Estas são as zonas que tradicionalmente forneciam um grande contingente de emigrantes, na sua maioria solteiros, para o Brasil. Só nas últimas décadas do século XIX, com o início da emigração em massa, começou a haver um maior equilíbrio entre os sexos e uma diversificação das origens dos emigrantes para o Brasil [Rowland, 1992]. Mas no período a que esses dados dizem respeito continuava a predominar o modelo tradicional, com a sua forte concentração no Noroeste e com as suas mais que evidentes consequências sobre o mercado matrimonial.
XV
117Uma leitura simultânea dos mapas, por outro lado, permite uma breve caracterização das diferentes situações regionais (e sub-regionais) configuradas pelo conjunto das variáveis relativas à nupcialidade.
118No Minho, a nupcialidade feminina é extremamente restrita, com idades de casamento elevadas (por vezes muito elevadas) e com valores muito altos do celibato definitivo. A nupcialidade masculina é aqui igualmente restrita, embora apresente características específicas. As idades médias de casamento são bastante variadas, havendo valores altos e muito baixos. O celibato definitivo masculino apresenta valores baixos, mas os elevados níveis de emigração diferencial masculina acabam por fazer com que a intensidade do matrimónio seja também baixa. Trata-se, por outras palavras, de um regime de nupcialidade restrita cujos mecanismos são diferentes consoante os sexos: em relação às mulheres, o acesso ao matrimónio é limitado quer por uma idade média ao casamento elevada, quer por altos níveis de celibato definitivo; em relação aos homens, o mecanismo fundamental é a emigração diferencial, cujos níveis muito elevados criam um mercado matrimonial bastante favorável para os que permanecem. Assim se explica que possam coexistir idades de casamento muito elevadas para as mulheres e às vezes bastante mais baixas para os homens, e que ao mesmo tempo seja relativamente baixa a proporção de solteiros.
119Na parte ocidental da Beira, encontramos uma situação muito parecida com a do Minho, com uma nupcialidade feminina muito restrita e com uma nupcialidade masculina igualmente restrita. Nesta, porém, elevados níveis de emigração diferencial traduzem-se numa muito baixa intensidade do matrimónio masculino, mas permitem, através dos seus efeitos sobre o mercado matrimonial, níveis baixos de celibato definitivo e — em algumas zonas — um acesso relativamente precoce dos homens ao matrimónio.
120Na zona à volta do Porto, e provavelmente devido à influência desse centro urbano sobre o mercado matrimonial, a situação é ligeiramente diferente. O modelo da nupcialidade masculina é semelhante ao que encontramos no Minho ou na Beira ocidental, mas a idade média ao casamento das mulheres é mais baixa que nessas duas regiões e há concelhos em que o celibato feminino é também mais baixo.
121Em Trás-os-Montes, encontramos situações diferenciadas. A nupcialidade é muito restrita para ambos os sexos nas zonas mais a norte, bastante menos nas zonas mais a sul, com uma pequena zona no Alto Douro onde as idades médias de casamento de homens e de mulheres são muito baixas. Sobretudo no distrito de Bragança, a emigração diferencial masculina tem uma importância muito mais reduzida que no Noroeste, pelo que esse modelo de nupcialidade restrita coexiste com um mercado matrimonial menos desequilibrado e se aplica a ambos os sexos através dos mecanismos clássicos de uma elevada idade ao casamento e de níveis muito significativos de celibato definitivo.
122No resto do Norte Interior, as situações são igualmente variadas. O distrito da Guarda assemelha-se bastante a Trás-os-Montes, embora com níveis baixos de emigração diferencial e de celibato definitivo e um modelo de nupcialidade muito menos restrito, sobretudo no que diz respeito à intensidade do matrimónio masculino. Essas tendências acentuam-se na Beira Baixa, onde vamos encontrar valores baixos ou muito baixos da idade média ao casamento e do celibato definitivo para ambos os sexos, e um modelo de nupcialidade que dificilmente se poderá qualificar de restrito.
123Na Estremadura, por outro lado, embora com algumas excepções, encontramos um modelo de nupcialidade restrita baseado no acesso tardio ao casamento para ambos os sexos, em níveis bastante baixos de celibato — excepto, no que diz respeito aos homens, na zona mais próxima de Lisboa — e em valores baixos ou negativos para a emigração diferencial masculina.34 No vale do Tejo a situação da nupcialidade masculina é bastante variada, mas os valores da idade ao casamento das mulheres e do celibato definitivo feminino são baixos ou muito baixos. No Alentejo, também, a nupcialidade feminina é relativamente intensa, com excepção da zona à volta de Évora, onde a idade ao casamento e o celibato apresentam valores excepcionalmente altos para o Sul do país. Em relação aos homens a situação é mais variada, com uma nupcialidade geralmente restrita, embora com idades de casamento e níveis de celibato mais baixos nos concelhos raianos, e com uma mancha de altos níveis de celibato no litoral alentejano. No Algarve, a nupcialidade feminina é relativamente intensa (excepto em Monchique), enquanto a masculina é bastante mais variada.
XVI
124O que mais ressalta dessa breve análise é talvez a diversidade das situações configuradas pela combinação das variáveis relativas à nupcialidade. Em amplas zonas do país, sobretudo a norte do Tejo, encontramos um modelo de nupcialidade restrita, mas os mecanismos que lhe estão subjacentes não são sempre os mesmos. Em algumas zonas, e em particular no Noroeste, níveis muito altos de emigração diferencial masculina desequilibram o mercado matrimonial e permitem a coexistência de uma nupcialidade relativamente mais intensa para os homens que ficaram e de uma nupcialidade muito restrita para as mulheres. Mais para o interior, nos distritos de Vila Real, Bragança, Viseu e Guarda, os níveis progressivamente mais baixos de emigração diferencial impõem um modelo de nupcialidade mais equilibrado, que na faixa raiana (e sobretudo na Beira Baixa) se torna também menos restrito. Na Estremadura, o mecanismo regulador passa a ser sobretudo a idade ao casamento, enquanto no Alentejo e Algarve parece predominar um modelo regulado predominantemente pelo celibato.
125Seria evidentemente impossível tentar explicar esta variedade de situações com base nas informações fornecidas por estes recenseamentos. A questão que imediatamente se coloca é a da relação que possa existir entre estes diferentes modelos de acesso controlado ao matrimónio (e à fecundidade legítima) e o sistema familiar, com os respectivos mecanismos subjacentes ao processo de formação dos agregados domésticos. É uma questão que pode ser abordada apenas para um período mais recente, como se verá no capítulo seguinte. Mas mesmo admitindo que seja legítimo tentar combinar uma análise da nupcialidade no século XIX com uma análise das estruturas familiares em meados do século XX,35 resta a questão fundamental, já abordada no capítulo anterior: só uma análise à escala local, em que seja possível levar em conta um leque diversificado de variáveis, poderá alguma vez esclarecer o contexto socioeconómico e cultural das variações observáveis nos comportamentos demográficos.
Notes de bas de page
1 Os estudos de reconstituição de famílias publicados por Norberta Amorim, por exemplo [1973; 1980; 1983/84; 1987; 1992], incluem referências aos resultados de alguns estudos locais franceses. Mas para efectuar uma análise comparada seria preciso definir e justificar os termos de comparação, e é isso que em geral não tem sido feito, mesmo nos casos em que a análise dos dados locais portugueses é bastante desenvolvida. Cfr., entre outros, Cascão, 1989, pp. 102-146.
2 Cfr. acima, capítulo 2, secção VI. Os autores propuseram a aplicação deste esquema a Portugal em Nazareth e Sousa, 1981: 317-324; cfr. Nazareth e Sousa, 1983: 5-12.
3 Neste artigo Nazareth conclui que em finais do século XIX já não existiam no Sul do país vestígios do modelo demográfico do Antigo Regime, enquanto no Norte “é bem clara a permanência [do modelo], se bem que já em fase adiantada de mutação” [1983: 409].
4 Desse programa também fazia parte um estudo sobre padrões de recasamento em Portugal e Espanha em finais do século XIX, que deu origem a dois trabalhos, por Álvaro Ferreira da Silva e por Fernando Vieira da Silva e Maria Paula Diogo, respectivamente, apresentados no I Congresso Hispano-Luso-Italiano de Demografia Histórica, Barcelona, 1987.
5 As secções II a VIII deste capítulo retomam o essencial de uma comunicação apresentada ao XX Congresso da União Internacional para o Estudo Científico da População, Florença, 1985, e inicialmente publicada em espanhol [Rowland, 1987b], com exemplos relativos ao conjunto da Península ibérica.
6 Por essa razão, quando se utilizam censos ou documentos análogos, o cálculo separado da idade de acesso ao casamento e da sua intensidade é preferível, em estudos de demografia histórica, à utilização de índices sintéticos de nupcialidade como o Im de Prínceton. Em casos onde a análise tem como objecto a nupcialidade feminina e as suas relações com níveis de fecundidade, índices como Im podem evidentemente ser mais apropriados. Mas quando se pretende uma caracterização dos comportamentos matrimoniais, ou relacionar pautas de nupcialidade com sistemas de formação de agregados domésticos e seus contextos sociológicos, uma abordagem mais analítica é preferível.
7 Para uma análise mais desenvolvida das implicações desse pressuposto, ver adiante, neste capítulo, secções XII a XIV.
8 Hajnal não dá qualquer explicação para esta designação, mas do contexto poderá inferir-se que o termo singulate se destina a distinguir entre SMAM, que sob certas condições corresponde à média, mas que não foi calculada como tal, e a média efectiva das idades dos noivos no primeiro casamento, que poderia ser calculada com base nos dados do registo civil ou eclesiástico (registo de casamentos, com indicação de idades; ou cruzamento entre registos de casamento sem indicação de idades e os correspondentes registos de nascimento ou baptismo).
9 Na segunda destas expressões, a é a idade inicial do primeiro grupo de idades que contiver casados ou viúvos. Se os grupos tiverem sido definidos de outro modo (por exemplo 16-20, 21-25, etc., como no recenseamento português de 1878), a fórmula deverá ser modificada em conformidade.
10 Cfr. a caracterização da mortalidade regional espanhola nos séculos XVIII e XIX em Dopico e Rowland [1990] e em Dopico [1987], respectivamente.
11 Nos gráficos e na análise correspondente é feita referência a uma idade b, indefinida mas inferior à idade mínima de acesso ao matrimónio. Isto é devido a que por vezes, quando a população infantil é excluída do registo (como na maior parte dos róis de confessados), ou quando há sub-registo da população infantil, a análise só deverá ter em conta a população a partir de determinada idade. Quando se utilizam róis de confessados portugueses, por exemplo, b terá o valor de 8 ou 15, consoante se inclua ou não no cálculo os “menores de confissão”.
12 Em ambos os casos, SMAM corresponde ao valor de Am numa situação imaginária em que a taxa de crescimento fosse nula e a esperança de vida infinita.
13 Trata-se dos valores que aparecem na linha superior de cada parte do quadro 3.2.
14 As equações determinaram-se do modo seguinte: para cada sexo foram geradas, por computador, mil combinações aleatórias mas realistas de Am e das restantes variáveis. Através de uma regressão múltipla e posterior ajustamento iterativo de funções, determinaram-se as duas equações, procurando simplificar a função inicial (que optimizava o ajustamento mas continha mais de 20 coeficientes) sem comprometer a sua capacidade preditiva. No final o erro padrão das equações tinha sido reduzido para 0,15 anos no caso das mulheres e a 0,12 anos no dos homens. Apesar de as fórmulas serem pouco elegantes, permitem uma estimativa aceitável da idade média de acesso ao matrimónio mesmo quando a estrutura por idades da população é desconhecida, e sem que seja necessário recorrer directamente à estrutura por idades de uma população-modelo. Por sua ajuda e sugestões em relação à determinação das equações, gostaria de agradecer a Maria Salomé Castelo Branco.
15 Conforme foi demonstrado no estudo já citado de Fausto Dopico [1987], nos anos 1860 o modelo Sul de Prínceton aplica-se não só à população espanhola no seu conjunto como também à população de cada uma das províncias continentais. Não parece descabido aplicá-lo também à população dos distritos portugueses na segunda metade do século XIX.
16 Apesar de nem os níveis de mortalidade nem as taxas de crescimento terem sido iguais em todos os distritos, as variações nestes parâmetros têm um efeito reduzido sobre as relações de masculinidade nos grupos de idades em causa, e os números do quadro estão muito próximos dos que resultariam de um cálculo com parâmetros variáveis conforme o distrito. Em distritos onde a mortalidade é mais severa — essencialmente no Sul —, o nível da emigração terá sido ligeiramente sobrevalorizado, mas a estrutura por idades da migração não terá sido afectada. Os parâmetros referidos correspondem aos que foram calculados para o conjunto da população continental por Elizabeth Reis [1987: 179].
17 Os números sugerem que nos distritos de Beja, Évora e Lisboa uma parte significativa dos migrantes tenha sido constituída por homens casados. Numa tal situação, a utilização do método original de cálculo (que equivale a pressupor que a proporção de solteiros, por idades, seja igual na população migrante e não migrante) poderá produzir uma estimativa realista da idade ao casamento. Na interpretação dos números, convém ter em atenção que cada grupo de idades no Censo de 1878 corresponde a uma coorte diferente e que a combinação dos saldos migratórios dos diferentes grupos de idades não corresponde a qualquer modelo migratório. Só uma análise longitudinal (cfr. adiante) poderia permitir a caracterização de modelos migratórios.
18 O casamento de emigrantes, em si, não invalida o cálculo. Mas neste caso o emigrante não deverá retornar à sua região de origem, e o seu casamento não será levado em conta no cálculo do valor corrigido de SMAM, que corresponderá, por conseguinte, à idade média de acesso ao matrimónio dos não migrantes em cada região.
19 Inexactidões na declaração de idades traduziram-se nalguns casos numa inadmissível redução na proporção de casados/ as e viúvos/ as entre um grupo de idades e o seguinte. Esta incoerência foi corrigida utilizando a média das proporções de casados e viúvos nos grupos de idades em questão. Em relação a todos os distritos, os valores corrigidos foram calculados com base numa mortalidade de nível 5 e uma taxa de crescimento (R) de 0,5%. Em alguns casos, esta simplificação poderá ter produzido um erro não superior a 2% do valor de S’x. De qualquer modo, o valor corrigido de SMAM é muito robusto em relação às variações no nível de mortalidade e na taxa de crescimento: o efeito cumulativo de um erro de 0,5% emRede5 anos em e0 (F) de apenas um mês para mais ou para menos no valor corrigido de SMAM.
20 Este método corrigido foi utilizado com êxito por Elizabeth Reis na sua tese [1987], onde pôde mostrar como em relação aos recenseamentos de 1864 e 1878 os resultados obtidos, mesmo ao nível concelhio, são muito mais coerentes que os obtidos pelo método original. O método foi também testado com dados regionais italianos por Rettaroli [1987], mas os seus pressupostos revelaram-se desajustados às características dos movimentos migratórios italianos.
21 Cfr. Nazareth, 1983, e Reis, 1987. Nazareth analisou os recenseamentos sucessivos numa perspectiva explícita de análise da mudança, e concluiu (p. 409) ter havido, entre 1864 e 1890, um recuo generalizado na idade média ao casamento de ambos sexos, acompanhado de alterações significativas no celibato definitivo. Também Elizabeth Reis interpreta as diferenças entre os valores calculados com base num e noutro recenseamento como indicações de mudança nos comportamentos, mas privilegia a dimensão espacial e sublinha a estabilidade de padrões regionais.
22 O método exige apenas que se saiba a proporção de solteiros em cada idade entre os 15 e os 54 anos. O cálculo também é possível, com uma pequena margem de erro, quando só se dispõe das proporções de solteiros por grupos de idades. Neste caso, as proporções por idades são obtidas implicitamente por interpolação entre os anos centrais dos grupos de idades em questão, e a margem de erro tende a aumentar consoante os grupos de idades forem mais amplos. Hajnal calculou, como vimos acima, que a utilização de grupos de idade quinquenais — que é o caso mais frequente — acarreta uma margem de erro de +/-um mês no cálculo da idade média ao casamento.
23 Cfr. a primeira e a última coluna da matriz reproduzida no quadro 3.4. Na ausência de informações acerca da forma da função — seguramente não linear — que representa o acesso ao matrimónio por idades, a interpolação linear entre os anos centrais de grupos de idades sucessivos constitui uma aproximação aceitável.
24 Costuma calcular-se o celibato definitivo (proporção de solteiros aos 50 anos) a partir da média das proporções de solteiros nos dois grupos de idades 45-49 e 50-54, o que em rigor exigiria que a informação estivesse disponível até 1903/1904 e tornaria necessária a inclusão na análise do recenseamento de 1911. Mas neste caso a lacuna tem pouca importância e pode ser preenchida por extrapolação a partir dos recenseamentos de 1890 e 1900. Do mesmo modo, seria possível recorrer à extrapolação para reconstituir a carreira matrimonial de gerações anteriores ou — enquanto não for utilizado o recenseamento de 1911 — posteriores.
25 Esse conjunto de programas teve como ponto de partida o programa MIGSMAM (cuja primeira versão fora escrita, nos tempos heróicos de 1983, para um microcomputador Sinclair Spectrum 48K…) que calculava a idade média ao casamento, corrigindo as distorções produzidas pelos movimentos migratórios, a partir dos dados e dos grupos de idades utilizados no recenseamento de 1878 e de uma das tábuas-tipo de mortalidade de Prínceton. Versões sucessivas contemplaram: variações na definição dos grupos de idades dos recenseamentos; valores intermédios dos níveis de mortalidade das tábuas de Prínceton e das taxas de crescimento correspondentes às populações-modelo; e a criação, a partir de uma sequência de recenseamentos — mesmo com intervalos irregulares —, de um único “recenseamento longitudinal”, que reflecte a mortalidade, as migrações e os comportamentos matrimoniais de uma geração determinada ao longo da sua existência.
26 Uma leitura atenta dos quadros 3.5 e 3.6 revela que as diferenças entre os valores calculados pelo método longitudinal e os obtidos pelo método convencional com base no recenseamento de 1878 são bastante menos significativas. Isto deve-se a que as mudanças produzidas durante o período em causa parecem dizer respeito menos à intensidade do matrimónio (à proporção de cada geração que se casa) que ao seu calendário (à idade de casamento). Situando-se esta entre os 25 e os 30 anos, verifica-se que a maior parte dos casamentos de membros da geração nascida em 1849 ter-se-á concentrado nos anos 1874-1879, e reflectido nas proporções de solteiros do recenseamento de 1878. Eventuais mudanças na idade ao casamento (ou pelo menos na idade modal ao casamento) posteriores a 1878 não se reflectem na experiência da geração nascida em 1849. Isto implica, de um modo muito empírico e aproximativo, que, na ausência de mudanças significativas na intensidade do matrimónio, a idade média ao casamento calculada pelo método convencional traduz, mesmo em períodos de instabilidade de comportamentos, a experiência da geração nascida cerca de 25 anos antes e que, nestes termos muito limitados, análises transversais sucessivas podem servir para uma caracterização aproximativa de mudanças nos comportamentos matrimoniais. Devido ao método de cálculo, no entanto, eventuais mudanças na intensidade do matrimónio comprometeriam irremediavelmente a utilização, mesmo nestes termos aproximativos, do método transversal.
27 Os mapas, que têm como base os limites dos concelhos em 1960 cartografados por Manuel Guimarães para o Centro de Estudos de Economia Agrária do Instituto Gulbenkian de Ciência, foram realizados com o programa francês de cartografia estatística LOGICARTE. Os intervalos foram determinados com base na média e no desvio-padrão dos valores concelhios para cada variável. Os valores mais altos e mais baixos correspondem, assim, a valores que se situam a mais de um desvio-padrão por cima e por baixo da média.
28 A harmonização dos dados de quatro recenseamentos exigiu a agregação das populações dos seguintes concelhos, que no quadro A.1 são assinalados com dois asteriscos: Aveiro: Arouca + Feira; Beja: Moura + Serpa; Odemira + Ourique; Bragança: Bragança + Macedo de Cavaleiros; Castelo Branco: Castelo Branco + São Vicente da Beira; Coimbra: Arganil + Penacova + Tábua; Oliveira do Hospital + Seia [Guarda]; Évora: Estremoz + Monforte [Portalegre]; Guarda: Almeida + Celorico da Beira + Figueira de Castelo Rodrigo + Fornos de Algodres + Gouveia + Pinhel + Sabugal + Trancoso; Seia + Oliveira do Hospital [Coimbra]; Leiria: Alcobaça + Pederneira; Alvaiázere + Ansião + Figueiró dos Vinhos; Caldas da Rainha + Óbidos; Porto de Mós + Torres Novas [Santarém]; Lisboa: Cascais + Oeiras; Lisboa + Belém + Olivais; Grândola + Santiago de Cacém; Portalegre: Monforte + Estremoz [Évora]; Porto: Bouças + Porto; Santarém: Abrantes + Mação; Golegã + Santarém; Torres Novas + Porto de Mós [Leiria]; Vila Real: Boticas + Ribeira de Pena; Mondim de Basto + Vila Real; Murça + Valpaços; Viseu: Armamar + Castro Daire + Lamego + Mondim da Beira + Tarouca; Carregal do Sal + Santa Comba Dão + Tondela; Moimenta da Beira + São João da Pesqueira + Sernancelhe + Tabuaço. Gostaria de reiterar aqui o meu agradecimento a Elizabeth Reis, que generosamente me facultou os dados dos quatro recenseamentos já harmonizados por forma a permitir a sua análise conjunta.
29 Segundo a metodologia descrita acima, a intensidade do matrimónio e o celibato definitivo masculinos foram calculados a partir do número de sobreviventes da coorte inicial, incluindo os ausentes. Cada um desses indicadores, referidos aos 50 anos, foi calculado a partir dos valores observados/interpolados para o grupo de idades 45-54. A aplicabilidade do método de correcção das distorções produzidas pelas migrações dependerá, como já se disse, da direcção e intensidade dos movimentos migratórios e da distribuição por idades da população migrante. O quadro apresenta os valores corrigidos e não corrigidos, com a indicação dos que mais bem se ajustam ao perfil migratório de cada concelho. O mapa 3.3 indica os concelhos em que os valores foram corrigidos para ter em conta os efeitos das migrações.
30 Caberá notar, a este propósito, que no Sul do país, onde os níveis de emigração diferencial são mais baixos, a intensidade do matrimónio reflecte a incidência do celibato definitivo; no Norte, pelo contrário, os elevados níveis de emigração fazem com que sejam estes, mais que o celibato definitivo, a determinarem a intensidade do matrimónio masculino e a sua configuração regional.
31 Na medida em que a emigração diferencial masculina se apresenta como o elemento predominante na estruturação regionalmente diferenciada do mercado matrimonial e, ao mesmo tempo, como consequência de todo um conjunto de factores socioeconómicos que também influem sobre a nupcialidade, a segunda matriz representa o que se poderá talvez designar como estruturação interna do regime de nupcialidade.
32 Para cada sexo, as correlações entre a idade ao casamento e o celibato definitivo são menos significativas (p > 0, 01).
33 Cfr. a análise das relações entre emigração diferencial, economia camponesa e estrutura familiar no cap. 4, adiante.
34 Nos concelhos mais próximos de Lisboa, e na zona de Caldas da Rainha, Óbidos e Peniche, verifica-se uma imigração masculina, ou talvez uma emigração diferencial de mulheres solteiras. Só estudos mais específicos e localizados permitiriam, contudo, esclarecer a questão.
35 Cfr., no próximo capítulo, os mapas 4.15 a 4.21, que parecem justificar uma posição relativamente optimista a este respeito.
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