Introdução
p. 167-176
Texte intégral
Senhor Ministro da Instrução Pública,
Senhores Reitores da Universidade do Porto,
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Do sobrenatural na medicina popular portuguesa
1Sem dúvida o povo considera a doença muitas vezes, como é justo, devida a causas naturais, e portanto curável ou combatível do mesmo modo. Esta noção da doença provém-lhe da experiência secular, da tradição da Antiguidade, e do contacto, em todos os tempos, com os médicos, de cuja lição colhe observações, que interpreta e aplica a seu jeito. Aqui pertence o curandeiro ou curão, o mezinheiro, o charlatão, o dentista de feira, o endireita, alguns deles bastante satirizados na literatura. A prática da sangria existe há muito também no povo, e assim se originou o barbeiro-sangrador, por vezes metido a receitar e a operar.
2Contudo, ao lado da medicina física, ou medicina propriamente dita, já independente dela, já de mistura, domina nas classes incultas, e em muitas que se apregoam por cultas, a medicina sobrenatural, tanto no que respeita à diagnose e à etiologia, como à patogenia e à terapêutica. Paralelamente aos medicastros de que acabo de falar, temos agora o soldador, a benzedeira, o menino virtuoso e quejandas personagens. Ninguém se admirará de que isso aconteça num povo católico e crente.
3Não ouve ele todos os dias tocar o sino, que o manda rezar de manhã, ao meiodia e à noitinha, que lhe abre a porta da igreja, para a missa, para a novena, para a festa, que o convida a acompanhar o Senhor fora, ou a ir ao cemitério ouvir os responsos com que o abade encomenda a Deus eterno uma alma que partiu para o Outro Mundo? Não o confessa o mesmo abade, não lhe prega do Céu e do Inferno? Não o abençoa, não o excomunga? Não há em cada casa painéis que patenteiam milagres e glórias de martírios, livros de orações, hagiológios, a Bíblia?
4Por outro lado o Português, como herdeiro de tantas civilizações que desde eras remotíssimas se sucederam no solo que habita, não assiste a cada passo à aparição de fantasmas? Não conhece lendas de Moiras, que no S. João patenteiam tesouros que jaziam encobertos? Não ouve cantar as Sereias nos mares, correr desenfreados os Lobisomens pelos atalhos? Não sabe que o Diabo se transforma em cabrito? que há sítios misteriosos, como as encruzilhadas? que os cometas anunciam infortúnios? que as trovoadas se evitam, tendo em casa um amuleto?
5Todas essas crenças, as propriamente cristãs, as de origens não-cristãs, e as médicas, que pertencem a ambos os grupos, se baralham entre si, e se reforçam umas às outras.
6Assim cercado completamente de sobrenatural, o espírito do povo quase vive por igual no mundo da imaginação e no da realidade, tanto mais, que o que nós chamamos sobrenatural é para o povo natureza: tão efectiva lhe parece a cor vermelha da carapuça do Tardo, como o calor do Sol.
7Em ele supor que existem doenças pertencentes ao círculo do sobrenatural, nada há pois, como disse, que nos surpreenda.
8Sendo desnecessário, para o provar, percorrer toda a Patologia, vou escolher apenas alguns exemplos dentre os muitos que infelizmente abundam por toda a parte.
9Para a mente do povo as doenças, tanto internas como externas, são com frequência entidades que habitam o corpo. Um ensalmo curativo da erisipela ou erisipela (como melhor se pronuncia) o declara suficientemente: zipla, sai daqui || O sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo anda por cima de ti. Fórmula análoga se recita ao pé de uma fonte contra a alfofa, que suponho ser o mesmo que farfalho; alfofa, sai-te daqui, que branco e preto bebe aqui! E até para curar o pulso aberto ou «distendido» se fala com ele: tu és carne quebrada, torna a soldar; || tu és fio torto, || torna a teu posto. Em todos estes casos se personifica a doença. Observações análogas têm sido feitas por outros investigadores: Wuttke no Tratado da Superstição Popular Alemã1, Bartels na Medicina dos Selvagens2, Lenormant na Magia Caldaica (peste personificada)3. Tudo isto se deve a concepções muito primitivas da origem das coisas e dos fenómenos da Natureza.
10Outras vezes as doenças são obra de espíritos maus que penetram no organismo humano, como a histeria e a epilepsia, e em geral as doenças do sistema nervoso; contra os possessos ou endemoninhados preconizou a Igreja exorcismos de que se fizeram em Portugal várias colecções. Achamo-nos agora diante de uma concepção não menos rudimentar que a antecedente, e dela há paralelos em todos os povos e em todos os tempos.
11Assim como penetram no corpo espíritos estranhos, assim penetram bichos, por intermédio de roupas que estão a enxugar, os quais bichos causam do mesmo modo doenças, quando não são eles próprios as doenças, como consta de ensalmos: talho bicho e bichão || e sapo e sapão || e cobra e cobrão, dispostos os nomes aos pares, e em série ascendente, segundo a importância dos animais. Dada a hipótese de que a doença é um bicho, ou causada por ele, manda a lógica que se talhe ou corte com uma faca, em que efectivamente se pega, quando a fórmula se enuncia. Está claro que temos aqui um princípio mágico: que acontece aquilo que por analogia se pensa fazer, princípio fecundíssimo, que explica inúmeras superstições.
12Não faltam também doenças causadas pela Lua, por almas de mortos, por feitiços ou pragas, inveja, mau-olhado, punição de pecados. Posto que as doenças causadas pela Lua e pelo mau-olhado fossem pelos nossos antigos médicos tidas por doenças naturais, e tratadas pois fisiologicamente, não há dúvida que, pela maneira como o povo se dirige à Lua, e pelo que adiante se dirá do quebranto, elas pertencem ao quadro nosológico que estou estudando. As restantes doenças revelam cunho sobrenatural na sua própria denominação. De algumas das mencionadas causas resultam ao mesmo tempo doenças internas e externas, v.g., de uma praga e de um castigo de Deus.
13De diagnóstico de carácter mágico, se assim posso dizer, indicarei o que os benzilhões e benzedeiras instituem pelo cheiro de pedaços que lhes levam da roupa do enfermo respectiva ao lugar afectado, e a observação de desenhos que chumbo derretido ou azeite deixam, quando lançados num prato ou bacia de água. O primeiro método de diagnóstico funda-se em parte noutro princípio mágico muito fecundo, qual o da associação de ideias com factos, isto é, de pessoas com suas pertenças, estudado por Frazer no Ramo de Ouro4 e por Elworthy no Livro do Mau-Olhado5. O segundo método corresponde ao que os Gregos chamavam λεχανομαντεία ou da bacia hidromântica6. Como se vê, o nosso povo também não está sozinho nestes pormenores. Outro modo de diagnosticar certas doenças consiste em ver se o sal crepita, ou não, no lume. O sal desempenha muitos papéis na magia por causa das suas propriedades físicas e químicas.
14Os métodos de diagnóstico que indiquei pertencem à classe geral das adivinhações ou oráculos, como saber se uma mulher grávida traz no útero feto masculino ou feminino7, se um amante é correspondido8, que tal será no ano a colheita de frutos campestres9. Estas ingénuas concepções populares, que hoje provocam riso a quem só as encara na sua significação actual, espelham graves estados de alma dos nossos antepassados, que de pais a filhos no-las transmitiram.
15De terapêutica muito se poderia relatar, se a ocasião o permitisse. Além de doenças de carácter sobrenatural tratadas sobrenaturalmente, há-as de carácter natural tratadas do mesmo modo, e havê-las-á de carácter sobrenatural que se tratem por meios naturais.
16O sobrenatural está aqui representado por duas maneiras: magia e religião. Como agentes mágicos gozam de grande importância os ensalmos, a que já me referi, aos quais correspondem na religião os exorcismos: uns e outros têm por protótipos fórmulas antigas, conservadas em textos epigráficos e literários, romanos, gregos, orientais. Saliva, água benta, azeite de lâmpadas, são valiosos agentes terapêuticos. Para certos casos recorre-se à pedra d’ara, ao cálice e a relíquias. Quase não há doença cujo curativo não esteja a cargo de um santo; e há santos a que todos os doentes se apegam.
17Às vezes recorre-se a um santo por causa da analogia da doença com o sofrimento que o santo teve em seu martírio: assim, S. João Baptista é advogado de cefalalgia, porque o degolaram; Santa Luzia, de moléstias oculares, porque lhe arrancaram os olhos. Na capela desta santa, junto de Viana do Castelo, vi há anos inúmeras ofertas de olhos de prata, levados ao altar em agradecimento de supostas curas. Análogos costumes se encontram em todos os povos católicos, e eles provêm da Antiguidade. No nosso solo, por exemplo, têm aparecido muitas inscrições consagradas a divindades romanas e lusitanas, em que se lêem as expressões estereotipadas: ex voto, votum solvit, pro salute, designativas de cumprimento de promessas.
18Outras vezes um santo é invocado por causa da homofonia que se nota entre o seu nome e o da parte doente ou locus affectus: Santo Ovídio livra de dores de ouvidos, porque o povo, aqui mesmo no Porto, pronuncia Santo Ouvido. A isto se costuma chamar nomen numen. Em Viseu venera-se a Senhora do fastio: as gentes invocam-na para se curarem dele; quanto o apetite volta, depositam no altar uma tigela e uma colher.
19O princípio da analogia estende-se tão longe, que no Gerês, quando alguém tem verrugas, promete levar a S. Bento, se sarar, um ramo de cravos, porque à verruga se chama cravo na linguagem vulgar do Norte10. A semelhança dos nomes, ou trocadilho, bastou aqui para estabelecer terapêutica, embora nas ideias, em meu entender, não haja semelhança real. Sem dúvida o povo e os próprios médicos dão metaforicamente a certas doenças nomes tirados do reino vegetal, por exemplo: terçô, que se relaciona morfologicamente com «grão de trigo», como a Sra. D. Carolina Michaëlis demonstrou11, e exantema, que vem de um radical grego que significa «flor»; mas entre cravo, ou verruga, e a «flor» denominada cravo não existe parecença imediata, existe, como disse, mera homofonia. Só ascendendo à origem das expressões, encontraríamos que o cálice do cravo, antes de abrir, e o pedúnculo se compararam com a cabeça e haste de um cravo, ou prego, e que com a cabeça deste, saliente na superfície de uma tábua em que a haste se introduziu, se comparou também a verruga, que como que sobressai ao de cima da pele das mãos e da cara, – sem que contudo da semelhança de duas coisas comparadas com uma terceira resultasse, para a concepção posterior, semelhança entre aquelas. Temos neste fenómeno glotológico uma metáfora de metáfora.
20A devoção com santos, tidos como protectores gerais de doenças, fez que vários hospitais, como parece, os tomassem por oragos: Hospital de Santo António, de S. Lázaro, de Todos os Santos.
21Eis mais alguns usos terapêuticos, resultantes de analogia ou magia imitativa, por muitos autores chamada simpática. Ferindo-se alguém numa silva, corta-a, porque à proporção que esta seca, seca ou cicatriza a ferida (Douro). Quem tem icterícia, pendura ao pescoço um cordão formado de nove dentes de alho: a doença vai desaparecendo, conforme os alhos vão amarelecendo (Estremadura). Curvo Semedo tem na Polyanthea um capítulo «muyto curioso e digno de se ler», como ele sem rebuço proclama, onde reúne receitas que se subordinam ao mesmo princípio mágico, e entre elas a seguinte: «hum dente de cão, arrancado do cão vivo, furando-o, e trazendo-o ao pescoço, preserva de dores de dentes toda a vida»12. Informou-me um aluno meu do Algarve que para que uma rapariga se livre de um quisto que se lhe formou na testa, basta que um rapaz escreva aí, com um pedacinho de pau molhado em tinta, o nome de Jesus às avessas: S-U-S-E-J: subentende-se que, por ficar às avessas a palavra, o tumor caminha correspondentemente para trás, isto é, se reabsorve. Há fórmulas numerativas, que, por motivo análogo, se enunciam em série decrescente, por exemplo, a oração do Anjo Custódio, estudada por Adolfo Coelho: doze, onze, dez, etc.: diminuem os números, diminui a doença13. Em muitos ensalmos a virtude mágica obtém-se por comparação: depois de se fazer certo enunciado, por exemplo, a propósito de escaldadura, remata-se do seguinte modo: Assim como isto que eu digo é verdade, || esta escaldadura mais não lavre14. Não teria fim a menção de casos de terapêutica simpática; e também sei de trabalhos estrangeiros concernentes ao assunto.
22De várias doenças supõe o povo que pode libertar-se transferindo-as de si para fora, para outras pessoas, para animais, para árvores, pois que, segundo o seu pensar, elas vieram do exterior: já que vieram, também irão. Hovorka & Kronfell, no seu copioso trabalho de Medicina Popular Comparativa15, Wuttke num livro que há pouco citei16, Seyfarth na Medicina Popular da Saxónia17, e Sébillot no Folklore de France18 ministram exemplos respeitantes à Alemanha, França e outras terras. Relativamente à Antiguidade em especial, arquivou textos gregos e latinos Ricardo Heim19. Em Portugal aludiu ao assunto o Dr. Cláudio Basto na apurada monografia que se intitula Quebraduras20. Por mim possuo disto bastantes apontamentos.
23Na aplicação das fórmulas, e na execução dos actos mágicos com que se curam doenças, observam-se frequentemente ritos, tais como, não olhar para trás, tapar os olhos ou os ouvidos, soprar, estar detrás de uma porta, etc.: e seria fácil mostrar que tudo isso existe, por assim dizer, universalmente.
24Até aqui falei da Patologia Geral, ainda que, por necessidade da exposição, e para maior clareza, particularizando algumas doenças. Agora, no campo da Patologia Especial propriamente dita, e como natural continuação do desenvolvimento do meu tema, considerarei no conjunto, isto é, na sua parte histórica, etiologia, sintomatologia, diagnóstico e tratamento – tudo porém de modo sucinto uma entidade mórbida a que o povo ligou sempre importância extraordinária: a fascinação.
25(Parte histórica). À fascinação dão-se por sinónimos, na língua moderna, quebranto, olhadura, má-olhadura, má-olhada, olhado, mau-olhado; na língua antiga, mal de olho, olho mau. Esta sinonimia não é rigorosa, porque quebranto, como veremos, designa rigorosamente um sintoma, e os restantes sinónimos designam rigorosamente causa, de que mais a mais não é única. Também se diz dada (Alto Minho), mas esta palavra tem outras acepções.
26A fascinação é mencionada há muito na nossa literatura, até ao século XIII, pelo menos: em folhetos da literatura de cordel, do século XV11121; nos Apologos Dialogais22, e outras obras do século xv1123; em Sá de Miranda24; em Ribeiro o Chiado25; em Gil Vicente, Comedia da Rubena26, e Auto da Festa27, no Cancioneiro Geral28; numa Postura da Câmara de Lisboa, de 138529; no Cancioneiro da Vaticana30 e no de Colocci-Brancuti (hoje na nossa Biblioteca Nacional)31. Sob o aspecto da crença e da Medicina ocupou-se dela Fr. Manuel de Azevedo, no século XV1132, e Fonseca Henriques, no século XV11133; sob o aspecto da Etnografia, o Sr. Adolfo Coelho, no século XIX34. Em línguas estrangeiras há muitos trabalhos científicos, por exemplo, de Jahn, e Seelmann, em alemão35, de Tuchmann, e Lafaye em francês36, de Elworthy e Margaret Hardie, em inglês37, de Rafael Salillas, em espanhol38, para não falar de capítulos de obras gerais, algumas já mencionadas acima, e outras que ainda poderia citar.
27(Definição e etiologia). As definições de fascinação apontadas por Manuel de Azevedo e Fonseca Henriques estão melhor condensadas e expressas nesta de Tuchmann; «influência mágica e funesta exercida voluntária ou involuntariamente, com o olhar ou louvor, por uma pessoa noutra, num animal ou num objecto. Há animais que fascinam com o olhar; e em certos povos os espíritos possuem o mesmo poder»39. Para Fonseca Henriques a fascinação produz-se não só pelos olhos e por louvor, mas pelo hálito ou respiração, por contacto, por cheiro – no qual está de acordo com as doutrinas médicas correntes na sua época.
28O nosso povo não conhece a palavra fascinação, que vem do latim fascinatio, do verbo fascinare. Emprega só as outras que há pouco enumerei, sendo hoje as mais gerais quebranto e mau-olhado.
29Suas causas, segundo o povo, são o louvor, dirigido por exemplo a uma criança, e mormente o mau-olhado de gente perversa e invejosa, de ciganas, de mendigas de aspecto repelente, de mulheres velhas, de pessoas defeituosas, e até de pessoas boas que têm por natureza esse mau dom, e o põem em prática sem intervenção da vontade. Já os Romanos empregavam o verbo invidere na acepção do grego βασχαίνεικ «fascinar». Mal de inveja, assim como ver com maus olhos, são expressões correntes em Portugal. Acerca das ciganas, há um folheto do século XVIII com o título de Invectiva Critica, que citei acima, pág. 173, nota 1. Nos Açores dizem que o quebranto pode ser causado por sombras sobrenaturais40, e algures ouvi que pode ser causado pela Lua. Muito em particular estão sujeitas a ele as crianças, como também já disse no século XVII D. Francisco Manuel de Melo41.
30(Sintomas). Em rigor quebranto significa quebrantamento do corpo. É um estado mórbido, prolongado, rebelde à acção de medicamentos, e às vezes sem causa bem conhecida. É uma dor de cabeça que vem de repente, após o encontro de uma pessoa que se suspeita que deita mau-olhado, dor acompanhada de tremuras gerais, e de frio: treme-se como uma gesta, e fica-se aquebrantado com frio, dizem em Nelas.
31(Diagnóstico). O diagnóstico faz-se pelos métodos mágicos que indiquei há pouco. Uma ocasião na Beira Alta uma mulher tinha um porco a que outra deitara mau-olhado; levou a uma benzedeira pêlos do cerro e da cauda do animal, para ela ver se este tinha ou não quebranto: e assim que a benzedeira encarou os pêlos, começou, e a consulente com ela, a tremer e a bocejar. Tal era a força do mal contido nos pêlos!
32(Tratamento). Como terapêutica efectiva do quebranto empregam-se defumadoiros e ensalmos, estes últimos, por vezes, nos Açores, acompanhados do contacto da mão de um curandeiro. Em vez de «tratar a doença» ou «curá-la», emprega aqui o povo, como noutros casos, a palavra atalhar, que não é a mesma, quanto ao sentido, que talhar, que acima vimos usada no ensalmo do bicho. À recitação de ensalmos chamam textos antigos escantar, verbo que na língua moderna também significa «embruxar»42.
33O quebranto há-de ser atalhado logo que se manifeste, porque, se o doente dormir antes disso, a doença durará uns tantos dias mais do que podia durar. Visto que estou expondo, classificando e interpretando pensamentos populares, lembrarei que se canta galhofeiramente a propósito dos ensalmos uma cantiga que ouvi em Tolosa do Alentejo:
Todo o homem que se casa
Deve ter um pau ao canto,
Para benzer a mulher,
Quando lhe der o quebranto...
34Como profilaxia da fascinação traz o povo, porém, muito a sério no bolso uma alha, nome que em Barroso dão a certa variedade de alho43. Com o mesmo intuito emprega arruda, sal, vários amuletos, e serve-se mais que tudo, da figa. A figa constitui o fundamento deste meu trabalho, e dela vou ocupar-me em seguida.
Notes de bas de page
1 Der deutsche Volksaberglaube, 3.a ed., § 476.
2 Die Medizin der Naturvölker, Leipzig, 1893, p. 10.
3 La Magie chez les Chaldéens, Paris, 1874, p. 160.
4 Le rameau d’or (trad. do inglês), t. I, Paris, 1903, p. 4.
5 The evil eye, Londres 1895, p. 71 etc.
6 Bouché-Leclerq in Dict. des antiq. gr. et rom., s.v. «divinatio», pp. 300-303.
7 Vid. Trad. Pop. de Portugal, § 335. De outros modos de prever o sexo, fala o Dr. Cláudio Basto no seu opúsculo Determinismo e Previsão do Sexo, 1923, pp. 4-7 (extr. da Aguia).
8 Vid. Poesia e Etnografia, 1902, pp. 5-6.
9 Vid. Trad. Pop. de Portugal, § 80.
10 Cf. B. A. Gomes, Ensaio Dermosografico, Lisboa 1820, p. 125. O autor conhecia a linguagem do Norte, porque era minhoto.
11 In Miscellanea di Filologia, Florença 1885, p. 153.
12 Polyanthea Medicinal, Lisboa 1716, trat. ii, cap. 101, n.° 10, p. 533.
13 In Renascença (1888), pp. 47-48.
14 Vid. os meus Ensaios Ethnographicos, iii, 201; e cf. p. 183.
15 Vergleichende Volksmedizin, ii (1909), 873 ss.
16 Der deutsche Volksaberglaube, § 482 etc.
17 Aberglaube und Zauberei, p. 180 ss.
18 Cf. t. IV, p. 487.
19 Incantamenta magica, cap. iv.
20 2.a ed. (1916), pp. 24-26.
21 Vid.: Invectiva Critica contra as Bruxas, Siganas e Benzedeiras... e Quebranto, Lisboa 1763; e Methodo Pratico no Tempo dos Sermoens, Lisboa 1768, p. 3.
22 Lisboa 1721, p. 32.
23 Vid. Solis da Fonseca (1628) apud Archivos de Hist. da Medic. Portug., de Maximiano Lemos, III, 116; J. Bahia na Fenix Renasc., iii, 136.
24 Poesias, ed. de D. Carolina Michaëlis, pp. 101 e 479.
25 Ed. de A. Pimentel, p. 9.
26 Obras, ed. de Hamburgo, ii, 13.
27 Ed. do C. de Sabugosa, p. 119.
28 I, 119 e 254.
29 In O Panorama, iv, 138.
30 Canção n.° 984.
31 Canção n.° 1511 (384). Cf. D. Carolina Michaëlis, Randglossen, I, 6-7.
32 Correcção de Abusos, Lisboa, 1680. Sirvo-me da ed. de 1705; 2.a parte, tratado I, p. 2 ss.
33 Medicina Lusitana, Porto 1750, p. 123 ss.
34 In Rev. de Sc. Natur., e Soc., iii (1896), 117 ss. e 169 ss. Aí menciona já algumas das obras da nossa literatura antiga a que acima me referi, e delas faz extractos.
35 Jahn, Böser Blick (1855); Seelmann, Der böse Blick, 2 volumes (1910).
36 Tuchmann in Mélusine (cf. vol. xi, índice: «La fascination»); Lafaye in Dict. des antiq. (s. v. «fascinum»).
37 Elworthy, The evil eye (1895); M. Hardie in Journal of the R. Anthropological Institute of Great Brit. and Ireland, LIII (1923), 160.
38 La fascinación en Espana (1905).
39 In Mélusine, II, 169.
40 Dr. U. de Mendonça Dias, A Vila, IV, 113.
41 Apologos Dialogais, p. 32.
42 Vid. D. Carolina Michaëlis, Randglossen (loco citato).
43 B. Barreiros, in Rev. Lusitana, XIX, 92.
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