O penedo de santa comba 1
p. 354-355
Texte intégral
1No lugar de Santa Comba, freguesia de Vila Fonche, concelho dos Arcos de Valdevez e não muito distante desta localidade, encontra-se um bloco de granito, numa das faces do qual, e ainda superiormente, se vêem cavidades de várias dimensões e em número. Foram evidentemente praticadas com intenção, embora se denunciem os efeitos erosivos que naturalmente explica a exposição sob que a rocha jaz. A altura do bloco deve exceder cinco metros.
2Superiormente observa-se uma cavidade relativamente profunda e extensa, ladeada por quatro outras de muito menor diâmetro e proximamente iguais. Na face que dá para o castelo de Rio Frio as cavidades são em maior número, de dimensões e contornos variáveis, avultando uma situada ao alto e à esquerda, que representa um papel na lenda local. Apesar dum exame muito rápido creio poder assegurar que não se reconhece obediência a qualquer intenção de simetria ou interdependência nas insculturas referidas.
3No lugar esta rocha insculpida é denominada Penedo de Santa Comba por nele ter aparecido a imagem da santa que dá o nome ao monólito. Uma vez descoberta transportaram-na para os Arcos a fim de a recolherem numa igreja ; mas eis que no dia seguinte ela surge de novo no penedo ! Concluiram pois que a imagem desejava ficar na freguesia e removeram-na para a matriz de Vila Fonche onde ainda existe e representa o orago.
4A maior cavidade, a que particularmente aludi referindo-me à lenda, era onde a santa se sentava ; e havia outro bloco mais abaixo, actualmente destruído, onde me informaram que se viam cavidades semelhantes nas quais Santa Comba colocava as maçarocas.
5Trata-se pois dum monumento, em meu parecer inédito, congénere de muitos outros já assinalados e descritos pelos arqueólogos. A lenda popular que lhe explica os sinais é ainda semelhante a outras bastante conhecidas : a do Penedo de S. Gonçalo, com as marcas dos joelhos do santo e as cavidades onde punha o púcaro e a saleira ; (2) a do Penedo da Senhora, com as concavidades onde esta se sentava e pousava o cotovelo ; (3) a das Pegadas de Santa Pufémia (4) e de tantas outras figuras religiosas ; a dos regos do Penedo da Meadinha onde a Senhora da Peneda (Gavieira) vinha estender as meadas a corar, etc.
6Na lenda local confunde-se a santa autêntica com a imagem ; e ainda a resistência desta em manifestar pela fuga que desejava ficar no local onde apareceu é uma explicação muito frequente, entre nós, da origem de numerosas capelas.
7Dista pouco do castro de Rio Frio o Penedo de Santa Comba ; e em conformidade com a opinião mais corrente e verosímil o penedo em questão é um desses monumentos pré ou proto-históricos de sentido religioso, bastante obscuro, de resto, e provàvelmente contemporâneo dos primitivos habitantes do castro fronteiro.
8As pedras com insculturas foram já objecto(5) dum copioso e extenso comentário ; e ainda recentemente as do concelho dos Arcos motivaram uma especial referência, sem que, todavia, esta fosse incluída (6). A actual notícia, que nada acrescenta de novo, importará apenas como um número a mais no registo das rochas insculpidas, bastante frequente no Minho e noutras províncias do país.
Notes de bas de page
1 Artigo publicado na revista Portugalia, tomo I, fasc. 2.° (Porto, 25 de Agosto de 1900), p. 332.
2 MARTINS SARMENTO, Materiaes para a archeologia do concelho de Guimarães, in Revista de Guimarães, I, pág. 188. Porto, 1884.
3 MARTINS SARMENTO, Ob. cit., in Rev. cit., pág. 163. Porto, 1896.
4 JOSÉ AUGUSTO VIEIRA, O Minho pittoresco, I, pág. 470. Pereira ed. Lisboa, 1886.
5 LEITE DE VASCONCELOS, Religiões da Lusitania, I, págs. 350-90. Lisboa, 1897.
6 F. ALVES PEREIRA, Insculpturas em rocha em castros de Valdevez, ou vários penedos com pias, in O Archeologo portuguez, IV, págs. 289-303. Lisboa, 1898.
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