Sobre o fado e a História do fado
p. 9-20
Texte intégral
1Cada livro a sua história e as múltiplas maneiras de ser lido. E quando os anos apagaram das memórias um autor que não passou aos compêndios e os factos que refere parecem ter-se tornado demasiado longínquos e anódinos, chamar a atenção para um livro seu e justificar a sua importância é também sugerir algumas das maneiras de o reler. É o que fazemos hoje com a História do Fado de Pinto de Carvalho (Tinop), cuja apresentação nos merece duas observações prévias.
2Por um lado, esta não deverá ser tão longa que espartilhe ou condicione a leitura de um texto que se oferece veloz e divertido e que permanentemente surpreende pelo inesperado desenlace de um acontecimento circunstancial, pelo pormenor extremo que parece aproximar-nos dos hábitos de um qualquer personagem obscuro, pela anedota temperada de adjectivos sonoros e cortantes de que apenas se adivinha o significado. Neste sentido, trata-se de um livro que transmite ao leitor o profundo prazer do autor ao escrevê-lo e se lê de um fôlego como livro de aventuras que também é. Qualquer introdução (e também esta) irá, assim, perturbar o encanto da sua descoberta. Por outro lado, porém, o muito que se tem escrito sobre o fado e a ambiguidade dos discursos que o envolvem obrigam-nos a esboçar uma breve síntese dos tipos de texto que constam da sua bibliografia para melhor situar entre eles a História que vamos ler.
3O discurso ideológico é a tónica dominante de grande parte da extensa bibliografia (algumas dezenas de títulos) que se ocupa do fado. Os juízos de valor sobre ele emitidos ajudam a obscurecer um objecto já de si mal definido. De um lado, uma quantidade de pequenos textos, de escasso interesse, normalmente aparecidos na imprensa periódica; paralelamente, alguns outros que mais solidamente reflectem as preocupações de autores de finais de século que pensaram a decadência (Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida) e de outros que no limiar e durante o Estado Novo falavam de ressurgimento. Importa aqui destacar O Fado, Canção de Vencidos de Luís Moita, livro dedicado à Mocidade Portuguesa, onde se reúnem as palestras feitas pelo autor em 1936, na Emissora Nacional e em que se combate acerbamente aquela forma de expressão, mas onde simultaneamente se referencia o maior conjunto de documentação sobre o tema à época existente. É de referir que um dos mais recentes textos publicados, A Mitologia Fadista de António Osório (1974), não escapa à projecção ideológica do autor, inserida agora num outro contexto: a crítica de valores veiculados por um regime veladamente contestado e que o fado claramente espelhava. Em todos estes textos, uma conclusão radical: o fado não é a canção nacional.
4Muitas das críticas ao fado provocaram igualmente respostas, também elas empolgadas pelo discurso ideológico dos autores, sendo particularmente de referir O Fado e os seus Censores (1912), obra do tipógrafo anarquista Avelino de Sousa, que via nessa canção o veículo natural e privilegiado da luta social das classes oprimidas. Em sentido oposto, o filósofo Álvaro Ribeiro viu nele a cristalização da essência de uma alma nacional e chegou a estabelecer as bases de uma «doutrina fadista» que o pudesse preservar das corrupções. Para todas as defesas mais ou menos apaixonadas, a insistência na expressão há muito divulgada: o fado, a canção nacional.
5Para além desta caracterização, forçosamente genérica, de uma componente constante da maioria dos escritos sobre o fado e que se traduz em tomadas de posição contra (a maioria) ou a favor, alguns aspectos relativos a ele são recorrentemente tratados na literatura. Assim, um conjunto de textos aborda a questão das suas origens. Os primeiros aparecem no final do século XIX e continuam até à década de 30, momento a partir do qual apenas se retomam hipóteses já formuladas anteriormente. Variando na solidez da sua argumentação, conseguem por vezes estabelecer articulações com o passado imediatamente anterior ao da sua implantação como forma musical autónoma. De qualquer modo, da perspectiva sócio-antropológica em que nos colocamos, julgamos esta uma falsa questão. Saber se essa origem é árabe, africana, brasileira, provençal, popular, ou se reside no balanço cadenciado e murmurante do mar ou ainda numa qualquer especificidade da alma nacional, é de importância menor em relação àquilo que nos parece ser uma questão de fundo: a sua emergência em certos bairros da capital no segundo quartel do século XIX, o quadro histórico e condições sociais da sua reprodução/ transformação.
6Podemos incluir num segundo grupo as abordagens propriamente musicais (Lambertini, Ernesto Vieira, Gallop, Frederico de Freitas) que frequentemente fazem contrastar o fado com a música tradicional portuguesa ouvida nos ambientes rurais das distintas províncias, ressaltando desse confronto o valor menor ou mesmo o carácter espúrio do primeiro, algumas vezes sujeito a apreciações extramusicais baseadas na negatividade dos valores que parece trazer associados – são disto exemplo as páginas que Armando Leça e Fernando Lopes Graça lhe dedicaram. E devem ainda incluir-se neste grupo os textos que mais especificamente se referem aos instrumentos ligados ao fado. Conjuntamente com os anteriores, permitem-nos reflectir sobre a rigidez das formas em que se molda a sua existência e que julgamos dever ser tratada correlativamente à variedade de temas percorridos pela palavra cantada. A obrigatoriedade da guitarra acompanhada ou não pela viola, a fixidez da estrutura melódica e o posicionamento e gestualidade dos actores (tocador, cantador, ouvintes) num jogo cénico repetido, produzem um modelo facilmente apreensível através do qual se podem contar todas as histórias e na base do qual é possível exercitar a criatividade e a ginástica das improvisações. O que é dito, se comporta como elemento significante a maneira como se diz, é também tudo aquilo que o cantador souber, quiser ou puder dizer para além da imposição ritual da forma a que se está obrigado. Sendo assim, referir sem mais a pobreza musical do fado, como fazem muitos dos autores que abordam este aspecto, é esquecer que ele não é apenas ou sobretudo fenómeno musical e desconhecer os sentidos que nele se articulam enquanto expressão de uma cultura popular urbana.
7Podemos ainda referir um grupo de textos que se ocupam de uma figura que está na origem de um dos grandes mitos fadistas, o maior – a Severa. Sempre acompanhada de Vimioso, o conde através do qual se tornou célebre e se constituiu em imagem, simultaneamente emblemática e diáfana do fado. Ela era a jovem, a prostituta, a voz inconfundível, a tocadora de guitarra, a rebelde e a preferida daquele que, vindo de um universo social oposto, permitia a ilusão de uma partilha sabida impossível. A escassez de pormenores sobre a sua curta existência, a ausência de retratos que permitiriam com alguma nitidez perpetuar a sua figura mas que também a conteriam dentro dos limites retratados, reforçaram a eficácia simbólica de um mito que percorreu mais de meio século e deu origem a uma literatura feita de biografias mais ou menos documentadas ou imaginadas, dramas, operetas, para além dos filmes a que emprestou o nome ou a história e dos folhetos que a cantaram. Além deste conjunto de textos que especificamente se lhe referem, a figura da Severa e o seu mito são necessariamente tratados em todas as obras mais gerais sobre o fado. E a estas páginas que tratam de uma figura grande do fado (e principalmente do mito que a envolveu) devem acrescentar-se as que, mais tarde, deram o lugar a Hermínia Silva e Alfredo Marceneiro, entre outros – e sobretudo a Amália – e apareceram e continuam a surgir na imprensa periódica.
8Devemos ainda considerar, dentro deste esboço genérico da bibliografia, um sector importante onde não se exprimem discursos sobre o fado mas que traduzem uma das dimensões do seu próprio discurso: as letras.
9No último quartel do século XIX, aparecem, sem carácter de periodicidade, as colectâneas de fados algumas vezes sucessivamente reimpressas e, paralelamente, os pequenos folhetos de cordel avulsos ou em séries numeradas e ainda os Almanaques (do Cantador, do Bom Fadista, dos Fados das Salas, da Severa, etc.) que, supondo uma publicação anual, normalmente se ficam pelo primeiro número. Se estes últimos cedo deixaram de ter voga, os outros entraram por este século e encontram-se ainda hoje nas folhas volantes dos cantadores que nas feiras e romarias ou nas ruas e praças das cidades contam um grande e horrível crime ou os sucessos de um amor trágico.
10Incluiremos aqui, do mesmo modo, as publicações periódicas (quinzenais ou mensais) que, em forma de jornal, noticiam acontecimentos do meio fadista, revelam traços biográficos dos seus personagens e, sobretudo, divulgam letras do fado. A primeira de que temos notícia – Canção de Portugal – – o Fado – começou a publicar-se em 1916, e a de maior longevidade – Canção do Sul – em 1923.
11Algumas das obras de carácter geral sobre, o fado reúnem muitas dessas letras por vezes recolhidas da tradição oral. Numa delas, A Triste Canção do Sul de Alberto Pimentel (1904), esboça-se mesmo uma classificação dos temas que abordam, a primeira que foi feita, e, apesar dos critérios em que se baseia serem contestáveis, muito mais completa do que o insuficiente e desequilibrado inventário de temas proposto, sessenta anos mais tarde, num livro de escasso interesse (referimo-nos ao Fado – origens líricas e motivação poética de Mascarenhas Barreto).
12Na arrumação a que procedemos não é possível constituir um grupo de textos, por pequeno que seja, onde se encontrem sistematicamente organizadas informações de carácter sociológico. No entanto, apesar de nenhum deles reflectir prioritariamente essa preocupação, são muitas as observações cuidadas, os comentários precisos, as descrições impressivas e reveladoras que aqui e ali se nos deparam. Começaram por ser, em finais do século XIX, as páginas que traçam o perfil do fadista, tipo social que atraiu o olhar atento dos escritores da época (Ramalho, Fialho, Luís Augusto Palmeirim, Conde de Sabugosa, Camilo). Depois emergem a cada passo nos textos que se apresentam como obra de síntese e onde se caracterizam locais, ambientes, personagens, aspectos fragmentários de uma sociedade e sociabilidade onde o fado circula. São sobretudo de referir muitas das páginas de Alberto Pimentel e alguns momentos dos livros de Luís Moita e António Osório, este último particularmente atento ao enquadramento histórico e ideológico que acompanharam a emergência e subsequente desenvolvimento do fado. Mas de todos eles destaca-se, pela quantidade e qualidade das informações reunidas, a História do Fado de Tinop.
13É interessante constatar como o desinteresse ou a incapacidade em construir teoricamente um objecto de estudo com a delimitação do seu campo de análise e a colocação de questões que permitiriam conduzi-la, não tem deixado descobrir em manifestações semelhantes não nacionais paralelos que melhor ajudassem a formular modelos ou hipóteses interpretativos. As raríssimas referências às canções de Aristide Bruant ou das cidades fabris francesas, ao tango argentino, ao samba brasileiro– formas em que se intuíram certas semelhanças com o fado–, não chegaram a desenvolver-se na procura dos elementos comuns que partilhavam e eventualmente as tornavam expressões diversificadas de um mesmo fenómeno. Ora esses paralelos são em alguns casos tão evidentes que a não coincidência de datas, a especificidade da estrutura musical e/ou coreográfica, e a diversidade dos elementos étnicos em jogo não nos podem iludir quanto a essa identidade. Assim, se tomarmos em conjunto o fado de Lisboa, o tango de Buenos Aires e a rebética de Atenas, verificamos em primeiro lugar que todos eles emergem e se tipificam pouco antes ou depois de meados do século XIX em bairros pobres e/ou periféricos de grandes cidades portuárias de indústria nascente e atraindo gentes vindas do interior ou do estrangeiro. A população desses bairros, acantonada na marginalidade dos seus ofícios de cir- cunstância, familiar de tabernas e prostíbulos, foi elaborando formas culturais através das quais poderia dizer-se e simultaneamente interpretar o espaço social mais amplo em que se encontrava inserida. A recorrência dos temas reforça e exprime esta primeira semelhança: o amor nas suas múltiplas facetas (ciúme, traição, abandono, vingança), a virilidade, a familiaridade com a morte, a ambiguidade da relação entre riqueza (mundo dos outros, dos ricos, mas que ilusoriamente se ambiciona) e pobreza (mundo de onde se quer fugir, mas que é igualmente o grande refúgio de uma identidade), a narração dos locais familiares, o comentário a certo tipo de acontecimentos que mais solicitavam o registo, a oscilação entre a passividade ou submissão e o arremedo de revolta frágil.
14E se, para além desta caracterização forçosamente genérica, procurarmos outros paralelismos ao longo da evolução destas formas de expressão de culturas populares urbanas, vamos continuar a encontrá-los. Primeiro, a sua existência obscura e marginal, evitada ou reprimida; depois, a sua descoberta e apropriação por elementos das classes sociais mais elevadas na busca e frequentação do exótico e no gozo decadente da dor e do sofrimento que caracteriza o último romantismo; mais tarde, a aceitação ou condescendência e a sua entrada nos salões (no caso do tango foi decisivo o sucesso que fez fora de portas entre a boa sociedade parisiense); e em seguida, pela sua extracção do meio social em que emergira e se reproduzira, a sua folclorização ajudada pela divulgação maciça através da grafonola e sobretudo da rádio; para terminar, como objecto da exploração turística e atributo obrigatório da cidade onde nascera e do país de que esta é a capital.
15O comentário que acabámos de fazer serve-nos para frisar que o discurso corrente sobre o fado, ao torná-lo especificidade (anacrónica ou não) nacional ou simplesmente lisboeta, de par com a ausência ou desconhecimento de informações sobre manifestações do mesmo tipo contribuiu para a ausência do tipo de textos que aqui gostaríamos de referenciar (uma ilustração dessa maneira de o tomar isoladamente é o repetido e quase exclusivo recurso em cada texto que se publica ao que já foi escrito sobre o fado).
16Se, ao terminar este breve balanço entrecortado de reflexões, nos interrogarmos sobre o interesse despertado pelo fado junto dos nossos etnógrafos, depara-se-nos ainda um quase vazio. Rocha Peixoto viu nele a cristalização dos males de um país, agudizados pela consciência de uma época em que parecia estarem condensadas todas as mazelas que caracterizaram muitos dos momentos da história nacional, como se de um destino se tratasse. As páginas que em 1897 lhe dedicou são um comentário acerbo e desencantado e também uma denúncia dos derrotismos– o fado é aqui um simples pretexto. Adolfo Coelho, ao fazer o estudo do calão «língua dos criminosos de profissão, fadistas, contrabandistas, garotos e outras gentes de hábitos duvidosos» e que faz parte do trabalho que escreveu sobre Os Ciganos de Portugal (1892) refere-se-lhe de passagem, indirectamente, enquanto veículo de uma linguagem de que procurou constituir o vocabulário. Leite de Vasconcelos, ao longo de uma vastíssima produção, desconhece-o, apesar do esquema da sua Etnografia Portuguesa incluir aspectos do viver citadino e elementos da modernidade habitualmente excluídos dos estudos etnográficos. E apesar, igualmente, de ter dedicado em 1902 um curto artigo ao Cantador de Setúbal, O Calafate, de quem Tinop fala no seu livro (livro esse, aliás, que Leite de Vasconcelos conheceu e considerou de interesse etnográfico). Aquele que maior atenção lhe presta, sem cuidar de valorações positivas ou negativas, é Teófilo Braga, talvez pela sua sensibilidade ao meio citadino e aos grupos sociais que nele se desencontram mas principalmente porque, interessado nas suas formas poéticas e origens, nele foi encontrar uma filiação árabe que melhor servia as suas teses sobre a história da poesia popular. E mesmo quando num titulo aparece a intenção de uma abordagem etnográfica, ela não vai mais longe do que uma síntese repetitiva do já dito de mistura com os desabafos subjectivos do autor: é o que acontece com o Ensaio sobre Um Problema Etnográfico-folclórico de Ribeiro Fortes (1926).
17Julgamos de interesse acrescentar que, mais recentemente e a partir de um enquadramento especificamente antropológico, dirigimos uma investigação sobre o fado implicando trabalho de campo de que resultaram alguns trabalhos ainda não publicados onde se colocam questões que antes não haviam sido postas e contribuem com novas perspectivas para estudos futuros.
18Torna-se evidente que, apesar de uma sensibilidade sociológica ou antropológica ou simplesmente etnográfica estar ausente em quase tudo o que ao longo de um século se publicou sobre o fado, os textos existentes incluem elementos de valor que permitem caracterizar muitos dos seus aspectos e demarcar etapas na sua evolução/transformação. Dissemos que quase sempre exprimem os juízos de valor dos seus autores e recusam uma análise mais desapaixonada que melhor possibilitasse uma definição e aproximação ao seu objecto. Importa também acrescentar que, tomados em si mesmos, enquanto discursos sobre o fado, inseridos em contextos ideológicos mais amplos, são elementos indispensáveis para o seu estudo, pois para além de traduzirem um confronto de culturas, permitem-nos, consoante as épocas e os autores, sondar as imagens que à sua volta se foram construindo e realçar as articulações que evidenciam com as maneiras como foram pensados outros aspectos da história e da sociedade portuguesa.
19Mas não será tanto no âmbito destas ultimas observações que se funda o interesse da História do Fado. De facto a adjectivação aparentemente áspera ou cruel que utiliza esconde uma relação empática vinda de um gosto anterior ou nascida da familiaridade com o universo dos factos de que se tornou repórter. Neste sentido diremos com António Osório que Tinop «deve ser lido às avessas», já que parece enganosamente dizer mal daquilo que escreve. Por outro lado, o livro, aparecido em 1903, situa-se a meio de um percurso (ou percursos) seguido pelo fado e se o período anterior é sem dúvida o mais importante para a caracterização dessa forma de expressão cultural, esta veio posteriormente a passar por fases que marcam a sua transformação e que retrospectivamente ajudam a compreendê-la na sua globalidade. Daí o facto de hoje se apresentar, enquanto livro que faz a história do fado, como incompleto.
20Mas se afirmamos – o que aqui fazemos sem receio – que ele constitui o texto mais rico e denso de informações que se publicou sobre o fado (o que o torna um instrumento indispensável para quem o queira estudar), talvez possamos acrescentar que na forma como o autor o preparou reside a razão primeira dessa importância. Procurando documentos esquecidos na Biblioteca Nacional e na Torre do Tombo (sobretudo da Intendência de Polícia e Correspondência dos Bairros), folheando a imprensa diária, socorrendo-se de uma memória que, com os seus 46 anos na altura da publicação, lhe permitia voltar atrás ao longo de três décadas, frequentando os locais e fazendo a sua própria recolha oral, reuniu o vasto conjunto de dados – tantas vezes aparentemente insignificantes – que confrontou, ordenou e articulou até completar o retrato que nos oferece.
21Aí se encontra a melhor caracterização do ambiente social próprio do fado: os fadistas e gente de vida incerta, a marginalidade, as zaragatas e os «códigos da honra» (onde a faca, na surpresa de uma esquina ou à sombra de uma noite mal iluminada, tinha o seu lugar), a linguagem, os gestos, os gostos (vestimenta, penteados, tatuagens, adereços). Com ele podemos reconstruir uma geografia dos locais da sua frequentação: os bairros e as suas ruas, os locais públicos de frequentação popular (tabernas, locais de jogo, casas de passe) e os seus prolongamentos exteriores (as hortas, os retiros, os caminhos de passagem dos touros). Nas suas páginas podem-se descobrir os momentos por onde passam (ou se esbatem) as fronteiras entre dois universos opostos – a aristocracia e a plebe: as batidas de touros e as touradas, os passeios fora de portas, a solicitação de serviços, a frequentação boémia do exótico, a partilha de um mito.
22Eis algumas indicações para a leitura da História do Fado de Tinop, livro que nos acerca de uma sociedade em dado momento da sua história e através do qual quase podemos ver os homens e as coisas que nela há e ouvir a multiplicidade dos seus sons. E quase adivinhar os seus cheiros. Vamos descobri-lo.
23Lisboa, Setembro de 1982
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