Introdução
p. 27-32
Texte intégral
1O presente trabalho é o desenvolvimento e complemento de uma curta notícia que ministrei aos redactores de Congrès International d’anthropologie et d’archéologie préhistoriques, Compte rendu de la neuvième session à Lisbonne. 1880 (Lisbonne, Typographie de TAcadémie Royale des Sciences, 1884, 8.° gr.) e eles quiseram dar-me a honra de inserir nesse volume, de pag. 667 a 681, e fazer reproduzir numa tiragem à parte de 50 exemplares.
2Divido o trabalho em três partes:
A língua dos ciganos de Portugal.
O calão ou gíria portuguesa e suas relações com a língua dos ciganos.
História e esboço etnográfico dos ciganos de Portugal com dois apêndices, um contendo documentos, outro sobre os ciganos do Brasil.
3Cumpre-me dizer que este trabalho teve por ponto de partida materiais reunidos pelo inteligente e infatigável folclorista de Elvas, o sr. A. Tomás Pires, que a pedido meu investigou a língua e a etnografia dos ciganos do Alentejo, já directamente, já com o auxílio de amigos seus alentejanos.
4Na Revista Lusitana, I (1887), pag. 3 a 20 publiquei um primeiro ensaio sobre a língua dos ciganos do Alentejo, baseado sobre alguns curtos textos e uma lista de palavras que aquele investigador me enviara, contendo ao todo uns 250 termos.
5Depois daquela publicação o sr. Pires enviou-me algumas frases novas e uma nova colecção de termos, colhido tudo da boca de um cigano pelo sr. Francisco Lobão Rasquilha, lavrador da freguesia de Santa Eulália, no concelho de Elvas. De outro lado o redactor da Revista Lusitana, sr. José Leite de Vasconcelos, teve ocasião de estudar a língua de um grupo de ciganos que encontrou no Cadaval (Estremadura), naquele mesmo ano, e enviou-me o resultado desse estudo. Um dos ciganos, que lhe ministrou os elementos da língua, disse que ele e a sua gente eram originários dos arredores de Lisboa. O sr. Leite de Vasconcelos pode auxiliar-se do meu artigo, publicado na sua Revista, e como notou algumas diferenças entre os dados ali reunidos e os que ele colheu, supôs a existência de um dialecto particular nesses ciganos que se diziam da Estremadura. As diferenças notadas existem, em parte pelo menos, também entre os ciganos do Alentejo, como provam os factos novos que me deu a conhecer o sr. Pires; assim a forma romanó, notada pelo sr. Leite de Vasconcelos, existe também no Alentejo.
6Com os novos subsídios, o vocabulário apresenta agora cerca do dobro dos termos ou formas diferentes que tinha naquela publicação; algumas formas não são dadas em artigos especiais, mas nos mesmos artigos que as variantes. Os termos ou formas novas colhidas na Estremadura pelo sr. Leite de Vasconcelos levam a abreviatura – vasc., que as distingue das recebidas do Alentejo.
7O confronto dos novos materiais com os anteriores, nova revisão dos vocabulários gitanos à minha disposição permitiram diversas correcções nos textos e vocabulários, em que suprimi também alguns artigos ou por muito duvidosos ou por inúteis.
8A investigação do sr. Leite de Vasconcelos confirmou pela maior parte os dados do vocabulário publicado na Revista Lusitana: ao cigano por ele explorado só eram desconhecidos os seguintes termos daquele vocabulário: bocunhas (mas conhecia a forma boque), chasar, chupeño, chubelar, chorimé, chiquel (mas conhecia a forma chuquel), churon, combisarar, cratiá, culrró, dicañí, erná, gajon, gorbelar, grupo, gustipení, istitelar (mas conhecia ustilar), jucalorro, llen, millen, miquelar, olibás, olipandó, pandelar, parnau (mas conhecia parné), patarró, paté, pato, petí, raisaro, rebrandiñi, satalla (mas ministrou o termo asitalluna, que é conexo com satalla), sombrimé, sonsidelar, soltar, sorbar (mas conhecia a forma sobar), tardimen, taribé (mas conhecia a forma estariben), taripeñas (cfr. estariben), trupo. Alguns desses termos não são do fundo cigano europeu.
9Das formas e vocábulos novos recebidos ultimamente do Alentejo vinham os seguintes na lista do sr. Leite de Vasconcelos: abillar, chor, foro, llaque, mol, najar, papires, pallillí (paquillí), quer, romanó, tusa.
10A reconhecida competência do sr. Leite de Vasconcelos como dialectólogo, a perfeita seriedade do sr. Tomás Pires e seus colaboradores, todos os caracteres intrínsecos do que reuniram, incluindo os erros que revelam a novidade do assunto para eles, provam-me à evidência a perfeita autenticidade dos textos e do vocabulário. Se nalguns raríssimos casos houve burla, essa partiu dos ciganos. O sr. Pires conta, por exemplo, que um cigano a quem perguntou o que era lua na sua língua, lhe respondeu que era balebá, que aliás significa toucinho.
11As relações entre cigano e as gírias justifica a adjunção a este trabalho da parte II. Se mais fosse preciso para me justificar, lembraria o exemplo de Pott, que na introdução do vol. II dos seus Zigeuner se ocupou das gírias em geral. Em verdade o assunto tomou aqui maiores dimensões do que era meu intuito primitivo dar-lhe e ainda assim deixei de inserir muitos factos que determinei.
12Os dados do esboço etnográfico dos ciganos que se acha na parte III provêm principalmente do sr. Tomás Pires, a quem devo também o traslado dos documentos que descobriu no Arquivo da Câmara Municipal de Elvas.
13Sem dúvida mais largas investigações nos arquivos e nos escritores permitiriam alargar essa terceira parte; mas faltando-me o tempo para essas investigações, exprimo o desejo que outrem as faça.
14O fim principal deste estudo é ministrar à ciência os dados essenciais de que ela carecia para completar com o conhecimento dos ciganos de Portugal o dos outros grupos irmãos, já mais ou menos estudados. O assunto era, por assim dizer, virgem, pois apenas aqui e ali se encontrava alguma rara e acidental notícia dos nossos ciganos e acerca da língua deles nem palavra nos nossos escritores, que até foram sempre escassos no que respeita aos ciganos em geral. Permita-se-me que ponha em relevo, todavia, que esse mesmo estudo se liga às minhas investigações gerais sobre as línguas mistas, de que os dialectos tsiganos são tão frisantes exemplos, e sobre os problemas da etnologia geral, tais como a persistência dos caracteres étnicos, as migrações, as formas primitivas das relações internacionais, problemas para cuja solução a tsiganologia ministra dados importantes.
15Julguei dever encerrar-me em muito modestos limites. Os problemas gerais relativos aos tsiganos (designo assim, com outros investigadores, os ciganos portugueses e todos os grupos parentes dos outros países) têm sido objecto de consideráveis trabalhos, a que envio o leitor desejoso de se informar, porque poderia dar apenas a minha opinião e de modo algum materiais novos para resolver aqueles problemas; e essa mesma opinião não ofereceria nada de novo, pois eu sigo simplesmente a direcção em que se colocam os espíritos menos fantasistas e que é a que prevalecerá naturalmente na ciência.
16O presente trabalho demonstra, creio, que os ciganos de Portugal devem ser considerados como um simples ramo dos gitanos de Espanha; ora a língua destes foi objecto de diversas publicações, conhecidas, dos principais glotólogos que se ocuparam da língua tsigana, Pott, Ascoli e Miklosich ; por isso limitei-me, em geral, a comparar o cigano com o gitano, sem ir mais longe, porque se quisesse penetrar nas fontes remotas do cigano e do gitano pouco mais poderia fazer que repetir o que escreveram aqueles investigadores célebres, e esse pouco exigiria longos estudos para os quais me faltam o tempo e os indispensáveis meios.
17A quem queira instruir-se sobre os tsiganos em geral indicarei, além dos trabalhos de Pott, Ascoli e Miklosich, cujos títulos transcrevo mais abaixo, as seguintes publicações, em que, como nas desses glotólogos, se acham abundantíssimas indicações bibliográficas, que não haveria utilidade nenhuma em repetir aqui:
18Origin of Gypsies in Edimburgh Review, n.° 303.
19Francis H. Groome. Gipsies in The Encylopaedia britannica, vol. x (1879), pp. 611-618.
20Adriano Colocci. Gli Zingari. Storia d’un popolo errante. Turin, 1889.
21Guido Cora. Die Zigeuner in Das Ausland. Jahrgang 63 (1890), n.os 31, 32, 33, 34, 36.
22Pischel. Die Heimat der Zigeuner in Deutsche Rundschau 1883, Sept., pp.353-375.
23Paul Bataillard. Diversas memórias, cujos títulos se acham em Colocci.
24A. Pott in Internationale Zeitschrift für allgemeine Sprachwissenschaft, II (1885), pp. 110-115.
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