A herança patrimonial portuguesa em Marrocos
Uma perspetiva contemporânea
p. 87-106
Texte intégral
1Propomos aqui uma leitura das dinâmicas do “fenómeno patrimonial”1 que envolvem as heranças arquitetónicas dos portugueses na costa atlântica de Marrocos. Na apresentação desses processos de patrimonialização procuraremos ter em conta tanto os laços diretos com o meio físico e social envolvente, quanto as relações que se estabelecem a uma escala geográfica e conceptual mais vasta.
2A nossa atenção focalizar-se-á, sobretudo, no impacto das construções nos espaços públicos, tendo em conta a sua dupla presença, por um lado representativa da sua “visibilidade”, da sua força ostensiva no quadro urbano, mas por outro de ocultação das alterações a que foram sendo sujeitas: a sua constituição material original e a sua utilização específica – principalmente militar – emprestam-lhes a inércia inerente à ilusória falta de maleabilidade das construções imponentes.
3Os vestígios portugueses desempenham hoje um papel importante na construção da autorrepresentação de Marrocos, mas sobretudo na projeção emitida para os estrangeiros, nomeadamente, os turistas. Esses vestígios têm um valor histórico e simbólico particular no conjunto do património arquitetónico marroquino sobretudo em virtude do seu carácter alógeno. Na verdade trata-se de construções produzidas por uma “geografia colonial espacialmente diferida” (Turco 1988: 184), objetos que, no momento da sua conceção, não contemplaram qualquer mediação com os locais, sendo, de certa forma, impostos ao lugar, com vista à sua modificação.
4Tendo em conta o período de permanência dos portugueses no atual território de Marrocos (1415-1769), a sua herança mergulha as origens num passado longínquo que poderíamos definir como “o passado do passado”. Isso permite situar os confrontos históricos – militares, religiosos e sociais – fora da memória imediata e num espaço percetivo externo aos factos contemporâneos. A distância temporal relativa da colonização portuguesa faz com que a memória recente não retenha lembrança dos portugueses. As arquiteturas luso-marroquinas2, bem como o processo de conquista que as justificou, são, por isso, um caso interessante para o estudo da integração do património no espaço construído contemporâneo. A sua condição permite, e obriga, a (re)classificar com um novo estatuto os edifícios para os guardar num espaço imaginário concomitante com o atual. A atribuição de um estatuto patrimonial é, frequentemente, o artifício utilizado pela contemporaneidade para se relacionar com o passado e para integrar o património edificado. Esta transformação semântica coloca, por vezes, problemas de integração real, porque nem sempre responde às necessidades ou desejos daqueles que habitam o espaço em que ocorre.
5Hoje questiona-se o entendimento dessa herança; inicialmente patrimonializada devido ao valor da sua antiguidade, tenta agora rentabilizar-se o seu estatuto, o que leva à procura, por vezes alienada, da sua função cultural. Está, assim, lançada a questão relativa às possibilidades de uso – cultural ou outro – dos objetos patrimoniais. Quantas das suas utilizações são exequíveis? Quais aquelas que são compatíveis com a experiência semântica e técnica do objeto em questão? Mas, sobretudo: quais são as funções compatíveis com as vontades e necessidades do Marrocos contemporâneo?
O primeiro momento da futura herança
6A construção das fortificações costeiras deveu-se à vontade política da Coroa Portuguesa, cujo projeto expansionista começou na África do Norte no século XV. Este projeto, de origem externa ao atual território marroquino, regulamentou a sua implantação, tanto ao nível geopolítico como arquitetónico e urbanístico. Os portugueses montaram uma armadura costeira de bases militares e comerciais que, depois da tomada de Ceuta em 1415, se estendeu progressivamente para sul e oriente, acompanhando o desenvolvimento da nova potência económica e marítima.
7Esta expansão apoiou-se fortemente nas capacidades de navegação dos portugueses, mas também na introdução da defesa em fogo cruzado que se concretizou com a cortina abaluartada. A análise da componente militar da herança portuguesa em Marrocos permite acompanhar a passagem das fortificações medievais para as do Renascimento. Desde a muralha de Ksar al-Seghir às fortificações de Safi, Arzila e Azamor, passando pelo extraordinário caso de Aguz e, finalmente, pelo de Mazagão/Al Jadida, encontramos exemplos que testemunham as modificações radicais que a morfologia das fortificações sofreu entre a Idade Média e o Renascimento, entre a época do combate com arma branca e a da utilização massiva das armas de fogo e do canhão.
8As fortificações marroquinas foram fundamentais na experimentação dos meios que viriam a permitir a expansão lusa, que encontrou em Marrocos “um verdadeiro laboratório de ensaios e soluções para a aclimatação da arte da guerra do Mediterrâneo a outras latitudes, onde serão testadas, retidas ou aperfeiçoadas as futuras formas de dominar o mundo” (Moreira 1989: 119).
9O dispositivo litoral português em Marrocos era constituído por portos que não mantinham relações fortes com o interior e que, por isso, sofria uma evolução quase independente dos enclaves litorais. De resto, historicamente, e para além do caso dos enclaves estrangeiros, a antiga influência das cidades litorais sobre o interior do país foi até aos nossos dias, sempre bastante limitada, situação que viria a inverter-se apenas com os desígnios coloniais do século XX. Nos períodos anteriores À colonização foram, ao contrário, sobretudo as cidades interiores que, com iniciativas variadas e sucessivas, projetaram o seu poder sobre a costa.
O processo de patrimonialização
10O processo de valorização dos vestígios da presença portuguesa inaugura a implementação de regulamentação relativa ao reconhecimento e à proteção do património construído instituída pelo protetorado francês. Instigado pelo Marechal Lyautey, Comissário Residente da República Francesa em Marrocos, o Sultão Moulay Youssef promulga, a 1 de Novembro de 1912, um dahir que abrange as dependências militares, as muralhas, a cisterna e os lugares “históricos” de Mazagão/Al Jadida. A 26 de Novembro do mesmo ano, Lyautey coloca sob dependência do Makhzen a totalidade dos monumentos do país, instituindo, a 28 do mesmo mês, o Serviço das Antiguidades, Belas Artes e Monumentos Históricos.
11Esta atitude estava certamente ligada à vertente romântica do ideal de expansão das potências ocidentais, como se poderá deduzir, um pouco mais tarde, a partir das palavras memoráveis do trabalho de Mme Périale, que refere a importância dos dahirs relativos à proteção do património e a soberana maneira de pensar do Marechal Lyautey que resgataram o “sumptuoso Marrocos” das ruínas em que se encontravam “as coisas e os seres” (Périale 1935).
12As noções de património histórico e da sua proteção são simbióticas com o processo colonial da modernidade. Elas arrastam uma panóplia de temáticas de reflexão ligadas à proteção da identidade cultural, às reivindicações territoriais e culturais, às mestiçagens culturais, à independência dos povos e à sua autonomia.
13A política marroquina de salvaguarda e recuperação do património tem, desde então, seguido inequivocamente as escolhas tomadas pelo “protetor” francês e respeitado as disposições legislativas e regulamentares relativas aos aspetos urbanísticos promulgadas entre 1912 e 1956 (disposições essas que se inscrevem diretamente na produção do direito administrativo francês e, europeu, de forma mais geral).
14Hoje, a política de intervenção sobre o património de origem portuguesa em Marrocos é um dos ingredientes das relações diplomáticas entre Lisboa e Rabat. Portugal e Marrocos assinaram uma série de acordos político-institucionais relativos às heranças culturais ditas comuns. O que formulamos aqui é a hipótese de uma unidade, de um princípio inspirador comum a todas as decisões e ações realizadas no território marroquino a esse nível.
15O património de origem portuguesa é, em geral, mal conhecido. Só as pessoas que vivem perto de um sítio historicamente português têm alguma consciência dele, ainda que geralmente superficial e estereotipada. É sobretudo a duração da presença portuguesa que é ignorada: cita-se, vulgarmente, o século XV e XVI como sendo o período de ocupação lusa. A noção histórica de que a permanência portuguesa em Mazagão ou em Tanger foi de longa duração, e de que se prolongou no território até ao século XVIII (excluindo aqui Ceuta), não encontra muito eco nas apreciações comuns dirigidas a esta presença. A maior fonte de informação para o tema é a televisão que prefere difundir a ideia de uma ocupação breve e pontual, logo menos “aviltante”. Os dois casos mais significativos de recuperação e valorização do património de origem portuguesa em Marrocos seguiram, contudo, dois caminhos distintos: um, não-governamental e turístico, e outro, científico e institucional.
Arzila e a Torre de Menagem
16Ocupada pelos espanhóis entre 1912 e 1956, Arzila nunca foi suficientemente poderosa para poder assumir um papel nacional de primeiro plano, transformando-se, quando terminou o estatuto internacional de Tanger, numa espécie de satélite da cidade do Estreito.
17A longa permanência portuguesa evidencia-se na estrutura morfológica da cidade, dado que existem praças intramuros e que a principal de entre elas – a praça Abdellah Guennoun – é vulgarmente chamada de T’rriro (do português, “terreiro”).3 Para lá converge um pequeno bairro de estrutura e trama quase regulares. A fortificação da vila, obra do arquiteto Diogo Boytac, datada do período manuelino, é ainda hoje visível. Os arquitetos e engenheiros militares tinham a última palavra no que respeitava a defesa, favorecendo a mobilidade das tropas no interior das praças-fortes: a guarnição devia poder acorrer rapidamente onde fosse necessário e, por causa disso, a largura das ruas de ligação deveria ser ampla e homogénea ao longo de todos os trajetos, devendo estes ser o mais retos e diretos possível.
18Bab Homar, a porta que dá para as terras do interior, está inserida num baluarte que é tipologicamente posterior à torre de menagem. Este constitui um exemplo dos primórdios da introdução dos canhões na defesa: as canhoneiras de que os bastiões eram dotados permitiam aos defensores “bater” todo o território envolvente, numa época em que esta conceção de defesa era ainda desconhecida. Os muros de defesa são muito visíveis e têm um peso considerável na imagem da cidade. A cerca está intacta e a sepultura de um marabuto, o palácio de Raissouli e ainda, depois da construção do último andar, a silhueta da torre de menagem, abrilhantam o aspeto espetacular da cidadela junto ao mar.
19Hoje, as pedras da muralha encontram-se à vista, sem qualquer reboco. A escolha deste tipo de restauro, bastante alheio a uma atitude conservadora,4 empresta-lhes uma fascinante expressividade, resultado do jogo de luzes e sombras que ganham forma quer com a luz natural, quer com iluminação artificial. Os muros revestem assim uma função cenográfica e turística, não apenas pela imagem que proporcionam, mas também porque funcionam como suporte e pano de fundo à atividade dos restaurantes e dos cafés que acolhem nas suas imediações, do lado exterior, emoldurando o espaço público das atividades quotidianas, de lazer ou repouso, comércio ou passeio da comunidade. Um imenso passeio arborizado serve igualmente os cafés e os vendedores ambulantes que o ocupam, aproveitando a sua sombra.
20O mercado subterrâneo que se encontra junto aos muros, a sul de Bab Homar, retoma o tema arquitetónico do antigo fosso. Foi construído em 1985 e é praticamente invisível: do nível do chão emerge apenas a cobertura. Este mercado tem a vantagem de não prejudicar a vista e, logo, a imagem das muralhas, preservando, ao mesmo tempo, o lugar tradicional do mercado de frutos e legumes extramuros que foi, outrora, semanal.
21A qualidade do espaço intramuros de Arzila explica que ela seja frequentada em virtude da sua “vida quotidiana” e do seu Festival5 como o referiu já Berriane há mais de dez anos:
Seja pela profundidade histórica, seja pela vida quotidiana que a Medina – uma das mais bem conservadas – esconde, ou ainda, pela animação cultural desenvolvida pelos seus habitantes e eleitos, a verdade é que tudo isso constitui uma importante base para um produto turístico diversificado, cada vez mais procurado pelo turismo de massas que mostra sinais de cansaço em relação ao produto exclusivamente balnear (Berriane 1994: 6 – tradução da editora).
22O centro histórico intramuros é suficientemente pequeno para poder ser gerido tanto pela administração pública quanto pelo turista mas, ao mesmo tempo, suficientemente grande para poder oferecer um considerável acervo de imaginário a explorar sob o ponto de vista cultural e turístico. Até aos anos setenta do século XX, a economia local era a de uma vila de pescadores e agricultores que no período estival disponibilizavam alojamento privado, incentivando, desse modo, um turismo balnear popular. Mas nesta pequena cidade, a torre de menagem tornou-se progressivamente um símbolo da valorização do património cultural, por forma a adequar-se a outro tipo de turismo e desenvolvimento.
23A atividade cultural e turística de Arzila pode ser considerada como o resultado da ação de duas figuras que concentram em si poder, capacidade de promoção cultural e carisma: Mohammed Ben Aïssa6 e Mohammed Melehi.7 Por terem pressentido o sentido das evoluções futuras ou, simplesmente, por terem eles próprios contribuído para elas, ambos se tornaram referências fundamentais para toda e qualquer atividade económica da cidade.
24No princípio dos anos setenta constitui-se a associação cultural Al Muhit8 que virá a conceber e a gerir o Festival Internacional de Arzila (iniciado em 1978) e da qual Mohammed Ben Aïssa será o primeiro presidente. É assim que, por ocasião da 25a edição desse festival, ele relembra esse nascimento glorioso:
Foi o início, o verdadeiro início. O começo de todas as coisas da cidade: todos os serviços, infraestruturas e instalações. (…) Tínhamos criado a Associação Cultural Al Muhit, a primeira organização não-governamental do país (Ben Aïssa in Fondation du Forum d’Assilah 2003: 4 6 – tradução da editora).
25A ação de atores privados tem, sem dúvida, o mérito de cumprir a primeira e a mais espetacular das intervenções sobre a herança luso-marroquina: a “recuperação” e a construção parcial da torre de menagem de Arzila. A pedido de Mohamed Ben Aïssa9 – então presidente da comuna – a Fundação Gulbenkian, que já marcara presença em Marrocos com a criação do monumento comemorativo da passagem portuguesa no Cabo Bojador em 1434, concebeu o projeto e financiou a maior parte dos trabalhos de valorização.
26A torre funciona como o catalisador dos discursos relativos aos factos patrimoniais. O mito do universalismo e das relações culturais amigáveis é manifesto nalguns dos discursos de inauguração.10 O Presidente Mário Soares afirmará, por exemplo:
O novo mundo multipolar exige, dos países e dos povos, o reforço das formas de cooperação e afirmação de zonas geográficas de grande interesse estratégico (…). A inauguração da torre de Arzila foi um ato de confirmação dessa vontade universal (cf. Fundação Gulbenkian 1995: 7 e 8).
27Poder-se-á perguntar se a “produção” da imagem da torre de Arzila, ou os efeitos resultantes das diversas intervenções da Fundação Gulbenkian espelham uma tentativa de manutenção e reforço da difusão da cultura portuguesa, do espaço e “mercado” lusófono/luso-tropical e do poder político de Portugal. Mas, de facto, os decisores de Arzila, conscientes das forças económicas e da realidade marroquina, planificaram estrategicamente a introdução no mercado do acervo patrimonial da cidade, como se se tratasse de um verdadeiro investimento. Este processo de patrimonialização, pouco frequente em Marrocos, é significativo na medida em que manifesta um propósito de desenvolvimento e uma visão estratégica de longo alcance.
28Sem esta estratégia de patrimonialização forçada, a cidade teria provavelmente sofrido uma degradação extrema, como a que afetou durante muito tempo Azamor: uma cidade comparável à de Arzila, do ponto de vista das suas dimensões, do seu valor estético, da consistência e do estado do seu património construído. A cidade de Azamor é um bom exemplo para mostrar o que (não) se passa quando não se encontram meios para contrariar a inércia acumulada: o declínio total que encontramos nas pequenas cidades marginais aos eixos nacionais do desenvolvimento.11 Perante o exemplo de Azamor, podemos compreender como o caso de Arzila foi durante muito tempo excecional em Marrocos. A cidade pôde, de facto, beneficiar de contingências raras, senão únicas: um Ministro com poderes, capaz e interessado, a vontade de estimular a cooperação bilateral (tanto da parte de Marrocos, quanto de Portugal), e a disponibilização de verba por parte da Fundação Calouste Gulbenkian.
29De facto, a torre de menagem em Arzila reunia todas as condições para captar esforços e interesses diferenciados: esteticamente impressionante, soberbamente localizada entre o porto e a cidade, antiga e visível a partir de qualquer ponto, encerrava ainda a carga simbólica que lhe advém do facto de, alegadamente, ter sido aquele o último sítio onde pernoitou D. Sebastião antes da batalha de Alcácer Quibir. Esta torre é ainda interessante nas suas múltiplas formas de ser monumental: ela nasce como monumento ao poder de D. Manuel mas, com o tempo, e perdendo a sua primeira função monumental, torna-se mero monumento histórico; depois, com a sua reconstrução parcial, adquire uma dupla função monumental: a nominalmente histórica e a que celebra, os atores chave da sua reabilitação (Mohammed Ben Aïssa e a Fundação Calouste Gulbenkian).
30Os trabalhos realizados não satisfizeram, no entanto, o Centro do Património Marroquino-Lusitano12, que teria preferido uma intervenção diferente, geradora de uma estratégia global de intervenção no conjunto do património de origem portuguesa em Marrocos e que proporcionasse aos visitantes e turistas uma leitura mais “científica” da paisagem.13
31Infelizmente, um investimento económico de tal dimensão não parece ter tido consequências consistentes, e a imagem da cooperação luso-marroquina não saiu verdadeiramente reforçada.14 A nossa pesquisa revelou que os habitantes de Arzila desconhecem que as obras de restauro foram financiadas por Portugal. E esse facto tem enfraquecido a vontade de investimento de grandes montantes sem garantia prévia de um retorno de imagem suficientemente forte que justifique uma operação deste tipo por parte de Portugal.
32Hoje, a Torre integra-se na vida citadina apenas pela sua vertente icónica. Ela está aberta unicamente ao serviço das exposições e visitas turísticas, e as atividades a que se destina são pagas. O património, socialmente inapropriável, torna-se objeto de mera observação; o monumento é um objeto em torno do qual se pode girar, mas não há nada no seu interior: o monumento está “vazio”.
AlJadida, a corrida ao reconhecimento
33O abandono da cidade de Mazagão depois da partida dos portugueses em 1769 prolongar-se-á até 1821, data em que a colónia judia de Azamor solicita ao sultão Moulay Abderrahmane o direito de estabelecimento na cidadela fortificada (Ricard 1935: 2). Uma vez concedido o pedido, esta toma o nome de Al Jadida (“a Nova”), nome que viria a ser substituído, durante o Protetorado, por Mazagan, do português Mazagão15.
34A colónia judia empreendeu uma reconstrução ativa do bairro intra-muros que havia, entretanto, sofrido significativa degradação. No século XIX, a cidade conheceu um forte desenvolvimento comercial que, apoiando-se no porto já construído pelos portugueses, deu vida a uma cidade florescente (Jmahri 1987: 47). O período é marcado por grande prosperidade económica da cidade, tendo a população quadruplicado entre 1832 e 1886. AlJadida ocupa, então, o primeiro lugar no leque de portos marroquinos pelo seu tráfego, logo antes de Casablanca, cujo rápido crescimento virá, durante a primeira metade do século XX, a destroná-la.
35A cidade é, desde há muito, destino de um importante fluxo turístico. A esse nível, a sua importância à escala nacional não é recente: o plano de urbanismo de 1916 prevê uma expansão da cidade ao longo da praia e da baía de modo a acolher os residentes franceses e alguns extratos da burguesia marroquina, recebendo então a cidade o epíteto da “Deauville marroquina”.
36As muralhas continuam a ser uma marca característica do bairro histórico, tendo a ocupação judia mantido a estrutura viária prévia e a tipologia do habitat. Só mais recentemente as zonas mais periféricas sofreram – embora moderadamente – modificações morfológicas semelhantes às de outras pequenas cidades da margem sul do Mediterrâneo.
37A cidade intramuros continua assim a apresentar hoje uma imagem de notável uniformidade, sem com isso deixar de evidenciar uma mistura de estruturas fascinante, o que, de certa forma, contrasta com a pobreza dos seus atuais ocupantes. Este desequilíbrio resulta de um processo já antigo de abandono da cidadela por parte das populações mais favorecidas, que se instalaram na cidade extra muros ou, no caso dos judeus, em Casablanca ou em Israel. O bairro antigo tornou-se destino de imigrantes de origem rural e espaço de residência de populações empobrecidas, de rendimentos irregulares, tocadas por manifestações de marginalidade social: delinquência, prostituição, droga. Tudo isto fez com que o “bairro português” ganhasse progressivamente conotações negativas.
38Na verdade, o bairro tem uma dupla denominação: ora “cité portugaise”, quando se utiliza a denominação oficial – a que serve, por exemplo, os mapas da cidade, ou que encontramos na sinalética urbana, ora a de mellah, utilizada na linguagem popular corrente. Claro que a memória do termo mellah, que revela a lembrança do seu povoamento judeu, é carregada de conotações pejorativas mas, antes de mais, ela responde – pelo menos nos dias de hoje – à ausência de outro termo satisfatório. Esta hesitação na denominação faz eco das incertezas relativas ao estatuto do bairro e às muralhas que o contêm. Como diz Philippe Gervais-Lambony (1995: 479), “um lugar com um nome claro é facilmente identificável e percetível pelo cidadão”. No início dos anos 90, esta dificuldade de identificação era evidente em AlJadida e, em todo o caso, a perceção da cidadela era ainda negativa.
39O principal edifício do bairro é a Cisterna portuguesa. Construída em 1514, foi transformada em reservatório de água por altura do levantamento das muralhas. Desde 1821 até hoje ela funcionou, do ponto de vista morfológico do bairro, como uma “mesquita pagã”, em torno da qual se reúnem os comerciantes do lugar. A cisterna não sofreu nenhuma alteração maior na sua estrutura16 para além da transformação de uma das suas torres em minarete, no fim do século XIX, como nos escreve Jean Goulven (1917).
40A igreja principal do bairro – Nossa Senhora da Assunção – serviu de casa de habitação ao longo do século XIX para se vir a transformar em lugar de culto católico durante o protetorado francês, depois de realizados trabalhos de restauro em 191917; hoje é um espaço público destinado a atividades culturais. Em estaleiro desde 1994, a nave foi aberta ao público durante o verão de 2003, inaugurando-se uma exposição itinerante – Mazagão: patrimoine édifié d’origine portugaise – que exibia um detalhado levantamento do bairro, realizado pela Faculdade de Arquitectura do Porto18.
41O início da patrimonialização dos vestígios portugueses em AlJadida participa de uma conceção mais generalizada em Marrocos, de espetacularização do facto patrimonial; a intenção mais ou menos declarada, consiste na encenação patrimonial com vista a um desenvolvimento do tipo turístico “de base”. Foi com este fim que, por volta de 1985, foram levados a cabo uma série de trabalhos especialmente focalizados na cidadela, que modificaram profundamente o seu impacto visual, esforçando-se por dar uma ilusão de maior antiguidade de certas partes da sua estrutura interna. Do ponto de vista técnico, este projeto que apelidamos “do governador”, devido ao interesse manifesto do Governador da época, previa a revalorização do eixo principal da cidade em forma de “cone ótico” entre a porta principal – aberta em 1916 – e a Porta do Mar, através da ampliação de algumas ruas.
42As ações mais significativas no que respeita ao património lusitano foram a demolição dos restos do baluarte do Governador (de origem portuguesa), a construção de uma torre, no ângulo da cisterna – destinada a albergar um posto de polícia – o nivelamento de alguns pequenos edifícios situados ao lado da cisterna e da frágil passagem aérea, construída durante o protetorado, que ligava a antiga igreja ao presbitério. Essas intervenções mereceram muitas críticas – sobretudo vindas dos arqueólogos do Ministério dos Assuntos Culturais – dado que impediram, a partir daí, as escavações arqueológicas. Trata-se de um caso evidente em que a espetacularização banal do fenómeno patrimonial tornou impossível toda a prossecução da pesquisa histórica. Mesmo a reconstrução – muito duvidosa tanto do ponto de vista da validação quanto da integração histórica – de uma torre, semelhante às outras três, no edifício da cisterna, faz prova de desprovimento “científico” numa intervenção que poderia ter alcançado os seus objetivos sem que isso implicasse a “falsificação” dos objetos ou que, pelo menos, acautelasse a sua prévia inventariação.
43O Ministério dos Assuntos Culturais exprimiu-se nesse sentido, através de uma série de protestos, mas não conseguiu evitar a iniciativa do Governador da Província. Esta impotência do Ministério da Cultura prolongou-se até 1980 e, mesmo hoje, o Centro do Património Marroquino-Lusitano não dispõe senão de um poder consultivo sobre o bairro e as suas funções são limitadas à intervenção nos edifícios em si.
44No interior do bairro português, procedeu-se ao reboco dos muros da rua principal, cometendo-se um erro que viria mais tarde a transformar-se em problema: a intervenção foi feita com reboco de cimento moderno que agarra mal sobre os materiais antigos. Isso levou à rápida deterioração do reboco, dando ao conjunto um aspeto muito degradado. Para além disso, o reboco utilizado foi de cor ocre, como já o fora para as partes mais evidentes das muralhas exteriores, tanto em AlJadida como em Azamor, sabendo nós que os Portugueses utilizavam, tanto para os muros como para as construções civis, o reboco de cor branca.
45Ao fundo da rua, mesmo junto da Porta do Mar, foi edificado um muro que se franqueia por um arco de alvenaria recuperado algures e reerguido ali. Esta intervenção, por mais insignificante que seja, permite rematar o “cone ótico”, que não poderia desembocar dignamente no modesto forno de pão que ali existe. A cisterna sofreu, também ela, uma “recuperação” que levou à eliminação dos restos das construções que se apoiavam nos seus muros exteriores. As fachadas da rua principal e da praça foram depois rebocadas novamente, enquanto, noutros pontos, as pedras da construção foram deixadas em bruto ou rusticamente cimentadas.
46Com vista a um “renascimento” – sobretudo económico – do bairro, foi lançado um programa de ampliação e alinhamento das ruas que atravessam o centro histórico. Isso foi realizado muito lenta e discretamente, provavelmente para evitar eventuais protestos ou a reclamação de indemnizações por expropriações por parte dos habitantes.
47Estes empreendimentos foram desenvolvidos na expectativa de um aumento significativo do fluxo turístico esperado, entre outras coisas, pela construção de uma marina de recreio cujo pré-projecto foi estabelecido em 1989 (Municipalité d’El Jadida 1990). Este último projeto de valorização encontra-se, no entanto, numa fase de quase suspensão, não se adivinhando a data e a forma do seu desfecho.
Um novo ator principal
48Na segunda metade dos anos noventa assiste-se à chegada de um novo ator patrimonial que depressa toma protagonismo: o, aqui já mencionado, Centre d’études et de recherches du patrimoine maroco-lusitanien. Este organismo, que depende do ministério marroquino da Cultura e da Comunicação, foi criado em colaboração com as autoridades portuguesas, com o objetivo de centralizar as investigações e as ações de reabilitação e restauro do património português. A sua sede situa-se em AlJadida, paradoxalmente fora do “bairro português”.
49A cooperação institucional baseou-se em laços interministeriais, o que torna a sua atuação eventualmente mais lenta e menos espetacular do que os projetos desenvolvidos por privados em Arzila, mas lhe confere, no entanto, maior abrangência. O Centro – criado por decreto de 30 de Janeiro de 1995, embora inaugurado previamente em 13 de Julho de 1994 – é o resultado mais evidente deste tipo de cooperação. A inauguração fez-se com pompa e circunstância na presença do ministro da Cultura e da Comunicação, do governador da província de AlJadida, do embaixador português em Rabat e, consolidando a sua vertente científica, dos responsáveis do Campo Arqueológico de Mértola e da então diretora do Palácio Nacional de Sintra (vila geminada com AlJadida).
50Este Centro foi instituído pelo protocolo de cooperação entre Portugal e Marrocos assinado em Lisboa a 24 de Setembro de 1993, que prevê a criação em Al Jadida de um “departamento de estudos relativos à salvaguarda dos monumentos patrimoniais portugueses em Marrocos” (Visite officielle de Sa Majesté le Roi Hassan II au Portugal, 1993: 59). A sua atividade está sobre a alçada de uma comissão mista que deve reunir uma vez por ano, alternadamente em cada um dos países. A estrutura que lhe preside é fortemente orientada para uma arqueologia não intrusiva e restritiva, focalizando-se na dimensão exclusivamente morfológica e material do património construído e distanciando-se das dinâmicas da sua valorização. A sua ação, legitimada pela sua dependência direta dos mais altos níveis do Estado, visa a garantia de uma integração máxima das ações e atores locais.19
51O campo de atuação do Centro de Património Marroquino-Lusitano circunscreve-se à herança reconhecida juridicamente enquanto património – tudo aquilo que é legalmente protegido –, o que o torna relativamente impotente face ao número considerável de demolições efectuadas para além dos limites assim estabelecidos. Dessa restrição é exemplo a Igreja espanhola, edifício histórico em risco que se encontra no interior da cidadela e que é referenciado na lista da ICOMOS e do Comité do Património Mundial (UNESCO). Por não ser nem classificada, nem portuguesa, fica fora da esfera de intervenção do Centro20. A compartimentação de poderes, embora compreensível, torna-se excessivamente rígida e constrangedora. Apesar das suas competências e boa vontade, o Centro sofre limitações operacionais muito fortes: tem funções de intervenção ao nível local e nacional, mas o seu orçamento é francamente limitado e não dispõe senão de um poder consultivo. Apesar disso, é preciso reconhecer que introduziu competência científica e técnica no acompanhamento das intervenções no património de origem portuguesa, elevando a qualidade dos trabalhos precedentes na área do restauro.
52A primeira iniciativa operacional desta instituição consistiu no inventário conjunto do património móvel e imóvel, com vista a uma definição efetiva do acervo patrimonial português. O inventário visava a constituição de dossiês individualizados sobre os diferentes monumentos, que permitissem a sua recuperação e reabilitação, entendida como revificação “... porque não basta restaurar; é preciso, também reabilitar esses monumentos, fazê-los reviver” (Zurfluh, 1994: 12 – tradução da editora).
53Foi nesse âmbito que, nos anos 1995 e 1996, se iniciaram os trabalhos da muralha e da igreja de S. Sebastião – edifício que chegou anteriormente a funcionar como sinagoga. Daí para a frente, esta construção destacar-se-á do conjunto edificado da cidadela graças ao seu imaculado reboco branco. As antigas grades das janelas – de formas sugestivas e corroídas pelo sal, o que contribuía para a sua aura romântica e evocava a relação com o mar – foram substituídas por grades novas e janelas de quadrícula. Mesmo conhecendo a insuficiência dos meios financeiros e as limitações técnicas da mão-de-obra local, um caixilho sem interrupção visual teria sido mais eficaz na manutenção do pathos do sítio.
54Também a cisterna foi alvo da ação direta do Centro. Todos os objetos que albergava – canhões, fuzis, outro tipo de armas, etc. – foram devidamente inventariados e classificados. Terminado o inventário, procedeu-se a algumas alterações nas salas contíguas à cisterna propriamente dita. A eliminação dos apendículos supérfluos do século XIX permitiu ganhar algum espaço na entrada onde agora se exibem as peças encontradas durante os trabalhos também realizados na Igreja. Duas outras belas salas estão igualmente destinadas a exposições temporárias. Os trabalhos de beneficiação terminaram em Outubro de 2003.
55Foi por essa altura, dada a nova configuração dos atores do património luso-marroquino – e provavelmente inspirada pelo êxito prévio da cidade de Essaouira – que AlJadida se lançou na constituição de um dossiê de candidatura a Património Mundial pela UNESCO, também movida, obviamente, pelo desejo de desenvolvimento do sector turístico ativado pelo património. A primeira tentativa de inscrição terá, em grande parte, falhado pela ausência de coordenação territorial indispensável para a salvaguarda e revalorização de qualquer perímetro patrimonial. As recomendações dos avaliadores da proposta sugeriram “a redefinição do sítio por forma a incluir toda a zona do sistema defensivo, a extensão da zona buffer, a configuração e implementação do plano de ordenamento e de conservação e o estabelecimento de um plano de controlo para a área envolvente, incluindo estudos de impacto do desenvolvimento proposto para as zonas adjacentes à fortificação” (UNESCO, World Heritage Convention 2002: 23). O relatório sublinhava assim a necessidade de ter em conta um espaço patrimonial homogéneo que não se restrinja aos monumentos, mas contemple a integridade do bairro intramuros, a sua envolvência, e manifeste o empenho num plano de gestão relativo aos projetos previstos para as zonas adjacentes (pressentindo-se desaprovação relativamente à construção da marina de recreio, tal como fora, então, apresentada).
56Um segundo dossiê foi posteriormente apresentado, desta feita com representação de todas as instituições e algumas ONGs locais e tomando em consideração as alterações propostas pela UNESCO (Chahid 2004 e comunicações verbais).21 Foi esta a proposta aceite pelas instâncias da UNESCO que inscreveram, no Verão de 2004, “la ville portugaise de Mazagan (Al Jadida)” na lista do Património Mundial.
57Apesar deste sucesso, é triste constatar uma série de imprecisões no formulário oficial de candidatura que ficou online no sítio web da UNESCO.22 Ali se lia que a “colónia foi reconquistada” quando, na verdade, não existia ali nenhuma colónia, nem sequer uma vila, antes da chegada dos portugueses23. Por outro lado era referido que aquele foi um dos primeiros estabelecimentos dos exploradores portugueses na África Ocidental quando, na realidade, se trata do último estabelecimento dos portugueses em Marrocos. A candidatura referia ainda uma confusa ligação entre a África “branca” e África “negra” e colocava Mazagão no “caminho para a Índia”, sabendo-se que Mazagão não se inscrevia nessa rota.
58É mais que evidente que a situação do património de origem portuguesa em Marrocos está a mudar. Os monumentos restaurados e patrimonializados são cada vez mais frequentemente retirados do espaço comum e transformados em enclaves. Já sublinhámos o fecho da torre de Arzila, da antiga igreja/sinagoga de S. Sebastião em AlJadida e também as restrições de acesso à cobertura da Cisterna e à Igreja da Assunção. Noutra situação chegou mesmo a tentar fechar-se ao público o acesso ao passadiço das muralhas de AlJadida24. Limitando-se o acesso a estes bens patrimoniais, cria-se um paradoxo: ao mesmo tempo que se lhe atribui valor histórico, assiste-se à sua “exclusão”, à sua “expulsão” da história. Claro que estas escolhas não implicam má-fé, mas o efeito colateral do impulso protecionista do património, redunda na transformação da paisagem urbana numa série de representações tipo “postal ilustrado”, acéticas e irreais, cujos beneficiários são os turistas, por definição estrangeiros aos lugares em causa. A produção destes espaços acéticos tem efeitos negativos sobre os habitantes que deixam de ter a possibilidade de usar os “seus” espaços sem, contudo, beneficiarem das vantagens económicas produzidas pelo turismo.
Conclusões
I.
59Quisemos aqui sublinhar as linhas de força que transformam a coleção dos bens culturais de origem portuguesa num conjunto de objetos patrimoniais. O nosso pressuposto foi o de uma re-territorialização desses enclaves que, por múltiplas razões, se reinscrevem hoje no espaço urbano com configurações que derivam das suas características territoriais originais. A sua territorialização original fornece memórias materiais e espaciais organizadas que alimentam os processos de patrimonialização agora em curso. Na verdade, os objetos patrimoniais luso-marroquinos são fragmentos de território ambíguos: ao mesmo tempo que sofrem as dinâmicas da nação na qual residem territorialmente, são frequentemente considerados como expressão de interesse alógeno, ou mesmo neocolonial.
60A questão do restauro e da reabilitação de monumentos com fins patrimoniais é objeto de numerosos discursos e declarações formais promovidas pelos media. As ações empreendidas nesses domínios são, no entanto, pouco conclusivas porque agem apenas sobre a componente material do património e as mudanças que eventualmente suscitam acabam por ser muito limitadas. Assim, penso que podemos afirmar que os resultados decorrentes das políticas de salvaguarda do património de origem portuguesa em Marrocos são incongruentes. Isso pode ser explicado pela excessiva simplificação da leitura patrimonial operada por atores forçados a intervenções desconexas e sectoriais. A multiplicação e fragmentação de operadores – institucionais ou não, nacionais e estrangeiros – acentuam o carácter fracionado das intervenções sobre o património, frequentemente determinadas por contingências avulsas.
61Para além disso, é frequente que essas intervenções não tomem em conta as perceções patrimoniais dos habitantes locais e sobrestimem a vontade e disponibilidade económica dos operadores potenciais. Por isso são, por vezes, formuladas propostas de intervenção que, obrigadas a responder a necessidades de financiamento externo, acabam por desvirtuar o empreendimento patrimonial.
62A perspetiva patrimonial global coloca problemas de aceitação no mundo inteiro. Dada a sua origem europeia esta perspetiva deve ser filtrada e descodificada pelos diferentes Estados e populações por forma a ser vivida e reconhecida como própria. No caso específico da herança luso-marroquina, uma patrimonialização plena passa, necessariamente, pela aceitação, a reapropriação e incorporação do capital simbólico marroquino que também a integra.
63A atual “turisticação” implica novas atribuições à função cultural e, estas reconfigurações nem sempre acautelam o facto de o turismo frequentemente não compensar alterações na estrutura patrimonial. A utilização turística transforma o património, aproveitando economicamente as suas mais-valias; mas este processo “consome”, de facto, a patrimonialidade dos bens em questão. Ao não permitir a reciclagem da dimensão estratigráfica do facto histórico – o qual, precisamente, não tem sentido se não de forma estratificada –, este perde o seu valor e presta-se à banalização, num círculo vicioso.
64Por outro lado, a dissociação espacial dos fatores de encenação, de produção e transformação multiplica as possibilidades das dinâmicas de patrimonialização aleatórias na contemporaneidade.25
65As escolhas de localização das atividades produtivas estão ligadas, quando não diretamente dirigidas, às dinâmicas comerciais e espaciais do mercado mundial. Contudo, o património edificado, expressão material do “sector” patrimonial, ao mesmo tempo que se inscreve na potente corrente da mundialização carece de uma das suas variáveis fundamentais: é que o património construído, não é, por definição, des-localizável. Concebido segundo os princípios de uma localização hoje em desuso, ele entra – ou melhor, não entra – facilmente nas lógicas espaciais do desenvolvimento global. O património não tem capacidade de influência direta sobre as lógicas espaciais do sistema económico que o determina: sofre-as sem as poder moldar.
66Como todos os processos de patrimonialização, o da herança portuguesa em Marrocos deriva de séries compostas de ações que produzem perceções diferenciadas dos diversos monumentos históricos, aliás relativamente homogéneos entre si, e do seu meio envolvente. Essas diferenças de perceção remetem para as estratégias de intervenção escolhidas pelos agentes institucionais, e remetem para uma lógica elíptica de utilização do património edificado para “outros” fins.
67Parece-nos, apesar de tudo, possível detetar um princípio de coerência entre as diferentes estratégias de intervenção patrimonial, uma espécie de supraestrutura que acaba por organizá-las, ainda que de forma não totalmente consciente. Assim que o fragmento26 material “objeto português” se transforma em fragmento “património cultural”, a sua escala de referência e os seus limites são modificados sem que, no entanto, a sua escala espacial, as suas fronteiras e as suas referências materiais intrínsecas acompanhem o processo.
68A articulação do património português com a capitalização turística não é tão evidente como a que observamos em outras cidades como Fez ou Marraquexe. O processo de encenação não tem o mesmo aparato nas pequenas cidades ou em zonas geográficas marginais; no entanto, através dos casos aqui expostos, podemos afirmar que a herança portuguesa funciona como atração que deve valorizar franjas secundárias do mercado turístico nacional e internacional.
69Em Arzila, optou-se por concorrer aos benefícios de uma patrimonialização global, dado que os atores dominantes decidiram voluntariamente inscrever-se no processo de globalização. Os trabalhos ali realizados privilegiaram obras de restauro aparatosas, por um lado, e a produção de equipamentos turísticos dirigidos à clientela visitante, por outro. Esse será o percurso empreendido, muito mais tarde, em Mazagão/AlJadida.
70O “sintagma temporal” passado – presente – futuro, aplica-se aos casos aqui analisados. Constatamos que o mesmo é igualmente válido para as fortalezas do Gana, de Moçambique ou da Índia, em condições que podem sintetizar-se nos seguintes termos: turismo ou esquecimento. A ideia latente é a de que os responsáveis pelos sítios em causa tiveram que optar entre um ou outro. O facto de a escolha ser impreterível, no sentido em que uma opção interdita a outra, colocou-os perante um dilema.
71No que concerne o património – construção perecível, e valiosa apenas para aqueles que a reconhecem como tal – este sintagma não pode partir senão de um presente social. Contudo, uma vez “construído” e adotado o conceito de património, opera-se evidentemente uma deslocação ao passado, lá, onde é possível encontrar “objetos” suscetíveis de serem patrimonializados. Este recuo no tempo é essencial quando nos estamos a referir a construções e a monumentos, pois estes, dispondo de uma duração de vida perene e longa, estão especialmente “disponíveis” e abertos às negociações patrimoniais. Num segundo tempo, regressa-se ao presente. Esta segunda passagem ao presente diz respeito à aplicação dos conceitos patrimoniais à herança histórica, aplicação que segue as regras “hoje” em vigor. No momento atual a noção de rendibilidade económica pesa tanto que “comprime” todas as outras variáveis. Porque o turismo é frequentemente o meio mais simples, se não o único, para converter o valor patrimonial de um objeto em valor económico, consideramos que o futuro de um bem patrimonial tem como referência o turismo, sobretudo quando ele é, como nos casos aqui analisados, marginal em relação àquilo que constituiu as suas referências patrimoniais originais. O sintagma apresenta-se, então, do seguinte modo: presente – passado – presente – turismo.
72A segunda possibilidade é a de que, partindo-se do presente – no decurso do qual se constrói a ideia patrimonial – a deslocação para o passado se mantenha mas, desta vez, para excluir um objeto (mesmo se antigo e herdado) do conjunto patrimonializável, recusando-se-lhe a atribuição de um valor patrimonial que exceda o do seu valor material. Nesse caso, não existe razão para um regresso ao presente: o objeto em questão é abandonado ao esquecimento. Então o sintagma apresenta-se desta forma: presente – passado – esquecimento – esquecimento (futuro?)
II.
73O património é uma construção social que deve a sua existência a fatores culturais. Mitologias e/ou mitos são, a este nível, referências fundamentais que geram diferenças de valor entre diferentes edifícios e o passado. É esse diferencial de “valor” que distingue uma “velha construção” e um edifício patrimonial.
74Tivemos a ocasião de realizar um pequeno inquérito junto de alguns estudantes das cidades de Arzila, Azamor, AlJadida e Safi que, embora sucinto, nos permite, pelo menos, detetar algumas atitudes significativas a este respeito.27 Analisando os resultados, constatamos que as pessoas entrevistadas têm uma representação heterogénea, tanto em termos de perceção, quanto em termos de descrição dos bairros históricos das cidades. Pensamos que isso se explica pelos diversos mitos a que cada uma delas recorre para a construção das suas representações. Poderemos falar de uma patrimonialidade estilhaçada? Não iremos tão longe, porque para isso necessitaríamos de inquéritos mais aprofundados.
75Em Safi, onde, em nossa opinião, o património de origem portuguesa é melhor integrado na vida local, a cidade velha é percebida como um bairro “carregado” negativamente; isso não impede, no entanto, que, para a maior parte dos jovens interrogados, ela participe de maneira evidente na caracterização da cidade enquanto tal. Não é, portanto, lugar de uma “negatividade absoluta”, como foi, durante muito tempo, o caso da medina de Azamor, onde o sítio do mal era a kasbah, o antigo bairro português.
76Nos contextos em que foram empreendidos processos objetivos de produção cultural, como é o caso de Arzila, a parte histórica dos lugares apresenta vantagens evidentes, como a calma e a beleza; ao contrário, tanto em Al Jadida como em Safi, ou seja, nas grandes cidades, os fragmentos históricos apresentam-se como bairros bem distintos e carregados de valores negativos, não se fazendo apelo ao seu maior ou menor grau de patrimonialidade, mas sim à sua degradação e à imagem negativa que as medinas adquiriram ao longo dos tempos. É isso que explica, como vimos, em Al Jadida, as variações nas formas de designar o sítio histórico. Quando se trata das práticas quotidianas dos habitantes utiliza-se o termo mellah, que serve também para fazer referência ao seu antigo conteúdo social e étnico. Mas quando se quer designá-la perante alguém de nível superior de educação, utiliza-se o termo “Cité Portugaise”, um sentido “UNESCO oriented”, obviamente.
77O processo que transforma um património potencial num património real obriga à compreensão e aquiescência da legitimidade dos dispositivos legislativos e regulamentares. Só assim a verdadeira patrimonialização não será percebida como constrangimento.
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Notes de bas de page
1 Isto é: o conjunto das ações e dos efeitos ligados a um “objeto patrimonial”, tal como ele se apresenta no seu meio.
2 Utilizo o termo composto para indicar a dupla pertença estatutária: certamente portuguesa, irrecusavelmente marroquina.
3 Segundo Melehi (1983) as denominações topográficas internas da cidadela derivam tradicionalmente do nome de um santo ou de uma mesquita, de antigas personalidades da medina ou, ainda, das atividades desenvolvidas no lugar. Ao pretender conservar as denominações tradicionais, a administração marroquina acaba por introduzir novas, modificando as antigas: denominações impostas, que os habitantes quase nunca usam.
4 Hoje é possível ver, nos bastiões e nas muralhas, as pedras nuas, sem a proteção do reboco, o que não acontecia na época portuguesa: por questões de proteção do impacto dos projéteis, as paredes externas eram sempre rebocadas e lisas.
5 Lançado em 1972, e interrompido entre 1995 e 2001, continua até agora com grande sucesso.
6 Antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e ministro dos Assuntos Culturais (várias vezes entre 1985 e 1992), ex-embaixador nos EUA, e Presidente do Concelho do Município de Arzila.
7 Mohammed Melehi é um dos representantes das antigas famílias proprietárias de terras agrícolas na região de Arzila. Foi assessor do ministro dos Assuntos Culturais.
8 Denoeux e Gateau descrevem esta associação como “regional”, com uma forte relação com o poder central: oficialmente, os porta-vozes não têm um papel político instituído, mas os seus laços muito fortes com o poder autorizam-nos a duvidar que, na realidade, assim seja. Com efeito, algumas destas associações podem ser meros instrumentos de controlo, mais eficazes do que as antigas formas de regulação social: “A estratégia que consistira, nos anos 1960 e 1970, em apoiar-se nos notáveis rurais, deixou de ser suficiente para assegurar o nível de controlo social e político desejado pelo Palácio” (Denoeux e Gateau 1995: 23).
9 E segundo as palavras de José Blanco, então administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, “A proposta inicial partiu do lado marroquino: há já quase 10 anos, Sua Excelência Mohammed Benaissa, na época Ministro da Cultura e hoje, como antes, amigo de Portugal e amigo pessoal, tomou a iniciativa de se dirigir à Fundação Calouste Gulbenkian. Esta aproximação, que resulta da vontade iluminada de Sua Majestade o Rei Hassan II, de reafirmar cada vez mais os laços entre os nossos dois países, recebeu imediatamente o acolhimento positivo da Fundação” (ver Fundação Calouste Gulbenkian 1995)
10 Sob o alto patrocínio da família real e a participação do príncipe que é, agora, o rei Mohamed VI, como convém a um ato “importante” e “elevado”.
11 Nos últimos anos, contudo, o fenómeno de recuperação da medina de Azamor através da recuperação de muitas casas tradicionais, transformadas em casa de fim-de-semana, vem confirmar a análise aqui desenvolvida: sem um “artifício” (uma pessoa, agente, instituição ou ator económico que aja em primeiro lugar) a valorização patrimonial é quase impossível. No caso recente de Azamor, é de destacar, a esse nível, o papel do Ministro das Comunicações, que aqui não podemos seguir.
12 A propósito do Centre d’études et de recherches du patrimoine maroco-lusitanien, ver adiante.
13 Ver adiante. A então Diretora do Centro, que sempre se recusou a utilizar o termo “restauro” para se referir aos trabalhos empreendidos em Arzila, teria preferido uma série de pequenas operações repartidas sobre o conjunto do património português em Marrocos, acreditando que isso teria prevenido muitos dos problemas técnicos de que hoje padecem.
14 Segundo informação prestada na Embaixada de Portugal em Rabat em 1997, os responsáveis portugueses pelo projeto de Arzila não estão totalmente satisfeitos, na medida em que os custos foram demasiado elevados para o retorno obtido. O investimento foi de 920 milhões de escudos portugueses (cerca de 5 milhões de euros), sendo 10% da responsabilidade da Associação Al Mohuit.
15 Que, por seu turno é a apropriação do nome berbere da localidade pré-existente.
16 Isso é confirmado em Embaixada de Portugal 1985: 24
17 Os trabalhos de recuperação da igreja com vista á sua reutilização religiosa começaram a 4 de Agosto de 1919 (Ricard 1935. Ver, também, Correia 1923).
18 Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto em colaboração com o IPPAR e o Centro do Património Marroquino-Lusitano, no quadro de uma Ação Piloto de Cooperação Portugal / Espanha / Marrocos financiada pelo programa FEDER, 2001.
19 Entrevista com a então diretora do Centro do Património Marroquino-Lusitano em Setembro de 2005.
20 Entretanto vendida – a investidores privados e estrangeiros – e recuperada para atividade hoteleira, o que denuncia a especulação imobiliária esperada.
21 Entrevista a Azzeddine Karra, diretor do Centro do Património Marroquino-Lusitano até 2007.
22 http://whc.unesco.org/pg.cfm?CID=31&ID_SITE=1058&l=FRconsultadoemMaio2007
23 Posição contestada pelo arqueólogo e então diretor do Centro do Património Marroquino-Lusitano, proponente do dossiê de candidatura.
24 Ver Carabelli 1999.
25 Um dos exemplos mais evidentes disso é o do relato patrimonial produzido em torno da cidade de Essaouira: todos os produtos que contribuem para a promoção turística da cidade remetem para o seu espaço luso-marroquino, quando ela é de construção muito mais recente e nada reste da instalação portuguesa, abandonada em 1541. A fundação da atual cidade de Essaouira data de 1769, após a partida definitiva dos portugueses de Marrocos. A sua estrutura europeia deve-se ao facto de o seu plano ter sido concebido por um europeu (o francês Theodore Cornut, convertido e, à época, ao serviço do rei de Marrocos) e não, a qualquer intervenção lusa. Para aumentar a imagem histórica da cidade, foram instalados canhões na Skala – fortificação no lado marítimo – que evidenciam bem o escudo do rei português.
26 “A ausência de interpretações teóricas capazes de responder de forma efetiva às interrogações relativas a fragmentação da cidade e a concomitante dificuldade em construir um percurso explicativo convincente a partir de uma análise comparada, sublinham a necessidade de explorar novas formas de colocar a questão” (Balbo e Navez Bouchanine 1993:10).
27 O inquérito foi aplicado a cerca de trinta estudantes do último ano do liceu mais próximo dos bairros intramuros, com idade média de 18 anos.
Auteur
Tem formação em arquitetura e geografia e é membro do CITERES (Centre Interdisciplinaire CItés, TERritoires, Environnement et Sociétés) da Universidade de Tours. Foi coordenador do Projecto Mutual Heritage (EuroMed Heritage) e é especialista em património tendo publicado sobre o património de origem portuguesa em Marrocos. É diretor da revista EvHe – Evolving Heritage. Foi consultor do projeto Castelos a Bombordo II (PTDC/ANT/67235/2006).
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Castelos a Bombordo
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Portugal, séculos XIX-XX (2a edição revista e aumentada)
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As Lições de Jill Dias
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