Mouros, Ventres e Encantadores de Serpentes
Representações do mundo árabe nas recriações históricas em Portugal e Espanha
p. 64-84
Texte intégral
Introdução
1O propósito central deste texto é analisar como as representações e as auto-representações da cultura árabe1 se projetam em eventos performativos particulares, como são as recriações históricas de matriz cristã no mundo ocidental, nomeadamente em Portugal e Espanha, mas também na criação de espaços e de projectos performativos dedicados sobretudo à dança e à música de traços árabes ou orientais.
2Procura-se entender modos de configuração deste outro mundo através de formas de expressão performativa que re-emergem na actualidade europeia como exercícios nostálgicos e de ressemantização do passado europeu de matriz cristã. Em certo sentido, essas configurações articulam-se também na contemporaneidade com movimentos migratórios pensados na Europa como “preocupantes” e “ameaçadores”, e ao mesmo tempo com os “ventos da mudança democrática” que têm varrido várias nações árabes nos últimos tempos, equacionados numa terminologia política centrada e produzida a ocidente.
3Porém, a tensão contemporânea entre mundo ocidental e oriente tem já – para além da sua longue durée – uma história significativa nos últimos 50 anos. Desde o conflito israelo-árabe, até às sucessivas guerras do Golfo ou às operações em diversos países árabes, do fenómeno “11/9” à perseguição e assassinato de Bin Laden, tudo somado é obviamente um capital de tensão que estimula a presença de representações maniqueístas que dividem o mundo entre bons e maus e que acabou por ter o seu ápice simbólico no termo “eixo do mal”, cunhado pelo ex-presidente dos EUA, George W. Bush.
4Deste modo, o clima recente de antagonismo, alteridade, estranhamento e fractura entre ocidente e oriente, acumula mais elementos a esta relação. Da mesma maneira que simultaneamente absorve os elementos de exotismo, fascínio, desejo e fruição do belo civilizacional oriental e do consumo de “orientalismos” que, explicitados por Edward Said, permitiram de algum modo definir o ocidente – nomeadamente, o europeu – como contra-posição à sua imagem.
5Por outro lado, negligenciando as contribuições da arte contemporânea destes países e dos movimentos sociais em curso, tal como em outros contextos de mercadorização de bens culturais exóticos, frequentemente têm sido também os próprios performers árabes (sobretudo músicos migrantes ou bailarinas árabes em trânsito ou residentes na Europa) e ocidentais (cujas práticas se inspiram em formas e estilos orientais) a contribuir para reforçar e reorganizar essas representações, agilizando agora a construção de uma imagem do outro exoticizada, eroticizada, higienizada e, last but not least, performativa, no sentido de esteticizada. Deste modo, entre um eixo de representações negativas decorrente dos referidos conflitos e de interesses associados a políticas internacionais hegemónicas e pós-coloniais, e um eixo de representações positivizadas de incorporação de estilos e géneros performativos, oriente e ocidente emergem ciclicamente como lugares de alteridade por excelência.
6Obviamente não se pretende aqui essencializar e rigidificar esta alteridade, mas pensá-la antes como uma produção social de narrativas que se podem encontrar no terreno. Na verdade, tal como nos adverte Jack Goody (2005) para a questão islâmica,
…(a)o fim de muitos séculos, depois de terem sido repelidos, os muçulmanos regressaram em massa ao continente europeu, já não como invasores, mas como imigrantes. E, em ambas as capacidades, o seu contributo tem sido substancial. (…) Tanto no passado como no presente, o Islão não pode ser simplesmente entendido como o Outro. (Goody 2005: 780)
7Este texto suporta-se na pesquisa etnográfica em diversos eventos de recriação histórica em Portugal, nas interlocuções com performers (árabes e europeus) em Portugal e Espanha, e na etnografia de novos espaços e projectos dedicados a estilos performativos árabes ou orientais em sentido mais lato2.
8Seguindo as pistas de Said (1994) em torno da criação de teorias itinerantes, as viagens da teoria parecem aqui complexificar-se com as viagens dos agentes ou actores sociais envolvidos nesta pesquisa. A linha divisória entre o próximo e o distante, entre o “mesmo” e o “outro”, adquire uma nova virulência levando em conta os interstícios das culturas, nações e disciplinas que eclodem nesses itinerários, como bem sugere Ribeiro Sanches (2005). Deste modo, o lugar de construção das teorias – e já não apenas o seu contexto histórico disciplinar – determinam a sua produção, recepção e mútua influência, mas também, no caso que aqui se abordará, a geografia das mobilidades dos actores sociais envolvidos e a geometria variável do tráfego de ideias e de modos performativos.
9Atentaremos finalmente aos processos de turistificação, de evocação patrimonial e de fruição performativa objectificadora da cultura que subjazem nos eventos e projectos aqui apresentados.
Entre a historiografia incompleta da presença árabe em Portugal e os usos do tempo do Outro
10Maria Cardeira da Silva (2005 e neste volume) traça uma historiografia possível da arabofilia e dos estudos árabes e islâmicos em Portugal, sobretudo nos campos disciplinares específicos mas interpenetráveis da Arqueologia, da História e da Antropologia – ainda que esta última os tenha de algum modo negligenciado. Diz-nos a autora que a linha forte das primeiras abordagens cruzadas da História e da Antropologia sublinhavam a tese de inclusão do mundo árabe (e não tanto islâmico) na historiografia da identidade nacional portuguesa. Mas uma alteração se deu no interesse pelo arabismo após a implantação da democracia e num provável contraponto à emergência do país num cenário moderno europeu, parece ter feito reemergir o interesse pela Arqueologia ligada à presença árabe cujo ápice terá sido o que Cardeira da Silva (idem) designa por “efeito Mértola” – magma da arabofilia portuguesa, altamente potenciado por impulsos turistificadores e mediáticos a partir dos anos 90 e pela contaminação que produziu em outras localidades.
11Claúdio Torres, arqueólogo e activista político, foi o grande mentor deste projecto que, como o próprio confirma, releva sobretudo de uma dinâmica utopista e de intervenção fora dos grandes centros urbanos com vista à produção de identidades e de desenvolvimentos locais. Mértola, no extremo sul alentejano, configurar-se-á como arquétipo deste modelo de abordagem no qual o arabismo e a arabofilia (mas também o islão) surgem como recursos narrativos para esta visão política da modernidade. E nesse modelo a emergência de um discurso sobre o potencial multicultural e de tolerância da histórica presença islâmica no sul da península torna-se ele próprio uma excelente metáfora utopista e romântica para pensar um novo modelo de sociedade no presente:
Mértola é o lugar onde pode repousar o multiculturalismo, contendo os árabes e os muçulmanos, do discurso da tolerância e da integração que se instalou em largos sectores da vida pública portuguesa. Ela é, por isso, também responsável pela especificidade da incorporação da nova presença islâmica em Portugal. (Cardeira da Silva neste volume)
12Este necessário e incontornável enquadramento na produção de narrativas sobre a presença árabe (e islâmica) no contexto português permite-nos entender o modo como as performances observadas dedicados a estilos árabes ou orientais se consubstanciam na contemporaneidade:
Mértola abriu caminho para que as regiões norte e sul do país se apercebessem das vantagens da reabilitação de material arqueológico sempre sustentado por uma promoção turística do mesmo através da escenificação da vida quotidiana em feiras e mercados da época do Al-Andalus. (Faria 2007: 212)
13Decorrente deste “efeito Mértola” emergem, sobretudo no Sul de Portugal, no final do século XX, uma série de eventos de natureza eminentemente turística e recreativa. Porém, esta “redignificação da imagem dos árabes” de que fala Faria (2007) é confecionada em modalidades performativas diversificadas, ainda que procurando esse “encontro” entre mundos. Refiram-se apenas as mais relevantes (e observadas): em 1998 surge a 1.° edição de Castro Marim – Dias Medievais, celebrando a expulsão dos mouros daquela vila algarvia (1242) e com recriações de combates entre cristãos e mouros, músicos e dançarinos de tradição árabe, cortejos com figurantes em camelos e domadores de serpentes, para além de um comércio com produtos orientais; em 2001 inicia-se o Festival Islâmico de Mértola cujo foco se centra na visitação da presença árabe, e sobretudo islâmica, trazendo inclusivamente àquela vila alentejana membros da Comunidade Islâmica de Granada e de Marrocos; ainda em 2001 nasce Alvalade Medieval, comemorando a atribuição do foral local (1510) naquela vila alentejana e onde também prolifera a presença de figurantes, músicos e bailarinas orientais num ambiente histórico quinhentista; em 2004 nasce a Feira Medieval de Silves, celebrando a relevância histórica da primeira capital do reino dos Algarves, recriando um pequeno suk, uma vez mais com bailarinos e músicos de tradições árabes entre muitas outros entretenimentos; no mesmo ano surge em Lagos a Feira Quinhentista, celebrando sobretudo a vertente marítima e as descobertas portuguesas, mas onde podemos também encontrar uma forte presença de dançarinas e músicos árabes; em 2009, nas Noites da Moura Encantada em Cacela Velha, encontramos sobretudo comerciantes, comidas e espectáculos de tradições árabes, berberes e orientais; em 2009, em Salir, nasce a 1.a edição da feira Salir do Tempo dedicada a comemorar a derrota dos mouros e recriando uma ambiência com inúmeros figurantes e cenários de evocação árabe; finalmente, também no Algarve, em 2007, e após dois anos de disputa judicial entre o município e um centro de estudos árabes local, inaugura-se a Casa da Cultura Islâmica e Mediterrânica de Silves que “é um equipamento, cuja finalidade é a promoção da cultura, particularmente a islâmica e a mediterrânica, influências estas que formam a identidade cultural da cidade de Silves e do seu concelho” como se pode ler no site da edilidade.
14Esta listagem não pretende esgotar todos os exemplos que poderiam ser elencados mas, para o argumento que aqui quero explicitar, a diversidade de modalidades acima referida permite relevar o arco de imagens produzidas sobre o mundo árabe: por um lado, a presença, a derrota e a expulsão dos árabes (mouros) como focos centrais destas performances; e, por outro, a periférica figuração de carácter exoticizante do oriente em épocas e tempos históricos onde a presença árabe ou muçulmana se encontrava já submetida aos efeitos da reconquista cristã. De alguma maneira, em todas estas manifestações se suspende o tempo ou se constrói um anacronismo histórico para a imagem do árabe cuja representação serve fundamentalmente, ainda que não da mesma forma em cada evento, como lugar de alteridade e de exotismo.
15Como referia Fabian (1983), a forma como os povos estudados pelos antropólogos foram tomados como “objectos” passivos em “diferença” absoluta teve uma consequência problemática no entendimento do tempo do outro. Esse tempo do outro foi alvo de um distanciamento que lhe recusou sempre uma contemporaneidade efectiva.
16Similarmente, o tempo do outro nas performances e representações do mundo árabe, no universo das recriações históricas e dos projectos de dança e de música de inspiração e estilo árabe ou oriental em contexto ibérico por mim observadas, é também de algum modo um tempo suspenso da sua contemporaneidade, e não apenas de suspensão anacrónica como acima sublinhamos. A construção fundamental de narrativas performativas e retóricas “orientalizantes” (cf. Said 2003 [1977]) nestes contextos artísticos investe sobretudo sobre um certo passado árabe ou oriental, ainda que desta feita não marcados pelo arcaísmo ou primitivismo, mas pelo belo civilizacional tingido pelo exótico cultural, por sugestões de erotismo ambíguo e por um certo higienismo estético formal na sua exibição. De modo paralelo, em Portugal e em Espanha (mas não apenas3) floresceram nas duas últimas décadas projectos e espaços dedicados à dança dita oriental, egípcia, do ventre, árabe e a outros géneros de fusão performativa, coordenados por performers europeus (e brasileiros) que sedimentaram uma vez mais essas imagens do mundo árabe.
17Esta ambiguidade latente ou patente da figura do mouro tem sido analisada em profundidade para as chamadas festas ou lutas de Mouros e Cristãos – que aqui não serão abordadas – cujo lastro histórico é bastante grande no contexto do Sul da Europa, mas também no México ou no Brasil4.
La maurofilia y la maurofobia están presentes en movimientos pendulares, baseados en el dispositivo atracción/repulsión conformador de la alteridad en las festas de moros y cristianos. (Albert-Llorca et al 2003: 12-13)
18Todavia, convém ressalvar que para o cenário das recriações históricas em contexto português existe uma produção ambígua de representações negativizadas e positivizadas do outro árabe, mouro, muçulmano, oriental. De facto, por um lado, a figura do mouro emerge num tom grotesco claramente como candidato à derrota, como aquele que será colocado no lugar do vencido em qualquer batalha, torneio ou duelo recriado; esta posição decorre, creio, do confronto de representações de natureza política, ética, moral e religiosa. Dir-se-ia que a posição histórica do mouro, árabe ou muçulmano serve justamente para evidenciar a fragilidade, fraqueza e a derrota dos modelos de governação, religiosos e éticos árabes e islâmicos literalmente varridos pela reconquista cristã.
19Por outro lado, quando se procura retratar uma ambiência civilizacional e introduzir elementos performáticos como a música, a dança ou certo tipo de acções espectaculares – andar de camelo, encantar serpentes, consumir produtos alimentares, ou recriar ambientes e décors nativos em tendas –, aí intervêm outras categorias, positivizadas, na construção da imagem do oriente. São antes valores emocionais e exotismos performativos que eclodem e permitem outra condição de possibilidade para estas figuras e géneros artísticos. E é por isso que, no contexto dos projectos de dança e de música de inspiração árabe e oriental observados, é claramente visível este enfoque no belo civilizacional, positivizando a imagem do outro, ainda que manipulando estereótipos de natureza semelhante aos que sustentaram os olhares e representações do árabe e do oriente desde o Iluminismo na Europa.
20Marta Savigliano (1995) refere-se a uma interacção particularmente importante nas relações coloniais e que define como “capital emocional” codificado como “exótico” e passível de “erotização”:
The exotic is the passionate haunting past at the margins of the imperial civilized world. For the Other to become an Exotic, this threat needs to be tamed, tilted toward the side of the pleasurable, the disturbingly enjoyable: the erotic. The dangerousness however should be retained, evoked again and again, as proof of the necessity of colonial civilized domination. (Savigliano 1995: 81).
21Curiosamente este mecanismo revela-se no ensino da dança oriental no caso das interlocutoras entrevistadas, uma vez que todas elas salientaram os aspectos positivos que este tipo de prática performativa produz na busca e na explicitação de uma certa feminilidade, no seu carácter eminentemente artístico que envolve uma aprendizagem técnica e a persistência de treino, e no contributo que dá para a consciencialização interior, a fuga ao quotidiano e a valorização pessoal das mulheres. Esta polaridade não ameaçadora de valores, costumes e moralidades mainstream opor-se-ia a um certo preconceito banalizado que associa (erradamente, no entender de todas as interlocutoras) este tipo de dança a formas de divertimento próximas da pornografia ou a uma exposição excessiva da mulher:
Gente en biquini moviendo la tripa. (Samira Stella, entrevista em Granada)
O erotismo, o sexo, a fantasia VENDEM e, por isso, tem-se substituído a falta de talento, conhecimentos e qualidade pelo sex-appeal que VENDE e confirma a fantasia da odalisca seduzindo o sultão. Eu vejo a Dança Oriental de forma orgânica e, portanto, naturalmente SENSUAL, como é tudo o que o SER HUMANO produz com autenticidade. SENSUALIDADE não equivale a pornografia, nem a streap-tease barato. (Joana Saahirah, Cairo, entrevista online, maiúsculas da autora)
(…) mexe com energia sexual e liberta líbido de forma saudável. (Cristina Ribeiro, entrevista em Lisboa)
22Um outro exemplo deste tipo de exotismo pode ser visível no contexto da representação dos ciganos pelos não-ciganos, nomeadamente na difusão e apreciação das suas formas artísticas, a música e a dança, que contradiz a generalizada percepção ameaçadora da perigosidade com que as famílias ciganas são votadas na larga maioria dos contextos europeus.5
23Este “capital emocional” que permite a existência do outro enquanto expressão exótica pode ser observado no contexto da presença de “orientalismos” diversos que se desenvolveram na Europa (e nos EUA) durante o século XIX e XX.6 E pode ainda ser vislumbrado na sua reemergência durante as últimas décadas do século XX, sobretudo em vários países da Europa, nos EUA e no Brasil.
24O movimento romântico – com os estudos orientais e a absorção de estilos exóticos nas artes – não é porém a ignição única deste fenómeno. Nos Estados Unidos, por exemplo, mas também no Brasil, os movimentos feministas facilitaram um consumo de estilos de dança orientais resultado da emancipação da condição de género (Reis 2008; Haynes-Clark 2010), criando condições necessárias para uma procura de formas de lazer, de cuidado com o corpo e de auto-valorização disponibilizados para as mulheres. Este mesmo movimento deu-se em Portugal, sobretudo associado à exibição da novela brasileira “O Clone” – uma telenovela produzida em 2001 pela Rede Globo do Brasil e emitida em mais de 53 países, cuja temática central era a clonagem de seres humanos, mas que retratava o contato entre populações arábico-muçulmanas e o mundo ocidental – dando lugar a uma explosão de ofertas de cursos de dança do ventre em academias e ginásios. Nesta novela, diversos momentos de exibição de performances artísticas e domésticas de danças orientais foram decisivas na difusão deste estilo de dança em Portugal, como confirmam as diversas interlocutoras com quem pude falar no quadro desta investigação.
25Tal como defendem os historiadores Edmund Burke III e David Prochaska (2008) em comentário crítico à abordagem fundadora de Said (1977), a retórica e as narrativas proferidas pelo ocidente – e não apenas pelo mundo imperial britânico – devem ser pensadas em quadros históricos específicos. E um dos quadros históricos que estes autores afirmam ter escapado à visão de Said foi justamente a produção de discursos anti-imperialistas e da teoria feminista nos EUA e na Europa durante o século XX.
A figura do harém como imagem fantasmagórica, o grotesco colonial e o desejo exoticizado da mercadoria étnica
26A figura do mouro e a sua representação a ocidente não pode ser dissociada de processos culturais, políticos, religiosos e morais que se foram estabelecendo historicamente na relação entre ocidente e oriente – inclusivamente na sua extensão por exemplo na Europa Medieval e Renascentista na língua inglesa a “Indians” do oriente distante, ou na espanhola a “moros” para designar populações muçulmanas da actual Malásia ou ainda ao Império Otomano. Nem mesmo classificações raciais distinguiam claramente e de forma sistemática mouros negros ou brancos, da Etiópia ou asiáticos, e até turcos ou persas. Essa pulverização terminológica e consequente homogeneização definicional foi bem ilustrada no imaginário elizabetiano, nomeadamente nas suas peças teatrais – Othelo de Shakespeare é talvez a mais icónica.
All Moors, white, brown, black or Negroes, were usually associated with loads of negative characteristics; being cruel, greedy, inferior, impulsive, aggressive, pagan, devilish or voluptuous, and a few positive ones; being daring, strong, hard-working or, sometimes, passionate. […] It were these negative attributes associated with the Moor figure, argues Mohamed Laamiri, that made his image “an attractive Other and a popular exotic subject which fired the public imagination by the fantastic stories about the Moors and the Barbary States. (Elaskary 2008: 8)
27Esta caracterização, com a directa influência dos processos de dominação europeus em África e no Médio Oriente, no final do século XIX e durante pelo menos a primeira metade do século XX, opera-se definitivamente sob o vocabulário do poder colonial e posteriormente do rescaldo pós-colonial. O oriente passa a ser um assunto do Império, de cada Império, e a sua gestão será sempre pensada como um processo civilizacional, ainda que as partes envolvidas tenham evidentemente representações assimétricas quanto ao destino desses processos. Mas esse efeito de governação colonial, baseado na retórica civilizacional, embate também no itinerário das formas artísticas locais.
Belly dance, for example, relays a sad history since, along with danse du ventre, it evokes the immersion of an art form into a Western culture and its absorption into a male heterosexist discourse. Danse du ventre denotes the French colonial conquest of Algeria and Tunisia as well as other regions of the Middle East, so it is redolent with imperial soldiers’heterosexual pursuit of hedonist fulfillment on colonized subjects’bodies. (Karayanni 2004: 25)
28A dança oriental, sobretudo a magrebina, cujas longas e permeáveis influências se misturavam há vários séculos naquelas paragens, torna-se aos olhos dos soldados franceses estacionados no Cairo num bizarro movimento de ventres, estimulada por uma fantasia sexual e um desejo fantasmagórico do oriente que se multiplica depois numa produção imagética particular de ampla circulação na colónia e na metrópole – nomeadamente através de postais de figuras femininas árabes desnudadas e provocantes por imposição fotográfica, em poses cristalizadas nos seus movimentos tornando-os absurdamente estáticos, cujo ápice virá a ser a figura do harém, como nos descreve Malek Alloula (1981).
29Porém, para o contexto cipriota, a dança oriental não deverá apenas ser entendida do ponto de vista da sua exoticização perversa, mas também como um tipo de movimento que potencia claramente outras formas de corporalidade que, de algum modo, são também modos de resistir ao olhar colonial:
I examine the often elaborate procedures through which Middle Eastern dance (popularly known as belly dance) has been the object of cultural appropriation, manipulated into complicity by an Orientalist agenda. At the same time, however, this same art form incorporates a rare and unyielding potential (or promise) for various kinds of resistances: social, cultural, sexual. (Karayanni 2004: xii)
30Num mesmo sentido, e como sublinhava o músico e ex-bailarino Baltazar Molina, foi criado uma espécie de tratado de salvaguarda das artes musicais do grande Magrebe, assinado no Cairo em 1932, como resposta do mundo árabe ao “(…) medo de perda de identidades culturais e artísticas e onde se fixaram regras e sistemas musicais que hoje reconhecemos”7. Esta resiliência activa, em plena era colonial, juntou músicos e musicólogos árabes e ocidentais neste debate e de algum modo ilustra o que aquele performer português designa como “zonas de contacto entre ocidente e oriente” responsáveis pelo que hoje podemos reconhecer como artes performativas árabes em lato sensu. Molina refere algumas pistas para reflexão sobre modelos de standartização e modernização, para além das normas de moralização e de civilidade impostas pelos impérios coloniais que, por exemplo, o turismo acabou por trazer ao tornar comerciável a dança e a música em espectáculos, sobretudo nas capitais mais cosmopolitas como Cairo ou Bagdad. Por outro lado, acrescenta que a introdução pelos ocidentais de sistemas de notação – as pautas – permitiu fixar muitas das músicas que se encontravam apenas em memória oral e na transmissão mimética, sobretudo no Magrebe e, finalmente, que a difusão e circulação destes estilos e géneros artísticos acabaram por se espalhar entre os próprios países árabes, através por exemplo, das comitivas e dos eventos diplomáticos. Molina conclui que tudo isso permitiu “unir os árabes para que a sua arte não se perdesse definitivamente”8.
31Acresce ainda que a importância do cinema, que a partir dos anos 1940 através da grande indústria de Hollywood exportou e tornou itinerante uma filmografia musical árabe (sobretudo egípcia), rapidamente fixou ela própria novos códigos, cânones e modos de apresentação ao nível da dança oriental, impondo-se como “imagem de marca”9. Num filme de 1964, Roustabout, uma bailarina designada por Little Egipt, dança com Elvis Presley que, por sua vez, canta uma canção associada à presença de uma bailarina síria na Exposição Universal de Chicago de 1893. Momentos antes da performance, no filme, ouvimos um apresentador anunciar a entrada da bailarina que aguarda em biquini à frente da multidão: “She walks, she talks, she crawls on her belly just like a reptile! You’ve just bought a ticket to paradise!” (Bock 2005: 14-15). A analogia entre visão do espectáculo e visão do harém reforça-se e constrói-se sobre a imagem de um ventre serpenteante evocando o pecado original, que coloca a figura feminina no limite ambíguo do paraíso luxuriante e do inferno pecaminoso.
32Ora são justamente estas fantasmagorias do desejo e da volúpia mas também do mistério e do exótico oriental que se propagam no contexto das recriações históricas em Portugal e Espanha. Digamos que, de uma maneira geral, a figura do mouro é aqui também suspensa da história, anacrónica apesar de ser convocada para lembrar vitórias ou derrotas que ocorreram na história local, chegando mesmo a perder a tonalidade religiosa de muçulmano para se reportar sobretudo a um pastiche cultural sobre o qual se pode fantasiar conceptualmente sem risco ameaçador.
33Assim, notas de grande fixação e cristalização da figura do mouro poder-se-iam sintetizar da seguinte forma: sempre ligado a uma espécie de semi-nudez ou excesso de vestuário; enfatizando posturas corporais no limiar da humanidade (deitado ou sentado no chão, mexendo o ventre e a pélvis de forma marcante) ou na companhia de animais ameaçadores domesticados (serpentes e camelos); encoberto por véus e turbantes; quase sempre num contexto musical e de dança; em tendas e espaços semi-privados ou em bancas de comerciantes, onde se apela à fruição cinestésica (perfumes, incensos, sabores, contacto táctil); ricamente ornamentados com elementos coloridos, brilhantes e metálicos. Estas figurações diluem-se entre um grotesco colonial e uma exoticização mercadorizada da ordem do desejo e da sensorialidade.
34Samira Stella, bailarina granadina que actuou em diversas recriações históricas em Portugal e Espanha, apesar de reconhecer neste tipo de eventos uma menorização óbvia da riqueza da cultura árabe, “vendida” em fragmentos de elaboração empobrecida, ou cenografada para entretenimento, ressalvava todavia a dinâmica do seu improviso, do seu talento espontâneo e do desafio artístico semelhante ao do teatro de rua. E acrescenta que esta “popularização” das recriações históricas permite, apesar de tudo, conectar com a riqueza da cultura árabe: “(…) el miedo à la invasion tiene de ser combatido con la fusion” (Samira, entrevista em Granada). Já o músico sevilhano Abdel Karim, mentor de vários projectos musicais e do grupo Al-Caravan, presente em diversas recriações, e o português Baltazar Molina, são bastante mais severos no juízo que fazem destes eventos:
(…) es tudo muy superficial, en la calle tienes de tocar mas alto, mejor y en menos tiempo. Tienes de hacer un show rapido y intenso, pero nadie te escucha con grande atención. (Abdel Karim, entrevista em Granada)
É um mero negócio e um espectáculo de entretenimento, sem qualquer cuidado histórico ou grande rigor musical. (Baltazar Molina, entrevista em Lisboa)
35No caso do Festival Islâmico de Mértola a presença da comunidade muçulmana de Granada e de estudiosos islâmicos produz um outro efeito na cerzidura deste intrincado puzzle que aqui tentamos desvelar. Assim, se nas restantes recriações históricas existe um claro anacronismo histórico e uma suspensão no tempo da figura do árabe ou do mouro, pautado por uma leitura grotesca colonial e por um desejo de mercadoria exótica, o modelo de islamofilia e de culto do arabismo coloca o Festival de Mértola num lugar particular. Mais, em todas as restantes recriações encontramos uma delimitação espacial em recintos públicos (ruas e praças), sujeita a pagamento de ingresso, muitas vezes com invenção de moeda “histórica” para ser usada no recinto e com gratuitidade para quem vier “vestido” de figurante histórico. Em Mértola, exceptuando os espectáculos ou algumas exposições em sala fechada, toda a participação no evento é gratuita. E apesar de assistirmos a uma crescente facilitação comercial marcada por uma cenografia higienizada e performativizada da vila alentejana, onde o pastiche exótico não deixa de ser apresentado, existe todo um programa paralelo de conferências e sessões de debate, de mostras e exibições, de espectáculos “de culto” com assistência aberta que amplificam o sentido político que Cardeira da Silva (2005 e neste volume) sublinha para falar do “efeito Mértola”.
36Pude assistir na edição de 2011 a performances rituais abertas, bem como a diversas conferências e debates sobre o mundo árabe contemporâneo. Temas como as revoltas árabes, a imigração, a manipulação mediática das notícias sobre o mundo árabe, o imperialismo americano, a relação com o ocidente, a globalização ou respostas à crise financeira com regresso ao sistema padrão do ouro, entre muitos outros, foram sinais evidentes de uma tentativa de colocar as discussões numa agenda contemporânea. E essa temporalidade presente apenas a encontrei neste cenário do Festival Islâmico de Mértola. Porém, desta feita, as sessões e debates eram de muito baixa frequência de público, contando apenas com a presença de estudiosos ou muçulmanos convertidos. Foi naquilo que se designou como Noite de Dikra que pudemos encontrar uma plateia razoável de público não muçulmano e turistas acidentais que assistiam, assim, a esta “performance ritual”, com curiosidade pelo exotismo muçulmano. Foram também marcados por uma significativa presença de público os espectáculos de música árabe-andaluza de Eduardo Paniagua que, todavia, se iniciou com um grupo de rua de danças e cantares folclóricos árabes, percorrendo a vila até ao teatro local e com uma sessão de dança do ventre de alunas de uma escola da região, muito marcada por uma total “hollywoodização” dos movimentos e mero exercício coreográfico. Diga-se ainda que o espectáculo musical final, mais “culto” e rigoroso, não deixou de apresentar uma esbelta bailarina espanhola de dança oriental que acabou por ser a figura central do espectáculo e a quem o público não deixou de prestar fortes aplausos.
37Em suma, é sobretudo na vertente performativa e de uma certa espectacularização comercial, balizada por uma visão naturalizada da diferença, que o outro se populariza e se torna acessível. Baltazar Molina dizia em entrevista que a imagem da dança oriental, muito marcada pela sua difusão a ocidente pela visão “hollywoodesca”, acabou por se difundir e criar adeptas no ocidente que rapidamente se tornaram elas próprias agentes de divulgação, mas também de releitura, quando mesmo de deformação, do universo da dança oriental.
38Na verdade, a maioria dos interlocutora/es reconheciam a dinâmica performativa mercantilizada da dança e da música oriental e das recriações históricas. Enquanto agentes não “autóctones”, com processos de aprendizagem ocidentais anteriores muito diversificados (dança ou música jazz, contemporânea, africana, clássica, teatro e artes circenses), estavam também conscientes dos processos de fusão técnica inevitáveis deste tipo de performances. As escolas que se multiplicaram pelo país, os festivais e eventos como o East Festival em Lisboa, organizado por Crys Ayal e Filipa Nawhaar, ou em Coimbra pela tutela de Petra Pinto, bem como a criação da Associação Portuguesa de Dança Oriental, são dados que evidenciam a popularização desta modalidade performativa, mas que se produzem essencialmente em torno de uma leitura essencialmente espectacularizada – marcada pelo trabalho de coreografia que insere técnicas como as “meias pontas”, o peso na energia, alongamentos e força, figurinos e adereços vistosos e de cabaret – e, por consequência, afastando-se do improviso emocional, do movimento pélvico acentuado ligado a práticas rituais e a corporalidades específicas imputadas à sua execução tradicional em contextos domésticos e festivos próprios do mundo árabe.
Tem sido impossível trazer isso (a dança oriental) de forma genuína e autêntica. Para se fazer essa ponte teve de se “espremer” e ficar só no movimento. Seria preciso encontrar o sentimento, a atitude, o uso prático e os significados (parir, relaxar, descontrair, arrefecer) para se chegar perto deste tipo de danças. Mas hoje talvez comece a ser mais fácil viver esse movimento porque há abertura em termos sociais, há mais liberdade para sentir, menos castração por preconceitos morais. (Baltazar Molina, entrevista em Lisboa)
39Mas, creio, não se trata apenas e de facto de um confronto entre leituras puristas e híbridas ou de fusão, mas talvez de um interface entre duas realidades que se espelham há demasiados séculos, num itinerário de mútua alteridade. Karayanni (2004) falava de corporalidades orientais (acrescentemos sonoridades) que, após a dominação colonial e o seu refluxo pós-colonial, se mantiveram como formas de resistência, permitindo assim que se conservem para além da construção que delas faz o olhar ocidental. Por outro lado, a entrega artística, pessoal, emocional e subjectiva que leva mulheres e homens a se reencontrarem ou a se completarem neste outro lado do espelho, onde dança e música inspiram e transpiram organicamente fluxos de descoberta de corpos, gestos e sons, constituem-se talvez como uma resiliência quase invisível de buscas interiores e de construção do self. Ou, como resumia Joana Saahirah, a única bailarina entrevistada a residir em contexto árabe, quando lhe perguntava sobre o que a cativava e entusiasmava na dança oriental:
Como bailarina, uma ARTE com um potencial criativo infinito baseada no que é orgânico e LIVRE. Instrumento de expressão profundo, emocional, sensorial, espiritual. Mais do que qualquer outro estilo de dança, eis AQUELA que penso ter dado origem a TODOS os estilos de Dança. Básica e complexa como o respirar, caminhar, parir, nascer e morrer. (entrevista online, maiúsculas da interlocutora)
Tráfegos culturais e trânsitos artísticos. Migrações, cosmopolitismos e movimentos sociais
40Obviamente todos estas relações surgem marcadas pelos processos históricos das suas emanações e claramente pelos trajectos geográficos das suas agentes. Evoquemos a obra-mestra de Said (2003 [1977]) quando este afirma que os principais dogmas do orientalismo existiriam hoje na sua forma mais pura nos estudos sobre os árabes e sobre o Islão:
(…) um dos dogmas é a absoluta e sistemática diferença entre Ocidente – racional, desenvolvido, humanitário e superior – e o Oriente – aberrante, subdesenvolvido e inferior. Outro dogma é a de que as abstracções sobre o oriente, especialmente as que se baseiam em textos que representam uma civilização oriental “clássica”, são sempre preferíveis aos casos directos extraídos das realidades modernas orientais. Um terceiro dogma é o de que o Oriente é eterno, uniforme e incapaz de se definir a si próprio (…) um vocabulário altamente generalizado e sistemático para descrever o Oriente de um ponto vista ocidental é inevitável e, inclusive, cientificamente “objectivo”. Um quarto dogma é o de que, no fundo, o Oriente é algo a ser entendido (…) ou algo a ser controlado (…). (Said 1977 [2003]: 356)
41Curiosamente, boa parte destes dogmas podem ser reencontrados na leitura que o ocidente tem feito da contemporaneidade árabe e oriental. Desde que em 17 de Dezembro de 2010 Mohammed Bouazizi, um jovem desesperado – técnico informático que vendia legumes numa praça tunisina – se imolou pelo fogo frente a uma esquadra da polícia de Sidi Bouzid em Tunes, vários acontecimentos em cadeia se desenrolaram dando origem àquilo que os média ocidentais classificaram como o despertar do mundo árabe ou as revoluções árabes. Um quadro particularmente agitado e sob efeito dominó se alastrou da Tunísia ao Egipto, à Síria, ao Bahrein, a Marrocos, e finalmente ao Iémen e à Líbia. Não procurarei aqui demorar-me sobre estes distintos conflitos sociais que geraram um movimento de sucessivas revoluções, quedas de governo, remodelações forçadas ou repressões musculadas, durante o frenético ano de 2011. Mas importa sublinhar que estas convulsões sociais tiverem origens diferentes e estão a ter efeitos muito variados de país para país, tanto mais que existem modelos de governação muito distintos – monarquias, ditaduras ou democracias liberais de cunho laico ou de cunho religioso, com elites sunitas ou xiitas, etc. Todavia, uma vez mais este despertar árabe parece ser de novo cunhado, nomeadamente pelos média ocidentais, à luz de lentes e modelos cujos referentes relevam do exercício e do pensamento político ocidental, assumindo-se assim como novas formas de “orientalismo” – projectado agora no presente e na contemporaneidade, por um lado temível e por outro carente de controlo, cuja explicitação deverá ser feita a partir do léxico e da exegese ocidental.
42Já Eickelman e Anderson (1999) haviam lançado o debate sobre o modo como a emergência de uma classe média (muçulmana ou não) no mundo árabe, escolarizada e com acesso à internet, estava a agilizar o crescimento de movimentos sociais, sobretudo através do espaço aberto com novos média alternativos, seguindo o modelo de Benedict Anderson a propósito do papel da imprensa na reemergência nacionalista no final do século XIX na Europa. Um outro aspecto que releva desta turbulência social árabe conecta-se directamente com uma redefinição da relação entre sagrado e profano, na política e no quadro do Islão, e em particular com a emergência na cena política de partidos islâmicos e do debate entre feminismo secular e islâmico (Cardeira da Silva 2006). Uma etnografia destes movimentos exigirá portanto que não se restrinja conceptualmente a construção da esfera pública ao domínio de uma racionalidade secularizada – seguindo o modelo ocidental.
43O exercício de ilustração sumária deste fenómeno contemporâneo dos movimentos sociais tem todavia ressonância com a dinâmica representativa do oriente e do mundo árabe no ocidente. A leitura das mobilizações sociais pelos média ocidentais (e pela opinião pública) tem sublinhado os contornos universalizantes das dinâmicas democratizadoras ocidentalizadas que inundam assim as praças árabes ou os traços de uma emergente modernidade secularizada das mulheres e do seu papel na esfera pública. Evoco aqui estes aspectos apenas para os confrontar com o “efeito 11/9” e suas sequelas até ao assassinato de Bin Laden, e que se focaram na produção de uma visão ameaçadora do árabe mais uma vez decorrente de uma leitura homogeneizadora do Islão. Em síntese, de um lado uma retórica maniqueísta em torno da delimitação do “eixo do mal” enquanto instaurador de pânico moral, do outro, uma retórica igualmente hegemónica em torno da interpretação dos conflitos enquanto universalização da democracia e da modernidade.
44É neste contexto contemporâneo que ainda uma outra modalidade se desenha na relação ocidente/oriente: os processos migratórios e os de mobilidade cosmopolita, nomeadamente centrados num fluxo de artistas ou de migrantes árabes que se tornam artistas em direcção à península ibérica.
La complexification actuelle des modalités de la migration tient à la mise en place d’un transnationalisme migratoire caractérisé par les initiatives de migrants dont les existences et les identités sont multi-situées, les mentalités et les imaginaires pluricontextualisés. En cela, les mondes de l’art et leurs acteurs ne font pas exception. Certes, d’anciennes formes de circulation demeurent, dont celle de la migration forcée et de l’exil. Mais de nouvelles logiques de mobilités apparaissent à l’instar de parcours plus volontaires engagés en fonction de motivations empreintes d’un nouvel esprit migratoire, meme si celui-ci ne se départi jamais complètement de contingences politiques ou de nécessités matérielles. (Martinello et al. 2009:7)
45A este nível o fluxo migratório é francamente mais significativo no contexto espanhol, e andaluz em particular, do que no português. Estima-se que cerca de 15 milhões de muçulmana/os – não todos originários de países árabes, nem de países islâmicos, devido aos fenómenos de naturalização de emigrantes e de conversão – vivam hoje na Europa. A população muçulmana em Portugal tem origens e fluxos diversificados (Tiesler 2005) decorrente do processo colonial e de descolonização ou resultando de acordos bilaterais entre nações – por exemplo, entre o Reino de Marrocos e Portugal, estudados por Faria (2007). Mas trata-se, em qualquer dos casos, de um contingente pouco significativo. No contexto europeu, a França, o Reino Unido e a Holanda, sobretudo por razões coloniais, e a Alemanha por motivos ligados à reconstrução europeia após a II Guerra Mundial, lideram as maiores percentagens de população migrante muçulmana. Já o caso espanhol (tal como o italiano e até o grego) é algo distinto, quer por razões de proximidade geográfica, ligado à migração actual sem papéis das “balsas mediterrânicas”, quer por conter um historial mais alargado de recepção do fluxo migratório magrebino.10 Convirá apenas explicitar dois aspectos singulares desta migração na sua relação com a temática aqui versada: por um lado, o modo como a imagem do migrante magrebino contemporâneo tem sido postulada – no caso espanhol – como algo ameaçador, que exige controlo e que deriva da ordem do subdesenvolvimento e da inferioridade; por outro, os músicos árabes envolvidos em projectos musicais “árabes” em Espanha – pelo menos os contactados nesta pesquisa – construíram os seus projectos migratórios num quadro de migração de classe média, jovem e sobretudo masculina, em busca de qualificações superiores ou de alargamento da carreira artística e que encontraram na música um canal de reconfiguração dos seus projectos identitários fora das comunidades de origem.
46Os músicos marroquinos entrevistados em Granada, Kamal al-Nwawi,11 Mohamed Benallal,12 Mostafá Bakkali13 e os contactados virtualmente ou mencionados pelos anteriores Otmane Benyahya, Abdesselam Naiti ou Otman M’rini (músicos em Granada) todos confirmaram esta trajectória migratória, que poderíamos eventualmente classificar mais perto de uma mobilidade cosmopolita, sem perder de vista as questões materiais e até políticas (Mostafá por exemplo, tocava já canções de intervenção quando jovem em Marrocos).
47Estes itinerários migrantes artísticos devem ser cruzados com um outro itinerário musical migrante: o legado al-andaluz ou arabo-andaluz criado pelo célebre músico e musicólogo Ziriab,14 discípulo dos mestres udhistes ou lutistas da escola de Bagdad, de onde será compelido a partir para Córdova (no ano de 822), passando pelo Egipto e pela Tunísia onde estudou as músicas locais. O fluxo de exílio e de retorno deste estilo musical é extremamente curioso e demonstra que o tráfego artístico das tradições musicais orientais foi claramente marcado pelo dinamismo, pela fusão e por interfaces locais, regionais, nacionais e até intercontinentais. Assim o estilo clássico arabo-andalus está ligado à partida de Ziriab de Bagdad para o emirato de Córdova, e retornará ao Magrebe após a expulsão dos árabes da península ibérica constituindo-se, depois, em versões regionais de fusão consoante o país do Norte de África onde se vier a reactivar. O contributo de Ziriab acabou por permitir a fusão de estilos musicais orientais, sefarditas e cristãos no contexto regional do Al-Anduluz que posteriormente circularam de regresso ao Magrebe. Com a reconquista cristã, este contributo foi liminarmente suspenso na península ibérica durante vários séculos, sendo recuperado apenas nos séculos XIX-XX quando a imigração árabe regressa à Europa ainda de forma precária, e sobretudo a partir dos anos 1980, na Andaluzia, com a emergência de grupos árabe-andaluzes. Ou seja, é um género musical itinerante, e tal como as teorias itinerantes de Said, foi tendo emanações e reapropriações locais na sua deriva que assim devem relativizar a cristalização da sua identidade e as narrativas de uma pureza e autenticidade inabaláveis ao longo da história.
48Complementarmente, a maior parte dos projectos musicais de tradição clássica árabe-andalusa observados (quer em Espanha com os músicos acima referidos, com o andaluz Abdel Karim15 e seu grupo Al-Caravan, ou com o madrileno Eduardo Paniagua16 e o seu grupo Ibn Báya Ensemble, quer em Portugal com Eduardo Ramos ou Baltazar Molina) e que participam em diversos eventos de recriação histórica ou em festivais e concertos dedicados àquele género musical, reclamam-se herdeiros do estilo iniciado com Ziriab. No caso dos músicos marroquinos, o seu percurso deve ainda ser associado à emergência nos anos 1970 de grupos pop-rock em Marrocos, como os Jil ou os Nass el Ghiwan ou o contributo de Cheb Khaled e a subsequente internacionalização da música árabe na Europa, mas também com elementos de fusão entre música tradicional Gnaua (alegadamente oriunda de descendentes das tribos escravizadas da África dita negra que se instalaram no Magrebe, sobretudo em Marrocos) e música tarab-al andalusi (inspirado no legado al-andalus de Ziriab retornado a Marrocos)17.
49Um último traço que deve ser sublinhado na tentativa de resgate da tradição arabo-andaluza é o de que ela se faz de algum modo por referência à construção de uma identidade (musical e cultural) alargada à região da Andaluzia e, por isso mesmo, muitos destes projectos se têm vindo a cruzar com géneros locais de flamenco-árabe ou flamenco-jazz. Todavia, estes traços de modernidade ancoram-se ainda claramente num resgate de uma tradição musical clássica, mesmo que pensada como itinerante e hibridizada, suspendendo de algum modo o tempo do outro numa fusão de processos de mercadorização musical e de identificação regional.
50O caso dos músicos portugueses é algo distinto, como o demonstram músicos como Eduardo Ramos18 ou Baltazar Molina,19 uma vez que não existe propriamente uma reivindicação identitária regional, mas sobretudo um interesse mais subjectivo e artístico pelas tradições musicais orientais. Curiosamente, em ambos os casos, tal como no do madrileno Eduardo Paniaguas, este interesse alastra-se a géneros musicais clássicos medievais – música antiga – apontando para uma espécie de interesse conceptual pela gramática, arquitectura e técnica de tradições musicais antigas ou tradicionais. O oriente surge então num plano de equivalência formal e musical ao ocidente, traçando-se cruzamentos e interfaces entre estes universos.
51Deste modo, podemos observar como estes projectos musicais procuram de algum modo conectar-se com um resgate do estilo arabo-andaluz suspenso no tempo histórico, salientando pela diversidade dos seus repertórios, o traço eminentemente multicultural e de fusão étnica e regional relevado do seu itinerário histórico. De algum modo, estes projectos seguem uma linha semelhante ao referido para o “efeito Mértola” de Cláudio Torres – e talvez por isso alguns deles actuaram já no Festival Islâmico de Mértola – que espoletou formas de islamofilia e arabismo num processo político de reconfiguração identitária de traços culturais minoritários e invisibilizados pela história ibérica. Denote-se finalmente que ambos emergem em períodos pós-ditadura – de Franco em Espanha e de Salazar em Portugal – e reforçam também uma estratégia de “rumo às periferias” que intelectuais e artistas decidem encetar por volta do último quartel do seculo XX (Cf. Cardeira da Silva 2005 e neste volume).
52Dir-se-ia assim que uma teoria itinerante que possa ler e pensar a diversidade de fenómenos aqui apresentados, exige também o esforço complementar de situar no espaço a mobilidade dos seus agentes. Neste texto procurámos acompanhar os trilhos da dança e música árabe, num arco histórico longo, e numa geografia de trocas e interfaces permanentes. Mas também de bailarinos, músicos e demais performers entre Portugal e Espanha, sem esquecer a migração contemporânea magrebina para a Europa. O risco de essencialização é obviamente presente, mas procurou-se justamente desvendar as múltiplas facetas da relação ocidente/ oriente sem nunca a fixar numa definitiva posição.
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Notes de bas de page
1 Cultura árabe é desde logo um termo muito poroso e complexo no seu uso banalizado quer na visão mediatizada, quer entre os interlocutores desta pesquisa, contendo múltiplas outras designações que ora incluem ou excluem referenciações étnicas (árabes, mouros), religiosas (muçulmana, islâmica), ou regionais (Magrebe, Próximo Oriente, Médio Oriente, Oriente), ou nacionais (árabes do Egipto, por exemplo). Optou-se aqui pelo seu largo espetro atendendo à diversidade e polissemia de usos, apesar da sua antropológica significação étnica de base. Sobre o interesse em Portugal pelos estudos de arabofilia e arabismo veja-se Cardeira da Silva (2005).
2 Estamos a falar das recriações históricas observadas em Castro Marim, Alvalade, Vidigueira, Salir, da Noite da Moura Encantada de Cacela Velha, do Festival Islâmico de Mértola, de entrevistas com membros da companhia Viv’arte (a mais importante companhia portuguesa nesta área), com os protagonistas dos projectos de dança Samira Stela (Al-Ghazalat, Granada), Joana Saahirah (Cairo), Denise de Carvalho (Faro), Catarina Ribeiro, Sara Naadirah e Yolanda Ribeiro (Lisboa), Petra Pinto e Companhia Mozarabe (Coimbra), Crys Aisel (East Festival, Lisboa), Regina Nurenahar (Porto), dos projectos musicais de Baltazar Molina (Sintra), Eduardo Ramos (Silves), Abdel Karim Ensemble, Al-Caravan, Kamal Al-Nwawi, Mohamed ben Allal e Mostafá Bakkali (Granada), e ainda com o mediador e produtor cultural em Mértola, Abdallah Khwali (Vidigueira).
3 Para o contexto americano, veja-se por exemplo Sheila Marie Bock (2005), Sunaina Maira (2008) ou Jennifer Lynn Haynes-Clark (2010) ou, para o Brasil, Alice Casanova dos Reis (2008).
4 Este processo, todavia, tem mais contornos que merecem ser estudados e que, como vários autores apontam (Martín 2001; Alcantud 2002; Albert-Llorca & Alcantud 2003; Borreguero 2006; Ybarra 2009; Krom 2009), colocam a figura do mouro num lugar de destaque que todos desejam algum dia performar e encarnar – muito associado à riqueza de cenários e figurinos e ao exotismo manifesto. Estes combates entre mouros e cristãos tornam-se, afinal, apropriações locais e regionais que propalam mais retóricas localistas e regionalistas do que a representação imagética do outro. Noutro lugar encetei uma análise do conhecido Auto da Floripes, realizado no Minho, onde justamente a dinâmica de toda a festa é colocada na performatividade do evento enquanto singularidade local ou complexo regional de autos carolíngios, e não na questão da figura dos mouros (Raposo 1998). Ver também Cardeira da Silva e Tavim, neste volume.
5 Curiosamente, uma das principais teses sobre a difusão da dança do ventre no mundo árabe e na Europa associa-a às gawazze, ou gawazzi – dançarinas do Egipto (referidas frequentemente também como concubinas) –, representadas como ciganas, expulsas do Cairo por volta de 1830 e cujo estilo de dança estaria na base da emergência do raqs sharqi na primeira metade do século XX, que teria depois, fruto da sua comercialização para turistas e colonos no mundo árabe (sobretudo no Egipto), sido exportada para o mundo ocidental e ali cunhada como belly dance/dança do ventre. Alguns especialistas apontam este estilo gawazzi como a base do estilo tribal de dança do ventre que nasceu nos EUA no final dos anos 60, na Califórnia, impulsionado por Jamila Salimpour e que ganhou uma presença assinalável nos anos 80 e 90.
6 Aliás, a este nível registe-se a presença de “orientalismos” diversos nas obras de Flaubert, Artaud, Brook, na produção cinematográfica de Hollywood, na dança de Martha Graham ou Steve Paxton, para dar apenas alguns exemplos.
7 Entrevista a Baltazar Molina, músico e ex-bailarino português, 2011
8 Idem.
9 Falamos sobretudo da mudança de figurinos das bailarinas, desnudando-as ou descobrindo os seus corpos na zona abdominal, na centralidade nos movimentos pélvicos e abdominais que tiveram uma ressonância enorme na crítica e na opinião pública, e acabaram por cristalizar uma imagem de bailarina oriental que mais tarde Hollywood usou até à exaustão, com figuras como Mata Hari e Salomé a surgirem como verdadeiros heroínas do celuloide.
10 A migração marroquina, a mais significativa, “remonta ao início do século XX sendo no entanto bastante incipiente e fluido até aos anos 1970 (…) A partir daí e até aos anos 2000 o fenómeno conhece uma evolução rápida e constante, aumentando o número de indivíduos que vivem no país e sofrendo alterações na sua constituição: de um universo constituído por homens jovens solteiros concentrados em algumas zonas do país (Catalunha, Madrid, Andaluzia) passa para uma diversificação de género (um elemento específico do caso espanhol é a imigração de mulheres – solteiras, casadas e viúvas – com projectos migratórios independentes), de idade (Espanha depara-se com uma realidade grave de imigração de menores de idade não acompanhados), de destinos (os imigrantes marroquinos encontram-se já em todas as Comunidades Autónomas espanholas) e de origens (chegam a Espanha marroquinos de todas as regiões de Marrocos)”(Faria 2005: 207).
11 Veja-se como constrói o seu perfil no seu blog pessoal (http://kamalnawawi.blogspot.com/)
12 Nascido em Tanger, teve formação musical em buzakhi, baixo e percussão; foi estudante universitário de Informática e Turismo em Granada; pertenceu a vários grupos arabo-andaluzes influenciados pelo sucesso de grupos marroquinos dos anos 1970, Nass el Ghiwan e Jil. Esteve emigrado em Inglaterra (1998-2002) onde dirigiu um restaurante e depois de regressar a Granada foi dono de uma sala de espectáculos; nos anos 90 organizou, festivais de música clássica árabe, arabo-andaluza e o Encontro Hispano-Maghreb durante 5 anos. Faz parte da actual formação dos Al-Caravan e participou em diversas recriações históricas.
13 Leia-se no site de um dos seus grupos o seu perfil (http://www.juanlsanchez.com/jardin/Welcome.html)
14 Seu verdadeiro nome é Abu al-Hasan ‘Ali ibn Nafi’ (789-857). Foi um músico e cantor da corte do emirado de Córdova, onde fundou um conservatório de música e ficou conhecido pelo nome de Ziriab. Era um erudito em astronomia e geografia e um poeta de origem pouco conhecida, talvez persa, curdo ou negro africano.
15 Sobre Abdel Karim, de Sevilha, mas residente em Granada, podemos ler no programa do seu grupo Abdel Karim Ensemble: “En cuanto a su formación académica, realiza sus estudios musicales oficiales en el Conservatorio Superior de Música de Sevilla en los instrumentos de Flauta de pico y Flauta travesera (1988-1994) asistiendo a posteriores cursos de perfeccionamiento de técnica e interpretación con profesores como Aldo Abreu, Marcos Volonteiro, Vicente Balseiro, Jorje Karyevsky etc. Se ha formado en el Maqam (modo), Wazn (patrones rítmicos) árabes y técnica e interpretación del Nay con el prestigioso nayati Noureddin Acha, en Tánger. Ha recibido consejos de Ziyad Qadi Amin, (Ensemble Al-Kindi) considerado el mejor nayati de Siria, del cual ha recibido un valioso instrumento que emplea en sus conciertos. Cabe destacar que ha sido director y profesor del Aula Municipal de Música de Aracena. Cuenta con la grabación de diversos programas musicales para television y grabaciones discográficas. Ha sido el fundador y director de la Muestra de Música Antigua de Aracena (Huelva, 1994 a 1998) así como coordinador de la I Muestra de Música Antigua de Ubeda y Baeza (Junta de Andalucía). En 1999 funda el grupo “Al-Baraka” (Música Tradicional de Oriente Medio y El Maghreb), con el que ha ofrecido mas de cincuenta actuaciones en prestigiosos Ciclos y Festivales tanto en nuestro país como en el extranjero en el año 2000.” Funda depois o grupo Al-Caravan com quem tem realizado inúmeros concertos e participado em recriações históricas em Portugal e Espanha.
16 Veja-se o seu perfil no site: (http://www.ctv.es/USERS/pneuma/grupo.htm)
17 Estes grupos marroquinos, tal como os de rai moderno argelino, foram responsáveis pela introdução de instrumentos e harmonizações “ocidentais” (saxofones, guitarras elétricas e baterias), fundindo-se com instrumentos e harmonizações locais, e tiveram um importante papel político e de intervenção quer em Marrocos quer na Argélia, desde a década de 1970.
18 Eduardo Ramos define o seu perfil no seu site: http://www.myspace.com/eduardoramosmocarabe.
19 Veja-se o seu site: http://www.baltazarmolina.com.
Auteur
Doutorado em Antropologia e Professor Auxiliar no Departamento de Antropologia do ISCTE-IUL. Foi presidente do Centro de Estudos de Antropologia Social (CEAS), e membro fundador da Direção do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA). Realizou várias investigações em Portugal trabalhando sobre temáticas como o corpo, educação, património, turismo e, sobretudo, na área das performances culturais, publicando os resultados em livros e outras publicações diversas. Teve formação de ator e colaborou em diversos trabalhos de natureza performativa. Foi investigador do projeto Castelos a Bombordo II (PTDC/ANT/67235/2006).
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Castelos a Bombordo
Etnografias de patrimónios africanos e memórias portuguesas
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Etnografias Urbanas
Graça Índias Cordeiro, Luís Vicente Baptista et António Firmino da Costa (dir.)
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População, Família, Sociedade
Portugal, séculos XIX-XX (2a edição revista e aumentada)
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As Lições de Jill Dias
Antropologia, História, África e Academia
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A folclorização em Portugal
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