Anexo N. 1: Relação das águas da Levada da Candosa (Chaviães) e da levada do Ranhadouro (Roussas)
p. 241-235
Texte intégral
1Fonte: Direcção dos Serviços Regionais de Hidráulica do Douro.
Partilha da água entre as levadas da Candosa, do Ranhadouro e da Vila
2A partilha da água entre as levadas da Candosa, do Ranhadouro e da Vila situadas no concelho de Melgaço e freguesias de Chaviães, Bouças e Vila, alimentadas com água do ribeiro conhecido por Rio do Porto, corrente pública não navegável nem flutuável da bacia hidrográfica da margem esquerda do Rio Minho por intermédio de um açude construído no referido ribeiro no lugar de Porto da freguesia de Rouças ao km 0,000 da levada da Candosa é efectuada num repartidor instalado ao km 0,2000 desta levada onde se faz a separação da água em duas partes destinada uma à levada da Candosa e a outra ao conjunto das levadas do Ranhadouro e da Vila parte esta que é por sua vez subdividida entre as levadas do Ranhadouro e da Vila por intermédio duma tomada colocada ao km 0,250 da levada do Ranhadouro.
3A utilização destas águas pelas três referidas levadas obedece a um regime estabelecido, e acatado, de longa data, que segundo informações colhidas da tradição oral, à falta de documentos, pela Direcção Hidráulica do Douro é a que a seguir se indica.
A – Rega de Verão (água de rega ou partilhada)
41): – O início da partilha da água no período de rega está referenciado a um dia conhecido por SÁBADO DA PARTILHA fixado em relação ao dia 18 de Julho de cada ano de acordo com as normas a seguir indicadas:
5a): – Se o dia 18 de Julho é um sábado esse dia é o SÁBADO DA PARTILHA;
6b): – Se o dia 18 de Julho é um domingo, segunda, terça ou quarta-feira o SÁBADO DA PARTILHA é o sábado que imediatamente antecede esse dia;
7c): – Se o dia 18 de Julho é uma quinta ou sexta-feira o SÁBADO DA PARTILHA é o que imediatamente se segue a esse dia.
8Exemplo: Em 1991, o dia 18 de Julho «tocou» a uma Quarta-feira. Portanto, a rega começou no primeiro sábado a seguir a esta data, isto é, no dia 20 de Julho. Em 1994, o 18 de Julho foi numa segunda e a rega começou no primeiro sábado anterior a esta data, isto é, no dia 16.
92): – Nos anos secos a água é dividida unicamente entre as levadas da Candosa e do Ranhadouro, em partes iguais, desde as 20 horas do SÁBADO DA PARTILHA até às 24 horas do dia 8 de Setembro seguinte.
103): – NOS ANOS HÚMIDOS desde as 20 horas do SÁBADO DA PARTILHA até às 24 horas do dia 8 de Setembro seguinte a água é dividida por semanas alternadas entre as Levadas da Candosa e do Ranhadouro que dentro das respectivas semanas têm de ceder à Levada da Vila 24 e 48 horas respectivamente. A água é dividida da seguinte maneira:
11a): – LEVADA DA CANDOSA:-Em semanas alternadas a água pertence a esta levada desde as 20 horas dum sábado até às 20 horas do sábado seguinte com excepção de três noites que numa semana são as de domingo, segunda-feira e terça-feira e na semana seguinte as de quarta, quinta e sexta-feira, sempre das 20 horas dum dia até às 4 horas do dia seguinte, em que a água é pertença da Levada da Vila a qual tem. portanto, direito a 24 horas de água nas semanas da levada da Candosa;
12b): – LEVADA DO RANHADOURO: – Em semanas alternadas a água pertence a esta levada desde as 20 horas dum sábado até às 20 horas do sábado seguinte com das noites de domingo, segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feira, seis noites, portanto, desde as 20 horas dum dia até às 4 do dia seguinte em que a água é pertença da Levada da Vila a qual tem, portanto, direito a 48 horas de água nas semanas da Levada do Ranhadouro;
13c): – LEVADA DA VILA: – Nas semanas da Levada da Candosa recebe um total de 24 horas de água nas noites de domingo, segunda e terça-feira numa semana e nas noites de quarta, quinta e sexta-feira da semana seguinte, sempre das 20 horas dum dia às 24 horas do dia seguinte; nas semanas da Levada do Ranhadouro recebe um total de 48 horas de água nas noites de domingo, segunda, terça, quarta, quinta e sextafeira sempre das 20 horas dum dia às 4 horas do dia seguinte.
14d): – A SEMANA EM QUE SE INICIA A REGA pertence à Levada da Candosa nos anos ímpares e à Levada do Ranhadouro nos anos pares. Como o número de semanas em que vigora a partilha da água de rega é de sete e uns dias e como a utilização da água pelas levadas é feita alternadamente, o tempo que cabe a cada uma não é o mesmo dentro de cada ano, revesando-se, no entanto, de ano para ano. Durante o ano cabe quatro semanas à Levada que inicia a rega e três à outra.
15Exemplo: Em 1991, a rega começou pela freguesia de Chaviães que assim contabilizou, no fim do Verão, quatro semanas inteiras de rega. Os regantes de Roussas tiveram que esperar pelo dia 27 de Julho às 20 horas para começar a ter água. Em 1994, foi ao contrário. A rega começou por Roussas que desta vez beneficiou das tais quatro semanas de água. Os regantes de Chaviães tiveram que esperar pelo dia 23 de Julho para terem direito a começar a rega.
B – Rega de Inverno (água de lima)
164): – A água de lima pertence em partes iguais às levadas da Candosa e do Ranhadouro desde as 24 horas do dia 8 de Setembro até às 20 horas do terceiro sábado antecedente do SÁBADO DA PARTILHA;
175): – Desde as 20 horas do terceiro sábado antecedente ao Sábado da Partilha, durante um período de três semanas, portanto, a água pertence, também em partes iguais às Levadas da Candosa e do Ranhadouro com excepção dos períodos compreendidos entre as 12 horas das quartas-feiras e as 20 horas das quintas-feiras seguintes, isto é, durante 32 horas por semana, em que toda a água é pertença da zona do Paço, que recebe, portanto, um total de 96 horas de água durante as três semanas que antecedem o Sábado da Partilha.
18Exemplo: Em 1991, os regantes da zona de Paço beneficiaram da integralidade da água de Fiães, (a ramificação da levada de Roussas foi então «tapada») as quartas e quintas compreendidas entre o dia 29 de Junho e o dia 20 de Julho (Cf. sobre este assunto o Preâmbulo, pois em 1991, os quiproquo entre beneficiários de água diziam respeito à água desviada de Paço).
19A respeito deste documento, e para resumir, pode-se dizer que a partilha da água estival se efectua alternadamente entre duas freguesias que cedem algumas horas de rega à Vila e à zona de Paço, segundo regras muito rigorosas. Rega-se uma semana em cada duas, em alternância com a outra freguesia1, ou seja, três ou quatro semanas num Verão completo – isto é, desde cerca de 18 de Julho até 8 de Setembro, no máximo – ou, ainda, durante o período a que os herdeiros chamam, a partilha das 7 semanasDepois da redacção deste documento, a partilha foi simplificada uma vez que a Vila, maior e urbanizada, deixou definitivamente às paróquias referidas, a água que fazia girar os seus moinhos e regava as suas terras de cultivo. Por isso, já não há distribuição noctuma da água: a rega pratica-se 24 por 24 horas, durante uma semana completa por cada freguesia, como se estivessemos sempre no caso de figura n.o 2 do documento, isto é, em ano seco. Observemos a este respeito que o documento não explicita como se efectua a partilha no dia-a-dia, relativamente aos detentores de direito, bem como dentro de cada uma das freguesias.
20Fisicamente, a partilha faz-se da seguinte maneira. No mapa dos regos cimentados e derivados do Rio do Porto (fig. n.o 20), onde as freguesias de Fiães, Roussas, Chaviães e Melgaço-Vila são as representadas, vemos que nos lugares de Paço e Porto indicados no mapa, bem como nos regos esquematicamente representados por um traço mais grosso, a água que vem das montanhas de Fiães corre livremente pelo leito do Rio de Porto até ao lugar de Porto. Aí, a água desaparece numa pequena cabana (a casa dos olhos) e sai dividida em duas partes iguais. No Inverno, esta água corre livremente pelas duas levadas, indiferentemente. No Verão, ou mais precisamente durante a partilha das 7 semanas, um dos olhos do distribuidor está sempre tapado de forma a que toda a água corra, ora para Chaviães, ora para Roussas. A cabana que alberga o distribuidor está sempre fechada a cadeado, e só o levadeiro, a pessoa encarregada de assegurar a alternância da água aos sábados à tarde, todos os Verões, tem a chave e o acesso à cabana. A título indicativo, e segundo uma listagem do guarda-rios da época, 79 pessoas beneficiavam, em 1958, das águas da levada do Ranhadouro ou levada de Roussas (contra 85, em 1961, e mais de 100, actualmente) que regaria então 191 terras, representando uma superfície total de 254 247 m2. Haviam sido colocadas na levada trinta e oito tolas2.
21O documento acima apresentado é recente 1967); (constitui o único documento escrito, explícito, relativo à partilha de uma água de rega. Que eu tenha conhecimento, não existe mais nenhum no concelho, em relação a outros regos ou outras freguesias. Este documento refere, numa versão simplificada, as principais regras de distribuição da água, pela primeira vez reunidas numa sentença jurídica de 1863, ela própria estabelecida na sequência de um conflito por causa da água, que se verificara entre as três freguesias de que estamos a falar. Na época, o tribunal baseou-se num inquérito oral feito aos regantes a fim de poder dar conta das práticas em uso, deduzir as respectivas regras de funcionamento e pronunciar uma sentença. Com efeito, até essa altura, as regras de partilha da água foram unicamente transmitidas oralmente e, isto, de geração em geração desde tempos imemoriais – como gostam de dizer os detentores de direito de água de Melgaço. De resto, é sempre desta maneira, oralmente, que se mantêm os princípios de partilha da água de um lugar, à parcela ou à semana. Assim, este documento constitui uma excepção. As regras que ele convida a respeitar não foram decididas pelos Serviços de Hidráulica, mas sim inspiradas pela tradição, pelos usos e costumes. Portanto, a constituição em associação dos proprietários de água não modificou a relação destes com a rega, nem sequer minimizou os conflitos criados à volta da água. Ela somente ajudou os regantes incluídos nas listas a encontrar um responsável pelas suas tensões e, sempre que estalam as dissenções, a reclamar por soluções aos Serviços de Hidráulica. Por esta razão é que o documento, numa primeira fase, foi pensado e proposto a fim de evitar as constantes idas e vindas entre os regantes e os serviços administrativos. E, no entanto, este documento nunca impediu o estoirar das confusões e das discussões acesas. Por mais que os presidentes das associações (eles próprios regantes) leiam e difundam as regras definidas no documento, de nada serve-em 1991, por exemplo, o Presidente da Associação de Chaviães recordou as regras de distribuição da água, porque os diferentes beneficiários da zona de Paço tinham visto, por várias vezes, desviar a sua água durante as três semanas estivais, apesar de atribuídas, tendo os desviadores de água esquecido a existência daquelas regras (Cf. o Preâmbulo).
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