6. A desestruturação do modelo institucional (1952-1974)
p. 327-368
Texte intégral
6.1. O enlouquecimento do albergue
«Considerando que os actuais albergues de mendicidade, além do recolhimento de emergência, tiveram de manter os albergados por falta de soluções, transformando-se em «depósitos» onde se encontravam cerca de 3000 indivíduos, estimando-se em cerca de 70% os pertencentes ao foro psi- quiátrico.»1
«A situação dos albergues resultava das deficiências da assistência e, em particular, da psiquiátrica (...). Não queriam casos de armazém. O que eles queriam era limpar o Júlio de Matos e o Miguel Bombarda dos incuráveis e dos tipos vegetativos...»2
1À delimitação de uma nova fase da evolução histórica do albergue da Mitra no período compreendido entre 1952 e 1974 subjazem múltiplas razões. Em primeiro lugar, os últimos anos da década de quarenta e o início da década de cinquenta confrontam-nos, respectivamente, com o desaparecimento das «brigadas de trabalho» constituídas por presos (em cumprimento de uma pena curta) que, desde 1945, coexistiam com o universo «presidiário» e albergado na Quinta do Pisão e com a extinção progressiva dos «presidiários» à ordem dos Serviços Prisionais, em cumprimento de uma medida de segurança.
2O Quadro 17, no qual procurámos listar o quantitativo de «presidiários» à ordem das cadeias centrais civis de Lisboa entrados na colónia agrícola do Pisão entre 1946 e 1954, põe em evidência que a admissão deste rosto do mitreiro a partir de 1949 foi praticamente nula. Tal facto não conduziu, instantaneamente, à sua extinção. No entanto, como vemos no Quadro 18, respeitante agora aos presidários internados, no mesmo período, no centro de trabalho do Pisão, existiam apenas 11 indivíduos à ordem dos serviços prisionais, em cumprimento de uma medida de segurança, em Fevereiro de 1954. A evolução do quantitativo de presidiários internados no Pisão sofreu, pois, um decréscimo notável entre 1946 e 1954, ao ponto de, em meados de cinquenta, podermos afirmar que a proporção de colonos com vínculo aos Tribunais de Execução de Penas era rarefeita3.
3À extinção dos internados à ordem dos serviços prisionais sucedeu-se um aumento de internados enviados pelos serviços psiquiátricos e/ou de indivíduos cuja assistência estaria teoricamente a cargo das instituições do foro psiquiátrico. A ilustrar esta vocação parapsiquiátrica está, obviamente, a construção de um pavilhão psiquiátrico em 1956, no Pisão, onde eram alojados «os casos mais graves», bem como o internamento de muitos doentes mentais nas restantes instalações da colónia e da sede, ao ponto de, em meados da década de setenta, um dos grupos de trabalho para o estudo da reconversão dos albergues de mendicidade, mais especificamente, «o da psiquiatria» ter afirmado que «a maioria da população» da instituição possuía perturbações psiquiátricas, acrescentando que tal situação não era recente.
4A transformação da Mitra, bem como dos albergues de mendicidade em geral, em «depósitos» parapsiquiátricos foi, aliás, oficialmente reconhecida no preâmbulo do decreto n.o 365, de 15 de Maio de 1976, quando considerava que cerca de 70% da totalidade dos internados nos albergues eram doentes do foro psiquiátrico. Focalizemos mais pormenorizadamente este processo de «enlouquecimento» das instituições de repressão da mendicidade e da vadiagem, tomando como paradigma o albergue de Lisboa.
5Assim, numa listagem do universo internado na colónia agrícola do Pisão em 21 de Novembro de 1952, 128 dos 486 colonos foram registados como «dementes» (cf. Quadro 19). Não existindo, à data, qualquer assistência psiquiátrica no Pisão e, por consequência, tratando-se muito possivelmente de um registo feito por polícias, devemos ser prudentes em relação a este valor. Contudo, tais dados convergem com os que repetidamente emergiam na correspondência trocada, neste período, entre o director do Centro de Assistência Psiquiátrica da Zona Sul, a Direcção-Geral de Assistência e o director do albergue da Mitra, isto é, com a existência de «uma centena de doentes mentais» num pavilhão exclusivo da Quinta do Pisão.
6Para as décadas seguintes, os restos dos arquivos institucionais do albergue, bem como os arquivos do Centro de Assistência Psiquiátrica (e dos organismos em que confluiu posteriormente) não nos fornecem qualquer informação quantitativa sobre o número de doentes mentais internados no Pisão. Sabemos, no entanto, que se, em 1952, apenas 26,3% do universo da colónia foi registado como «demente», um levantamento, feito em 1978, pelo médico psiquiatra então responsável pela assistência psiquiátrica ao Centro de Trabalho do Pisão, mostra-nos que 77,2% do universo aí internado sofria de patologia psiquiátrica, sendo a «oligofrenia», os «defeitos esquizofrénicos», os «defeitos alcoólicos», a «senilidade» e a «epilepsia» os diagnósticos predominantes.
7Muito embora, não possamos ilustrar com materiais quantitativos o que se passou entre 1952 e 1978, não podemos deixar de notar o peso que a doença mental teve no universo internado neste período, não só no Pavilhão Psiquiátrico (acabado de construir em 1956/7), como nas outras camaratas da colónia, de tal modo que, em 1978, num total de 285 internados, apenas 65 foram registados com a expressão «sem doença mental».
8Mais uma vez, e por razões já mencionadas, pouco sabemos sobre a importância numérica da doença mental na sede do albergue. Só os testemunhos de antigos mitreiros e funcionários, a existência de uma consulta de psiquiatria na própria sede do albergue, a análise de alguns processos de actuais internados admitidos nesse período vindos dos hospitais Miguel Bombarda e Júlio de Matos, ou pelo menos, com estadia anterior em instituições psiquiátricas nos levam a supor uma mesma concentração de doentes mentais, particularmente do sexo feminino, na sede do albergue.
9Por outro lado, uma vez que apresentam, apenas em jeito de observação, alguns dados sobre a doença mental dos admitidos, os livros de entrada não nos permitem uma abordagem quantitativa minimamente aproximada à realidade institucional. Todavia, revelam-nos, em certos anos, uma intensificação de observações no tocante à doença mental dos entrados, à sua estadia, e/ou à sua vinda (por transferência, troca, etc.) de instituições psiquiátricas.
10Se considerarmos uma hipotética relação entre a intensificação de observações sobre a doença mental à entrada e o aumento do afluxo de doentes mentais ao albergue, podemos inventariar vários períodos de recrudescimento de doentes mentais na instituição: os anos de 1948 e 1949; o período entre 1960 e 1964 e, de uma forma menos relevante, os períodos entre 1952 e 1956 e entre 1965 e 1970.
11Como referimos atrás, o final dos anos quarenta foi marcado por um surto de euforia curativa nas instituições psiquiátricas da capital, espírito este que animou a criação do hospital de Júlio de Matos em 1942 e a reformulação do hospital Miguel Bombarda em 1948. Todavia, o facto de ambas as instituições tentarem assumir uma vocação eminentemente recuperadora (curativa), tornou mais urgente a necessidade da existência de estabelecimentos de retaguarda para doentes de internamento prolongado. Sem tais instituições, libertadoras do peso asilar dos doentes crónicos, os hospitais não poderiam concretizar as suas vocações clínica e pedagógica. Ora, como já tivemos oportunidade de salientar, nos finais dos anos quarenta, estabeleciam-se frequentes contactos entre as instituições psiquiátricas da capital e o albergue da Mitra (transferência de doentes crónicos, internamento por falta de vagas, permuta de internados, etc.), informação esta que converge com a intensificação das observações sobre doença mental nos livros de entrada nos anos de 1948 e 1949, assim como com a elevada proporção de doentes mentais encontrada por Navarro Soeiro, no universo internado da sede, em 1947/1948.
12Por sua vez, os diálogos travados no ínicio dos anos cinquenta entre o Instituto de Assistência Psiquiátrica, tendo como interlocutor o Dr. Ilharco, e o então director do albergue da Mitra (acumulando esse cargo com o de director dos Serviços de Repressão da Mendicidade) traduzem bem esta necessidade de retaguardas para os doentes crónicos bem como, na sua carência, a hipótese de aproveitar os albergues de mendicidade para esse fim e, em simultâneo, esclarecem-nos sobre a reacção da direcção dos Serviços de Repressão à Mendicidade a tal proposta.
13Vejamos mais especificamente de que correspondência se tratava, o que a desencadeou e as fases que teve. Com efeito, no início, esta correspondência parece estar relacionada com uma visita do Dr. Ilharco à Quinta do Pisão, a que se seguiu uma primeira proposta (1949) ao director do albergue da Mitra, visando a assistência e vigilância psiquiátrica para a centena de doentes mentais isolados num pavilhão exclusivo no Pisão. O Dr. Ilharco propunha então a criação de um quadro no albergue de quatro enfermeiros psiquiatras destinados ao serviço do pavilhão, bem como a concessão de uma gratificação, a combinar, por parte do albergue a um médico psiquiatra escalado pelo C.A.P..
14Tal proposta, contudo, não provocou eco visível na direcção do albergue tendo sido seguida de um parecer negativo no qual se referia que «devido à insuficiência de meios, não podia o albergue dar execução às propostas do centro».
15Só dois anos depois, o Dr. Ilharco volta a insistir na proposta de fornecimento de assistência psiquiátrica e orientação terapêutica (ergoterapia) aos doentes mentais do Pisão, fazendo-a mesmo chegar à Direcção-Geral de Assistência. Propunha agora que tais doentes continuassem a ser alimentados e alojados por conta do albergue da Mitra, estando porém a sua vigilância, tratamento e orientação subordinadas ao C.A.P da zona sul. Para tal efeito, pedia apenas uma verba suplementar no sentido de aumentar o quadro do pessoal do dispensário (um enfermeiro de 2.a classe psiquiatra e três enfermeiros auxiliares psiquiatras), cuja residência, alojamento e alimentação ficariam a expensas do albergue. A visita de um assistente psiquiatra estaria a cargo de um dos propostos para o novo quadro, já solicitado.
16Aprovada com pequenas objecções, esta proposta não chegou porém a efectivar-se devido a problemas administrativos e técnicos do dispensário de Higiene e Profilaxia Mental de Lisboa e, nos três anos seguintes, temos notícia do congelamento desta situação.
17A partir de 1954, o Dr. Ilharco volta a reanimar este diálogo com a direcção do albergue, porém, os seus projectos para a Quinta do Pisão modificaram-se consideravelmente. Já não se tratava apenas de assistir psiquiatricamente os doentes mentais aí internados, mas de encetar negociações para «poder tornar realidade o projecto (...) de transformar esta Quinta numa futura colónia Agrícola para doentes mentais, dependente do Centro de Assistência Psiquiátrica da Zona Sul»4.
18Nos meses seguintes, chega mesmo a enviar informações detalhadas sobre a configuração e dinâmica dessa futura colónia agrícola ao director da Comissão de Construções Hospitalares. Previa assim a construção de 5 ou 6 pavilhões para cerca de 100 ou 150 «doentes de anomalias mentais em regime asilar (...) que não carecessem de ser submetidos a tratamentos médicos especializados, não exigissem grande vigilância de enfermagem e pudessem ser ocupados em trabalhos diversos, predominantemente rurais e agro-pecuários»5.
19A reacção do director da Mitra a esta proposta do Dr. Ilharco de transformar a Quinta do Pisão numa colónia agrícola subordinada ao Centro de Assistência Psiquiátrica da Zona Sul foi-nos fornecida, à posteriori, e de modo indirecto, mas é esclarecedora dos acontecimentos que se lhe seguiram:
«Através de um telefonena, o Sr Coronel trasmitiu-me o seguinte: Houve vários ‘impasses’ na execução do projecto (de Ilharco) porque a P.S.P. apercebeu-se a tempo que a finalidade do I.A.P. era apropriar-se de todo o complexo do Pisão, a que a P.S.P., sempre tendo como representante o Sr. Capitão Cascais, não anuiu. (...). Daí ter o projecto sido um pouco abandonado pelo I.A.P., até porque no seio daquele departamento se levantaram várias oposições a Dr. Ilharco, principalmente por parte do Prof. Polónio.»6
20Com efeito, temos conhecimento de que, no início de 1956, se encontrava em execução apenas um pavilhão (e não cinco ou seis como previa a proposta), estando as despesas a cargo do albergue, com comparticipação apenas do Fundo de Desemprego, não tendo o C.A.P. qualquer encargo com a construção e, por conseguinte, qualquer responsabilidade nessa iniciativa.
21A sonhada transferência em massa (eventualmente de quinhentos doentes crónicos, como o Dr. Ilharco chegava a referir) não se efectuou e, numa primeira fase, o pavilhão, acabado de construir, poucos mais doentes recebeu para além dos cem que o Pisão já internava. Não é pois de estranhar que os livros de entrada nos anos cinquenta e, muito particularmente, depois de 1956/7 (data da início de funcionamento do pavilhão psiquiátrico), não apresentem um número significativo de referências sobre a admissão de doentes mentais.
22Por outro lado, não podemos escamotear que os primeiros sinais de crise dos hospitais psiquiátricos da capital se situam justamente neste clima de conflitualidade entre a P.S.P. (tendo como interlocutor o director do albergue da Mitra) e a Assistência Psiquiátrica. Não podemos mesmo deixar de relacionar a inviabilidade do sonho de transformar a colónia agrícola do Pisão e a crise dos hospitais psiquiátricos cujo indicador mais flagrante era exactamente a superpopulação pela acumulação de doentes crónicos7.
23Convém, no entanto, não reduzir a crise que se fez sentir nos hospitais psiquiátricos apenas à inexistência de estabelecimentos de retaguarda para os doentes de evolução prolongada. Outros factores lhe eram subjacentes. Só para citar alguns, no hospital Miguel Bombarda, a substituição de um médico administrador por um administrador não médico e as restrições nas terapêuticas medicamentosas catalizaram conflitos e produziram fortes resistências no pessoal médico e de enfermagem. Por outro lado, no Hospital Júlio de Matos, a escassez de técnicos especializados — e o sobreinvestimento do hospital como instrumento pedagógico eram apontados como outros desencadeantes deste clima crítico.
24O testemunho de um dos médicos que prestou assistência psiquiátrica ao anexo do Pisão, ao mesmo tempo que nos fala da crise instalada no Hospital Júlio de Matos, revela-nos alguns aspectos sobre a natureza dos contactos que passaram a existir entre o Instituto de Assistência Psiquiátrica e o albergue da Mitra, a partir dos anos sessenta:
«No Júlio de Matos andava-se ao retardador. O Professor Barahona queria fazer do hospital a Faculdade. Passava a manhã a ver um doente, rodeado de alunos... Era muita retórica e pouco sumo... Só se preocupava com as camas pedagógicas... enquanto que no dispensário se trabalhava no duro... Como fui médico do dispensário e do hospital, sei bem a diferença. Éramos uma equipa de 5 ou 6 médicos em 5 gabinetes. Havia tratamentos diários de electrochoque e insulina. Começávamos a trabalhar às 9 h da manhã... O dr. Beato que era o director do dispensário não gostava de atrasos... Passavam-nos por dia muitos doentes, 70 a 100 doentes. A maioria não era internada, por exemplo, para 20 doentes que precisavam de internamento havia 1 ou 2 vagas no hospital. (...) Por outro lado, o número de médicos do quadro era muito pequeno e a medicação era muito reduzida. Todos estes factores contribuíram para a crise que se fez sentir em princípios de sessenta. (...).
«Como grande parte dos doentes que vinha à consulta no dispensário não era internada porque o hospital estava acumulado de doentes de evolução prolongada, começou-se a utilizar os albergues de mendicidade. Os hospitais por fornecerem assistência psiquiátrica aos albergues, tinham benesses... Quando precisavam de um lugar, quando se queriam libertar de alguns doentes que já não podiam ser reconduzidos para a família, dos crónicos sem qualquer possibilidade de recuperação, de atrasados mentais ou de doentes mais violentos para os quais era preciso até uma acção física, comunicavam o pedido e o Capitão Cascais atendia-o... Não sei sequer se havia um acordo oficial... Mas creio que o Capitão Cascais e o Dr. Ilharco, ou depois o Dr. Pegado, se conheciam... E negociavam entre eles as transferências e as trocas...»
25Similarmente, de acordo com o testemunho do então director da Mitra, a concentração de doentes mentais nos albergues de mendicidade resultava, sobretudo, «das deficiências da assistência psiquiátrica»:
«Não queriam os casos de armazém. O que eles queriam era limpar o Júlio de Matos e o Miguel Bombarda de tipos vegetativos, incuráveis. (...). A psiquiatria queria ir para o Pisão. Ora, o Pisão foi comprado com os fundos do albergue de Lisboa. Era património próprio, mas também era um bem público. Eu queria que passasse a bem próprio. (...). Construiu-se um pavilhão no Pisão, subsidiado pelo Comissariado do Desemprego, mas foi tudo por albergados e dirigido por polícias (...). O acordo era receber casos que em vez de estarem nos hospitais psiquiátricos iam para o Pisão. (...). O I.A.P. dava cobertura médica, de enfermagem, medicamentos, e administrativa ao Pavilhão; o albergue alimentava, vestia, calçava os doentes e zelava pelo bom funcionamento do Pavilhão. (...) Sempre que o pessoal médico entendesse que os doentes podiam sair do pavilhão, podiam enviá-los para as camaratas do Centro de Trabalho. (...).
26Na visão dos antigos enfermeiros escalados para o Pisão, não havia um acordo formal entre os hospitais e o albergue e para além das transferências directas existiam outros mecanismos responsáveis pelo número de doentes mentais que afluiam ao albergue:
«Não me lembro de qualquer acordo oficial para que os hospitais mandassem doentes, apesar de o pessoal técnico estar adstrito ao I.A.P.. Tudo passava pelo albergue, pelo capitão Cascais que depois enviava os casos para o Pavilhão. (...) Mas lembro-me que no princípio de sessenta houve um grande despejo do Miguel Bombarda e do Júlio de Matos. Vieram muitos doentes de uma vez. (...) Já não me recordo bem, mas julgo que entre 1976 e 1980 houve outra grande vaga (...). Noutros casos, faziam-se trocas... Um doente agudo do albergue por um doente crónico e desinserido da família, um atrasado mental vindo dos hospitais; um doente mais calmo do albergue por um com desmandos de conduta dos hospitais. (...) Outras vezes, eram doentes que se evadiam dos hospitais, ou melhor, deixavam-nos fugir, davam-lhes alta... abandonados na rua, sem residência, sem família, sem tomar a medicação, descompensavam. Eram apanhados pela polícia na rua e daí iam para a Mitra e depois vinham para o Pisão. (...) Os hospitais estavam cheios. Como trabalhava no Júlio de Matos antes de vir para aqui substituir um colega, sei muito bem o que se passava. Os médicos em colaboração com os enfermeiros restringiam as admissões. Não tínhamos condições...»
27Concomitantemente à transferência (e à permuta) de doentes mentais das instituições psiquiátricas para os albergues de mendicidade, a restrição das entradas e a experimentação de novas válvulas de escape — as licenças de ensaio e as altas precoces, por exemplo — constituíam então outras vias alternativas à necessária desacumulação dos hospitais. Tais mecanismos, transparecendo em alguns arquivos que resistiram aos incêndios, parecem ter também contribuído para o aumento de doentes mentais internados nos albergues de mendicidade.
«Foi observado no Dispensário Central (...) Posteriormente foi internado, voltando a sê-lo várias vezes no Miguel Bombarda e no Júlio de Matos. Teve alta em 1963. Foi detido pela P.S.P., por suspeita de mendicidade e vadiagem, em Dezembro de 1963. Levado ao Dispensário Central, não reconhecem necessidade de internamento. Segue para o Pisão.»
«Foi observado na consulta externa do Dispensário Central em 1957. Não admitido em estabelecimento psiquiátrico por não haver vagas; detido em 1961 pela P.S.P. por suspeita de vadiagem.»
«Encontrado a vaguear nas ruas. Já esteve várias vezes internado no Hospital Júlio de Matos. Teve alta em Fevereiro de 1965. Segue para o Pavilhão.»
«De acordo com a nossa conversa (...) envio-lhe o Sr. (...) que sofre de debilidade mental com hábitos alcoólicos, que o levam a ter desmandos de conduta. Segue para esse albergue para ser internado por troca.»
«Evadido do Hospital de Júlio de Matos. Segue para o Centro de Trabalho com indicação do director para ser internado no Pavilhão.»
«Veio a pedido do I.A.P. (...) Não é um louco perigoso, mas é bem visível a sua taradice. Não é do meu conhecimento darem-lhe ataques. (...) Pode trabalhar nos diversos serviços do campo.»
28Não obstante se tivesse apenas construído um pavilhão psiquiátrico no Pisão (com cerca de 100 camas) temos notícia de que os restantes «aquartelamentos» da colónia eram também utilizados para o internamento de doentes mentais. Na recordação de um dos enfermeiros, que prestou assistência psiquiátrica ao Pisão durante vinte anos:
«Chegávamos a ter mais de uma centena de doentes medicados cá em baixo... Só os casos piores é que eram internados no pavilhão. Quando estavam melhores vinham para os aquartelamentos cá de baixo, depois deixavam de tomar a medicação e iam para cima. Passavam a vida nisto.»
29O fracasso do projecto de transformar o Pisão numa colónia agrícola para doentes mentais crónicos e desinseridos das famílias, não parece pois ter impedido que a Quinta do Pisão funcionasse, informalmente, como uma retaguarda para os hospitais psiquiátricos, dando o tom a uma vocação parapsiquiátrica que ainda hoje pesa na instituição em que, posteriormente, se transformou.
30Na dependência do albergue da Mitra até 1985, o anexo do Pisão manteve-se ligado, em termos de assistência psiquiátrica, «ora ao Hospital Miguel Bombarda, ora ao Hospital Júlio de Matos, ao sabor de critérios mais ou menos arbitrários, ou de eventuais interesses pessoais ou de grupo»8, articulando-se, a partir de 1972, de forma aparentemente ilógica ao Centro Psiquiátrico de Recuperação de Montachique.
31Sabemos muito pouco acerca do impacto que a introdução de assistência psiquiátrica provocou no funcionamento institucional do Pisão. Contudo, temos registos de que, no início, a coexistência entre pessoal da P.S.P. e enfermeiros não foi pacífica.
«Muitos destes doentes mentais eram apanhados pela P.S.P. nas ruas e vinham em mau estado (...). Os polícias pensavam que com as vergastadas resolviam o problema. (...). O Capitão Cascais era rei e senhor. Ele é que sabia, nós não percebíamos nada. (...). O braço direito do Capitão, o Cardoso, quando me foi apresentar ao Pavilhão Psiquiátrico disse-me: ‘Isto aqui é tudo um bando de homossexuais e alcoólicos’. Já se vê como eram estas relações.»9
«Depois, passaram a levar os nossos albergados válidos e a trazer os mais babosos. Mandavam-nos os patetas, os furiosos, os atrasados... Com os enfermeiros aconteceu o mesmo. No princípio eles não residiam na colónia, só lá iam com o médico à consulta. Depois é que começaram a residir. Só nos mandavam o pior. Os enfermeiros que vinham não queriam vir. Era como se viessem de castigo. (...) Um deles, até mais do que um, até era homossexual.»10
«Se este homem estivesse só entregue a nós, saberíamos como tentar obter resultados, mas como está no Pavilhão entregue às observações clínicas e a sua admissão foi a pedido do I.A.P. apresente-se este processo ao exame clínico do Pavilhão, para me transmitir a sua opinião.»11
32Por outro lado, na opinião dos próprios enfermeiros, o escalonamento para o anexo do Pisão «era a batata quente que ninguém queria» e o «pessoal que vinha era marginalizado e instável». Intercalando as entrevistas que realizámos com antigos enfermeiros, emergem repetidamente representações muito desvalorizadas acerca do pessoal de enfermagem que inaugurou a assistência psiquiátrica no Pavilhão:
«O primeiro pessoal de enfermagem e auxiliar que veio para aqui era muito mau... Ouvi dizer que, nesse tempo, eles abandonavam os doentes, que bebiam... Houve até um, muito alcoólico que se suicidou com comprimidos.»
«Em princípios de sessenta, as visitas dos doentes vinham cá ao Pavilhão, depois passaram a ir os doentes à Mitra para serem visitados pelos familiares... Parece que o pessoal auxiliar se metia sexualmente com as visitas.»
«Quando aqui cheguei, havia um doente ou dois mais lúcidos que davam a medicação aos doentes (...) Não havia regras. Era ao critério de cada um. Tinham muito má fama.»
«A partir de 1969, as coisas melhoraram, o relacionamento com a polícia tornou-se mais fácil. Entrou um enfermeiro-chefe muito competente (...). Os guardas viam a melhoria dos doentes e o estado do Pavilhão.»
33Muito embora possa ter gerado conflitos de poder prolongados no tempo, a introdução da assistência psiquiátrica na Mitra atenuou o carácter aberrante ou anacrónico desta instituição policial que, acolhendo doentes mentais, não lhes proporcionava qualquer assistência terapêutica, num contexto sócio-histórico em que o alienado já era considerado um «doente», susceptível de cuidados especializados.
34Concomitantemente com o aumento da proporção de doentes mentais internados e suas consequências no funcionamento institucional, os livros de entrada revelam-nos que a Mitra, no período 1952-1974, continuou a admitir velhos e crianças, abrindo todavia os seus portões a todas as faixas etárias e conservando os padrões de sobremasculinidade e de polimorfismo que caracterizaram as primeiras décadas da sua vigência (cf. Quadros 23 e 24).
35Por sua vez, a mesma fonte mostra-nos que o número de admitidos naturais do distrito de Lisboa diminuiu significativamente (cf. Quadro 25). Com efeito, a proliferação dos seus meios de origem, de Faro a Bragança, proporcionalmente crescente à medida que nos deslocávamos do litoral para o interior, enquadrava-se e/ou ia a par com o movimento das migrações internas. As assimetrias económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento desigual do país estiveram na base de um forte êxodo rural neste período, acompanhado de uma intensificação dos processos migratórios — externos12e internos — bem como de uma concentração populacional e urbanização nos principais distritos do litoral. É também neste contexto mais amplo de grande mobilidade da população rural (e de subsequente despovoamento do interior português), com particular centração nos pólos mais industrializados — Lisboa, Porto e Setúbal — , que devemos situar o aumento considerável de internados cujos laços originários de pertença se prendiam a lugares diversos, espalhados pela quase totalidade do país.
36Em comparação com o período 1933-1951, conseguimos detectar que, globalmente, se deu um ligeiro recrudescimento dos naturais do sul (decorrente, sobretudo, de um aumento dos admitidos naturais dos distritos de Beja e Évora), bem como do norte do país (em consequência de um aumento de admitidos naturais dos distritos de Braga e Vila Real), mantendo-se, com algumas excepções anuais, as percentagens de albergados nascidos nos distritos de Santarém, Castelo Branco, Viseu, Leiria, Aveiro e Coimbra. Embora este aumento de naturais do sul e do norte do país faça sentido num contexto (anos 60 e 70) em que as migrações internas eram sensivelmente do mesmo nível de intensidade no norte e no sul13, não podemos deixar de colocar a hipótese (mesmo impossibilitados de a legitimar) de que esta modificação no padrão da naturalidade dos admitidos se possa prender com vicissitudes inerentes às transferências, às permutas e aos acordos (oficiais ou informais) que a Mitra mantinha com as instituições psiquiátricas e com os albergues de mendicidade instalados por todo o país.
37Os finais dos anos sessenta e os princípios de setenta apresentaram, ainda, um aumento de naturais das ex-colónias africanas, nomeadamente, de cabo-verdianos que eram acolhidos no albergue, mediante um acordo com o Centro de Apoio ao Trabalhador Ultramarino. Com efeito, a partir de 1971 (quarto ano de seca consecutiva no seu arquipélago), o cabo-verdiano viu abrir-se uma outra possibilidade de superar as suas dificuldades. Para além da solução mais frequente (a emigração para a América do Norte, Holanda, França e Alemanha) podia também vir trabalhar para a «Metrópole», onde aliás o trabalho não rareava (devido à forte emigração portuguesa). Não tendo sido controlada em 1971, a emigração cabo-verdiana atingira, nesse mesmo ano, cerca de 15 000 pessoas, continuando a aumentar (aproximadamente 30000 pessoas em 1973.) Foi neste contexto que, por despacho do Ministro do Ultramar, foi criado o Centro de Apoio ao Trabalhador Ultramarino e estabelecido com o albergue da Mitra um acordo, pelo qual este se comprometia a «acolher todos os trabalhadores que aquela Direcção entendesse dever mandar-lhe». Em contrapartida, o C.A.T.U. responsabilizava-se pelas despesas de estadia destes internados e contribuía com uma técnica de serviço social, que se ocupava dos problemas deste novo rosto do mitreiro.
38No que diz respeito à sua situação perante o trabalho (cf. Quadro 27), o mitreiro internado entre 1952-1974 não diferia consideravelmente do albergado das primeiras décadas do funcionamento da instituição. Para além de serem caracterizados por uma «relação irregular mormente a trabalho», os albergados com profissão definida correspondiam, por um lado, aos profissionais de «risco» ou «imorais», classificados em 1940 por Simões dos Reis e, por outro lado, recobriam àquelas ocupações mais vulneráveis a crises de emprego e a períodos mortos de trabalho14.
39Comparativamente ao apurado para o período 1933-1951, o facto que mais sobressai é o do aumento de trabalhadores rurais entre os admitidos com mais de 52 anos no albergue entre 1952 e 1974. O modelo de crescimento económico que vigorou em Portugal entre 1950 e 1974, marginalizando a agricultura, ao invés de erradicar a pobreza, parece ter funcionado como seu catalizador, atingindo sobretudo o sector agrícola e, com mais gravidade, a velhice rural15.
40Similarmente ao ventilado na fase anterior, também entre 1952 e 1974, o estado civil de solteiro (cf. Quadro 26) predominava nos internados admitidos com idades compreendidas entre os 22 e os 51 anos (70,6%). Por sua vez, os testemunhos de vida recolhidos junto deste universo repetem, com bastante fidelidade, os trajectos de vida masculinos e femininos, explicitados no ponto 5.3.1., tanto no que respeita às condições críticas dos seus contextos familiares primários16, como no tocante aos seus ensaios, frequentemente acidentados, de ressociabilização e/ou de refamiliarização secundárias, em desacordo com os modelos de família valorizados. Todavia, chamam-nos a atenção para a singularidade de certos perfis que, partilhando alguns traços com os anteriores, lhes acrescentam uma agravante — a doença mental.17
«Tinha trinta anos. Foi a minha mãe que me pôs cá, por causa dos homens e dos ataques.»
«Foi a Ramona que me trouxe. Eu já tinha estado em Belas, no Júlio de Matos e na casa de saúde do Idanha. Desde os nove anos que andava nisto. Os meus pais queriam internar-me num asilo. Eu já estava farta e fugi de casa. Não aguentava mais e vim para Lisboa.»
«Fui fotógrafo. (...) Foi um desvio de vida. Estive no Miguel Bombarda, nos Cartuchos (...) O meu irmão foi buscar-me mas depois não podia ficar comigo. Estou cá desde 1963.»
«O meu pai espancava-me. A minha mãe era doente dos pulmões e tenho 11 irmãos vivos, na terra. Um dia o meu pai deixou-me à porta de uma casa de freiras a gritar: ‘Tu estás mas é chalada, elas que te tratem da pinha’. Depois foi a doença do cérebro e estive no Júlio de Matos e na casa do Idanha. (...) Vim aqui parar. No princípio era horrível, com os ladrões, os mendigos, as putas... Agora isto melhorou, só queria que os meus irmãos me visitassem.»
Quadro 17 — Presidiários à ordem dos serviços prisionais admitidos na Colónia do Pisão entre 1946 e 1954
Anos | n.o de entrados |
1946 | 175 |
1947 | 75 |
1948 | 13 |
1949 | — |
1950 | — |
1951 | 1 |
1952 | — |
1953 | — |
1954 | — |
Quadro 18 — Presidiários à ordem dos serviços prisionais internados na Colónia do Pisão entre 1946 e 1954
Anos | n.o de entrados |
Set. 1946 | 170 |
Nov. 1952 | 60 |
Mai. 1953 | 40 |
Jun. 1953 | 33 |
Jul. 1953 | 26 |
Ago.1953 | 20 |
Set. 1953 | 19 |
Out. 1953 | 19 |
Nov. 1953 | 19 |
Jan. 1954 | 13 |
Fev. 1954 | 11 |
Fonte: Documentos encontrados nas lixeiras da ex-colónia agrícola do Pisão (CASP).
Quadro 19 — Internados na Colónia Agrícola do Pisão em 21 de Novembro de 1952
Grupo etário | presidiários | albergados aptos | dementes | Total |
15-21 | — | 56 | 11 | 67 |
22-36 | 10 | 80 | 36 | 126 |
37-51 | 33 | 94 | 48 | 175 |
52-66 | 17 | 54 | 53 | 124 |
> 67 | — | 13 | 8 | 21 |
S/R | — | 1 | 2 | 3 |
Total | 60 | 298 | 128 | 486 |
Fonte: Documentos encontrados nas lixeiras da ex-colónia agrícola do Pisão (CASP).
Quadro 21 — Internados admitidos e saídos (1952-1974)
Anos | Admitidos | Saídos |
1952 | 901 | 912 |
1953 | 725 | 687 |
1954 | 797 | 796 |
1955 | 642 | 643 |
1956 | 715 | 645 |
1957 | 683 | 669 |
1958 | 556 | 529 |
1959 | 492 | 458 |
1960 | 954 | 689 |
1961 | 512 | 545 |
1962 | 439 | 508 |
1963 | 670 | 595 |
1964 | 507 | 435 |
1965 | 437 | 390 |
1966 | 573 | 529 |
1967 | 387 | 494 |
1968 | 247 | 355 |
1969 | 283 | 358 |
1970 | 436 | 364 |
1971 | 234 | 393 |
1972 | 503 | 555 |
1973 | 480 | 555 |
1974 | 447 | 720 |
Total — 1952/1970 | 10956 | 10601 |
Total — 1971/1974 | 1664 | 2223 |
Fonte: Livros de entrada do albergue de mendicidade de Lisboa (1952-1974)
Quadro 24 — Distribuição por sexos e grupos de idade dos admitidos entre 1952 e 1974
Grupo etário | Feminino | Masculino |
0-7 anos | 41,1 | 58,9 |
8-14 anos | 23,6 | 76,4 |
15-21 anos | 16,5 | 83,5 |
22-36 anos | 26,1 | 73,9 |
37-51 anos | 22,3 | 77,7 |
52-66 anos | 23,2 | 76,8 |
> 67 anos | 48,4 | 51,6 |
6.2. As visitas da amiga social
41A par da vocação parapsiquiátrica assumida pelo albergue no período em estudo, assistimos ainda à introdução do Serviço Social a partir de finais de 1956. Esta novidade institucional, requisitada pela direcção da Mitra ao Instituto de Assistência à Família, constituía mais um passo para a concretização de uma velha directriz (mal sucedida) dos albergues de repressão da mendicidade e da vadiagem, a saber, a triagem e o reencaminhamento de uma parte do universo admitido para estabelecimentos mais adequados à sua situação. É neste sentido que podemos compreender a presença de algumas trabalhadoras sociais (destacadas do I.A.F.) bem como de 4 ou 5 finalistas por ano (do Instituto do Serviço Social e da Escola de Serviço Social de Coimbra) no albergue, estudando os «casos» internados (através de inquéritos individuais, contactos familiares, etc.), tentando encontrar-lhes uma «solução» (obtenção de trabalho no exterior, internamento em instituições específicas, recolocação familiar, etc.), procurando apoiar a sua «readaptação»19no interior da instituição (através da obrigação ao trabalho nas oficinas da sede e no centro de trabalho do Pisão)20.
42Muito embora, como veremos de seguida, a emergência do Serviço Social tenha contribuído para modificar alguns padrões do funcionamento institucional, as representações veiculadas pelas trabalhadoras sociais sobre os vários rostos do mitreiro não diferiam significativamente das enunciadas pelo amigo regenerador, favorecendo a perpetuação do quadro ideológico que suportava o encerramento (involuntário) do vadio-mendigo nos albergues da polícia.
43Também do ponto de vista da «amiga» assistente social — homólogo feminino da figura de apóstolo social que o amigo regenerador chamara a si — «sempre disposta a sentir e a viver os problemas» dos que a cercavam, incansável em dedicação e sacrifícios para bem servir a Deus, ao próximo, à Pátria e contribuir para o engrandecimento de Portugal21, a vadiagem e a mendicidade eram consideradas «forma(s) imora(is) de viver»22, «flagelos sociais», «doenças» e «defeitos» que «infestavam» o mundo contemporâneo, sobre as quais urgia actuar com «tenacidade» e «sincero espírito social»23.
44Dentro deste quadro de representações, os relatórios das trabalhadoras sociais prestando serviço (ou estagiando) na Mitra insistiam em caracterizar os membros da «comunidade» (um termo então na moda) encerrada pela P.S.P. no interior do albergue como «muito viciados», apresentando como «vícios mais frequentes»: «o álcool», o «fumo», a «homossexualidade» e a «prostituição». Depois de persistirem na tese do «muito viciados» ou do «nível moral é baixo», de quase resumirem as causas da admissão na instituição à «prática de actos imorais» (vadiagem, mendicidade, homossexualidade, etc.), os relatórios eram unânimes em afirmar a sobrepatologia mental do mitreiro — «São todos ou quase todos anormais»; são «marginais e anormais»; «não se lhes pode chamar uma comunidade normal», etc.24.
45Ao «vício», à doença mental e à «degeneração hereditária»25, combinados harmoniosamente na visão produzida pela amiga social sobre o mitreiro, somavam-se ainda certos traços psicológicos («defeitos» na expressão original) que, de um modo quase invariável no período em estudo, eram projectados no vadio-mendigo: «inconstância» (agora justificada sobretudo pela doença mental); fracos hábitos de trabalho («dados os vícios que têm» e devido à sua patologia); propensão para a mentira e para a ocultação da sua identidade; «imaginação fértil» e artes de simulação; «revolta» e rebeldia (por incompreensão da finalidade do seu internamento no albergue explicadas, de novo, pelos vícios e pela anomalia mental)26; e predisposição para actos criminosos27.
46Entre as causas sociais de tais «flagelos», a amiga social reapontava, para o caso dos cidadinos, os seus «meios corruptos e corruptores» de pertença e criação28 — caracterizados por múltiplos «focos de deseducação» (as tabernas mal frequentadas, os prostíbulos, os cinemas mal afamados, etc.), a «péssima organização das famílias»29 («casais mancebados»30, «a tremenda promiscuidade»31, a baixa moral e os hábitos alcoólicos dos progenitores, etc.), as condições de habitação32, «a ignorância total das noções mais elementares de higiene, de ordem, limpeza, delicadeza e religião»33, a aprendizagem na rua — «escola de todos os vícios»:
«Crianças assistindo desde pequeninas aos actos da vida íntima dos adultos, são levados pelo espírito de imitação a praticar acções indecorosas e repugnantes! Por outro lado como a casa é pequena, vão para a rua frequentando assim, desde tenra idade a escola de todos os vícios. (...) A rua que conduz os rapazes à delinquência infantil e as raparigas à prostituição.» (1950)34
«Quando passava por aquelas ruas, quer de manhã, quer de tarde (...) sentia o coração apertado de ver tantas crianças, deitadas pelo chão, sujas, famintas, rapariguitas expostas a todos os perigos, rapazes contraindo vícios naquela vida de preguiça em que andavam. (...) Por viverem nessa espécie de vida de vadios, sempre na rua, nus (...) podem classificar-se de selvagens.» (1948)35
«(...) e são as mães que as mandam e por vezes obrigam a roubar. (...). Todo o dia andam por essas ruas, fugindo à polícia (...) e pouco a pouco, se vão deixando cair e entregando aos maiores vícios. (...) Porque se ao princípio é só o roubo, depois, com o dia inteiro fora de casa, outros vícios vêm encontrando-se por vezes rapariguitas de 13 ou 14 anos já mães ou levando uma vida que só se pode classificar de impura.» (1948)36
«Infelizmente o álcool não prejudica só o indivíduo mas também a sua descendência. Encontra-se na descendência do alcoólico uma grande proporção de degenerados psíquicos e físicos. (...) Na verdade o alcoolismo procria como uma raça à parte cheia de enfermidades psíquicas, físicas e morais. E quando não as sofrem há nelas o cunho de um estado nevropático acentuado que se revela por ideias tristes, pela tendência à imoralidade, pela perversão de carácter que é cínico, intriguista e velhaco. (...) incapazes de sentir a diferença entre o bem e o mal (...) mais tarde os heredo-alcoólicos vão encher as penitenciárias.» (1940)37
47Para os oriundos de zonas rurais, esquecidos «do que lhes transmitiram os pais ou os avós», recusando a «vida sã da aldeia» donde partiram «por espírito de aventura, cobiça ou vertigem pelo luxo», o fracasso inevitável da sua integração urbana, o desemprego, as dificuldades de encontrar habitação económica e as próprias forças corruptoras da cidade surgiam como factores causais da mendicidade e da vadiagem.
«(...) a cobiça dos centros urbanos e o eco da vertigem e do luxo da capital chegou ao seu cantinho. E, longe de isto os apertar mais e ligar à terra onde nasceram e ao seu lar, vendem tudo o que têm, arranjam as trouxas e as suas economias (...) e aí vêm, até à capital. Ficam encantados, a cidade é amável e acolhedora. E por aqui andam (...) até (...) o dinheiro acabar. (...). E agora é que começa a dificuldade! Casas há mas são muito caras e emprego é um caso muito mais sério. (...)» (1948)38
48Não podemos, todavia, escamotear a emergência progressiva de discursos menos polarizados nesta imagética da migração «aventureira», motivada exclusivamente por causas caracteriais (ambição, cobiça, etc.). As crises cíclicas de trabalho em certas províncias, a fraca remuneração do assalariado agrícola, a ausência de possibilidades de garantir o futuro, a dureza excessiva da vida no campo e, em contrapartida, a necessidade de oferecer outras condições ao trabalhador rural para «o prender à terra», passaram também a emergir no discurso veiculado pela trabalhadora social39.
49Contudo, e a par de uma certa abertura à causalidade socioeconómica da vadiagem e da mendicidade, as auxiliares de serviço social que estagiavam na Mitra investiam preferencialmente as explicações (individualizantes e microfamiliares) dos «vícios» (inatos ou adquiridos) e da patologia mental e isto mesmo em meados dos anos setenta.
50Por sua vez, tal como em décadas anteriores, a «perigosidade social» do vadio e seus afins não residia apenas nas suas potenciais condutas criminosas — como repetia também a amiga social, «os vadios são mais inclinados ao crime»40 — mas, de igual modo, na ameaça de contaminação moral, novamente, assimilada à sífilis, a lepra, à tuberculose. A sobreestimação dos perigos da poluição moral traduzia-se claramente em certas designações, atribuídas pela amiga social aos albergues da polícia (e nomeadamente ao das crianças abandonadas)41:
«(...) pela sua caridosa missão o albergue pode ser considerado o Sanatório da Alma’, tendente a evitar que se desenvolvam enfermidades de outra espécie, de carácter moral, não menos perigosas para a humanidade do que a tuberculose — a devassidão a que são propensos pequenos sêres vagabundos.»42
51Homólogo feminino da vadiagem, a figura da prostituta era também alvo de consideração (e de intervenção) da amiga social. Já não a concebia explicitamente como uma «degenerada», «louca moral», ou regredida a uma «primitividade selvagem» (cf. ponto 5.4.2.). Porém, em 1965, ainda afirmava que havia nela «uma vivência da sexualidade não no plano humano, mas no plano animal»43; simultaneamente, o diagnóstico de «loucura moral» era substituído por categorias nosológicas mais actuais — «tendência psicossomática», «psicopatia», «debilidade mental», «depressão», «sensualismo anormal» «psicastenias e ciclotímias», etc.44 No fundo, com ligeiras modificações formais, o estereótipo da prostituta — impulsiva e instável, possuindo uma «emotividade descontrolada»45, vagabunda, ociosa, «imoral» ou «amoral», abstraída completamente dos valores espirituais46, sem laços de pertença e sem instintos maternais, narcísica, simuladora, sonhadora, gerida pela satisfação imediata e desconhecendo qualquer poupança para o futuro47, com «hábitos de homossexualidade»48, etc. (atributos todos eles partilhados com o vadio-mendigo) continuava a vigorar nas descrições psicologizantes da amiga social:
«Regra geral, não pertence a nenhum agregado familiar naturalmente constituído, nem sequer a um semelhante ao lar natural (casa de pessoas amigas, parentes, colegas, etc.) (...). O seu nome próprio e o seu apelido que de certo modo são elos de ligação com a família, quase sempre sofrem mudanças, a fim de mais facilmente se esquivar à vigilância das autoridades. Os nomes próprios variam constantemente (...). Não tem domícilio, sendo muitas vezes os bares, os ‘cabarets’ e outros estabelecimentos similares, os locais onde passa a maior parte da sua vida (...). O seu instinto maternal sofre profundos traumatismos (...) procura todos os meios para fugir à vida, tornada insuportável (...), a prostituta volta toda a atenção sobre si (...); (...) é difícil saber realmente a sua verdadeira história, pois a verdade ou não existe ou vem camuflada com factos que não são senão produtos da sua imaginação. (...) A vida de ócio que leva durante as horas em que não recebe os ‘clientes’, vai afectar a sua vontade e a sua inteligência.»49
52Militante do projecto abolicionista (oficializado a partir de 1 de Janeiro de 1963), a amiga social, década após década, substanciara na prostituição (regulamentada ou não), a ameaça de contaminação e destruição (física e moral) «do bom» e do «ainda são» «entre nós». Para além das doenças venéreas que podia transmitir aos «clientes», bem como da iniciação destes a outros «vícios» (como o alcoolismo, as perversões sexuais, etc.), a prostituta podia ainda criar-lhes «o amolecimento da vontade, o enfraquecimento da sua virilidade»50. Por sua vez, no plano da corrupção das filhas «honestas» e «puras» e da «desgraça da honra das famílias», a sua perigosidade chegava a ser descrita como envolvendo um projecto voluntário e «mais ou menos consciente» de poluição (vingativa):
«A mulher que se prostitui tem uma visão própria do mundo que a rodeia. Geralmente ela assenta na revolta, no ódio contra as pessoas tidas como ‘gente de bem’, Este sentimento leva-a, por vezes, a tentar, por vingança (que pode ser mais ou menos consciente), arrastar outras raparigas para o vício.»51
53Excedendo em perigosidade social (ou moral) a vadiagem e a mendicidade, a prostituição reconhecia, no entanto, causas diversas que não se restringiam apenas às do foro individual. Dir-se-ia que, neste ponto, a amiga social, ao contrário do modo como se referia ao vadio-mendigo, oscilava entre a doença mental, a hereditariedade «pesada» e o «vício», a natureza íntima e as vulnerabilidades do feminino — sentimental, leviano, curioso, sugestionável, seduzível pelo luxo, etc. — , os factores familiares (maus exemplos, famílias «anormais» ou inexistentes, promiscuidade doméstica, falta de educação moral, etc.), as causas profissionais — as tradicionais «profissões perigosas» mas também (no contexto de crescente industrialização da década de sessenta concomitante com o aumento do número de mulheres empregadas em unidades fabris) as condições do trabalho nas fábricas «inadequadas» ao psiquismo feminino, a imoralidade desses lugares de trabalho, etc. — , as crises económicas, etc..
A falta de «formação do coração e da vontade» e a ausência «de educação do espirito (...) não preparavam as raparigas para a vida (...) desenvolvendo, ou pelo menos não combatendo, curiosidades mórbidas, sentimentalismos doentios, falta de apreço ao lar, para não falar na ambição do luxo, no amor à aventura e em certas leviandades.»52
«À frente das profissões perigosas está, decerto, a das criadas de servir, (...) depois as domésticas — raparigas que vivem em casa, muitas vezes na ociosidade (mãe dos vícios, como lhe chamam), em grande promiscuidade (...) e com lamentáveis exemplos a rodeá-las. As operárias, materializadas pelo próprio trabalho e a quem o perigo espreita de diversas maneiras têm, sem dúvida, uma profissão perigosa, assim como as vendedeiras — raparigas da rua, sujeitas às grosserias dos homens, a roçarem pelo mal constantemente; as costureiras a quem o contacto com o luxo desperta ambições de falsas senhoras, tornando-as mais aptas a deixarem-se seduzir; estão no mesmo caso, as empregadas (caixeiras, dactilógrafas, etc.), a quem o contraste da vida que levam e da que ambicionam e vêem levar desmoraliza, pondo em perigo a virtude, tantas vezes já solicitada pelos convites insidiosos do patrão. (...) De transigência em transigência não consegue salvaguardar a sua pureza, nas horas graves de tentação, e acaba por ceder às sugestões do mal.»53
«A forma como presentemente se exerce o trabalho da mulher não é ainda adequada ao seu psiquismo e constituição biológica; (o trabalho fabril) em nada foi organizado em ordem às exigências de sensibilidade, de resistência física e mental das mulheres. É por isso que muitas raparigas cansadas de um labor duro e monótono, tentam outros meios, que pensam ser mais fáceis para ganhar a sua vida. O próprio carácter do trabalho na fábrica pode provocar um estado de angústia e de frustração, que leva as pessoas menos formadas a prostituirem-se. A prostituição surge assim, como algo que vai compensar a imensa solidão, que um trabalho mecânico e impessoal deixa na alma de quem o executa.»54
54Para completar o estatuto de estado de perigosidade social atribuído aos vários rostos do vadio-mendigo, a amiga social salientava que o alcoolismo e a criminalidade eram «males coexistentes»55 com a prostituição, a vadiagem e a mendicidade.
55Parente próximo da ideologia do amigo regenerador, o discurso da amiga social equacionava também o mitreiro a uma figura duplamente desinserida — a um «aventureiro» que recusava a «vida sã» da aldeia e fracassava na sua integração urbana — ou associava-o a certos bairros da capital, conotados invariavelmente com uma certa marginalidade. Similarmente, enfatizava a sua ligação ao espaço da rua, dimensionado como desinibidor, corruptor, poluente, remetendo-nos, por oposição, para um modelo moralizante de conduta, sob o signo da família e do mundo doméstico. Distanciado do «chefe de família» honrado ou do papel de «esposa-mãe-educadora», promovendo a consolidação da família e das suas virtuosidades, não contribuindo para a formação do «verdadeiro lar português» — um «ninho» pobre, asseado, modesto, sem ambições, de relações hierárquicas e de papéis rigidamente definidos — o mitreiro surgia, também aos olhos da amiga social, como um rebelde à família (idealizada) ou como alguém carenciado de tal instituição.
56E, neste ponto, as obsessões do amigo regenerador e da amiga social voltavam a convergir. O familialismo social era a solução idealizada por ambos para as instituições recuperadoras dos vários rostos do mitreiro. Para além do clima ordeiro, limpo e alegre, o asilo para menores abandonados ou em «perigo moral» deveria ser «sempre» «um lar artificial»56, do mesmo modo que um albergue para velhos (inválidos, dementes, etc.), deveria «proporcionar um ambiente mais familiar»57. Também para o sucesso da recuperação moral de certos mitreiros e, em particular, da prostituta, a amiga social aconselhava um meio institucional «sem luxos» mas com «o conforto, o atractivo, a intimidade expansiva» e com «as alegres diversões duma verdadeira vida de família»58.
57No mesmo tom que exaltava o familialismo como ideal de funcionamento das instituições onde trabalhava, a amiga social criticava, ao amigo regenerador, o fechamento espacial e totalitário que este prescrevia para os asilos da polícia, a disciplina militarista, as práticas uniformizantes, as penas vexatórias, certas medidas correctivas, etc.. A tese da manutenção dos contactos familiares aquando do internamento, a da necessidade de restituir o marginal à sua comunidade de pertença, de o reinserir no mundo profissional e na família original, de lhe arranjar colocação numa família outra, etc., entravam em moda, entre nós.
58Assim, no contexto das suas intervenções em hospitais psiquiátricos, a trabalhadora social afirmava que «seria do interesse que as famílias nunca perdessem o contacto com os seus doentes» e que tudo se deveria «organizar para que o doente» estivesse «fora do seu ambiente familiar o mínimo tempo possível»59; quando estagiava em asilos de velhos (inválidos, acamados, dementes, etc.), argumentava também contra os seus moldes «rígidos e hierarquizados, à semelhança do sistema militar» e, ao invés, procurava uma maior personalização e individualização dos quotidianos, bem como o responsabilizar dos parentes para que mantivessem o contacto com os asilados e participassem nas despesas do seu internamento60; nas monografias que elaborava sobre instituições para menores «em perigo moral», a deficiência que mais frequentemente evocava era, de novo, a falta de «contactos» dos internados com as respectivas famílias61; similarmente, quando enfatizava a importância de instituições de regime semiaberto para prostitutas regeneráveis, defendia, ainda, que «as educandas» não deveriam perder «o contacto com pais e parentes», tendo em vista o papel atribuído «às relações das acolhidas com a comunidade e a sua participação progressiva na vida quotidiana dessa comunidade.»62
59Também na Mitra a presença do serviço social (a partir de finais de 1956) possibilitou a modificação de alguns quotidianos institucionais, não obstante o albergue tivesse conservado um conjunto de traços tipicamente totais.
60Para além das fronteiras entre sexos e gerações, da programação rígida dos quotidianos, da arregimentação colectiva, das proibições de saída, do uso de fardas, da atribuição de um número, da obrigação constante de pedir permissão, do sistema de castigos, etc., o projecto regenerador visado colocava, de novo, a aquisição de hábitos de trabalho (artesanal e agrícola) como fonte principal de recuperação e moralização. Neste último ponto, a amiga social, acreditando, também ela, na possibilidade («com jeito e boa vontade») da metamorfose da «pior e desgraçada gente» em «melhor e mais moldada gente»63, concordava com o amigo regenerador:
«Sempre que a P.S.P encontra ‘A’ na prática de mendicidade, vadiagem, furto, etc., envia-o ao Governo Civil que lhe faz um questionário e seguidamente pede internamento na Mitra. Na Secretaria do Albergue faz-se a identificação e a ficha de ‘A'. Inicia-se a organização do processo que é enviado ao Serviço Social afim de ouvir ‘A Seguidamente convocam-se os familiares e contacta-se com as autarquias locais da terra natal, através de um inquérito que lhes é enviado, a fim de se colherem informações mais precisas. (...). O Serviço Social dá opinião sobre a orientação a dar ao caso, opinião essa que pode ser aceite ou rejeitada pelo director do Albergue ao dar despacho. Entretanto ‘A’ é examinado pelo médico (de clínica geral) da Instituição que dá o seu parecer clínico. (...) se fôr considerado apto para todo o serviço, é enviado para as oficinas que funcionam no albergue. (...) No caso de não ter profissão especializada é enviado para o Centro de Trabalho do Pisão — e aí dedica-se aos trabalhos agrícolas (...). Age-se deste modo, para que os internados adquiram hábitos de trabalho.»64
61No entanto, a obrigação quase generalizada de trabalhar comportava a possibilidade, introduzida pelo então director do albergue com o auxílio prático da amiga social, de uma «colocação» profissional (de albergados convertidos ou fiéis ao «pacto regenerador») no exterior da instituição (nos hospitais civis, nas obras públicas, etc.).
62Aos múltiplos objectivos do albergue (repressão da vadiagem, da mendicidade e do furto, triagem e encaminhamento, regeneração do «mau português»), a amiga social acrescentava também a necessidade do re-«enquadramento ambiental, familiar, profissional» dos internados. É neste contexto que podemos compreender a introdução de vários itens institucionais, nomeadamente, o trabalho no exterior (para um número muito reduzido de albergados) e, sobretudo, as «idas de licença» e as visitas da ou à família (cf. Quadro 30).
63Contudo, esta abertura relativa ao exterior não se traduziu numa modificação estrutural dos quotidianos institucionais e, em contrapartida, permitiu até a emergência de novas estratégias por parte dos internados que, aproveitando as circunstâncias de uma licença ou do trabalho no exterior, planeavam e mais facilmente executavam a desejada fuga.
«Tenho a impressão que o albergado aceitou ir trabalhar para fora, para melhor se poder ausentar, como tem feito das vezes anteriores.»
«Regressa ao Pisão, de onde havia saído com licença, tendo sido detido na área da 5.a Esquadra onde andava a fazer escândalo.»
«Por ter sido preso quando se encontrava de licença tem o seguinte despacho: cumpre 3 dias de calabouço.»
64Do Quadro 30, ressalta ainda que, neste período, os albergados eram mais frequentemente encaminhados para os hospitais civis (com vista a consultas, análises, internamentos provisórios, etc.), ou seja, que a assistência médica no albergue, mediante a presença diária de um clínico geral, dos vários enfermeiros da P.S.P. e da ligação aos hospitais civis, havia melhorado substancialmente. Temos notícia que também esta alteração no funcionamento institucional foi manipulada pelos albergados com vista à obtenção da liberdade. Porém, quando a estratégia fracassava, o castigo era certo e conhecido:
«Pisão. Trabalhar na sua arte de carpinteiro. Um mês sem receber tabaco. Havia fugido da consulta externa do H. de S. José, onde havia sido presente para fazer análises.»
«Não soube apresentar-se quando teve alta, pelo que se aplica o castigo normal.»
«Regressa ao Pisão e fica sem saídas, por ter fugido da consulta de Oftalmologia do H. de Santo António dos Capuchos.»
65Se as directrizes do projecto institucional elaboradas pelo amigo regenerador eram, de algum modo, perturbadas pelos albergados, a prescrição de castigos (mesmo físicos) mantinha-se uma constante: calabouço, Pisão, proibição de beber, de receber jorna e tabaco, cessação das saídas e das visitas, atribuição de «trabalho pesado que obrigue a esforço», etc.. Neste período, a transferência para o Pisão continuava a funcionar como uma punição para o «mau-filho», rebelde ao trabalho, desordeiro, insolente, fugitivo, alcoólico, homossexual, em suma, para os vários rostos da «irrecuperabilidade».
«Pisão. Trabalhar até findo o tempo de castigo.»
«Regressa ao Pisão por desobediência e agressão ao guarda.»
«Pisão. Utilizar em trabalhos fortes, sem direito a saídas.»
«Como se trata de um menor e que é preciso evitar a vadiagem, deve ser transferido para o Pisão, onde será utilizado em trabalhos que exijam força de forma a ficar a saber como é difícil a vida.»
«Segue para o Pisão, onde vai passar uma semana de suspensão devendo ser-lhe atribuído trabalho pesado que obrigue a esforço.»
«Regressa imediatamente ao C. T.. Não recebe tabaco, nem jorna. SEM BEBER. Este caso não tem solução e por isso há que no C.T. ter sempre vigilância para não fugir.»
«Dado que não se consegue nada dele aqui na sede, segue para o Pisão. Atenção à fuga. Não pode ser contrariado porque é conflituoso.»
«Segue para o Pisão, onde será entregue a trabalhar, devendo haver cuidado na sua instalação, pois precisa andar sob vigilância, por haver suspeita sobre as suas aberrações.»
«Vai para o Pisão. Já conhecemos a vida que faz.»
«Segue para o Pisão. Não deve receber a visita da amante.»
66Coexistente com este clima «totalizante», a presença da amiga social, se bem que minoritária e submissa ao paradigma policial-masculino, permitiu a introdução de algumas novidades institucionais. A camarata-creche que, reza a memória colectiva foi sugestão de um guarda, «a quem muito impressionava haver bebés a viverem nas camaratas, de mistura com toda a gama de adultos»65 e à qual a «avó» (uma albergada internada por alcoolismo) se dedicou durante mais de 20 anos, constituiu uma das primeiras inovações institucionais, possibilitadas pelo Serviço Social.
67Tomando como exemplo a creche, desenvolveram-se experiências similares com os rapazes e com as raparigas em idade escolar, isto é, configuraram-se camaratas próprias para estes grupos etários. Mais tarde a tentativa de, no interior de um mesmo espaço, atribuir um lugar específico a cada situação internada foi mais longe. Nesta linha, organizaram-se ainda camaratas-enfermarias para os velhos e para os doentes.
68Com o Serviço Social, também a ideologia da humanização penetrou na instituição repressivo-carcerária e, sobretudo, na sede, uma vez que, como vimos, o Pisão conservava as suas antigas funções adentro do projecto do amigo regenerador (a aquisição de hábitos de trabalho moralizadores e o castigo). A criação de um grupo teatral, a montagem de espectáculos feitos pelos próprios internados, a organização do ciclo anual de festas (Natal, Páscoa, Santos populares, etc.), as idas a espectáculos públicos, os passeios, as colónias de férias para a população infantil e juvenil, etc., foram algumas das iniciativas mais relevantes da amiga social.
69Reactivando a directriz de triagem e encaminhamento, que segundo a legislação de 1940 deveria ser a principal finalidade do albergue, e complementando-a com o princípio da reinserção familiar e social dos internados, a amiga social não conseguia, contudo, cumprir na prática muitos dos objectivos a que se propunha. A precaridade dos meios, a inexistência e/ou a insuficiência de instituições assistenciais adequadas não puderam deixar de se reflectir num processo que, idealizado pelo menos desde os anos quarenta, apenas em 1985 se veio a consumar. Restava-lhe assim investir no interior da instituição «total», humanizando-a através de um ensaio de reprodução intramuros dos rituais cíclicos, das festas, dos tempos de lazer, etc., do mundo exterior.
6.3. Apontamentos sobre a extinção do albergue da Mitra
70Após ter atravessado uma fase de grande instabilidade institucional no período que se sucedeu à revolução de Abril, oficialmente extinto em 1977 e colocado sob tutela da Secretaria do Estado dos Assuntos Sociais no ano seguinte, o albergue da Mitra foi reconvertido, de acordo com o decreto-lei n.o 301/78, em duas unidades distintas: «um Centro de Terceira Idade (...) e um serviço de acolhimento e triagem, com a finalidade de acolher e encaminhar para estabelecimentos adequados todos os que necessitarem de imediata assistência.» Paralelamente a estas duas unidades, a instituição conservou uma terceira, não prevista no referido decreto-lei — o Centro de Trabalho do Pisão que só em 1985 se autonomizou, transformando-se no Centro de Apoio Social do Pisão.
71A extinção do modelo institucional inaugurado em 1933 bem como as novas determinações oficiais para a reconversão do espaço material onde aquele havia vigorado tiveram implicações várias e nomeadamente no universo heterogéneo que caracterizou a nova instituição nas décadas seguintes. No seguimento de um processo de esvaziamento institucional, circunscrito aos anos de 74, 75 e 76, a Mitra confrontou-se de novo com um afluxo intenso de utentes: primeiramente, com a admissão de uma proporção significativa de crianças, jovens e adultos naturais dos PALOP e, nomeadamente, de Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné, facto que lhe deu uma ambiência muito específica; e, posteriormente, sobretudo a partir de 1982, com a admissão preferencial de uma população envelhecida, o que a transformou progressivamente num centro de assistência terminal para determinados rostos de velhice.
72Para a aquisição dessa vocação gerontológica contribuiu também um processo real de triagem e encaminhamento de uma parte considerável do universo residual internado bem como do recém-chegado na década de setenta — através da inserção das crianças abandonadas em famílias adoptivas e em instituições específicas (com apoio do S.C.M.L.); do alojamento dos casais com filhos e das famílias monoparentais ou dos grupos de irmãos (no Bairro Social de Alcoitão); da colocação dos adolescentes em explorações agrícolas (Tercena); das transferências volumosas de doentes mentais crónicos e de velhos senilizados, de ambos os sexos, para o Pisão, então autonomizado (Centro de Apoio Social do Pisão).
73Dois percursos de vida distintos — o do vadio-mendigo, involuntariamente encerrado no albergue durante décadas, envelhecido atrás dos muros, sem condições e recursos para sobreviver fora de um contexto institucional — e um segundo trajecto, vivido nos interstícios do tecido social, mas cuja velhice, muito carenciada em termos económicos, caracterizada pela ausência de uma rede familiar (ou pela existência de graves conflitos familiares) e por uma multipatologia (tanto somática como psíquica), faz surgir o asilo como única alternativa viável66, partilhavam nos anos oitenta o mesmo espaço de internamento terminal.
74Também do ponto de vista do seu funcionamento, a instituição reconvertida apresentava outras modificações a vários níveis importantes. Foi perdendo progressivamente o seu cariz policial e total, substituindo a maioria do seu staff por funcionários civis, na sua maioria do sexo feminino, facto este que teve repercussões relevantes na emergência de novas estratégias de relação e de comunicação no interior do estabelecimento reconvertido.
75Entre elas, duas eram de particular saliência no funcionamento da Mitra no final dos anos oitenta: a que chamámos de pragmatismo, isto é, a tendência dos cuidadores para restringirem as suas tarefas assistenciais apenas à satisfação das necessidades biológicas e médicas das pessoas velhas e, deste modo, as reduzirem a seres puramente fisiológicos; e uma outra, aparentemente contraditória, a que designámos de familialismo, pela qual os cuidadores, com a cumplicidade ou não dos utentes, procuravam redramatizar a relação família-filho no interior institucional67.
76Nas mesmas estruturas físicas que espacializaram as construções família-listas sobre a regeneração do vadio-mendigo, mas num contexto institucional caracterizado agora pela carência ideológica e técnica do staff (mais directamente envolvido com a velhice terminal) sobre a gestão do último ritual de passagem do ciclo vital, a omnipresença da angústia de morte era superada pela criação e consolidação de uma estratégia pragmático-familialista que comportava funções defensivas e, ao mesmo tempo, possibilitava gratificações (conscientes e inconscientes) tanto para os velhos moribundos como para os próprios cuidadores.
Notes de bas de page
1 Decreto n.o 365 de 15 de Maio de 1976
2 Extracto de entrevista com antigo director dos Serviços de Repressão da Mendicidade e do albergue da Mitra.
3 A destruição quase completa dos arquivos institucionais e, nomeadamente, dos respeitantes à sede do albergue, impede-nos de tecer considerações análogas para o universo feminino internado por medida de segurança. Como já foi referido, a redistribuição espacial dos internados entre a sede do albergue e o seu anexo no Pisão dizia respeito apenas ao universo masculino.
4 Cf. Ofício 2.680 de 28/5/1954, dirigido à Direcção-Geral de Assistência, Arquivos do Ex-Instituto de Assistência Psiquiátrica.
5 Cf. Informação enviada em 14/12/1954, Arquivos do Ex-Instituto de Assistência Psiquiátrica.
6 Arquivos do C.A.S.L.
7 Por exemplo, num relatório de 1959, é afirmado que o Hospital Miguel Bombarda «converter-se-á, ano após ano, num verdadeiro depósito de doentes» (p. 7). O universo internado é metaforicamente assimilado a «uma população em êxodo (...) acossada pela fome e pela peste de um teatro de guerra que se tivesse abrigado (...) sob o manto de um mesmo tecto» (p. 7). De um outro relatório, datado de 1961, conclui-se que cerca de 77% do universo internado no Hospital Miguel Bombarda era constituído por doentes de evolução prolongada e constata-se o envelhecimento da população hospitalar, o que começa a suscitar preocupações de ordem técnica e administrativa.
8 Cf. Arquivos do Ex-Instituto de Assistência Psiquiátrica.
9 Extracto de entrevista com antigo enfermeiro do Pisão.
10 Extracto de entrevista com antigo director da Mitra (Cr. Cascais).
11 Idern, cf. «Arquivos» do CASP.
12 Na década de sessenta, registou-se um dos maiores níveis emigratórios externos (e, em particular, do clandestino ou indocumentado). A partir de meados de setenta, verifica-se já uma diminuição notável da emigração externa, acoplada ao regresso de muitos portugueses das ex-colónias.
13 Cf. J. M. Nazareth, (1979), O Envelhecimento da População Portuguesa, Lisboa, pp. 137159.
14 Na faixa etária 22-51 anos, os profissionais mais frequentes eram os pintores e pedreiros da construção civil (15,1%), seguidos dos vendedores ambulantes (5,5%), dos empregados de hotelaria e similares (4,2%), dos marítimos (3,7%), dos serralheiros (3,%), dos carpinteiros e marceneiros (2,9%), dos sapateiros (2,9%) e de uma série variada de trabalhadores das indústrias extractivas e transformadoras (3,5%). Entre os entrados com mais de 52 anos, os pedreiros e os pintores da construção civil (9,5%), os vendedores ambulantes (4,5%) e os trabalhadores rurais (4,3%) eram os profissionais predominantes, seguidos, em percentagens mais diminutas, de todas aquelas profissões apuradas nos homens mais novos. Entre os entrados de idades compreendidas entre os 15 e os 21 anos que tinham uma ocupação certa, os serventes da construção civil (13,2%), os vendedores ambulantes (8,4%) e os empregados de mesa e trabalhadores similares (5,7%) eram os que mais se salientavam. No que respeita à situação das mulheres da faixa etária 22-51 anos, admitidas neste período, verificamos que 68,8% foram registadas como domésticas, que 5,2% foram classificadas como não tendo profissão e que em 8,8% das suas fichas não se apresentava qualquer informação sobre a sua ocupação. As criadas de servir (4,4%), as vendedoras ambulantes (3,1%), as empregadas de mesa (1,9%) e as costureiras (1,8%) eram as profissionais mais relevantes. Também o rótulo de «meretriz» ou de «prostituta» surgia em 2,8% das fichas desta faixa etária, no espaço reservado para a profissão. Por último, se somarmos o quantitativo das mulheres registadas como domésticas, o das que não possuíam profissão e o das que não continham qualquer informação sobre esta variável, apuramos que 92,8% das mulheres com mais de 52 anos entradas na instituição não tinha uma ligação com o mundo do trabalho remunerado (cf. Quadro 27).
15 Cf. M. Silva, (1982), «Crescimento económico e pobreza em Portugal» (1950-74), Análise Social, vol. XVIII, pp. 1077-1086 e A. Bruto da Costa e M. Silva, et. al., (1985), «A Pobreza em Portugal», Caritas, n.o 6, Lisboa.
16 A esse respeito, os livros de entrada revelam-nos, similarmente ao apurado no período 1933/1951, que 7,6% da totalidade dos admitidos entre 1952 e 1970 foram registados com a expressão ‘pai incógnito’ e mostra-nos que esta situação alcançou valores mais elevados nos grupos de idade 0-7 (14,9%), 8-14 (8,7%), 15-21 (8,6%). No movimento das admissões entre 1971 e 1974, globalmente, podemos detectar um ligeiro aumento desta variável (9,4%) que se dá, sobretudo, à custa de um aumento de registos de ‘pai incógnito’ nos entrados do sexo masculino, admitidos com idades inferiores aos 36 anos (cf. Quadro 28).
17 Para uma caracterização sociológica mais minuciosa dos admitidos entre 1952 e 1974 consulte-se S. Pereira Bastos (1992).
18 O remanescente para 100% é devido à ausência de informação nesta variável.
19 A designação «regeneração» é substituída formalmente, no discurso da assistente social, pela de «readaptação».
20 Cf. J. P. S. Filipe, (1981), Relatório do Centro de Apoio Social de Lisboa, Lisboa.
21 Cf. Relatório n.o 118, 1954, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, recolhido em A. Carvalho, H. Mouro (1987), O Serviço Social no Estado Novo, Lisboa, Centelha, p. 132.
22 Cf. M. C. A. Fernandes, (1961/1962), Trabalho de criminologia social, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, p. 12.
23 Cf. Relatório n.o 93, 1951/2, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, recolhido em A. Carvalho, H. Mouro (1987), op. cit., p. 137.
24 Cf. M. G. Morais, (1970/1971), Relatório de Estágio Final, realizado no Albergue de Mendicidade de Lisboa, Curso de Auxiliares Sociais; M. L. Carvalho, (1971/1972), Relatório de Estágio, realizado no Albergue de Mendicidade de Lisboa, «Mitra», Escola de Auxiliares de S. Pedro de Alcântara; A. M. Ribeiro, (1972/1973), Relatório de Estágio, realizado no Albergue de Mendicidade de Lisboa e no Núcleo de Apoio aos Trabalhadores Migrantes Caboverdianos, Escola de Auxiliares Sociais de s. Vicente de Paulo; M. A. A. Barreira, (1973/1974), Relatório de Estágio, realizado no Albergue de Mendicidade de Lisboa, «Mitra», Escola de Auxiliares de S. Pedro de Alcântara; F. N de Jesus, (1973/1974), Relatório de Estágio, realizado no Albergue de Mendicidade de Lisboa, Escola de Auxiliares Sociais de S. Vicente de Paulo.
25 Cf. M. C. A. Fernandes, (1961/1962), Trabalho de criminologia social, op. cit., p. 13.
26 Conferir os relatórios citados na nota 2.
27 Cf. M. C. A. Fernandes, (1961/1962), op. cit., pp. 12 e 13.
28 Cf. M. C. André, (1942), Alcântara, (Monografia Final), Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, p. 43.
29 Cf. A. Rodrigues, (1939), Cidade de Lisboa. Freguesia de Santos-o-Velho. Estudo de uma família típica, (Monografia Final), Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, p. 113.
30 Cf. M. C. André, (1942), op. cit., p. 43.
31 Cf. A. Rodrigues, (1939), op. cit., p. 113; Relatório não numerado, (1950), Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, recolhido em A. Carvalho, H. Mouro (1987), op. cit., p. 152.
32 Cf. Relatório n.o 34, (1952/1955), Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, recolhido em A. Carvalho, H. Mouro (1987), op. cit., p.150.
33 Cf. Relatório não numerado (1940), Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, recolhido em A. Carvalho, H. Mouro (1987), op. cit., p. 145
34 Cf. Relatório não numerado, (1950), op. cit., p. 152.
35 Cf. M. A. Alves, (1948), Monografia do Casal Ventoso, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, p. 52.
36 Idem, pp. 74-75.
37 Cf. Relatório não numerado (1940), op. cit., pp. 140-141.
38 Cf. M. A. Alves, (1948), op. cit., pp. 67-68.
39 Cf. por exemplo Relatório n.o 118, (1954), Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, recolhido em A. Carvalho, H. Mouro (1987); M. S. Batalha, (1968), Estudo dos Problemas de Adaptação dos Trabalhadores de Origem Rural ao Meio Industrial, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa.
40 Cf. M. C. A. Fernandes, (1961/1962), Trabalho de criminologia social, op. cit., p. 12.
41 Veja-se anexo final ao trabalho.
42 Citado por M. Baceta, (1945/1946), O Albergue das Crianças Abandonadas, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, p. 82.
43 Cf-M. I. Cardoso Rodrigues, (1965), Alguns Aspectos do Problema da Prostituição, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, p. 7.
44 Idem, p. 73-74.
45 Idem, p. 73.
46 Idem, p. 87.
47 Idem, p. 89.
48 Idem, p. 114.
49 Idem, pp. 96, 97, 98, 99 e 101.
50 «O facto de um homem obter de uma mulher, a troco de dinheiro, a satisfação dos seus desejos sexuais, como uma certa regularidade, vem criar-lhe o amolecimento da vontade, o enfraquecimento da sua virilidade.» (idem, p. 90.)
51 Idem, p. 87.
52 Cf. M. I. Santos, (1945), O Problema da Prostituição, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, p. 11.
53 Idem, p. 13.
54 Cf. M. I. Cardoso Rodrigues, (1965), op. cit., pp. 54 e 56.
55 Cf. M. R. M. Areias, (1965), O Alcoolismo. Alguns Aspectos Médico-sociais, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, pp. 47 e seguintes.
56 Cf. M. F. Picoito, (1945), O Asilo Montemorense da Infância Desvalida, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, p. 24.
57 Cf. M. A. Sousa, (1964), O Problema da Velhice e Instituições para Velhos, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, p. 71.
58 Cf. M. I. Cardoso Rodrigues, (1965), Alguns Aspectos do Problema da Prostituição, op. cit., p. 126.
59 Cf. Relatório do Hospital Miguel Bombarda, 1959, Lisboa, pp. 99 e 117.
60 Cf. M. E. Lopes, (1966), Serviço Social em Campo Institucional Asilar (a propósito de uma experiência concreta), Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, pp. 2930 e 50 e seguintes.
61 Cf. M. P. Moraes, (1963), Causas Sociais Condicionantes da Inadaptação ou da Expulsão na Obra do Ardina, Arquivo do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, pp. 104.
62 Cf. M. I. Cardoso Rodrigues, (1965), Alguns Aspectos do Problema da Prostituição, op. cit., pp. 120 e 123.
63 Cf. M. A. Alves, (1948), op. cit., p. 73.
64 Cf. F. N. de Jesus, op. cit., pp. 6 e 7.
65 Cf. J. P. S. Filipe, (1981), op. cit..
66 Para uma análise da situação de velhice e das histórias de vida dos novos utentes da Mitra veja-se S. Pereira Bastos, «Rostos de velhice na cidade de Lisboa», Povos e Culturas, n.o 3, Lisboa, 1989.
67 Retirar os velhos da cama, vesti-los, lavá-los, alimentá-los, deitá-los, dar-lhes a medicação a horas, levá-los ao médico, etc., ou comunicar sistematicamente com eles através de expressões tais como «não te deixes abater», «não penses nisso», «olha, agora não tenho tempo», «isso passa, vais ver que amanhã já estás melhor», etc., quando algo de angustiante desejava ser transmitido pela velhice terminal, constituíam alguns dos indicadores do pragmatismo institucional ventilado. Ao reducionismo fisiológico e ao silêncio fóbico sobrepunhamse ainda a infantilização excessiva, expressa na frequência das terminações em «inho» utilizadas prementemente pelas cuidadoras, na linguagem que rondava o diálogo entre mães e bebés («a água está quentinha», «fecha os olhinhos», «levanta este pezinho», «olha, vem aí o cão se não comeres a sopinha», etc.), nas metáforas utilizadas para certas zonas corporais costumeiramente aplicadas ao corpo de uma criança, em certas intimidades mais habitualmente encontradas entre mães e filhos pequenos, etc., mas também a assimilação dos utentes a familiares das cuidadores da geração anterior. (Cf. S. Pereira Bastos «Reflexões sobre a Patogenia de uma Instituição pragmático-familiarista», Psicologia, vol. VII, n.o 2, 1989).
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