Capítulo 4. O conselho (III): um ano de sessões e síntese
p. 157-191
Texte intégral
1Nos capítulos anteriores interrogámos o conselho na sua composição e estrutura de funcionamento, sondando os processos que, no tempo, vão fazendo variar o seu âmbito de intervenção. Depois desta aproximação a cerca de meio século da vida da instituição que preside aos quotidianos da aldeia julgamos importante situarmo-nos num tempo mais exactamente definido de observação, dando conta do desenrolar concreto das sessões do conselho em que participámos durante um ano de permanência contínua na aldeia. Elas vão-nos permitir em si mesmas e na sua sucessão e articulação, não apenas ilustrar com algum detalhe muito do que até aqui foi dito mas também extrair algumas conclusões finais sobre a vigência actual do conselho, que o esboço já feito quanto ao seu passado recente permite enquadrar. As 38 sessões do ano de 1976, convocadas umas pelos mordomos, outras pelo Presidente da Junta de Freguesia, situam-se no começo de um período de maior dinamismo na vida de uma instituição e da aldeia, depois de haver conseguido ultrapassar a conjuntura crítica de tensões, conflitos e anomia que se agudizaram no começo dos anos 70.
21 de Janeiro — Conselho para a eleição dos dois mordomos do ano que se inicia. Após a refeição do meio-dia, os homens dirigem-se para o largo central da aldeia, de onde partem, em pequenos grupos, para o local onde se realizará a sessão, um lugar abrigado e aquecido pelo sol da tarde. Em relação ao ano anterior, existem mais quatro recém-chegados ao conselho — emigrantes de regresso à aldeia, depois de uma permanência de dois a cinco anos em França ou na Alemanha e dos quais só um havia já sido membro do conselho antes de ter emigrado, em 1974, por um curto período de tempo. Enquanto os homens esperam e conversam, os mordomos cessantes fazem o último saldo das contas, recebendo pagamentos em atraso (um homem da aldeia espanhola veio pagar o que devia pelos serviços do touro reprodutor) e conferindo as anotações do livro (que um dos mordomos guarda) com o dinheiro existente (à guarda do outro). Encerradas as contas, afastam-se uma vintena de metros, na companhia do secretário da Junta e, um a um, segundo a ordem que as suas casas ocupam na povoação, os homens aproximam-se para comunicar os dois nomes da sua escolha. A cada indicação de voto, o mordomo que tem a tala faz com a faca um entalhe no espaço que corresponde à casa daquele que foi votado. Depois da votação, os mordomos reúnem-se ao grupo e fazem a contagem dos votos na tala1. Dois dos ex-emigrantes reuniram o maior número de votos e, não obstante o facto de morarem (tal como os outros dois) do mesmo lado da aldeia, foram eleitos mordomos. Isto contraria a norma tradicional de eleger, de cada uma das margens, aquele que reunir o maior número de votos, mas explica-se pelo esforço de se distribuir entre todos, um cargo que ninguém quer e que se procura fazer recair sobre os que nunca o exerceram ou que desde há muito o não ocupam2. Após a eleição, os mordomos que saiem entregaram aos novos o livro das contas e o dinheiro em caixa e procedeu-se à distribuição de vinho que todos bebem pelo copo do conselho.
320 de Janeiro — O dia de S. Sebastião é feriado na aldeia. Tal como para o dia 1 de Janeiro, o conselho de hoje foi convocado pelos mordomos, segundo a fórmula habitual, que consiste em fazer repicar o sino da igreja — o que, do ponto de vista prático, não seria mesmo necessário, uma vez que eles calham sempre nas mesmas datas fixas. Depois da missa, que teve lugar ao princípio da tarde, cada vizinho sai de sua casa com as ofertas que destinou para serem postas a leilão: orelheiras, pés de porco salgados, ou chouriça. Levam-nas para o largo principal, depositando-as no grande cesto que, para o efeito, aí fora colocado e de onde serão retiradas, uma a uma, para serem arrematadas em leilão e entregues a quem mais der por elas. Toda a gente está presente, homens e mulheres, e este ano é o presidente da Junta que toma a iniciativa de dirigir o leilão, mas qualquer um outro o poderia ter feito (mordomo ou não). Logo pela manhã, as raparigas fizeram a volta às casas da aldeia, pedindo esmola para os Santos (Brás, António, Sebastião, João Baptista e as Almas do Purgatório). O resultado deste peditório, acrescentado ao que o leilão rendeu, vai ser guardado pelos mordomos do Santo (dois vizinhos «à vez» e «à roda»), que registam os montantes recebidos (pagos ou em dívida) no livro do Santo3. Os mordomos do conselho trouxeram vinho que o pregoeiro e todos os que o desejam bebem de vez em quando.
4Aproveitando o facto de estarem reunidos, procedeu-se a um outro leilão, de carácter excepcional. Um pedreiro que vivia na aldeia há quinze anos, sem família e sem que se soubesse sequer, se teria alguma no seu lugar de origem (a província do Minho), morrera na semana anterior, vítima de um acidente de trabalho ocorrido numa aldeia vizinha. O que havia na pequena casa em que habitava (propriedade da Santa, a quem pagava o aluguer), foi posto em leilão: uma cama, um pote de ferro, alguns utensílios de trabalho, uma bicicleta, um pedaço de bacalhau seco. O dinheiro obtido foi guardado pelo presidente da Junta, para o caso de vir a ser reclamado pelos seus possíveis parentes, o que veio a acontecer alguns meses mais tarde.
525 de Janeiro — Conselho convocado pelos mordomos, afim de arrendar as propriedades que pertencem aos Santos da aldeia. O Santo (o proprietário, S. João Baptista) possui algumas parcelas de terra irrigada (chão), dois prados, várias terras de centeio e uma vinha, esta última cuidada e vindimada pelo conselho. A Santa (Imaculada Conceição) possui uma pequena casa de uma só divisão, agora disponível devido à morte do seu locatário, o pedreiro. Todos estes bens são, de ano a ano, postos em leilão, e arrendados pelas melhores ofertas (embora algumas terras o sejam por um período de tempo de três a cinco anos)4. Os habitantes que não pertencem ao conselho no sentido mais estrito — aqueles que não têm vacas — , se estiverem interessados, podem participar no leilão; foi o que aconteceu neste dia, com um cabo e um soldado do posto de fronteira da Guarda Fiscal, que não eram naturais da aldeia, mas aí estavam obrigados a viver, e que arrendaram dois chãos para fazerem as suas hortas. O momento da concessão do arrendamento das propriedades é, também, o da substituição dos mordomos dos Santos que, em sistema rotativo, se encarregam do dinheiro e dos livros em que se registam as respectivas contas.
6Quando se concluíram os assuntos relativos aos bens dos Santos, a assembleia debruçou-se sobre um problema conjuntural que, desde há algum tempo, preocupava os membros do conselho: a substituição do touro reprodutor. Os três últimos que a aldeia possuíra, tinham sido oferecidos pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura. Sempre que os habitantes o julgavam necessário (por fraqueza, doença do animal, etc.), este era substituído gratuitamente por um outro, mais apto a desempenhar a sua tarefa. Algumas opiniões já se tinham manifestado favoráveis à aquisição de um touro, que seria assim, como dantes, propriedade colectiva da aldeia. No decurso da discussão havida, as razões invocadas a favor da mudança nunca foram suficientemente explicadas, principalmente em relação à evidente vantagem de não haver que suportar, na actual situação, o custo da aquisição do touro. Elas pareciam assentar, contudo, de forma imprecisa, na vontade da aldeia não depender dos serviços oficiais, de se poder determinar a escolha do animal, de melhor o tomar a cargo e o cuidar, como um bem colectivo do qual todos são, afinal, os donos. Mas esta vontade de regressar ao sistema anterior, também deve ser interpretada no âmbito de um difuso recrudescimento do espírito de grupo, manifestado após as tensões acumuladas até 1973-74 terem sido superadas (pelo efeito inibidor sobre aqueles que pretendiam romper com a ordem do conselho e apropriar-se dos alargos nos coutos); factor do mesmo modo coesivo foi o regresso dos emigrantes e a sua participação no conselho, vindo este a atingir o máximo da sua representatividade nos anos 1976-1979. Esta aparente consolidação da linguagem comunitária em torno dos bens colectivos, e de um conselho largamente representativo, situado no centro da vida da aldeia — que se manifestará noutros momentos e sob diversas formas — ajuda-nos, igualmente, a compreender o desejo espontâneo de retomar uma «tradição» já não observada há uma quinzena de anos: «dar pedras» para votar a decisão final quanto à substituição do touro. No desenrolar desta discussão, o presidente da Junta (retomaremos esta intervenção) inclinou-se para o chão, apanhou tantos pedaços de xisto quantos os homens presentes, e distribuiu-os dizendo: «os que aí fizerem marcas, é para que se compre um touro novo; os que não os riscarem, é para que ele continue, como até agora, a cargo dos serviços oficiais que o substituirão». Depois de ter recolhido todas as pedras no boné que retirara da cabeça, lançou-as por terra, e procedeu-se à contagem dos votos; todas, à excepção de uma, traziam marcas feitas com a ajuda de uma navalha, ou de uma pedra5. Ficou, pois, decidido comprar um touro a custas do conselho, o que veio a ser feito no início do mês de Março, depois de terem informado os serviços regionais do Ministério da Agricultura, para virem buscar o deles. Foi igualmente estabelecido o sistema de guarda e de responsabilização pelos cuidados que o touro exige: um mês cada vizinho, à roda. Isto traduz-se numa mudança em relação aos anos anteriores, durante os quais a responsabilidade pelo tratamento era atribuída em leilão (durante os meses de Janeiro/Fevereiro), e recaía sobre aquele que pedisse o mínimo de vantagens ou compensações. Assim, em 1975, o vizinho responsável estava dispensado de «dar carretos», ou seja, de prestar serviços, com o seu carro de bois, nas operações de limpeza e reparação das represas e no transporte do feno dos prados comunitários; dispunha, ainda, da regalia de poder enviar mais uma vaca a pastar nos lameiros, além do limite de três que o conselho impõe6.
7Tal como nas outras reuniões, os mordomos procederam, várias vezes, à distribuição do vinho do conselho.
826 de Janeiro — Conselho convocado pelo presidente da Junta, para restaurar o edifício da velha escola, desactivada desde 1968. A escola tinha sido construída pela aldeia em 1920, e os mais velhos lembram-se de um ou dois dias marcantes deste empreendimento colectivo: aqueles em que um comboio de carros de bois foi à cidade carregar as telhas para a cobertura. O edifício foi posteriormente entregue ao Estado, que se encarregou da sua conservação até o devolver, de novo, à aldeia, após a construção oficial de uma nova escola no final dos anos 60. Quando a Junta de Colonização Interna concedeu, a partir de 1973, subsídios para a reparação e reconstrução das casas da aldeia (exigindo, todavia, que se mantivesse o traçado original e a utilização dos materiais tradicionais de construção) foi atribuída uma verba para o melhoramento da construção — tendo em vista a sua utilização como espaço comunitário polivalente (casa do povo) — na condição da aldeia fornecer a mão-de-obra. Este conselho reuniu a participação de todas as casas (uma pessoa por casa) para os primeiros trabalhos de terraplanagem em redor da construção e transporte de cascalho e terra para o interior, afim de se recalcetar o pavimento. No final do dia de trabalho, ficou decidido que, cada dia, duas pessoas (duas casas) viriam, à vez, ajudar os operários permanentes que eram pagos pelos serviços oficiais, até à conclusão da obra7. Os trabalhos a efectuar, implicavam a recuperação da sala (com um estrado elevado, numa das extremidades do soalho), assim como das dependências outrora reservadas à professora (compartimento que, no futuro, passou a servir de consultório para o médico que se desloca à aldeia, uma vez por semana) e, ainda, de uma cozinha, que foi remodelada. A primeira fase dos trabalhos, ficou terminada no princípio de Junho.
925 de Fevereiro — Os mordomos convocaram o conselho, logo de manhã muito cedo, para decidirem quanto à aceitação dos serviços de um pastor, que tinha chegado à aldeia, na véspera, à procura de trabalho. Este já ali era conhecido, pois tinha prestado serviços durante quase um ano (1972/73), até que, de um dia para o outro, resolvera ir embora. Todos os que possuíam ovelhas se reuniram no largo principal, para decidirem sobre a admissão do pastor e o salário a pagar-lhe. Apesar da falta de confiança e do risco de um novo abandono, contrataram-no como guarda do rebanho colectivo de ovelhas (o gado). A guarda dos dois rebanhos colectivos de gado miúdo (ovelhas, carneiro, cabras e bodes), é feita à vez, pelos vizinhos proprietários (um dia de guarda, por cada quatro animais). Se houver pastores profissionais que se ocupem da tarefa, o salário anual é dividido pelo número total de cabeças do rebanho, e cada um paga a parte que lhe corresponde; o pastor é alimentado e alojado por cada uma das casas, segundo a mesma proporção. Como já ninguém se lembrava, exactamente, qual tinha sido a última casa que, três anos antes, o alimentava e alojava na altura em que tinha deixado a aldeia, decidiram atribuir este encargo à casa a quem competia naquele dia, a vez, na vigilância do rebanho. Tomadas estas resoluções, soltaram-se os animais dos estábulos, e toda a gente ali ficou, a ver o pastor partir com o rebanho, para o seu primeiro dia de trabalho; ao mesmo tempo, trocavam-se comentários acerca da qualidade do seu serviço e da eventual duração da sua estadia na aldeia. Acabou por lá permanecer até ao Verão de 1977 e, depois desta data, não voltou a haver pastores contratados.
10A vinda do pastor, além de libertar os vizinhos do trabalho de guardar o rebanho, tem a dimensão de acontecimento que se projecta na afectividade e convivialidade dos habitantes com incidência na representação que de si fazem enquanto comunidade. É alguém que passará a viver na aldeia e a povoar o seu quotidiano e que pela sua condição de exterioridade e de não-situação em relação à complexa e flutuante rede de alianças e conflitos em que os vizinhos se inserem, se constitui em pólo de referência identitária (tanto mais forte quanto maior é o desconhecimento das suas origens, a ausência de relações que, algures, terá tido ou a sua debilidade mental). Passa-se com ele o mesmo que com o pedreiro que, vindo para reparar uns telhados, aqui permaneceu longos anos até morrer, nos começos de 1976; ou com o trolha topa-a-tudo que em 1984, ali foi instalar algumas casas de banho e que, por sucessivas solicitações dos vizinhos para arranjos e melhoramentos nas suas casas, foi permanecendo por períodos maiores até que se fixou com a mulher, arrendando ao Santo um chão para fazer a sua horta. Acresce, no entanto, que o pastor vai também partilhar a comida e os serões de todos os que têm ovelhas (a maioria dos vizinhos) nos dias em que, por turnos, o alimentam e alojam e, nesta errância ordenada espelhase a imagem da comunidade aldeã que o adopta como seu, sendo outro.
1127/28 de Fevereiro e 1 e 3 de Março — A Faceira, é o terreno irrigado que se situa no interior da aldeia, e tem a forma de um quadrilátero irregular, limitado pelo rio (a oeste), pelo ribeiro de Regaçores que traça (a norte) a fronteira entre Portugal e a Espanha — que, simultaneamente a separa da Faceira de Rihonor de Castilla (mais pequena) — e pelo muro que contorna o largo central e uma das ruas da aldeia. O seu solo é o mais fértil das terras cultiváveis, e todos os habitantes são lá proprietários de uma ou mais parcelas, cultivadas intensivamente, na produção de forragem verde destinada às vacas (centeio e cevada, que se cortam em Março/Abril) e no seu aproveitamento como hortas. O muro de vedação era feito de pedras soltas, dispostas de forma muito irregular, e a aldeia acabara de receber uma verba do Instituto de Reorganização Agrária (IRA), para a sua reconstrução. O presidente da Junta convocou o conselho (uma pessoa por casa); começar-se-ia pelo derrube do velho muro e, em seu lugar, seria construído um muro alinhado, em pedra ligada com cimento. Ao contrário do que acontecera com os trabalhos de reparação da escola, o dinheiro disponível permitiu pagar a jorna àqueles que aqui trabalharam, a um preço inferior ao de um operário não especializado, que foi combinado, de início, entre os habitantes e o responsável local das obras de reparação subsidiadas pelo IRA. Os trabalhos foram interrompidos no Domingo de Carnaval (29 de Fevereiro) e na Quarta-Feira de Cinzas (2 de Março), além das naturais pausas para a refeição do meio-dia que cada um comia na sua casa, durante os quatro dias de conselho ocupados com a reconstrução do muro.
125 de Março — Os prados comunitários (os coutos) estendem-se ao longo do rio, numa extensão de mais de três quilómetros, desde as proximidades da aldeia aos confins do termo. Os cinco coutos existentes, sucedem-se, em dimensões desiguais: o Couto de Vale Ferdigues (na margem direita é designado por Couto das Calçadas), o Couto da Roçada Velha, o Couto de Cima, o Couto de Baixo ou Couto Grande (o mais vasto), e o Couto do Rabo da Raposa.
13Durante o Inverno, o rio e as suas margens atulham-se de detritos (paus, pedaços de madeira, ramos, raízes) arrastados pelas cheias e que se torna necessário remover. É ainda preciso cortar as ramagens das árvores (olmos, salgueiros, freixos, choupos), assim como os juncos e as silvas que cresceram nos prados. Esta operação de limpeza, constitui o objectivo deste conselho convocado pelos mordomos; é o primeiro dos muitos que, ao longo do ano, a gestão e exploração dos coutos vão exigir. O repicar do sino para a convocação (feito na véspera, ao fim da tarde, e repetido de manhã cedo) anunciou, logo de início, que o trabalho iria ocupar o dia inteiro. Antes da partida, os mordomos lembram que são necessários machados, para além de foices (gadanhos) que quase todos levam ao ombro. De seguida, vão partindo todos, em pequenos grupos, cada vizinho levando, ao ombro, a sacola que contém a refeição (pão, presunto, salpicão, toucinho), para se irem reencontrar no couto combinado. Um dos mordomos, serviu-se de um burro para transportar, em garrafões, o vinho que o mordomo do vinho daria a beber a todos, no copo do conselho, durante o trabalho e no momento de pausa do meio-dia e da merenda. O regresso à aldeia fez-se ao fim da tarde.
149 de Março — Conselho convocado pelos mordomos, para o arranjo dos canais de irrigação dos coutos. Os mais largos e profundos (augueiras ou gueiras) conduzem a água do rio, contornando os lameiros pelo exterior, na sua cota de nível superior. Outros canais, mais estreitos e menos profundos (quebradeiros), saiem dos primeiros e percorrem os prados, permitindo, assim, o escoamento da água. Para esta operação, um dos mordomos marca na augueira, com a enxada, as sortes, ou seja, tantas porções de 2-3 metros, quantos os homens presentes, e isto, à medida que os vai chamando pelo nome, para ocuparem os seus lugares. Logo que todos terminem a sua parte do trabalho, e que a primeira parte do rego esteja limpa e aprofundada, o mordomo continuará a marcar as sortes que os vizinhos irão ocupar, segundo um sistema previamente estabelecido que torna desnecessária uma nova indicação do lugar: o último da primeira série, ocupará a primeira posição na vez seguinte, o penúltimo será o segundo, etc. E o que se chama desdobrar e se traduz pela inversão da ordem de sucessão dos homens, ao longo do rego, sempre que se avança para um novo troço a limpar8. Quando as augueiras estão arranjadas, cavam-se os quebradeiros que atravessam os lameiros em várias direcções. O conselho fica todo o dia nos coutos, e o mordomo encarregado da distribuição do vinho, serve-o de vez em quando, fazendo-o, também, quando os vizinhos lho pedem ou, ainda, aquando das refeições do meio-dia e meio da tarde. Ao fim do dia, regressa-se à aldeia.
1515 de Março — Em consequência dos trabalhos realizados no decurso dos dois anteriores conselhos, os coutos encontram-se cobertos de resíduos espalhados pela erva, terra retirada dos sulcos, ramagens, silvas e juncos cortados e deixados no local. Sendo preciso retirá-los e transportá-los para os terrenos incultos que delimitam os lameiros comunitários, é essa a razão do conselho de hoje, convocado pelos mordomos. Para este trabalho, é necessário munirem-se de ancinhos, gadanhos e enxadas (sendo previamente acordado, quem leva esta ou aquela alfaia) e é preciso mandar vir dois carros de bois, que são fornecidos à vez, pelos membros do conselho, segundo a ordem que as casas ocupam na aldeia. Os dois vizinhos a quem incumbirá o encargo de trazer os carros de bois, são aqueles que se seguem aos últimos sobre quem recaiu, no ano anterior, a roda dos carretos9. Três garrafões de vinho (de cinco litros cada) para serem bebidos no local, foram transportados num dos carros. O conselho durou o dia inteiro.
1620 de Março — Conselho convocado pelos mordomos, para vedar a água nas presas construídas ao longo da ribeira. As presas são em número de dez, não servindo duas delas senão para reforçar e aumentar o volume de água retida nas outras10. Das restantes, partem, directamente, os canais de irrigação, e torna-se necessário calafetá-las e torná-las estanques, para que haja bastante água para alimentar as augueiras e irrigar os lameiros (diz-se «tapar a água nas presas» ou «nos coutos»). Esta operação implica o corte, com a enxada, de torrões de terra tornados consistentes pela presença de erva, e o seu amontoamento na presa, de forma a fazer subir o nível da água nos reservatórios. O transporte desses torrões é feito com os carros de bois, trazidos pelos dois vizinhos a quem coube, desta vez, a roda dos carretos. O trabalho durou o dia inteiro.
1730 de Abril — O conselho (consejo) de Rihonor de Castilha reuniu-se, convocado pelo Alcalde, para discutir as posições a tomar, e os eventuais passos a dar, quanto à recente exigência dos serviços centrais do Estado espanhol, relativa à legalização da utilização local das água públicas (rio e ribeiro) para a irrigação e ao pagamento da respectiva contribuição. Tanto os habitantes da aldeia espanhola, como os da aldeia portuguesa (na qualidade de proprietários de parcelas de terra em Espanha), se servem destas águas e este facto determinou a presença, por ocasião da reunião, de um representante destes últimos — no caso, o secretário da Junta. O assunto dizia respeito tanto a uns como a outros, e a reunião do conselho de Rihonor, tal como a presença do representante de Rio de Onor, não foi senão o primeiro contacto colectivo com uma situação completamente nova (sempre se tinham servido livremente da água, sem haver necessidade de pagar contribuição), perante a qual sentiam a necessidade de ser dada uma resposta colectiva)11. Nada foi decidido, e a situação arrastou-se ao longo do ano, sem se proceder à legalização requerida. Ao mesmo tempo, procuraram em vários sítios, por meio de contactos pessoais na cidade, informações e aconselhamentos sobre o caminho a seguir. A contribuição tornouse tema de conversa (para portugueses como para espanhóis) e veio a ser objecto de posteriores conselhos mistos realizados em Rihonor.
182 de Maio — Conselho convocado pelos mordomos, o primeiro do ano, para tratar da vinha do Santo, que é um bem colectivo da aldeia pelo qual o conselho é directamente responsável. Era domingo, mas o padre português havia comunicado que não viria a Rio de Onor para dizer a missa e, pelas oito horas da manhã, os homens subiram ao cimo da encosta onde se encontram os vinhedos das duas aldeias, distribuídos sem solução de continuidade, junto à linha de fronteira. O trabalho, feito com a ajuda de guinchas — espécie de enxada cuja lâmina se bifurca em duas com forma pontiaguda — faz-se em duas fases: cavar em toda a extensão do solo da vinha, e escavar a terra à volta de cada cepa, para eliminar os rebentos que se encontram na base e, em seguida, destruir as raízes superficiais da cepa. Terminada esta operação denominada descava, alguns homens considerados mais conhecedores procedem à poda da vinha, no meio de comentários e opiniões contraditórias acerca da melhor forma de a executar. O conselho durou aproximadamente três horas e quando os homens desceram à aldeia, ainda tiveram tempo para se vestirem e irem à missa em Espanha.
1923 de Maio — A pequenez, o número e a imbricação dos campos que compõem a Faceira (206 lotes, numa superfície total que não alcança os dois hectares), estão na base da exigência do conselho que determina que as lavras e sementeiras sejam feitas num prazo de tempo fixo relativamente curto. Após a sua vigência, já não é permitido lá entrar com as vacas que puxam o arado, a grade e/ou o carro destinado ao transporte de estrume. Depois de um período de livre circulação, a entrada preparada no muro da vedação será fechada, até ao ano seguinte, e se houver retardatários, só poderão servir-se da enchada para trabalharem os seus campos, sem danificar aqueles que os ladeiam e que é preciso atravessar.
20Todos os anos, para o fim do mês de Abril, os mordomos anunciam o dia de abertura da Faceira. Então, cada um deve apressar-se a cortar a forragem verde (ferranha) ou outras culturas que tenha nos campos, uma vez que, chegado o dia (sempre um domingo ou um feriado), todos os animais da aldeia são aí conduzidos, para pastarem a erva e o que resta de plantas no solo, depois de terem sido feitas as colheitas das produções de Inverno. Este facto de organização social, traduz-se numa jornada especial marcada, desde logo, pelo ócio e, ainda, de algum modo, por uma dimensão cénica e espectacular pelo facto de toda a gente ficar na ladeia (não há turnos de guarda aos rebanhos a fazer) e ser o único momento do ano em que a totalidade dos habitantes pode apreciar todos os animais, de uns e de outros, reunidos em conjunto e num mesmo espaço. Todos os habitantes se reúnem à volta da Faceira e, encostados ao muro, emitem apreciações e comparações sobre a beleza e o valor do gado. Os primeiros animais a entrarem, são as vacas, os vitelos e o touro comunitário, que ficam lá toda a manhã; quando saem, é a vez das ovelhas e das cabras.
21Em 1976, a Faceira, foi aberta no dia 25 de Abril (na mesma data em que abriu a Faceira em Rihonor, mesmo em frente, do outro lado do riacho que estabelece a linha de fronteira). Era um domingo, feriado nacional e dia de eleições a nível nacional, para a Assembleia Legislativa. As lavouras e sementeiras estavam terminadas no dia 20 de Maio, e depois de ser fechada a entrada do muro, os mordomos convocaram o conselho — 23 de Maio — para se arranjar o canal de irrigação que conduz a água à Faceira. Era domingo, e o padre chegou muito cedo à aldeia, para dizer a missa e dirigir a cerimónia anual da bênção aos campos, na presença de toda a população reunida na eira colectiva. Cumprido o ritual, toda a gente regressa a casa, para procederem à tosquia das ovelhas e dos carneiros; decidira-se que o dia seria consagrado a esta operação e, por essa razão, o rebanho colectivo não tinha deixado a aldeia. O trabalho foi executado na rua, perto da entrada das casas, pelos respectivos proprietários dos animais (homens e mulheres). Depois da refeição, os homens partiram para irem compor a augueira da Faceira, começando do sítio onde ela sai do ribeiro, a cerca de 300 metros (a montante) em relação aos chãos a irrigar. No local, o conselho teve de fazer face a uma situação irregular: o rego estava destruído, devido aos trabalhos de aterro executados por um vizinho, num campo particular, pedregoso e pouco produtivo, onde tinha acabado de plantar algumas árvores de fruto. Esse vizinho é alguém que, por uma atitude explícita de arrogância ou desafio e de afirmação pessoal, se tinha recusado a pertencer ao conselho, desde que regressara de África em 1973. Discutiu-se para se saber se ele o teria feito de propósito (para ganhar alguns metros de terreno, e/ou indispor o conselho), ou por simples negligência. Ironizava-se sobre o trabalho perdido com uma terra que vale tão pouco, e duvidava-se do sucesso da plantação, ao mesmo tempo que se refazia a augueira, no sítio onde sempre passara.
22A posição «desviante» do vizinho, face ao conselho, assim como o seu gesto causador de prejuízo a um bem colectivo, criaram uma espécie de unanimidade e de aparente reforço da coesão, nos comentários subsequentes; e foi tomada a decisão imediata de refazer o rego no limite do campo, sem que se interrogassem muito acerca da exactidão da sua localização e da sua largura. Terminada a reconstrução do canal de irrigação, em toda a sua extensão, os homens permaneceram algum tempo no largo da aldeia, ao lado da Faceira, a beber o vinho que um dos mordomos distribuía.
2324 de Maio — Conselho convocado pelo presidente da Junta, para se decidir sobre a aplicação dos últimos fundos atribuídos pelo IRA à aldeia. A assembleia realizou-se no largo central junto à ponte, e reuniu a representação da quase totalidade das casas, assim como o responsável local pelas obras de reconstrução, e um engenheiro dos serviços oficiais que veio para conhecer directamente a opinião dos habitantes e fazer o ponto da situação sobre a intervenção local do IRA. A questão mais «delicada», era a de saber se se devia continuar a dar apoio à construção da última das casas particulares que tinham sido subsidiadas — a do vizinho que recusara pertencer ao conselho (o mesmo que esteve na origem dos acontecimentos do dia anterior) e que já tinha beneficiado de uma contribuição em espécie e em materiais, para a sua construção12 — ou, de outro modo, se devia utilizar o dinheiro disponível, para fins de interesse colectivo. A expressiva maioria, opinou pela garantia da conclusão dos trabalhos de reconstrução da velha escola, futura casa comunitária e local do consultório do médico, cujos trabalhos prosseguiam de forma irregular, desde o conselho de 26 de Janeiro. A assembleia decidiu também, que, havendo ainda disponíveis alguns materiais (cimento e placas de xisto), bem como algum dinheiro, seriam construídos sanitários públicos ou, pelo menos, se arranjaria o lavadouro na margem do rio, construindo-lhe uma cobertura que protegesse as mulheres do sol e da chuva.
24Quando se colocou a hipótese de terem de vir a escolher, por insuficiência de verba, entre um daqueles dois melhoramentos, os homens presentes optaram, sem grande hesitação, pela cobertura do lavadouro. A escolha pareceu revelar — numa altura em que apenas três casas tinham, havia pouco, casas de banho (sanita e lavatório) — a permanência e «naturalidade» dos hábitos sanitários dos habitantes que, recorrendo a um curral, pátio ou qualquer recanto, não viam nas retretes públicas uma necessidade urgente. Só nos primeiros anos de 80 as casas de banho se generalizaram pelas casas.
2527 de Maio — Conselho convocado pelos mordomos, para tratar da ca-va da vinha do Santo. O trabalho é feito de maneira semelhante à descava, com a ajuda da enxada bifurcada chamada guincha, escavando de novo, toda a extensão do solo, de modo a tornar a terra solta e limpa de ervas. Em seguida, a terra é nivelada em volta das cepas que tinham sido limpas, por ocasião das primeiras lavras. Depois de concluída esta parte do trabalho, procede-se a uma segunda operação — a baixa — que consiste em dobrar em arco as varas de cada planta e atar-lhes as extremidades à própria cepa, junto à terra.
26De regresso à aldeia, ao fim da tarde, e depois de, rapidamente, terem almoçado (cada um em sua casa), o conselho dividiu-se em dois grupos, para executar outros trabalhos, conforme havia sido combinado durante a manhã. O primeiro grupo, mais numeroso e integrando os mordomos (que levavam o vinho do conselho), partiu para ir tapar as presas e abrir os canais de irrigação dos coutos; o segundo, do qual fazia parte o presidente da Junta (sete homens, no total), ficou na aldeia para definir e desimpedir os lugares da próxima (e eventual) construção dos sanitários, perto da ponte, e da cobertura do lavadouro. Contudo, o trabalho e o tempo gastos por este seriam inúteis, pois nenhuma das obras previstas, veio a ser realizada. A escola absorveu todas as verbas disponíveis vindo mesmo a ser equipada com sanitários que, à partida, não tinham constado no projecto. Este conselho compósito ocupou o dia todo.
2723 de Junho — Os mordomos convocaram o conselho para o corte do feno do Couto Grande, que é destinado à alimentação do touro. A segada é feita com o gadanho e todos os homens, antes de partirem, preparam o seu, batendo o bordo da lâmina, apoiada num suporte de ferro enterrado no chão (a bigorna do gadanho), com marteladas secas e cadenciadas; por fim, afiam a lâmina, com a pedra de afiar que levarão consigo, para o couto, num corno suspenso à cintura. Por volta das 6 horas da manhã, nas ruas da aldeia, ouvem-se de todo o lado, os sons metálicos das percussões. É a véspera da festa do Santo padroeiro (S. João Baptista) e cada um dos vizinhos do conselho ainda tem tempo para matar os animais destinados às refeições do dia seguinte (cordeiros e cabritos) e de os esfolar, suspensos das varandas de suas casas. Terminada esta actividade matinal, os homens começaram a deixar a aldeia, em pequenos grupos, e reuniram-se no prado comunitário, por volta das 8 horas. O trabalho é iniciado logo que todos se encontrem dispostos em linha, a toda a largura do couto, cada um cortando o feno no raio de acção da sua foice, pelo movimento semicircular que lhe imprime. Porém, a prevista disposição no terreno depressa se tornará irregular, com os trabalhadores desordenadamente dispersos pelo prado. Um dos mordomos distribui o vinho sem que realmente o trabalho do grupo pare, a não ser para aquele a quem cabe a vez de beber e a quem se apresenta o copo. Ninguém anda apressado, e há pausas frequentes para se afiar a lâmina do gadanho ou, muito simplesmente, para se fazer um comentário a qualquer coisa que alguém diga. Todos participam na conversa de interesse geral, seja para intervir, seja apenas a prestar-lhe atenção. Ao longo deste conselho comparou-se, por exemplo, a execução deste trabalho, tal como hoje é feito, com a forma com que era executado no passado.
28A segada do Couto era, até ao começo dos anos 40, um dos momentos do ano de mais forte interacção e entusiasmo festivo, não somente no seio do conselho, mas, também, para a própria aldeia, devido à participação das mulheres. No dia combinado, o conselho transportava para o local uma pipa de vinho (cerca de 200 litros) num carro de bois e, ao fim da manhã, as mulheres das casas do conselho chegavam com a refeição do meiodia (reunindo um total de 60 a 80 pessoas), assim como a merenda da tarde. A quantidade de vinho consumida, o comportamento de competitividade dos homens no trabalho, a alimentação substancial e a presença feminina, criavam as condições para uma sociabilidade, marcada pelo excesso (a embrieguez, a proeza física), a violência (o combate ritual designado a luta, as eventuais zaragatas), e o risível (quedas na água, linguagens e comportamentos grotescos)13. Mas, mesmo sem a refeição cozinhada e a presença das mulheres, e com um consumo de vinho extremamente reduzido (4 garrafões de 5 litros), a segada do feno do touro conserva muito destas características, ligadas à circulação exuberante das palavras e dos gestos de um colectivo de homens, agindo num espaço restrito. No conjunto das intervenções do conselho, esta é, também, a que certamente melhor exprime a complexa dimensão colectiva da gestão dos bens comunitários e o peso dos seus próprios constrangimentos. Por um lado, é o ponto culminante e o resultado dos trabalhos e dos cuidados com que se tratam os coutos — o núcleo central da acção (e mesmo da existência) do conselho dirigido pelos mordomos. Por outro lado, produz-se na altura do ano em que a actividade é bastante intensa, um período crítico constituído por longos dias de trabalho e muito pouco tempo de descanso, em que todas as casas estão aterefadas na segada dos seus próprios lameiros (desde o fim do mês de Maio) e a que se segue, sem intervalo, a colheita do centeio. São estes trabalhos concretos, exclusivos da esfera das unidades de exploração familiar, que uma exigência colectiva obriga a interromper. Ao mesmo tempo, este momento de trabalho colectivo corresponde a uma pausa, em relação ao ritmo de intensa actividade das semanas anteriores e das que se lhe seguem. É neste contexto que se torna necessário inserir uma discussão que se abriu neste conselho do dia 23 de Junho. Ao fazer-se a avaliação do trabalho que havia a fazer, apurou-se que, para cortar os cinco carros de feno do couto — trabalho esse, que podia ser feito por cinco homens num dia de trabalho, nas propriedades particulares — se iria ocupar quatro vezes mais gente, o que representava uma perda de tempo excessiva. Um dos defensores da organização comunitária tradicional, no que toca à propriedade colectiva dos coutos, comentou: «Mas a alegria de trabalharmos todos juntos é outra!», afirmação que era mais uma exortação para se convencer a si próprio e aos outros do que, propriamente, a constatação de uma evidência ou, sequer, o eco de uma unanimidade e harmonia sempre improváveis e, de facto, inexistentes. Por outro lado, o assunto da conversa remetia, directamente, para a tensão latente no espaço social — que se evitava e tentava contornar — devida à vontade de alguns de se apropriarem plenamente das parcelas privadas, outrora incorporadas nos prados comunitários (os alargos)14.
29Por ocasião da hora do almoço, cada um dos homens tirou da sacola a refeição e comeu-a, sentado no chão, à sombra de um carvalho. Decidiram, então, sortear a casa por onde havia de começar o turno de utilização do moinho comunitário. Este sorteio, que se faz todos os anos na mesma altura, serve para distribuir por todos, a oportunidade de estar entre os primeiros a moer, num momento do ano em que o caudal do rio diminui e a farinha faz falta, não só para o fabrico do pão, como também, (e sobretudo), no reforço da alimentação dos animais, sobrecarregados de trabalho. Este sorteio não implica, normalmente, uma convocação expressa do conselho, dado que pode ser feito no decurso de uma reunião de trabalho como a de hoje15.
30A segada terminou por volta das quatro horas e, após a interrupção reservada à merenda, houve que virar o feno (voltar), operação feita com a ajuda do cabo do gadanho, empunhado junto à lâmina, com que se levanta o feno caído no chão, fazendo-o mudar de posição para facilitar a sua secagem. Este trabalho é começado a partir do sítio do lameiro em que, de manhã, se iniciou a segada. Ao cair do dia, os homens regressaram à aldeia.
3125 de Junho — Conselho convocado pelos mordomos, para se proceder ao carregamento e transporte, para a aldeia, do feno destinado ao touro. Este tinha ficado no Couto, durante todo o dia anterior, uma vez que estava fora de questão trabalhar no dia do Santo padroeiro e de festa na aldeia. Os cinco carros de bois necessários a este transporte, foram fornecidos — na roda dos carretos — pelos cinco vizinhos seguintes aos dois últimos que, no dia 20 de Março, tinham levado os carros para os trabalhos nas presas. Já era muito tarde, quando o conselho chegou à aldeia após um dia inteiro de trabalho. Por esta razão, os carros não foram descarregados mas, sim, deixados num terreno vago perto do moinho, onde a linha de fronteira separa as duas aldeias. Ficou decidido que, no dia seguinte, seria descarregado e guardado.
3227 de Junho — Contra todas as previsões, chovera na véspera e o feno molhou-se nos carros e não pôde ser recolhido. Para se fazer face à situação, os mordomos convocaram o conselho, para se retirarem as camadas superiores do feno e espalhá-lo pelo chão, a toda a extensão do terreno onde se encontrava, para aí o deixarem secar. Tratou-se, pois, de um conselho estraordinário, que não teve lugar senão por causa da chuva inesperada (e porque os carros carregados a ela estavam expostos)16. Era domingo, e o trabalho foi feito durante a manhã, antes da chegada do padre para dizer a missa.
3329 de Junho — Conselho convocado pelos mordomos para se guardar o feno que, após um dia de sol, já estava seco. Um habitante da aldeia que trabalha na cidade durante a semana e que veio ficar alguns dias para ajudar os pais na segada do centeio, pôs o seu camião gratuitamente à disposição, para se fazer mais fácil e rapidamente o transporte do feno até ao local onde seria guardado, a algumas dezenas de metros do local onde se encontrava. Como o espaço disponível no interior do estábulo do touro17, não permitia armazenar os cinco carros de feno, um vizinho do conselho emprestou, sem exigir qualquer compensação, um palheiro próximo do curral, que ele próprio não iria utilizar. A falta de uma construção comunitária para guardar, em cada ano, a totalidade do feno destinado ao touro, obriga a fazer acordos que implicam a cedência de um palheiro privado, com ou sem benefício de contrapartidas. No ano anterior (1975), por exemplo, um vizinho que não pertencia ao conselho (no seu sentido mais restrito), emprestou um seu palheiro em troca do direito de enviar uma vaca, com a boiada colectiva, para os coutos, Logo que o feno foi descarregado e armazenado, os mordomos serviram o vinho do conselho. O trabalho foi executado ao longo da tarde, numa atmosfera de bom humor que tinha, também, qualquer coisa da especificidade do dia (de S. Pedro) que, espontaneamente, se decidiu festejar. Um vizinho fez a volta pelas casas, afim de recolher fundos para ir à cidade (na sua moto) comprar uma caixa de sardinhas. Ao cair do dia, durante a noite, os habitantes da aldeia reuniram-se junto do forno colectivo («de herdeiros»), para comerem as sardinhas assadas com pão e vinho que tinham, igualmente, pedido em todas as casas.
3411 de Julho — Os mordomos convocaram o conselho para irem aos coutos estancar a água dos canais de irrigação. Para o fazer, é preciso tapar as entradas com torrões de terra, e arranjar aberturas nas presas, para que a água do rio corra. Os prados já tinham recebido água suficiente e era preciso cortá-la, para evitar inundação. Era domingo e, pouco depois do mordomo ter tocado o sino para chamar o conselho, no momento em que os homens já se preparavam para deixar a aldeia, o padre (que ninguém esperava) chegou. Assim, não puderam partir, senão depois de terem assistido à missa, sem sequer terem tido tempo para mudar de roupa. O conselho durou todo o dia, com as duas refeições aí tomadas e o vinho levado pelos mordomos.
3512 de Julho — A colheita do centeio (segada do pão) começou no dia 25 de Junho18 e no dia 10 de Julho já todas as casas a tinham praticamente terminado. Os molhos (pousada) de centeio são amontoados no meio dos campos, em mornais, onde ficam até ao seu transporte para a eira comunitária. Este tende a ser feito na mesma altura, por todas as casas. Como é necessário que as condições do transporte (nos carros de bois) sejam as melhores, os mordomos convocaram o conselho para se arranjarem os caminhos, tentando-se eliminar os sulcos que as chuvas de Inverno abriram e, na medida do possível, nivelar o pavimento, com a ajuda de picaretas e enxadas. Este trabalho é repetido em cada ano, do lado da aldeia em que a folha é cultivada, e onde irão circular os carros muito carregados, que farão o acarrejo, ou seja, o transporte do cereal para a eira (que deve ser feito em tempo quente e seco para que o centeio não apanhe humidade). O conselho ocupou o dia inteiro e contou com a participação de duas mulheres, representantes de duas casas que não pertencem ao conselho (no sentido estrito) e que tinham cultivado centeio — pedindo a colaboração de outros vizinhos — sendo elas, portanto, igualmente interessadas e responsáveis pela reparação dos caminhos de que, também, se iriam servir19.
366 de Agosto — Conselho convocado pelo presidente da Junta, com um propósito e uma constituição muito peculiares: as mulheres da aldeia — uma por cada casa — foram chamadas para se fazer a limpeza do interior da escola/casa do povo onde, na noite do dia seguinte, seria projectado o filme de António Campos, Falar de Rio de Onor. O realizador tinha usado, como texto de referência, a monografia de J. Dias e, em 1973, tinha feito estadias prolongadas na aldeia para efectuar as filmagens. Os habidantes tinham manifestado, frequentemente, a vontade de verem o filme, no qual eram as personagens. Além disso, sabiam que o filme já tinha passado na televisão (numa altura em que ainda não havia televisão na aldeia). Através de contactos pessoais, conseguiram mandar vir uma cópia de Lisboa e pediram emprestado um projector na cidade20. Foi, pois, com entusiasmo e expectativa, que as mulheres responderam à convocação do presidente da Junta, para fazerem a limpeza à escola, depois de terminados os trabalhos de adaptação. Esta sessão de cinema, em que os habitantes da aldeia espanhola também participaram, constituiu a primeira utilização colectiva da nova casa comunitária.
37Os trabalhos de restauro e remodelação do edifício da velha escola colocaram à disposição da aldeia uma sala que, todavia, não foi imediatamente utilizada, por falta de ocupação e função concretas e habituais. Os primeiros a aí verem um espaço a utilizar, foram os jovens (rapazes e raparigas), como local de realização de bailes que, amiúde (sobretudo aos domingos e feriados), tinham lugar no largo central da aldeia ou num estábulo vago que alguém punha à sua disposição. Contudo, ao princípio, eles viram-se confrontados com a oposição do presidente da Junta, que guardava a chave e se considerava o zelador deste novo espaço colectivo que era preciso conservar limpo e preservar (independentemente de se saber, com exactidão, para que é que iria servir). Não foi senão a pouco e pouco, por acontecimentos isolados, que os habitantes começaram a frequentar uma sala de que não dispunham anteriormente e da qual, em princípio, nem sentiam necessidade objectiva. Foi o caso das duas sessões de cinema, para a exibição (no fim de Novembro de 1976) dos filmes que tínhamos feito, em formato super 8, ao longo dos doze meses da nossa estadia mais prolongada na aldeia, e (em Agosto de 1977) do filme de Noémia Delgado, Máscaras (1974), sobre as festas de mascarados do Inverno em cinco aldeias de Trás-os-Montes, uma das quais Rio de Onor. E foi, também, o caso dos bailes na época de Inverno, da iniciativa dos jovens e abertos a todos e que eram acompanhados pela música do gravador de som ou do tocador de gaita de foles (vizinho da aldeia espanhola). Mais tarde, estes mesmos rapazes e raparigas organizaram-se, para aprenderem as canções e dança local (a jota) e, entre 1979 e 1981, utilizaram o salão para ensaios e para as exibições realizadas perante os habitantes das duas aldeias. Nessa altura, foram incorporadas as instalações sanitárias ao imóvel da escola e, em 1982, teve aí lugar a primeira boda, inaugurando a prática posterior de aí se prepararem e servirem os banquetes de todos os casamentos celebrados na aldeia. Neste mesmo ano, o conselho para a eleição dos mordomos realizou-se aí, num primeiro dia de Janeiro muito chuvoso, facto que iria permanecer isolado, uma vez que o conselho nunca veio a utilizar este novo espaço para as reuniões ordinárias que se realizam ao longo do ano e que continuam a fazer-se ao ar livre, incluindo-se mesmo aí — se o tempo o permite — a reunião do primeiro dia do ano. Pelo contrário, é lá que o conselho (sob a direcção do presidente da Junta) tende a reunir-se com as autoridades da cidade, ou com os responsáveis dos serviços centrais ou regionais da administração, para a discussão de assuntos relacionados com a aldeia. A sala da velha escola está, com efeito, ligada a momentos festivos e a dias destacados. A par da sua funcionalidade (a extensão, a protecção face às condições climatéricas, a iluminação, as tomadas de corrente eléctrica), apresenta-se como um espaço de representação, onde a aldeia se manifesta e se afirma enquanto colectivo e por onde se estabelecem relações particulares que a ligam ao exterior: bailes, banquetes de casamento, filmes em que os aldeãos se reconhecem, certas reuniões com as autoridades político-administrativas. Estas últimas podem tomar, ainda, a forma de festa e de acontecimento que marque a história local, como foi, em Fevereiro de 1987, a recepção oferecida ao Presidente da República, que reuniu num grande banquete, preparado pelas mulheres da aldeia, a quase totalidade dos habitantes. O mesmo número de pessoas estava, também, sentado à mesa, no dia da visita (a 1 de Novembro de 1988) de um grupo de investigadores de um estudo comparado da UNESCO, em que se encontravam igualmente presentes, a pedido dos aldeãos, o governador do distrito e o presidente da Câmara de Bragança, e os Alcaldes de Pedralva e de Puebla de Sanabria21. Nestes momentos, procura-se sempre, frente-a-frente, participar às autoridades e aos notáveis da cidade, os problemas, as necessidades e os desejos colectivos, solicitando a solução pretendida. Eis um exemplo pontual, do último dos banquetes que acabámos de referir: aproveitando a presença do presidente da Câmara de Bragança, o presidente da Junta sentado a seu lado, conseguiu obter, da sua parte, a promessa do oferecimento à aldeia de mesas para se equipar o salão da escola, que apenas dispunha de algumas carteiras. Assim se acabará com o vaivém de mesas e bancos que os habitantes têm de trazer de casa e transportar de cada vez que há um banquete festivo.
3823 de Agosto — A debulha do centeio começou no dia 14 de Agosto, o dia seguinte à chegada à aldeia da debulhadora mecânica (accionada pelo tractor) que o proprietário (da aldeia de Varge) instalou na eira, no lugar indicado pelos habitantes22. O trabalho prosseguiu durante uma semana, até ter chovido no dia 20, o que implicou a sua interrupção. Aproveitando esta paragem (que durou até ao dia 27), os mordomos convocaram o conselho para vedar as presas, e abrir os canais de irrigação nos coutos, que estavam fechados desde o dia 11 de Julho. O trabalho durou o dia inteiro.
3930 de Agosto — A debulha foi retomada no dia 28, depois de se esperar que as medas de cereal estivessem secas; mas, no dia seguinte, uma chuvada inesperada trouxe ainda, como consequência, uma nova pausa que durou três dias. Para não perderem tempo, os mordomos convocaram o conselho para cortar silvas, juncos e outras plantas daninhas, que cresceram novamente nos lameiros comuns desde a limpeza levada a cabo no mês de Março. O trabalho não ocupou senão a parte da manhã, e os homens regressaram, e puderam almoçar em casa. Ao princípio da tarde voltaram lá, para arranjarem a presa do Couto de Cima, que tinha uma parte caída, o que acontece de tempos a tempos, quando a corrente arranca as pedras. A operação exige que se vá recuperar pedras grandes, que se transportam às costas, várias ou apenas uma, para serem empilhadas no muro da presa. Também as vão apanhar ao leito da ribeira, onde caíram, e para o fazerem, alguns despem-se, situação que contribui para criar uma atmosfera de brincadeira e riso descomedido, que constitui a característica deste conselho. Ao cair do dia, o trabalho ainda não estava terminado, e regressou-se à aldeia, marcando encontro para o dia seguinte — um dia a mais para que o cereal na eira fique seco, e se possa recomeçar a debulha.
4031 de Agosto — Conselho convocado pelos mordomos para se terminar o trabalho iniciado na véspera, e que durará todo o dia. As cenas do dia anterior repetem-se, intensificadas por um calor mais forte. Os homens nus divertem-se na água, ao mesmo tempo que procuram, transportam e colocam as pedras, para se refazer o muro da presa. A exuberância dos gestos e da palavra, e o riso, misturam-se com o esforço físico, sob o peso do consumo do vinho, e surgem opiniões contraditórias, sobre a melhor maneira de se fazer o trabalho23. Um dos membros do conselho não apareceu nestes dois dias de trabalho, com a desculpa de estar doente, mas alguém o viu na aldeia, e depressa se ajuiza que ele não pode justificar a sua ausência. De regresso à aldeia, decidem passar directamente na sua casa e exigir-lhe o valor dos dois dias de trabalho (duas vezes 200 escudos), que não teria de pagar se estivesse efectivamente doente. Esta atitude colectiva, espontânea e unânime, saída de uma das reuniões mais eufóricas do ano, foi uma manifestação eloquente do desejo de afirmar a coesão e a força de uma instituição (o conselho) cuja fragilidade é conhecida e sentida. O culpado em questão pagou, e a unanimidade do gesto, assim como o seu resultado, teve como efeito, num dos homens, a seguinte observação: «É assim que se deve fazer sempre». E tanto este comentário como o comportamento do grupo, procuram exorcizar a fraqueza e o conflito sempre latente.
415 de Setembro — A debulha do centeio foi retomada no dia 1 de Setembro mas, após uma última pausa de dois dias (desta vez por avaria mecânica), não estaria terminada senão no dia 5. Ao fim da manhã, tinha-se mais ou menos acabado a última meda de cereal, que pertencia ao presidente da Junta, e que em parte estava estragada — o pão estava meio germinado ou já tinha começado a apodrecer, devido às chuvas acumuladas. Após a refeição, os mordomos fizeram a convocação do conselho, para se terminar, na parte da tarde, a limpeza dos prados comunitários que fora iniciada a 30 de Agosto, e se interrompera para reparar a presa. Quando os homens chegaram ao Couto de Baixo, a boiada (imperativamente formada nos dias da debulha, afim de deixar as pessoas libertas para a execução dos trabalhos na eira) ainda ali estava, e foi preciso esperar que os animais deixassem o local. Ao fim da tarde, estava-se de regresso à aldeia.
4225 de Setembro — Os dias das vindimas aproximam-se, e o presidente da Junta passou palavra ao Alcalde de Rihonor para que os dois conselhos se reunissem em conjunto, afim de se fixar a data do seu começo e de ser tomada uma decisão acerca da reparação do caminho que serpenteia em redor da linha de demarcação fronteiriça e conduz ao sítio onde estão as vinhas dos habitantes das duas aldeias. Como no caso dos caminhos que se arranjaram para transportar melhor os cereais, este conselho tem como objectivo uma operação em tudo semelhante, só diferente no facto de dizer respeito a portugueses e espanhóis, devido à sua situação e estatuto de «caminho internacional». Esta assembleia mista, que durou menos de uma hora, realizou-se em Rio de Onor e aí foi decidido fazer-se o trabalho no dia 27 e iniciarem-se as vindimas no dia 3024. Nesse ano, o caminho não estava em muito mau estado e, portanto, não era urgente nem absolutamente necessário arranjá-lo mas, ainda assim, julgou-se ser conveniente fazê-lo. Em todo o caso, choveu no dia combinado e os homens não se reuniram.
4328 de Setembro — Conselho convocado pelo presidente da Junta, para se discutir do interesse e conveniência em fazer uma petição, assinada por todos os habitantes, pedindo às autoridades competentes a asfaltagem da estrada que conduz à cidade. A estrada, estava em muito mau estado de conservação na metade da sua extensão que vai até à saída da aldeia de Varge, a 14 quilómetros de Rio de Onor. Esta parte da estrada foi aberta nos anos 30, substituindo, assim, um caminho de carros de bois, cujo traçado seguiu quase sempre. O trabalho foi executado pela totalidade dos habitantes que, em grupo e à vez, acompanharam os operários especializados e as máquinas de terraplanagem fornecidos pelos serviços oficiais. Esta estrada de terra batida não poderia durar muito tempo sem se deteriorar. Os rigores do Inverno (a neve e a chuva), assim como a circulação dos carros de bois, contribuíram para a erosão, abrindo sulcos e acumulando lama. Esta situação já tinha sido constatada por Jorge Dias logo que chegou à aldeia, uma dezena de anos mais tarde (Dias, 1953:83). No começo dos anos 60, foi de novo reparada e alargada, sempre com a participação colectiva da população; mas, pelo facto de continuar a ser de terra batida, havia pontos em que a circulação automóvel se tornava difícil, acontecendo mesmo que, durante o Inverno, os motoristas de táxi de Bragança se recusavam a fazer este ou aquele frete, para transportar alguém a (ou de) Rio de Onor. A petição que decidiram fazer neste conselho — para a redacção da qual nos pediram colaboração — tinha, certamente, como objectivo imediato, a substituição de uma estrada má por uma outra que não tivesse problemas de circulação e que seria «moderna», «como deve ser», mas ela visava, ainda, um objectivo de maior alcance: a possibilidade de se beneficiar, num futuro que se desejava próximo, de ligações regulares de autocarro, entre a cidade e a aldeia, como as que já existiam noutras aldeias da região.
4429 de Setembro — Através de contactos pessoais, dos quais fomos o intermediário, os serviços oficiais do Ministério da Agricultura ofereceram um bode reprodutor, de raça alpina, para melhorar a raça das cabras da aldeia. O animal foi levado na noite de 28 e, no dia seguinte, por volta das 7 horas da manhã, o presidente da Junta, convocou o conselho para o «apresentar» à aldeia e discutir os eventuais cuidados a dispensar-lhe. Toda a gente lá estava, para observar este animal cujo tamanho, dimensão dos chifres e aspecto geral exótico, davam azo a toda a espécie de comentários do género: «como ele é feio!» ou, «ele é tão feio que se torna bonito!» Estabeleceu-se que seria preciso dar-lhe, todos os dias, um suplemento alimentar — quatro punhados de centeio — obrigação que caberia, à vez, a cada um dos proprietários de cabras, quer dizer, àquele a quem competiria a vez, na guarda do rebanho. Quanto às instalações que lhe seriam reservadas para passar a noite, «não há problema, ele escolherá todos os dias o curral das cabras que mais lhe agradarem». Quando o conselho se reuniu, o pastor (que igualmente participou na reunião) começou a reunir as cabras e, depois de se terem tomado estas decisões, o bode partiu com o rebanho, sob os olhares e comentários dos habitantes25.
4530 de Setembro — O primeiro dia do bode na aldeia não correu bem. Quando o rebanho regressou à noite, verificaram que ele já lá não estava. Tinha-se, certamente, transviado e perdido, e a mulher que nesse dia assegurava a guarda sentia-se culpada por não o ter vigiado melhor. Era preciso procurá-lo mas, como a noite começava a cair, fá-lo-iam no dia seguinte. De manhã muito cedo (por volta das 6 horas e 30 minutos) o presidente da Junta tocou o sino, convocando o conselho para se fazer uma batida. Homens, mulheres, raparigas e rapazes — e mesmo algumas crianças mais velhas — foram reunidos e dispostos numa linha irregular que, a partir das proximidades da aldeia, avançou pelo monte, terras em pousio e lameiros da área por onde o rebanho tinha passado na véspera. Procurou-se por todo o lado e trocavam-se palavras mais ou menos sérias, interrogando-se se ele estaria doente ou ferido ou se teria sido comido por algum lobo. Por um lado, havia a preocupação por não o encontrarem, e por outro, a participação alegre numa caçada colectiva e imprevista. Três quartos de hora mais tarde, o bode apareceu, escondido debaixo de um rochedo onde tinha procurado abrigo para passar a noite. Gritaram a nova aos que se encontravam afastados e toda a gente se regozijou com a descoberta, e regressaram à aldeia rodeando o bode que seguravam pelos cornos e que nesse dia iria ficar no estábulo, para se restabelecer da fome, da fadiga e, talvez, do medo. Como era o dia aprazado pelo conselho misto do dia 25, para o começo das vindimas, todos os habitantes subiram, de seguida, às vinhas26.
462 de Outubro — Os mordomos convocam o conselho, cedo pela manhã, para se proceder à vindima da vinha do Santo. Esta é sempre feita depois de todos os vizinhos terem acabado de colher as suas próprias uvas nas vinhas de que são proprietários (o que levou dois dias). Cada um dos membros do conselho sobe a encosta, até ao local, levando consigo o grande cesto em vime de fabricação local (o coleiro) onde irá colocar os cachos de uva à medida que os corta com a navalha ou a tesoura. O trabalho desenrola-se sem pressas, em conversa e debicando nos cachos, e quando termina (passando pouco mais de uma hora) descem todos à aldeia, pelo caminho ondulante e inclinado, com os coleiros ao ombro. Chegados à ponte colocam-nos sobre as guardas e transferem as uvas de uns para outros de modo a encher alguns completamente e assim se poder calcular a quantidade total de uvas que são, de imediato, postas em leilão (o que sempre aconteceu, pelo menos desde os anos 30). Para além dos vizinhos do conselho, outras pessoas podem assistir (o que de facto ocorreu) e participar na arrematação com ofertas de lances (o que não aconteceu este ano). Foi um dos seus membros que, com a mais alta oferta — 800 escudos pelos oito coleiros bem cheios — ficou com as uvas. Estava terminado o conselho e alguns dos homens ajudaram a transportar as uvas adjudicadas até à loja do seu novo proprietário, despejando-as na cuba (dorna) onde já estavam as que ele próprio colhera.
4712 de Outubro — O presidente, retomando o assunto discutido no conselho de 29 de Setembro, convocou o conselho para que todos os vizinhos da aldeia tomem conhecimento e assinem a petição para a estrada alcatroada a enviar às autoridades competentes. O texto havia sido redigido na véspera e foi lido em voz alta perante os presentes, depois do que foi assinado pelos representantes de cada uma das casas da aldeia. A reunião teve lugar, como sempre, ao ar livre, no largo central junto à ponte.
48A estrada só viria a ser alcatroada em 1979, desta vez sem a prestação de trabalho gratuito por parte dos habitantes. De facto, com o estabelecimento, aprendizagem e desenvolvimento do poder autárquico com base na existência e competição dos partidos e no exercício do voto — realidade que advém da revolução de 1974 e da instalação de regras de jogo democrático — as estradas concelhias e vicinais, assim como demais infra-estruturas, tendem a ser tomadas a cargo, em exclusivo, pelos poderes que regem o destino dos municípios. Se, por um lado, isto é resultado das estratégias de afirmação local dos partidos e dos eleitos na produção de um forte capital de voto é, igualmente, acompanhado de uma progressiva delegação na autarquia, por parte das populações locais, da responsabilidade e dever de assegurar a criação ou beneficiação dessas infra-estruturas — fenómeno que se torna particularmente patente em zonas do país (como todo o norte trasmontano) em que as aldeias, por diferentes formas e segundo princípios internos de organização, participam com trabalho, materiais (e, mesmo, dinheiro) na abertura ou arranjo de estradas ou na instalação local do abastecimento em energia eléctrica, por exemplo, produzindo assim verdadeiros serviços públicos hoje progressivamente remetidos para a esfera de intervenção dos poderes oficialmente instituídos27. Os 14 quilómetros de estrada de Rio de Onor a Varge (onde se liga com a que daí segue para Bragança), uma das melhores — e das primeiras com esta qualidade — do concelho, é bem o exemplo deste novo contexto histórico-político e social para a vida local. Quanto ao objectivo mais ambicionado que, com frequência, era tema de conversa e para o qual a nova estrada era uma das condições necessárias — um serviço regular de transporte colectivo por autocarro — só em 1988 se veio a tornar realidade, com a ligação diária, nos dois sentidos, da aldeia à sede do concelho.
4931 de Outubro — O presidente convoca o conselho para que este se pronuncie sobre um pedido de compra de terreno da Junta de Freguesia, dentro da aldeia, que lhe fora apresentado por um vizinho (um dos emigrantes que, no final de 1975, regressavam à aldeia e que o pretendia para construir casa). É domingo e, depois do almoço que se seguiu à missa, os homens deslocam-se para o local (na extremidade leste, junto à estrada que vai para Guadramil) para o avaliar e pronunciar-se sobre o preço. Este é, no entanto, um aspecto claramente secundário destas vendas de terrenos para a construção de casa, sendo meramente simbólico o valor que atinge. Assim, neste caso, uma extensão de cerca de 120 m2 foi cedida ao comprador por 500 escudos (aproximadamente metade do custo de um bom cordeiro, aos preços de então). Aproveitando o facto de estarem reunidos e o assunto em apreciação, um outro vizinho (que regressara à aldeia em 1973) compra, para os mesmos fins (segundo disse), um outro pedaço, maior e mais bem situado, por 1000 escudos.
5015 de Novembro — O conselho reúne, sob convocação do presidente, para ponderar nova proposta de aquisição de «terreno da Junta» feita por um dos vizinhos que já havia comprado um no decurso do conselho anterior. A venda foi efectuada, como as outras, por preço simbólico. A justificação para a compra foi, no caso presente, a vontade de construir um palheiro. A natureza destes actos de venda tem que ser interpretada tendo presente o estatuto dos «terrenos da Junta» (no espaço urbano da povoação) como património colectivo da aldeia com um valor de uso de circulação, interna e exclusiva aos seus habitantes, defendidos, desde logo, das trocas em mercado livre e aberto ao exterior. As reuniões do conselho em que se efectuam funcionam, não como actos de contratação negociai, mas como sessões publicas que legitimam a posse e responsabilizam o conjunto dos vizinhos (a aldeia) por aquela apropriação individual. Daí que o custo da compra deve ser entendido mais como contraprestação ritual ou taxa de acesso a um bem comunal — próximo do vinho que um homem tinha de pagar quando, pela primeira vez, entrava para o conselho (no sentido estrito) ou participava na sua primeira roçada — do que como preço real e equivalente, por exemplo, ao que atingiria, numa transacção corrente, o assento das ruínas de uma casa28. O valor atribuído ao terreno em determinada venda deverá, teoricamente, aproximar-se daquele que qualquer dos vizinhos pagará se também vier a precisar de um (e a justificar essa pretensão) e os preços vão servindo de bitola de umas para outras. Mas as compras vão permitir aumentar, a custo irrisório, o património daqueles que as fazem, ou seja, um enriquecimento em detrimento de todos. Neste contexto, os momentos em que se concretizam — como estes dois últimos conselhos — são marcados (sob a forma de um aparente desinteresse) por certo estado de desconfiança ou, talvez mais exactamente, de silenciada inveja e cálculo, com cada um a fazer para si próprio a avaliação da efectiva necessidade daquele que apresentou o pedido e irá beneficiar de um terreno até aí «do povo». Refira-se (dando razão a essa contabilidade suspeitosa) que nem a venda feita neste conselho nem uma das que se efectuaram no conselho de 31 de Outubro deram lugar, nos anos que se seguiram, a quaisquer construções nos terrenos adquiridos para tal fim.
51Resta acrescentar, para melhor contextualizar estas vendas (ou cedências) na história recente da aldeia, que até 1976, cinco vizinhos haviam construído casas em terrenos da Junta e, posteriormente a essa data, quatro outros vizinhos. Em todos os casos tratou-se de emigrantes regressados, com a única excepção de um Guarda Fiscal originário de uma aldeia próxima, casado em Rio de Onor e vivendo com os sogros. Dessas construções só duas são utilizadas como habitação, todas as outras funcionam como palheiros onde se guarda o feno e alguns outros produtos e utensílios, vivendo os seus donos nas suas velhas casas restauradas pela Junta de Colonização Interna (depois I.R.A.) entre 1973 e 1975.
5219 de Novembro — Conselho convocado pelo Alcalde de Rihonor para, com a presença de um representante da aldeia portuguesa (o Presidente da Junta), ser de novo ponderada a atitude a tomar face à exigência oficial de pagamento pelo uso da água, que já estivera na origem do conselho misto que se realizara em 30 de Abril. Ficou assente escreverem uma petição dirigida às autoridades competentes e assinada por portugueses e espanhóis.
53Só em Fevereiro de 1977 o abaixo-assinado veio a ser escrito e enviado, por intermédio do Governador de Zamora, ao Comissariado das Águas do Douro (Valladolid), a entidade de onde havia partido aquela exigência. Nele, os signatários começam por referir as condições de internacionalidade das duas aldeias: «El pueblo de Rihonor de Castilla, está completamente unido al pueblo portugués, por cuya circunstancia los matrimonios entre ambas naciones son muy usuales y de aqui que las parcelas rústicas estén completamente mezcladas. La poblazión portuguesa es superior a la espanola y de aqui que los portugueses son en mayor parte beneficiários de estos riegos». É nesta realidade que fundamentam o pedido de isenção de pagamento de contribuição ao Estado espanhol pelo uso das águas do rio para rega. O documento foi assinado por 15 vizinhos de Rihonor (a totalidade das casas habitadas) e 32 de Rio de Onor, tendo permanecido alguns dias na taberna-mercearia da aldeia onde os homens passavam para acrescentar as suas assinaturas. O Comissário chefe irá satisfazer as suas pretensões na resposta enviada ao Governador de Zamora — e por este notificada, em 7 de Março de 1977, ao Alcalde de Rihonor — e onde se conclui: «las peculiares circunstancias del caso, su pequena entidad y la no existencia de conflitos o reclamaciones sobre el aprovechamiento del agua, aconsejan mantener el «stato quo» existente sobre dicho aprovechamiento, absteniéndose, con un prudente critério, de efectuar intervenciones, que puderiam alterar la armonia actual y originar situaciones conflictivas».
54A situação contemplada no documento e a forma como a petição é elaborada são uma clara ilustração do «uso» e manipulação da localização fronteiriça das duas aldeias no sentido de conseguir benefícios específicos, com eles se reproduzindo um estatuto de singularidade. É expressiva a concordância dos termos com uma petição semelhante feita dois séculos antes (1782) quando aos vizinhos de Rio de Onor é exigido o pagamento de contribuição pelas propriedades que têm em Espanha: «estando los dos varrios tan unidos y entroncados que los de un bario casan con las del otro y por este enlazo los del barrio de Castilla, tienen y gozan gran cantidad de bienes en el barrio de Portugal y los de Portugal en el de Castilla no tantos porser el terreno mas fragoso e montanhoso y corriendo ambos varrios en la buena armonia (...)». Atente-se na fundamentação, de sinal contrário, dos pedidos de isenção. No texto mais recente (em que a exigência é dirigida aos espanhóis) diz-se que são em maior número os regantes portugueses e daí estes saírem beneficiados; no texto anterior (contribuição exigida aos portugueses) diz-se que são em maior número os espanhóis com terras em Portugal e, portanto, seriam estes os beneficiados.
55No quadro 14 sintetizámos a informação mais pertinente para a interpretação global do conjunto das sessões do conselho, realizadas ao longo do ano de 1976 e que acabámos de descrever. Elas encontram-se aí distribuídas de acordo com a origem da convocação (feita pelos mordomos ou pelo presidente da Junta), o seu objectivo ou finalidade e o âmbito social que recobrem, entendido este como o conjunto das casas da aldeia implicadas (directa ou indirectamente) nas reuniões. A leitura leva-nos a retomar o que nos capítulos anteriores dissemos quanto às competências, poderes e estrutura de funcionamento do conselho e modos de articulação deste com a intervenção da Junta de Freguesia. O primeiro aspecto a considerar é o da separação de dois campos em torno dos quais se foram definindo responsabilidades pela iniciativa e intervenção, por parte dos mordomos e por parte do presidente. A este último compete gerir o espaço construído da aldeia — núcleo habitado e periferia imediata constituída pelos «terrenos da Junta» — e intervir como seu representante nas relações que esta estabelece com o exterior, desde logo com os poderes instituídos. O conselho dirigido pelos mordomos tem como âmbito geral da sua acção o espaço cultivado e, em torno deste, a organização do calendário agro-pastoril. Estes dois campos não são, como vimos, o resultado da definição de competências exclusivas pré-estabelecidas, antes resultam dos processos locais que acompanharam a perda de poderes do conselho e dos seus coordenadores tradicionais e a remissão, por inércia, para o presidente da Junta de algumas das suas competências; presidente que, no entanto, continua a não agir individualmente, sem a consulta e intervenção do conselho. De qualquer modo, os dois campos referidos não são estanques — veja-se, por exemplo, a reparação do moinho, feita pelo conselho restrito, «à roda», sendo uma infra-estrutura do casco urbano da aldeia — e podem ser melhor percebidos a partir das áreas em que mais se extremam as competências dos dois órgãos. Assim, é competência exclusiva dos mordomos do conselho no seu âmbito mais restrito tudo que se prende com os lameiros comunais e o touro reprodutor da aldeia com estes intimamente associados. Todas as sessões que sobre estes incidem, dizem, exclusivamente, respeito aos vizinhos proprietários de vacas. Em pólo, poderíamos dizer oposto, aparecem as convocações e intervenções do presidente da Junta na mediação para a obtenção de verbas e orientação dos trabalhos de beneficiação de interesse geral em que são aplicadas. E aqui é a totalidade das casas que se encontra implicada nesses conselhos alargados que reúnem a participação de todos os vizinhos. Pelo meio ficam, num espaço de relativa ambiguidade, as sessões do conselho convocadas pelos mordomos e que, constituídas por um grupo restrito de vizinhos (os «vizinhos do conselho»), dizem respeito a mais casas do que aquelas que, concreta e fisicamente, dele fazem parte. O sorteio para determinar o início da «roda do moinho» e a reparação deste, os trabalhos que a vinha do Santo exige, e a sua vindima, são exemplos de objectos de intervenção do conselho que abarcam mais casas do que aquelas que nele se encontram representadas. O exemplo mais expressivo de permanência das competências alargadas do conselho respeitando a todas as casas, apesar de parte destas nele não se encontrarem representadas, é-nos dado pelas deliberações quanto à abertura e fecho da Faceira — local onde todos os vizinhos da aldeia são proprietários — assim como, do arranjo da agueira que a alimenta de água, também este efectuado pelo conselho no seu âmbito mais restrito. Também constatamos a existência de sessões em que esta não coincidência entre vizinhos interessados e vizinhos intervenientes é corrigida, como aconteceu com a contratação do pastor em que todos os proprietários de cabras se encontraram presentes ou o arranjo dos caminhos para o «acarrejo» em que trabalharam vizinhos que, não pertencendo ao conselho, haviam produzido algum centeio. São exactamente estes trabalhos de reparação dos caminhos rurais que, com recurso a máquinas dos serviços do Estado, vão sendo cada vez menos necessários e, por outro lado, passando definitivamente para a esfera do presidente que se encarrega de as solicitar junto das entidades competentes.
56Outros comentários conclusivos (não contemplados no quadro), devem ser feitos, depois deste percurso, pela diversidade das sessões descritas. Elas funcionam como um espelho do quotidiano da aldeia, pontuando, revelando e regulando o calendário agro-pastoril, com particular incidência no longo período de intensificação do trabalho iniciado com a segada do feno nos lameiros particulares, em fins de Maio, e culminando com as malhas em Agosto. Espelho ainda, pois a totalidade das tarefas realizadas recobre a utilização das alfaias tradicionais usadas por cada uma das unidades de exploração com a excepção apenas daquelas com que se fazem os cultivos (pois deixaram de se efectuar os cultivos colectivos desde os anos 60): arado e grade29. Um outro aspecto a relevar prende-se com as datas em que se realizam as sessões. Oito de entre elas (das quais duas convocadas pelo presidente) efectuaram-se ao domingo, permanecendo aqui um traço comum a formas semelhantes de organização comunitária que, em muitos locais, sofreram a contestação dos párocos, por iniciativa própria e/ou por determinações superiores dos prelados. Estes conselhos ao domingo estão também marcados pelas contingências da vinda do pároco para celebrar a Missa, como em certos casos referimos. Por outro lado, há uma clara homologia de motivos da convocação do conselho em Rihonor de Castilha, convocados com coincidência aproximada das datas. Por exemplo, a abertura da Faceira foi decidida, nas duas aldeias, para o dia 25 de Abril; o conselho para a preparação das agueiras nos coutos, que teve lugar a 9 de Março, realizou-se na aldeia espanhola um dia depois; a preparação dos caminhos para o «acarrejo» (12 de Julho) havia sido feita, um dia antes em Rihonor.
57De tudo o que dissemos neste e nos capítulos anteriores, ressalta a indeterminação dos campos da acção dos mordomos e do presidente por referência a um conselho, menos ou mais representativo. A sua não absoluta separação corresponde à ambiguidade e indefinição do locus da autoridade e poder local de que os habitantes exprimem a incerta busca, ora valorando um poder antes perfeitamente situado e investido pela aldeia na figura dos mordomos, ora socorrendo-se do papel que os representantes formais do poder devem desempenhar:
Por exemplo, em Varge e na Aveleda e nisso tudo quem manda quando faz alguma coisa é o presidente da junta e o regedor que determina as leis do povo. Mas aqui não, aqui cumo nunca foi o hábito ninguem conta co eles pra nada. Amanhã, o Zé (mordomo) se le apetecer tocar o conselho pra ir pro couto, toca se no le apetecer tocar no toca. O presidente da junta num tem nada a ver co isso. Agora claro, a este respeito dum homem que falte, Ah! que fale o presidente... Num tem nada que falar o presidente, é o mordomo que tem de falar, porque o que falta num vai prejudicar os costumes do presidente nem do regedor, porque os costumes do presidente e do regedor são costumes do governo num são costumes das aldeias. Agora o do mordomo é o costume da aldeia. É a quem se vai criticar. (Eduardo)
Os mordomos, o regedor e presidente da junta eram quatro que se deviam reunir e depois os 4 combinar comigo, co este, e co aquele, co os outros todos «vamos a fazer isto: se entra, entra se no entra, vacas fora da boiada e o gado fora do gado — e a ver se ele vai co as vacas e co o gado; num pode ir, tem que entender». (Afonso)
58A própria escolha do Presidente da Junta é feita entre iguais, nada os distinguindo à partida, a não ser certos atributos considerados necessários, atendendo, sobretudo, ao seu relacionamento com as entidades exteriores à aldeia: escrever suficientemente bem, ter um bom trato e relacionamento pessoal. Não se descobrem influências determinantes dessa escolha que se prendam com a melhor situação económica em casa. Tomemos como exemplo e momento de observação o que ocorre após as transformações políticas do 25 de Abril de 1974. Dois meses depois, como aconteceu com os órgãos autárquicos locais de todo o país, os elementos que integravam a Junta pedem a demissão (certamente aconselhada por alguém da cidade), facto que ficou registado em acta:
Acta N.° 21
Aos quatro dias do mês de Junho de mil novecentos e setenta e quatro pelas nove horas reuniu a Junta da Freguesia de Rio de Onor que apreciou a actual situação política do país. Dado que o Governo Provisório procura saniar as autoridades das freguesias do país com que concordamos, resolvemos pedir e a partir desta data a nossa exanuração facilitando assim a acção que o governo provisório se propõe levar a efeito.
E por ser verdade se lavra esta acta que vai ser assinada por todos os elementos da junta de freguesia e enviada a cópia desta mesma acta à Câmara Municipal de Bragança.
Rio de Onor 4 de Junho de 1974
O Presidente da Junta
O Secretário
O Tesoureiro
59O presidente cessante, dono de uma casa «forte», voltará a sê-lo a partir de 1982. O novo presidente, que representa uma das casas mais «fracas» do conselho, também já o fora, nos anos 50. Podemos concluir, da nossa observação das últimas décadas e da informação recolhida para uma época anterior, que a substituição de um presidente da Junta dá-se, em muitos casos, pela insatisfação dos vizinhos quanto à forma de desempenhar o cargo, na qual se inclui a desconfiança (ou a certeza), por exemplo, de uso indevido ou menos transparente de fundos atribuídos à aldeia ou a total negligência ou desinteresse em cuidar dos interesses do povo. Aconteceu isso em 1963 e em 1982, em que não se reelegeram presidentes anteriores por motivos destes30. A própria existência física da Junta de Freguesia não tem nada que a suporte. Não existe sede, nem esse facto foi considerado necessidade a preencher, funcionando a casa do vizinho presidente como local onde se guarda o papel timbrado (muito raramente usado) e o selo branco. Também não há arquivos e são raros os documentos existentes com origem na Junta de Freguesia31. A presença institucional e tradicional do conselho não só incorpora os membros da Junta como vizinhos que também o integram, como absorve os assuntos de interesse geral que aí são discutidos e muitas vezes aparecem projectados nos livros dos mordomos. Um destes, (cobrindo o período de 1967-1977) é mesmo constituído por páginas timbradas da «Junta de Freguesia de Rio de Onor». É este espaço de imprecisão que continua a manter-se e que uma situação por nós presenciada permite apreender no pormenor do quotidiano.
60No dia 5 de Maio de 1987 está-se nas antevésperas da festa (o 13 de Maio) e fazem-se preparativos para ela com o arranjo da igreja. Com a ajuda de um artista (trolha e «topa a tudo») o chão do templo havia já sido levantado, sendo necessário proceder à instalação dos ladrilhos para o novo pavimento. O presidente da Junta orienta os trabalhos e está preocupado com um eventual atraso na obra e o risco de não estar concluída no dia da festa. Precisa de alguns homens para ajudar o pedreiro e acelerar o trabalho. Nesse mesmo dia há conselho para os Coutos convocado pelo mordomo e, além disso, dois homens do conselho encontram-se, nos seus turnos, a reparar o moinho comunal (também ele necessário para a farinha fresca do pão que vai ser cozido para a festa). O presidente da Junta, dirige-se junto do mordomo, pedindo-lhe que lhe ceda dois homens, argumentando com a urgência em concluir o arranjo da igreja. O mordomo mostra-se contrário à ideia dizendo que eram poucos os vizinhos a ir para o couto, pois dois deles já se encontravam ocupados com o moinho e responde negativamente à solicitação do presidente. Este, preocupado com a situação descobre uma solução de recurso: vai buscar um dos homens do conselho que se encontram, na aldeia, a reparar o moinho, para trabalhar na igreja e convoca as mulheres, porta a porta, para o ajudarem (e ao pedreiro) no que seja preciso. O presidente, naquele dia, distribuiu-se entre o moinho e o templo a orientar e a ajudar nos trabalhos. Nos dias imediatos já os homens do conselho deram a sua prestação de trabalho para finalizar a pavimentação da igreja. A situação é ilustrativa da ausência de atribuição de poderes a uma autoridade definida, a permanência de uma indefinição de competências exclusivas e separadas, a busca casuística de consensos e de soluções combinando (por vezes com fórmulas imaginativas) os factores em cada momento utilizáveis.
61E, nesta ausência de espaço social que permita a autonomização de poder separado do grupo, continua a ser este que, com maior ou menor dificuldade e fragilidade, se constitui na autoridade de que dependem mordomos e presidente. A interdependência dos vizinhos constituídos em colectivo, a repetição das mesmas operações em torno dos recursos comunais, a recorrência dos mesmos gestos, enfim, os sinais que permitem adivinhar sonoridades e ritmos que produzem e reproduzem uma ecologia dos sentidos32 — também ela quadro físico e afectivo de identificação e da permanência do grupo — ficaram desenhados na sucessão de reuniões do conselho e em tudo o que sobre esta instituição procurámos trazer para este trabalho.
Notes de bas de page
1 O formalismo da eleição é o mesmo que J. Dias registara com base em informações orais, já que, nos anos em que se desenrolou o seu trabalho de campo, o cargo de mordomo era ocupado, rotativamente, por todos os membros do conselho (Dias, 1953: 140-142). O sistema havia sido instituído recentemente e, como já referimos, iria durar pouco tempo.
2 Desde 1971 verificaram-se, pelas mesmas razões, mais duas situações de eleição de dois mordomos da mesma margem (1975 e 1988), em anos de acentuado desequilíbrio entre o número de casas de cada uma das margens representadas no conselho (ver quadro 11). Idêntica solução seria encontrada para os anos de 1989 e 1991 em que o número total de membros do conselho (na sua acepção mais restrita) baixou para 11.
3 Debruçamo-nos sobre a escolha dos mordomos dos Santos e as transformações que os tocam, nas últimas décadas, ao proceder à caracterização e interpretação das rodas actualmente em funcionamento em Rio de Onor.
4 Estes e demais leilões (que incidem, fundamentalmente, sobre os bens dos Santos) são analisados nas suas vertentes social e económica, no capítulo que dedicamos a esse princípio de organização e partilha.
5 A votação processou-se exactamente nos moldes em que J. Dias descreveu o acto de «deitar piedras» (Dias, 1953: 148). Não se fazendo, segundo um vizinho nos disse, «há mais de quinze anos», interrogamo-nos sobre se a nossa presença não terá servido como estímulo exterior para este gesto da iniciativa do Presidente (como membro do conselho) para mostrar ao etnólogo a especificidade de uma tradição peculiar à aldeia (e tornada pública pelo Livro) que certamente o iria interessar — como uma ilustração mais daquilo que designámos «efeito Rio de Onor». No entanto, aquele gesto foi recebido por todos com a naturalidade de quem, em qualquer momento, a ele recorre para votar, sem mesmo causar surpresa nos membros recém-chegados ao conselho.
6 A substituição de um sistema (ou princípio de organização) por outro, com vista a alcançar um mesmo fim, nunca se apresenta como alternativa absolutamente aleatória. As razões que lhe presidem prendem-se com contabilidades sociais, mais ou menos evidentes ou aparentes, e que, no caso vertente, serão ponderadas ao fazermos a análise do princípio da rotatividade.
7 Este trabalho por turnos foi sofrendo interrupções, por vezes longas, por falta de materiais, ausência temporária dos operários ou intensificação da actividade agrícola. Para o primeiro dia de conselho algumas vozes se ouviram na recusa de irem trabalhar para a escola, com o argumento de não se irem servir dela ou de aí não virem a retirar qualquer benefício. Estavam, porém, todas as casas representadas e as faltas que houve no desenrolar posterior dos turnos (que não acompanhamos diariamente) foram desdenhadas — à falta de uma autoridade que as sancionasse — como meio de esconder ou minimizar os conflitos e a ruptura da reciprocidade.
8 O procedimento para esta distribuição e coordenação do trabalho feita pelo mordomo (seguido, em idêntica situação, pelo concejo de Rihonor) — que parece, desde logo, apontar para a existência do formalismo e repetição do gesto ritual como meio de despersonalização da autoridade — mais que uma exigência técnica da organização do trabalho, exprime a preocupação de equidade na marcação prévia dos troços de igual tamanho. A sequência por que os homens são chamados a ocupar os seus lugares — segundo a ordem das suas casas na aldeia — é mais um exemplo da permanente recorrência de uma topologia que as rodas, como veremos, reproduzem com efeito de estruturação espacial e social da aldeia.
9 É bastante estável o registo menmónico sobre quem foi o último na roda dos carretos, pelo seu espaçamento no tempo, o valor intrínseco da prestação (é o único serviço comunal com as vacas e o carro) e a presença de todos tirando as dúvidas sobre o vizinho de turno.
10 As presas reparadas pelo conselho, terão também sido, todas, por este construídas. A última foi edificada em 1951.
11 Conselho que, não tendo sido realizado em Rio de Onor (como aquele que, pelo mesmo motivo, se irá realizar em Novembro), abarca o colectivo da aldeia por intermédio do representante que nele participou. Por isso o situamos a par de outros — correntes ou extraordinários — que reunem os dois povos.
12 A casa do vizinho em questão, construída de novo. nem sequer mantinha a estrutura e aspecto exterior da arquitectura local, estando, portanto, fora dos critérios de atribuição da verba. No entanto. em conselho, concordaram que fosse subsidiada, ou melhor, não se manifestaram contra (nem de uma votação se tratou).
13 J. Dias, que já não chegou a abservar esta participação das mulheres, faz uma descrição da segada do Couto em que acentua o aspecto competitivo do trabalho dos segadores que, inicialmente dispostos em linha sobre toda a largura do lameiro, mais tarde (bem comidos e bebidos), vão avançando desordenadamente a querer mostrar como segam bem e depressa. (Dias, 1953: 170-171). Nem aquela emulação competitiva nem a distribuição em linha como grupo de trabalho sincronizado sob a vigilância dos mordomos foram por nós observadas nas segadas em que participámos (1976 e 1981); o grupo dos segadores é agora mais inorgânico e dispõe-se de forma mais irregular (desordeira, diremos) no Couto.
14 Um exemplo de situação em que os alargos são evitados como tema de discussão e que, desde 1975 (quando resolvida a crise mais forte que ameaçou a sua alienação), se repete como ocultamento, ou evicção pelo silêncio, de um problema que instaura o conflito na aldeia — um conflito adiado.
15 Por exemplo: em 1981, ano de maior caudal de água no rio, o sorteio para a utilização do moinho realizou-se em 8 de Agosto, durante um conselho para tapar as presas. Este sorteio pode determinar, como veremos, a única situação em que a sequência dos turnos é inversa à da ordenação das casas em todas as outras rodas.
16 Nos anos 40 parece ser mais estável a distribuição dos dias de trabalho no Couto: um dia para segar, um para voltar, outro para carregar e transportar (Dias, 1953: 171-172). Terá, no entanto, havido sempre adaptação por conveniências mútuas, pressões do calendário ou circunstâncias aleatórias.
17 O curral do touro é o antigo lagar comunal (desactivado, como tal, nos anos 60) e parte do feno a ele destinado é guardado numa divisória interna que ali foi improvisada.
18 A maioria dos vizinhos começou a segada naquele dia, apesar deste não ser imposto pelo conselho (como não o era nos anos 40). Procuram todos, todavia, iniciá-la em simultâneo por um sistema de vigilância sobre estragos e descuidos que possam ocorrer nas terras que se imbrincam sem faixas de terreno a separar o pão de uns e de outros. A mesma preocupação de sincronia persiste, após a introdução local (em 1980-81) das pequenas ceifeiras mecânicas individuais (manuais ou autotransportadas). Em 1987 foi pela primeira vez utilizada, por aluguer ao exterior, uma ceifeira-debulhadora.
19 O número de vizinhos que, não pertencendo ao conselho (sentido estrito), colhem algum centeio, tem oscilado, nos últimos quinze anos, entre 1 e 4.
20 Fomos nós o intermediário para fazer chegar o filme à aldeia e conseguir o projector de empréstimo.
21 Acontecimentos como estes (os dois jantares) são momentos de significativa importância na vida da aldeia. Esta afirma-se na sua capacidade organizativa, na hospitalidade de que dá prova, no privilégio de receber, enfim, na representação que produz de si própria como colectivo unânime. O seu significado local prende-se, ainda, com o facto de se tornarem cenário de suspensão de conflitos entre os vizinhos e abrirem o campo — antes e depois de se darem — à redefinição dos grupos em oposição num quotidiano que exclui o unanimismo.
22 Alterna, de ano para ano, a «ponta» da eira por onde começam as malhas, redistribuindo por todos o benefício (e o risco) de estar entre os primeiros (ou os últimos) a malhar e a guardar o grão.
23 Um exemplo desta atmosfera de exuberância e invenção comunicacional: um dos homens que se havia despido para entrar no rio — um dos celibatários da aldeia — mimando a proeza e o cómico, exibe a sua virilidade mostrando como é capaz de suspender do seu sexo erecto o par de socos presos pelos atacadores. Quando chegámos, pouco depois, ao conselho (havíamos estado ausentes durante parte do dia e, talvez, daí o feito), a profusão dos risos comentava o gesto, criando novas situações de hilariedade.
24 A data imposta não corresponde hoje a um poder colectivo ou delegado em autoridade capaz de a fazer respeitar — o que acontecia outrora e abarcava o período de maturação das uvas, com policiamento diário e interdição do acesso aos próprios donos das vinhas. O começo simultâneo é, no entanto, do interesse de todos, pela contiguidade das parcelas, e continua a ser acordado o dia em conselho ou fazendo constar de boca a orelha (o que observamos mais recentemente).
25 O bode permanecerá na aldeia até ao começo do Verão de 1977, altura em que morre, um pouco por negligência com os cuidados que lhe deveriam ter sido dados (como nos disseram com certa consciência culposa). Muitos dos animais daquela cabrada denunciam hoje, pelo seu porte e aspecto, aquela passagem.
26 No dia anterior, dois ou três vizinhos, antecedendo-se à data marcada, foram vindimar, facto que criou um certo mal-estar na aldeia como única reacção colectiva.
27 Tivemos já a oportunidade de analisar, em texto de colaboração interdisciplinar, as condições gerais de implementação local de estradas, energia eléctrica e outros meios de comunicação, no contexto das transformações posteriores a 1974 (Brito/Costa/Oliveira, 1989). O decréscimo da participação comunal na abertura e arranjos de estradas é idêntico ao que conhecemos da Galiza rural (Fidalgo Santamariña, 1987).
28 Estas vendas em conselho também não dão lugar ao pagamento da robra ou alboroque (vinho pago pelo comprador) ainda em uso para selar a compra de uma vaca em feira ou outro contrato de maior vulto entre particulares.
29 As inovações tecnológicas que trouxeram à aldeia os dois primeiros tractores existentes (em 1974 e em 1980), as ceifeiras mecânicas de feno (duas, em 1976 e 1977) e do cereal (começo dos anos 80) são de utilização exclusiva dos vizinhos nas suas unidades de exploração — por uso próprio, aluguer ou troca de serviços — não tendo alterado a organização do trabalho no interior do conselho (no espaço do qual não são utilizadas). No entanto, em 1990. o dono de um dos dois tractores da aldeia e que se tem mantido no conselho como representante da casa de sua sogra, emprestou-o para o transporte do feno segado no couto para o touro da aldeia, inaugurando-se assim um meio de vir a prescindir de alguns dos carretos prestados pelos vizinhos; através de um serviço comprado agora pelo conselho.
30 Não desenvolvemos neste trabalho o contexto destas substituições e a ponderação das razões que lhe estiveram na origem por questões deontológicas inerentes a uma investigação deste tipo.
31 Deparámo-nos com um total de quatro, dois deles incluídos num livro de actas, com os números 1 e 21 (acima transcrita no texto) sem termos conseguido localizar as actas que, supostamente, faltam.
32 Procurámos restituir este universo da repetição, e indiciá-lo com outro suporte, na série de fotografias de reuniões do conselho incluídas neste livro.
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