Capítulo V. Filhos Nascidos fora do Casamento: A Ilegitimidade em Santa Eulália
p. 227-276
Texte intégral
O comportamento sexual nunca se limitou ao comportamento procriador, o comportamento procriador nunca se limitou ao casamento e o casamento nunca se limitou às celebrações oficiais estabelecidas pela sociedade. (Laslett 1980:xiii)
Introdução
1No livro The Making of the Modern Family (1975), o historiador Edward Shorter fala de duas revoluções sexuais. Uma delas engloba, é claro, as transformações dos costumes sexuais posteriores à II Guerra Mundial, as quais nos deram, entre outras coisas, significativas taxas de nascimentos fora do casamento. A outra é a revolução sexual que se registou entre meados do século XVIII e meados do XIX e que se caracterizou igualmente por uma subida muito acentuada da taxa de ilegitimidade na Europa ocidental, em relação às taxas de entre 1 a 4% nos séculos anteriores. O período compreendido entre estas duas revoluções (aproximadamente de 1880 e 1940) caracterizou-se por uma ilegitimidade decrescente em vários países europeus que se encontravam em diferentes fases de desenvolvimento social e económico.
2Foram formuladas várias teorias para explicar tanto a subida da ilegimidade europeia depois de 1750 e a sua descida subsequente na última parte do século XIX, teorias que vão das que estabelecem correlações de variáveis estritamente demográficas àquelas que a associam à secularização crescente da sociedade. Algumas explicações são muito específicas de um caso particular numa determinada altura, como acontece, por exemplo, com o estudo de John Knodel (1967) acerca da influência das leis germânicas do casamento no século XIX, de carácter restritivo, sobre a fecundidade ilegítima na Alemanha.1 Outras são mais gerais. Shorter, Knodel e Van de Walle (1971) sugerem que a queda da fecundidade ilegítima na Europa ocidental depois de 1850 fez parte da transição demográfica, e que ambas se podem explicar pelo conhecimento cada vez maior bem como pelo uso de métodos mais eficazes de controlo da natalidade.
3Uma das principais áreas de debate entre aqueles que apresentam teorias mais gerais é a estabelecida por David Levine, da escola de pensamento denominada «frustração de casamento», e Edward Shorter, defensor da «explosão desenfreada da promiscuidade». No livro Family Formation in an Age of Nascent Capitalism (1977), Levine sustenta que, em situações em que intervém a incerteza antes do namoro e do casamento em consequência de condições sociais ou económicas adversas, é provável que a ilegitimidade seja elevada, porque as esperanças de casar são desfeitas — o seu casamento é frustrado ou, pelo menos, adiado. A principal relação demográfica que invoca para apoiar esta tese é a que existe entre a idade no casamento e a ilegitimidade — quando uma é elevada, é provável que a outra também o seja. Fundamentalmente, Levine defende que, ao longo do tempo, o comportamento sexual fora do casamento foi bastante constante, mas que outras condições (pressões materiais) tinham o efeito de transformar em nascimentos ilegítimos aqueles que poderiam ter sido legítimos.
4Por outro lado, Edward Shorter (1971, 1973, 1975) mantém que o aumento súbito da ilegitimidade na Europa, entre 1750 e 1850, foi devido a uma mudança nas práticas do namoro, à liberdade crescente das mulheres, decorrente dos novos modelos de emprego, e a uma maior importância do indivíduo, o que fez que as mulheres passassem a procurar o prazer, em suma, que, por todas estas razões, a taxa de actividade sexual da juventude fora do casamento aumentou. Tilly, Scott e Cohen contestam a análise de Shorter acerca da modificação do carácter do trabalho feminino, pois pode ter aumentado a sua independência e, portanto, influenciado a sua sexualidade. «Taxas crescentes de ilegitimidade», sustentam eles, «não significavam uma revolução sexual. Em vez disso derivam das mudanças estruturais e de composição associadas à urbanização e à industrialização» (Tilly, Scott e Cohen 1976:470). Todavia, se isto serve para explicar as taxas crescentes de fecundidade ilegítima nas cidades em crescimento da Europa ocidental, como explicamos as taxas crescentes de ilegitimidade nas zonas rurais? Knodel e Hochstadt (1980), num estudo que compara as taxas rurais e urbanas de ilegitimidade na Alemanha Imperial descobrem que, nas regiões onde a fecundidade ilegítima é baixa, as taxas nas cidades são mais altas do que as do campo; inversamente, nas regiões onde a ilegitimidade é geralmente elevada, os níveis da cidade são inferiores aos das zonas rurais. Concluem que as diferenças regionais e, portanto, os costumes locais são mais significativos do que o contraste campo/cidade por si, para explicar variações da fecundidade ilegítima. O que querem exactamente dizer com «costumes locais» não é claro neste estudo concreto, mas outros historiadores (Laslett 1980, Levine e Wrightson 1980) sugeriram que, nas zonas dominadas por explorações agrícolas de famílias nucleares, onde o controlo paterno é maior e há maior preocupação com a legitimidade de um herdeiro, as taxas de ilegitimidade são mais baixas do que nas zonas rurais caracterizadas por uma força de trabalho agrícola proletária e sem terras.
5Uma análise algo diferente centra-se na relação entre ilegitimidade e classe social. Por outro lado, alguns críticos da tese de Shorter, como Fairchilds (1978) observam que as atitudes das classes mais baixas eram e são frequentemente interpretadas através dos olhos da classe média.2 Com base no seu próprio estudo de uma fascinante recolha de declarações de grávidas em Aix-en-Provence (1727-1789), Fairchilds distingue vários tipos de relações que conduziram à gravidez fora do casamento: aquelas em que a posição socioeconómica do homem é superior à da mulher; aquelas em que os dois participantes pertencem à mesma classe; e as que são baseadas em encontros breves (violação, prostituição). Ela verifica que existe uma mudança ao longo do tempo, segundo a qual as relações baseadas na desigualdade se tornam mais raras depois de 1730, ao mesmo tempo que as relações de igualdade se tornam mais frequentes.3 Utilizando fontes semelhantes em Nantes, De Pauw chega a conclusões similares.
6Por último, há outra obra de Laslett (1980a) e Laslett e Oosterveen (1973) sobre a «subsociedade com propensão para a bastardia». Chamaram a nossa atenção para o facto de que, entre a população de mulheres com filhos ilegítimos ao longo da história europeia, havia um subgrupo de mulheres que tinham mais de um filho fora do casamento e que estavam frequentemente ligadas umas às outras por relações de parentesco ou casamento. Estas reincidentes contribuíam significativamente para os elevados níveis de fecundidade não conjugal. Quando a razão de ilegitimidade subia, a proporção de reincidentes tendia a subir também e a um ritmo maior.
7Se alguma destas hipóteses acerca da ilegimidade ao longo da história ajuda a explicar o carácter da ilegitimidade em Santa Eulália é algo que vamos estudar neste capítulo. Contudo, o problema subjacente mais amplo é tentar explicar por que razão Portugal no seu conjunto, tanto no contexto da Europa mediterrânica como no da Europa católica, tem taxas de ilegitimidade anormalmente elevadas, até já bem entrado este século (Hartley 1975:38-39). Embora se tenha verificado uma transformação desde o século XIX, de tal modo que um fenómeno essencialmente característico de certos distritos do Norte e bem assim da cidade de Lisboa se tornou agora predominante em certos e determinados distritos do Sul e na cidade de Lisboa (Livi Bacci 1971:74), esta mudança regional deu-se num contexto cultural e socioeconómico que torna Portugal diferente dos seus vizinhos culturais e geográficos. Além disso, a zona setentrional do país é considerada a mais católica. Por que é precisamente aí que se registam as taxas mais elevadas?4
8Os etnólogos têm vindo a definir a Europa católica, mas especialmente a Europa católica latina ou mediterrânica, como uma zona onde «as virgens são vigiadas» (Shneider 1971) e são cometidos crimes pela honra, onde a castidade é quase uma devoção e a reputação é tudo. Se isto são ideiais e a ilegitimidade for usada como medida de eficácia desses ideais, então a Espanha, Itália e Grécia são uns mestres em matéria de pôr os seus ideais em prática. Por sua vez, Portugal é bem diferente. Deveremos então pôr de lado os códigos de avaliação social no que se refere a Portugal, com base em que aqui têm pouco ou nenhum significado? Devemos sustentar que há algo na cultura e história de Portugal que o distingue dos seus vizinhos mediterrânicos? Ou devemos insistir em que Portugal não faz parte da «área de cultura mediterrânica» ou, pelo menos, dessa área cultural definida pelo chamado complexo de honra-vergonha (Peristiany 1965, Davis 1977)? Na realidade, a sua inclusão é problemática para vários estudiosos da antropologia do Mediterrâneo (Boissevain et al., 1979), bem como para o grande geógrafo português Orlando Ribeiro, que descreveu o país como pertencendo simultaneamente ao Mediterrâneo e ao Atlântico. No esquema de Ribeiro (1945), o Norte de Portugal era claramente uma região atlântica, classificação que está de acordo com a definição de Kenny (1963) da área de cultura europeia da «franja atlântica». Contudo, mesmo dentro desta área cultural, vemo-nos perante problemas no que se refere à ilegitimidade, especialmente se estabelecermos uma comparação com outro país da «franja atlântica», a Irlanda. Nos seus Aperçus Statistiques Internationaux, publicados em 1980, Sundbarg referiu que já na década de 1870 as diferenças dos níveis de ilegitimidade entre Portugal e Irlanda eram muito evidentes, não obstante o facto de em ambos os países a idade no casamento ser elevada e a proporção de celibatários definitivos ser grande.5
9Um ponto mais importante do que estas variações da ilegitimidade e a sua relação com códigos de conduta é abordado com grande agudeza por Barrett (1980) num artigo sobre a bastardia na Formosa. Observa que há vários níveis aos quais se pode analisar o fenómeno da ilegitimidade: a sua predominância estatística, o seu contexto socioeconómico; o seu significado para os pais e para os bartardos; e, por último, a sua predominância tal como é vista pela população local e qual é a sua compreensão do fenómeno. Os antropólogos da China, defende ele, tenderam a centrar-se nestas duas últimas questões e, portanto, a avaliarem mal a difusão da ilegitimidade na Formosa. «Não existe», acrescenta ele, «uma relação necessária entre a percepção [da ilegitimidade] e a sua real predominância». A sua tese tem implicações para os estudos sobre a ilegitimidade realizados noutros locais do mundo (incluindo Portugal), se é que as não tem para a investigação antropológica e histórica em geral.6 Fornece um segundo problema subjacente que deve ser focado neste capítulo e que nos faz voltar à questão que Kingsley Davis (1939) levantou há várias décadas: por que existe a ilegitimidade, apesar das normas e sentimentos contra ela? A ilegitimidade em Santa Eulália irá ser analisada a cada um dos níveis propostos por Barrett, numa tentativa de conjugar a predominância com os significados, variações com o contexto socioeconómico e conciliar as normas com o comportamento.
A Predominância da Ilegitimidade em Santa Eulália: Tendências Globais e Relações Demográficas
10No seu volume de Lusitanian Sketches, William Kingston descreve um encontro com uma mulher do campo que transporta um cesto com quatro crianças de tenra idade lá dentro. «Oh, não senhor... são filhos sem pais encontrados esta manhã na nossa aldeia e vou levá-los para a roda» (1845:302). Kingston comentou que «era uma visão capaz de, à primeira vista, assustar Malthus, embora tanto ele como os seus discípulos se pudessem em última análise regozijar com ela, pois os internados nestas instituições vivem pouco tempo». Esta observação casual feita por um inglês é um dos poucos exemplos que se pode encontrar na literatura de viagens que faz referência ao problema da ilegitimidade no Portugal rural durante a primeira metade do século XIX. Para adquirir um conhecimento mais completo da amplitude deste fenómeno antes de 1864 é necessário analisar os registos paroquais.
11Ao longo dos séculos XVIII e XIX e começos do XX, foram registados nos livros de baptismos de Santa Eulália nascimentos fora do casamento. Embora, por vezes, os pais dessas crianças fossem mencionados durante várias das primeiras décadas do século XVIII, em meados do século essa prática foi abandonada e tanto o pai como os avós paternos foram registados como «incógnitos», apesar de, numa freguesia pequena, ser provavelmente conhecida a origem paterna da criança. Houve um único caso em que a mãe quis permanecer não identificada, uma estranha que apareceu na casa de um casal de lavradores, em Dezembro de 1823, se recusou a dar o seu nome, mas pediu ajuda por estar prestes a dar à luz. Em resumo, pai incógnito, além do uso quer da expressão «filho ilegítimo» quer de «filho natural» são indicadores seguros do nascimento fora do casamento. Estes baptismos eram registados sem comentários pelo pároco, nos mesmos moldes utilizados para o registo do baptismo de um filho legítimo. Só uma vez é que um dos padres de Santa Eulália teceu aquilo que poderia ser considerado um juízo moral. Em 1817, uma certa Dona Joaquina (Dona implica que se tratava de uma pessoa de posses) mandou baptizar o seu filho ilegítimo. Deu o seu próprio nome, mas recusou-se a declarar donde era — talvez, como o padre especulou, «para esconder o seu pecado».
12Além destes filhos ilegítimos ou naturais, há, ao longo dos dois séculos e meio entre 1700 e 1950, trinta casos de expostos, como os que a mulher que Kingston encontrou na década de 1840 transportava, que foram baptizados em Santa Eulália. Contudo, nem sempre é claro se eram filhos de mulheres que residiam em Santa Eulália ou de lactantes trazidos de outras aldeias ou das cidades vizinhas para serem criados por um casal de Santa Eulália, com ou sem filhos próprios. Mais adiante neste capítulo, voltaremos a falar dos expostos, mas de momento ficam excluídos do estudo da ilegitimidade.
13O Quadro 5.1 apresenta o número total de baptismos ilegítimos por intervalos de dez e vinte anos, entre 1700 e 1969, bem como a razão de ilegitimidade — a percentagem de todos os baptismos que foram legítimos. Há problemas significativos associados a esta razão (Laslett e Oosterveen 1973, Knodel e Hochstadt 1980), o principal dos quais consiste no facto de uma subida acentuada quer da proporção de mulheres solteiras na população em risco quer no próprio nível de fecundidade conjugal a alterar consideravelmente. Todavia, é a única medida possível da fecundidade ilegítima num estudo ao nível da microdemografia, no qual não se dispõe de dados sobre a distribuição da população local por sexo, idade e estado civil. Se tivermos em mente estas limitações, é, julgo eu, seguro sustentar que a razão de ilegitimidade fornece, de facto, informações bastante exactas sobre as tendências a longo prazo. Além disso, é possível sugerir, como adiante farei, que o impacte de uma subida da proporção de mulheres solteiras na população local é realmente crucial para uma plena compreensão dos modelos de fecundidade ilegítima em Santa Eulália, em particular, e no Norte de Portugal, em geral.
14O que o Quadro 5.1 demonstra primeiro é que, antes de 1750, ponto em que outros historiadores descobriram um aumento da ilegitimidade na Europa ocidental em geral, a fecundidade ilegítima não era, de modo algum, insignificante em Santa Eulália, embora tivesse efectivamente aumentado depois daí (com excepção do período entre 1840 e 1859, em que desceu temporariamente para os níveis dos princípios do século XVIII). No entanto, foi durante as últimas décadas do século XIX que o número de nascimentos ilegítimos em Santa Eulália pareceu alcançar proporções maiores. Em 1939 ainda permanecia elevada (e, aqui, a acentuada queda pode de facto deverse a uma subida pronunciada da fecundidade conjugal, relacionada com a idade no casamento, que descia constantemente). Porém, depois de 1940, a fecundidade ilegítima desceu rapidamente, até se tornar quase insignificante na década de 1960.
15A Figura 5.1 esboça as tendências da ilegitimidade juntamente com as tendências da idade média no casamento e a gravidez pré-conjugal. Com excepção do período entre 1820 e 1860 e de novo entre 1900 e 1920, parece existir uma relação directa entre as flutuações da idade média no casamento e as de proporção dos nascimentos ilegítimos. Foi precisamente essa relação que Levine (1977) documentou com respeito às freguesias inglesas que estudou e não há dúvida de que os dados relativos a Santa Eulália posteriores a 1850 parecem indicar que, quando o casamento foi adiado para uma idade sem precedentes, quando foi cada vez mais «frustrado», o número de nascimentos ilegítimos subiu para níveis sem precedentes. Obviamente, há alguma ligação entre as alterações da idade média com que as mulheres de Santa Eulália tendiam a casar pela primeira vez e os níveis de fecundidade conjugal. Todavia, o carácter dessa ligação, em especial dadas as tendências contraditórias destes dois fenómenos, durante as primeiras décadas do século XX, não é nem directo nem previsível com segurança.
Quadro 5.1 Razões de Ilegitimidade em Santa Eulália, 1700-1969
N.° de Baptismos Ilegítimos | N.° de Expostos | N.° Total de Baptismos | Razão de Ilegitimidade | |
Período | A | B | C | A/C |
1700-09 | 16 | 2 | 239 | 6,7 |
1710-19 | 25 | 4 | 227 | 11,0 |
1700-19 | 8,8 | |||
1720-29 | 21 | 3 | 214 | 9,8 |
1730-39 | 14 | 2 | 239 | 5,8 |
1720-39 | 7,7 | |||
1740-49 | 16 | 1 | 243 | 6,6 |
1750-59 | 23 | 2 | 227 | 10,1 |
1740-59 | 8,3 | |||
1760-79 | 23 | 3 | 199 | 11,5 |
1770-79 | 12 | 2 | 186 | 6,4 |
1760-79 | 9,1 | |||
1780-89 | 22 | 3 | 181 | 12,1 |
1790-99 | 15 | 4 | 169 | 8,9 |
1780-99 | 10,6 | |||
1800-09 | 21 | 3 | 188 | 11,2 |
1810-19 | 15b | 0 | 202 | 7,4 |
1800-19 | 9,2 | |||
1820-29 | 28 | 0 | 267 | 10,9 |
1830-39 | 27 | 0 | 255 | 10,6 |
1820-39 | 10,7 | |||
1840-49 | 17 | 0 | 261 | 6,5 |
1850-59 | 21 | 0 | 241 | 8,7 |
1840-59 | 7,6 | |||
1860-69 | 31 | 0 | 273 | 11,3 |
1870-79 | 36 | 0 | 239 | 15,1 |
1860-79 | 13,1 | |||
1880-89 | 24 | 0 | 237 | 10,1 |
1890-99 | 39 | 2 | 281 | 13,9 |
1880-99 | 12,2 | |||
1900-09 | 43 | 0 | 310 | 13,0 |
1910-19 | 34 | 0 | 263 | 12,9 |
1900-19 | 13,4 |
Quadro 5.1 Razões de Ilegitimidade em Santa Eulália, 1700-1969 (cont.)
N.° de Baptismos Ilegítimos | N.° de Expostos | N.° Total de Baptismos | Razão de Ilegitimidade | |
Período | A | B | C | A/C |
1920-29 | 31 | 0 | 328 | 9,4 |
1930-39 | 34 | 0 | 435 | 7,8 |
1920-39 | 8,5 | |||
1940-49 | 16 | 0 | 449 | 3,6 |
1950-59 | 14 | 0 | 473 | 2,9 |
1940-59 | 3,2 | |||
1960-69 | 6 | 0 | 386 | 1,5 |
1700-1709 | 5,1 |
1710-1719 | 9,4 |
1720-1729 | 9,8 |
1730-1739 | 5,8 |
1740-1749 | 5,8 |
1750-1759 | 8,5 |
FONTE: Registos paroquiais, Santa Eulália.
16Para analisarmos melhor essa relação, parece útil estudar outras características da população de filhos ilegítimos e das respectivas mães, sobretudo em contraste com a população de mulheres com filhos nascidos dentro do casamento. O Quadro 5.2 compara as idades médias ao primeiro parto das mães de filhos legítimos com as das mães de filhos primogénitos ilegítimos. Com excepção do período entre 1800 e 1819 (em que a diferença é pequena) e o de 1920 a 1939, as mães de filhos ilegítimos eram constantemente mais novas do que as de primogénitos legítimos, e, em geral, em média 2,3 anos mais novas até 1920. O facto de as duas excepções serem períodos no auge da descida da idade média no casamento poderia ser importante. A tendência é comparável à que Levine (1977) e Levine e Wrightson (1980) descreveram relativamente às freguesias de Colyton e Shepshed ao longo do século XVIII, embora em Santa Eulália as diferenças entre as duas idades médias sejam, em regra, maiores. Acresce que os dados sobre Santa Eulália também apontam para que, durante um período bastante longo, e mesmo quando a razão de ilegitimidade alcançou enormes proporções, a idade média das mães à data do nascimento do primogénio ilegítimo se manteve bastante constante, rondando os vinte e seis anos. A única excepção é o período entre 1800 e 1819, caracterizado pela agitação política em Portugal. Por último, precisamente quando a idade média no casamento desceu repentinamente, na primeira década do século XIX, o mesmo aconteceu com a idade média das mães de filhos ilegítimos. O número invulgar neste século é o enorme salto da idade destas mulheres, durante o período compreendido entre as duas guerras mundiais.
17As idades médias calculadas no Quadro 5.2 são de mulheres solteiras que casavam pela primeira vez. Ainda que as mulheres celibatárias constituíssem o grosso das mães de filhos ilegítimos durante os dois séculos e meio entre 1700 e 1950, vale a pena notar que houve alguns casos de mulheres casadas, viúvas e escravas que deram à luz fora do casamento ou em consequência de adultério. As escravas, cinco das quais deram à luz entre 1700 e 1719 e quatro entre 1740 e 1759, eram «propriedade» de membros da família Abreu-Pereira-Cirne-Brito (antepassados da linhagem dos Almada) e da do padre Francisco Franco, da Casa da Barrosa, e seus herdeiros. Todas elas são descritas como sendo negras, e tinham provavelmente sido trazidas do Brasil, onde muitos dos seus donos haviam vivido e/ou tinham negócios ou tinham estado em representação do Governo. Só podemos especular sobre quem foi o pai dos seus filhos. Quatro viúvas deram à luz filhos ilegítimos, durante o século XVIII, oito, no XIX, e três, entre 1900 e 1949. Algumas destas viúvas tiveram mais de um filho fora do casamento. Apenas num caso é que uma delas conseguiu casar com o pai do filho. Foram menos as mulheres casadas que tiveram filhos descritos como ilegítimos ou adulterinos. Dois casos verificaram-se durante a primeira metade do século XVIII; um, durante a segunda metade do mesmo século; e quatro, entre 1900 e 1949. É importante observar que cinco destas mulheres viviam sós, sem os cônjuges, na altura do nascimento ilegítimo, ou seja, os seus maridos eram apontados nos registos como estando no estrangeiro, no Brasil ou em Espanha, como emigrantes. Obviamente, só nestes casos é que um filho de uma mulher casada podia ser verdadeiramente considerado produto de adultério. Um caso mais problemático com um resultado inverso (o reconhecimento do filho como legítimo) é analisado mais adiante, neste capítulo.
18Antes de extrair qualquer conclusão sobre estes filhos ilegítimos e, o que é mais importante, sobre as suas mães, estudemos mais algumas variáveis demográficas, uma das quais é a amplitude da gravidez pré-conjugal. Shorter (1979) usou as flutuações da taxa das concepções anteriores ao casamento para fundamentar a sua tese do aumento da promiscuidade sexual. Quando a ilegitimidade e a gravidez pré-conjugal são traçadas juntas, tendem a subir juntas. Quando a sua evolução diverge, diz ele, isso deve indicar que foi atribuída mais ou menos importância a salvar a honra de uma rapariga ou da família desta através do casamento, embora a razão por que este elemento varia a curto prazo, se há, como ele defende, uma mudança inequívoca dos costumes sociais, seja um ponto que não aborda adequadamente.
19Em Santa Eulália (Figura 5.1), a relação entre gravidezes pré-conjugais (a percentagem de nascimento de primogénitos ocorridos nos primeiros sete meses do casamento) e nascimentos ilegítimos não parece ser clara, embora, em geral, os primeiros alcancem pontos altos precisamente ao mesmo tempo que os segundos — ou seja, entre 1860 e 1879 e entre 1900 e 1919, um modelo que tende a confirmar a tese de Shorter e a sugerir que, na última parte do século XIX, a actividade sexual fora do casamento estava a aumentar em Santa Eulália. Sem dúvida, a gravidez pré-conjugal flutua mais acentuadamente do que a ilegitimidade e há um grande período de divergência na última parte do século XVIII, em que a ilegitimidade sobe para mais de 10%, enquanto as gravidezes pré-conjugais descem para 3%. O outro ponto importante de partida é recente, dando-se quando as gravi dezes pré-conjugais são responsáveis por mais de metade de todas as con cepções ilegítimas (Quadro 5.3). Os caminhos divergentes destas duas medidas de concepções ilegítimas depois de 1920 devem ser associadas de algum modo à queda da idade no casamento no contexto de melhores condições socioeconómicas que faziam que fosse mais fácil para um jovem casar com a rapariga «que metera num sarilho» e salvar a honra dela. Será que se atribuía mais importância a esse dever? Eis uma questão a que voltarei mais adiante.
20Convém sublinhar que a curva das gravidezes pré-conjugais na Figura 5.1 só inclui os nascimentos ocorridos durante os primeiros sete meses do casamento de uma mulher. Ou seja, os casos em que a mulher devia saber que estava grávida quando casara. Os Quadros 5.3 e 5.4 (o último define apenas a gravidez pré-conjugal em relação às mulheres que pertencem a um coorte de casamento e não em relação aos primeiros nascimentos de um coorte de casamento) incluem aquilo que poderia ser considerado como todas as gravidezes pré-conjugais possíveis (os filhos nascidos nos primeiros oito meses e meio de casamento). Aqui, a distinção estabelecida é entre casamentos onde era provável o sexo antes do casamento e os casamentos que podem efectivamente ter sido provocados por uma gravidez.7
Quadro 5.4 Percentagem de Mulheres de um Coorte de Casamento que Estavam Grávidas à Data do Casamento, 1700-1959
Período | N.° de Casamentos | % de Mulheres de um Coorte que estavam Grávidas de pelo menos 2 Semanas | % de Mulheres de um Coorte que estavam Grávidas de pelo menos 2 Meses |
1700-1719 | 102 | 17,6 | 5,9 |
1720-1739 | 97 | 4,1 | 1,0 |
1740-1759 | 82 | 25,6 | 12,2 |
1760-1779 | 88 | 18,2 | 5,7 |
1780-1799 | 88 | 5,7 | 2,3 |
1800-1819 | 94 | 17,0 | 6,4 |
1820-1839 | 106 | 18,9 | 7,5 |
1840-1859 | 128 | 5,5 | 5,5 |
1860-1879 | 124 | 25,0 | 11,3 |
1880-1899 | 134 | 12,7 | 5,2 |
1900-1919 | 130 | 33,1 | 13,8 |
1920-1939 | 156 | 20,5 | 8,9 |
1940-1959 | 203 | 28,1 | 11,3 |
1700-1749 | 246 | 11,8 | 5,3 |
1750-1799 | 211 | 11,8 | 5,2 |
1800-1849 | 256 | 15,6 | 7,0 |
1850-1899 | 330 | 15,4 | 7,2 |
1900-1949 | 387 | 23,2 | 11,1 |
FONTE: Dados sobre Reconstituição de Famílias, Santa Eulália.
21O Quadro 5.5. apresenta os intervalos médios entre o casamento e o nascimento do primeiro filho, relativamente a estas duas subpopulações de mulheres com gravidez pré-conjugal, e bem assim as idades médias no casamento das que eram solteiras quando casaram. Ainda que o número seja pequeno em alguns períodos, parece, de facto, que, ao longo do século XIX, muitas mulheres que haviam concebido um filho fora do casamento casaram com o pai da criança, exactamente quando a gravidez se começou a notar (entre o quarto e o quinto mês). O que não sabemos exactamente é o tipo de pressões que levavam um par a casar, em vez de deixar que o filho fosse nascer como ilegítimo. Embora as idades médias no casamento das mulheres que tiveram o primeiro filho durante os primeiros sete meses de casadas pareça indicar que eram mais novas na altura do casamento do que o total da população, as idades médias calculadas por intervalos de cinquenta anos apontam para uma grande diversidade durante o século XVIII e alguma diversidade, embora menos, durante o XIX. Ainda que não incluídas no cálculo das idades médias no Quadro 5.5, convém notar que três das mulheres com gravidez pré-conjugal entre 1700 e 1719 eram viúvas (de um total de treze viúvas que voltaram a casar neste período). Contudo, só uma delas teve o filho nos primeiros sete meses. Na década de 1760, todas as três viúvas que voltaram a casar estavam grávidas, mas também só uma estava prestes a ter o filho. Refiro este pormenor porque pode talvez sugerir que a gravidez, ou pelo menos a concessão de favores sexuais, pode ter sido usada como estratégia para casar, especialmente por viúvas jovens com filhos pequenos. Estas viúvas tiveram, sem dúvida, mais sorte do que as que acabaram por dar à luz mais um filho fora do casamento. No mínimo, e conjugado com os dados sobre nascimentos ilegítimos, sugere que não era com certeza raro as viúvas terem actividade sexual depois da morte dos maridos.
22Na sua maioria, as mulheres que tiveram o primeiro filho nos primeiros oito meses e meio de casamento estavam indubitavelmente grávidas (intervalos médios inferiores a.67 ou 8 meses), ainda que o não soubessem quando casaram. Para algumas, o noivado era, obviamente, uma licença para o sexo pré-conjugal, factor pelo menos sugerido no que se refere aos princípios do século XVIII, devido ao facto de cinco mães de filhos ilegítimos estarem registadas como estando noivas (esposadas) de um determinado homem. Todas elas casaram com o namorado, pouco depois do nascimento da criança. Curiosamente, durante o século XVIII, as mulheres que tiveram o primeiro filho nos primeiros oito meses e meio de casadas eram mais novas do que a população total, na altura do casamento, mas, durante o século XIX, parecem ter sido mais ou menos da mesma idade.
23Como é evidente, uma comparação dos dados sobre gravidez préconjugal com os relativos à ilegitimidade deixa várias perguntas, a principal das quais já foi aqui feita. Quais eram as pressões que levavam alguns homens a casar com a rapariga a quem «tinham metido num sarilho», enquanto outros o não faziam? Haverá algumas diferenças entre a população de mulheres com gravidez pré-conjugal e a das que acabavam por dar à luz um filho ilegítimo? Embora as referências específicas a casais esposados desapareçam dos registos em meados do século XVIII, é possível fazer uma estimativa de quantas destas mães de filhos ilegítimos casaram, pelo menos na freguesia, e retirar alguma conclusão das pessoas com quem casaram. Nos séculos XVIII e XIX, houve poucas alterações da proporção de mulheres que conseguiram casar depois de ter tido um filho fora do casamento — aproximadamente um quinto (21,7%). No nosso século, esta proporção desceu para 16%. Se analisarmos os dados com mais pormenor, veremos que as últimas duas décadas do século XIX sobressaem particularmente. O número de nascimentos ilegítimos era elevado (10,6%), o número de grávidas de pelo menos dois meses no casamento era baixo (2,3%) e o número de mães de filhos ilegítimos que posteriormente casaram era muito reduzido (4,2%). Pode não ser por acaso que isto coincide com um período em que tudo indica que a emigração de indivíduos jovens para Espanha era elevada. Será que a emigração era uma fuga às responsabilidades de ter esposa e filho ou que o homem partia, prometendo à namorada que casaria com ela, assim que fizesse fortuna no estrangeiro?
24É claro que não podemos partir logo do princípio de que as mães de filhos naturais casavam com os pais das crianças ou que estas eram sempre descendentes de um casal de jovens namorados. Na realidade, se estudarmos os casos individuais, aparecem enormes variações. Das doze mulheres que tiveram filhos ilegítimos, durante a primeira metade do século XVIII, e que depois casaram na freguesia, seis consorciaram-se no prazo de seis meses com o pai do filho; outra teve três filhos ilegítimos, no intervalo de quatro anos, do mesmo homem (com o qual estava esposada) e casou com ele oito meses depois de o último filho ter nascido; duas casaram com os pais dos filhos catorze e vinte e oito meses mais tarde (uma delas casou com um escravo mulato); duas casaram com viúvos seis e sete anos mais tarde (uma delas tivera três filhos ilegítimos); e a última casou com homem sete meses depois (se era ou não o pai do filho não é claro).
25Das catorze mulheres que casaram na última parte do século XVIII, apenas três casaram no prazo de seis meses com os pais dos filhos; duas casaram com os pais mais de seis meses depois e uma delas, dois anos mais tarde; três casaram com viúvos, uma. oito anos depois do nascimento do terceiro filho ilegítimo, a outra catorze anos depois, com a idade de quarenta e quatro anos e depois de ter tido dois filhos ilegítimos, e uma terceira, quando o filho ilegítimo tinha dez anos; uma casou onze meses depois, de novo grávida, mas não necessariamente com o pai do primeiro filho; as restantes casaram entre dois a oito anos mais tarde, provavelmente com outros homens.
26Os modelos de casamento relativos às mães de filhos ilegítimos durante o século xviii parece ter-se mantido no século XIX, embora, no final deste, comecemos a ver em alguns casos um intervalo muito maior entre o nascimento de um filho ilegítimo e o casamento com o pai do mesmo. Das dezasseis mulheres que casaram entre 1800 e 1850, cinco casaram com o pai do filho dentro de seis meses e quatro casaram também com o pai dentro de dois anos (uma destas teve dois filhos ilegítimos); as restantes casaram entre onze meses a catorze anos mais tarde e uma delas já estava de novo grávida, outra tivera dois filhos fora do casamento, com intervalo de seis anos, e uma terceira tivera um filho ilegítimo que morrera. Durante a segunda metade do século XIX, duas mulheres casaram com os pais dos filhos no prazo de seis meses e quatro dentro de um ano (destas últimas quatro, uma tivera três filhos ilegítimos e outra estava de novo grávida); houve mais três que casaram com o pai do filho mais de um ano depois, uma delas seis anos, outra, dois anos depois do nascimento do segundo filho e quanto já se encontrava grávida do terceiro; quatro casaram com viúvos, duas depois de terem tido quatro filhos ilegítimos (uma depois de três) e em geral entre cinco e oito anos depois do nascimento do último filho; uma casou com o pai do filho em 1897, passados vinte anos e apenas três dias antes da morte dele — obviamente um caso de legitimação de última hora, acerca da qual voltaremos a falar; as restantes casaram, entre dez meses e sete anos depois, com homens cuja relação com os seus filhos ilegítimos não é clara. Uma destas estava grávida na altura do casamento, enquanto os filhos ilegítimos de outras duas já haviam falecido.
27Durante a primeira metade do nosso século, parece ter-se imposto uma prática que começara nos finais do século XIX. Das catorze mulheres que casaram depois de terem tido um filho ilegítimo, quatro casaram com os pais dos filhos, entre três e catorze anos depois, e três delas estavam de novo grávidas à data do casamento; duas casaram com os pais dos filhos no prazo de seis meses; as restantes casaram entre dezasseis meses e sete anos mais tarde, e duas delas estavam grávidas, na altura do casamento. Das cinco mulheres que tiveram filhos ilegítimos na década de 1950 e que posteriormente casaram, uma casou com o pai do filho, dez anos mais tarde, e três casaram sete (duas delas) e dez anos depois, fora da aldeia — duas como imigrantes residentes na zona de Lisboa e uma terceira como imigrante em França.
28Resumindo os dois séculos e meio entre 1700 e 1949, parece que das setenta e oito mulheres solteiras que tiveram pelo menos um filho ilegítimo e que posteriormente casaram, 54% casaram sem qualquer dúvida com os pais dos filhos ilegítimos, embora o intervalo entre o nascimento do filho e o casamento tenha variado extraordinariamente, em especial no final do século XIX e nas primeiras décadas do XX.
29Há algumas observações importantes a fazer acerca do casamento destas mães de filhos ilegítimos, mas gostaria de as reservar para mais adiante e neste ponto voltar a um último aspecto dos dados demográficos que deveria ser abordado — a chamada «produção repetitiva de filhos ilegítimos» de Santa Eulália. Seja como for que se encare este facto, é bem evidente que as reincidentes, ou seja, as mulheres que tiveram mais de um filho ilegítimo, contribuíam significativamente para a amplitude e carácter da ilegitimidade em Santa Eulália entre 1700 e meados do século xx. Aproximadamente 50% de todas as crianças nascidas ilegítimas em Santa Eulália, durante dois séculos e meio, foram filhos destas mulheres — durante o século XIX, a proporção foi de mais de 50%. Acresce que mais de um quarto de todas as mulheres com filhos ilegítimos de Santa Eulália eram mulheres que tiveram mais de um filho nesta situação. Estas proporções são muito superiores às citadas por Levine (1977), até mesmo para as duas cidades proto-industriais de Shepshed e Colyton, depois de 1750. Na realidade, nas aldeias viradas para a agricultura que estudou, Levine apurou que a proporção repetitiva de bastardos era relativamente rara, e, portanto, explica os seus dados com referência à capacidade das mulheres com vários filhos ilegítimos, em cidades como Colyton e Shepshed, de arranjarem trabalho e se sustentarem.
30Os dados sobre a freguesia portuguesa também mostram que precisamente quando a ilegitimidade (e a gravidez pré-conjugal) alcançam os seus níveis mais altos — entre 1860 e 1879 e entre 1900 e 1919 — o mesmo acontece à percentagem de filhos ilegítimos nascidos de reincidentes e à percentagem de mulheres que tiveram filhos ilegítimos e eram reincidentes (Quadro 5.6). As tendências confirmam as conclusões tanto de Levine como de Laslett, segundo as quais, em épocas caracterizadas por uma ilegitimidade crescente, a produção repetitiva de bastardos é desproporcionialmente influente. Convém também notar que, durante as duas últimas décadas do século XVIII (em que a ilegitimidade subiu e a gravidez pré-conjugal desceu), a proporção de filhos ilegítimos de mães reincidentes subiu para mais de 50% e o número de mulheres com mais de um filho nascido fora do casamento aumentou para mais de um terço do total. O que é que o século XVIII e os finais do XIX têm de comum?
31As mães reincidentes eram, em regra, mais jovens do que a população global de mães de filhos ilegítimos à data do primeiro nascimento ilegítimos. A diferença é maior (mais de três anos) entre 1760 e 1879. Além disso, a proporção de reincidentes que eram naturais da freguesia era maior do que a das mães de um único filho ilegítimo. Levine (1977) descobriu que, em Colyton, 60% das reincidentes eram naturais da cidade. Em Santa Eulália, durante a maior parte do período abrangido por este estudo, a proporção é muito superior, atingindo quase 90%, durante a segunda parte do século XIX e a primeira do XX. Os números comparativos relativos a mães de um filho ilegítimo dizem que 77,8% eram autóctones, entre 1750 e 1799, e 76,0% entre 1900 e 1949. As proporções mais baixas correspondem à primeira metade do século XVIII, em que 54,8% das mães de um filho ilegítimo eram naturais de Santa Eulália; as reincidentes com a mesma origem representavam 58,3%. Em geral, estes números tendem a sugerir que a ilegitimidade em Santa Eulália não era um modelo de comportamento que pudesse ser atribuído em grande maioria a pessoas de fora que foram viver para Santa Eulália por qualquer razão, embora, como veremos, as mulheres nascidas em Santa Eulália de pais que não eram naturais da freguesia (especialmente de caseiros) contribuíssem desproporcionalmente para a população de reincidentes, durante as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX.
32Obviamente, até aqui, o estudo mostrou que, apesar de qualquer negação actual da importância da ilegitimidade na história demográfica de Santa Eulália, ela era um fenómeno predominante, com algumas características específicas. Mesmo que alguns habitantes actuais admitam que existiu no passado, e que também tem acontecido, por vezes, em tempos mais recentes (na verdade, alguns dizem que é mais comum agora, devido à crescente liberdade sexual e ao declínio da moral), estabelecem, em regra, distinções dentro da população que teve filhos fora do casamento. De facto, as estatísticas sobre a amplitude da produção repetitiva de bastardos sugerem essas distinções. É sobre algumas destas diferenças que gostaria de me debruçar agora, reservando uma explicação final das tendências estatísticas, e em particular dos efeitos por período, para a conclusão do capítulo, depois de apresentadas todas as provas.
Quadro 5.6 Filhos Ilegítimos de Reincidentes, 1700-1959
Período | N.° de Mulheres Com Pelo Menos Um Filho Ilegítimo | % Destas Mulheres Que Tiveram Mais do Que Um Filho Ilegítimo | % de Todos os Filhos Ilegítimos de Reincidentes |
1700-19 | 32 | 18,7 | 38,1 |
1720-39 | 30 | 16,6 | 32,4 |
1740-59 | 32 | 15,6 | 37,5 |
1760-79 | 26 | 15,3 | 31,2 |
1780-99 | 25 | 36,0 | 37,1 |
1800-19 | 28 | 21,4 | 42,1 |
1820-39 | 36 | 27,8 | 51,8 |
1840-59 | 25 | 28,0 | 48,6 |
1860-79 | 45 | 42,2 | 64,4 |
1880-99 | 43 | 32,5 | 58,2 |
1900-19 | 43 | 32,5 | 60,8 |
1920-39 | 45 | 22,2 | 45,3 |
1940-59 | 20 | 25,0 | 44,4 |
Fonte: Registos paroquiais, Santa Eulália.
O Contexto Socioeconómico da Ilegitimidade
33Diversos historiadores que trabalham com dados sobre a fecundidade ilegítima em diferentes regiões da Europa ocidental descreveram variações do carácter dos nascimentos ilegítimos de acordo com a origem socioeconómica das mães de filhos ilegítimos. Chaunu (1966:196-197), por exemplo, distingue dois grupos de mães de filhos ilegítimos. Cada um dos quais está ligado a um sistema agrícola diferente da França rural: nas zonas de campos abertos, defende, os nascimentos fora do casamento tinham origem nos privilégios pré-nupciais entre rapazes e raparigas da mesma classe e idade, enquanto no bocage ou nas regiões de campos fechados, a ilegitimidade era uma consequência dos direitos que os senhores tinham sobre os seus criados. No seu estudo sobre a freguesia de Trouarn, Bouvet (1968:53) interroga-se sobre se algumas das mães de filhos ilegítimos não seriam, na verdade, prostitutas — «Marie Ancelle, jornaleira, teve pelo menos seis filhos fora do casamento, sem que se encontre uma única referência a um pai». No seu monumental estudo acerca da família e da vida doméstica em Inglaterra entre 1500 e 1800, Lawrence Stone (1977) descreve três tipos de encontros sexuais: a sedução de uma criada por um colega (ambos da mesma posição social); a sedução de criadas por pessoas de uma classe mais elevada; e a ilegitimidade resultante directamente da promiscuidade. Shorter (1971) dá uma dimensão temporal a categorias mais ou menos semelhantes e fala de uma passagem significativa do sexo manipulador para o sexo expressivo, tendo-se rendido a este no século XIX. O trabalho de Fairchilds (1978) e De Pauw (1972) sobre as declarações acerca da gravidez em diferentes regiões de França tende a confirmar os «tipos» esboçados por Shorter e Stone. Embora não existam declarações dessas em Portugal, vários factores, incluindo a história oral, parecem indicar que as circunstâncias que levavam à gravidez ilegítima eram tão diversas como as que agiam no resto da Europa ocidental. Ainda que cada situação possa ser considerada única, manifestam-se alguns modelos gerais que permitem que se trace um conjunto semelhante de tipos, relativos a uma freguesia do Noroeste de Portugal.
A Criada Infeliz
34Que as mulheres foram e continuam a ser o suporte da agricultura no Norte rural português é um facto que tem sido repetidamente sublinhado neste volume. De facto, a palavra criado aplica-se muito apropriadamente no campo a um indivíduo que trabalha na agricultura ou, no caso da criada, que trabalha nesta e faz serviços domésticos. As raparigas, em geral provenientes de famílias numerosas, costumam ser mandadas para casa de lavradores abastados ou da aristocracia local detentora de terras. Em alguns casos, estas jovens trabalhavam apenas para uma família de camponeses da mesma freguesia mais rica do que a sua, com a qual viviam e de cujo agregado passavam a fazer parte. Noutros, eram mandadas para aldeias vizinhas ou para uma cidade próxima. Muitas destas raparigas deixavam a família na adolescência e, longe da vigilância dos pais, era inevitável que ou os patrões ou os criados que viviam na mesma casa abusassem de algumas delas.
35Embora, no que se refere ao século XVIII haja pouca documentação sobre o assunto, dispomos de algumas provas da existência destas «criadas infelizes» nos registos de Santa Eulália. Já em Dezembro de 1707, uma mulher de uma aldeia do concelho de Valença (mais para norte) deu à luz um filho ilegítimo em Santa Eulália e declarou como pai Braz Dantas da Gama, de S. Paio Aguiar, filho de uma família aristocrática abastada, muito provavelmente uma família para a qual trabalhara antes de ter ido para Santa Eulália. Outra, que também não era natural da freguesia, deu à luz uma filha ilegítima, seis meses depois, e apontou como pai Gabriel de Freixo Malheiro, da cidade de Viana do Castelo, também um indivíduo de uma família de meios. Não sabemos exactamente por que é que estas duas mulheres se encontravam em Santa Eulália na altura do parto. Tinham ido ou sido mandadas para servir numa nova casa? O elevado número de mulheres que não eram naturais da freguesia que deram à luz filhos ilegítimos em Santa Eulália, em especial durante a primeira metade do século XVIII, sugere que eram uma parte importante da população local. Infelizmente, as raras ocasiões em que os pais eram efectivamente referidos nos registos de baptismo fazem que seja praticamente impossível determinar com alguma certeza a sua posição socioeconómica. Na verdade, tanto podiam ser homens da mesma classe destas criadas vindas de fora, como seus patrões. Em 1714, por exemplo, Ana Gonçalves, de Sopo (concelho de Caminha), deu à luz um filho. Só quando este jovem casou, em 1742, é que ficámos a saber que seu pai era um certo João Rodrigues, natural de Areosa (concelho de Ponte de Lima), mas residente em Santa Eulália. Tanto o pai como a mãe eram provavelmente criados em Santa Eulália na altura em que o filho foi concebido. Porém, nunca haviam casado. Embora não se possa dizer que representem uma percentagem assustadora, os casos como os que acabámos de citar sugerem a possibilidade de relações sexuais entre criados ou entre criada e patrão, as quais davam, por vezes, origem a nascimentos ilegítimos. Além disso, acontecia não só que havia mulheres que iam viver para Santa Eulália onde davam à luz filhos concebidos noutros lugares, mas também que havia mulheres de Santa Eulália que iam servir para outras aldeias ou cidades, lá concebiam um filho e depois voltavam para dar à luz na sua aldeia natal.
36Embora as principais ausências de casa registadas nos Róis da Desobriga de finais do século XIX sejam de chefes de família do sexo masculino ou de homens solteiros, há vários casos em que raparigas ou mulheres na casa dos vinte anos estão também ausentes. Em alguns casos, estas ausências concentram-se em determinadas famílias — famílias pobres e sem terras com várias bocas às quais dar de comer. Pôr duas ou três filhas a servir era uma estratégia utilizada para reduzir o número de dependentes e, mesmo que lhes pagassem pouco ou até nada, sempre eram ao menos sustentadas pelo patrão. Em 1899, por exemplo, estavam ausentes vinte e uma filhas de famílias de Santa Eulália, mulheres cuja idade média era ligeiramente superior a quinze anos; em 1907, eram vinte e duas, com uma idade média de dezoito anos e meio. Entre as mulheres ausentes em 1899 e 1907 figuravam quatro grupos de irmãs, embora fossem grupos completamente diferentes. Ambas as irmãs de um dos grupos de 1899 tiveram posteriormente um filho ilegítimo que foi baptizado em Santa Eulália. O que não sabemos, é claro, é quantos podem ter concebido e dado à luz na freguesia ou cidade onde estavam a trabalhar. Além disso, em nenhum dos casos em que temos conhecimento de um nascimento ilegítimo é certa a paternidade da criança. Contudo, entre um dos grupos de quatro irmãs que estavam ausentes em 1907 figurava uma jovem de dezoito anos, Délia Lima Pereira, cuja experiência como criada conhecemos através de história oral.
37Délia foi baptizada em 1888 e era a quarta dos doze filhos de Manuel Pereira e Catarina Lima. Manuel e Catarina eram primos em segundo grau, descendiam pelo lado paterno dele e pelo lado materno dela de António Pereira e Ana Lima. Os pais de Catarina eram oleiros, que tinham chegado a Santa Eulália vindos de uma aldeia próxima da cidade de Braga, em meados do século XIX, para trabalharem para uns oleiros da mesma aldeia que já se haviam fixado antes na freguesia. Catarina era um dos onze filhos nascidos depois de o casal se ter instalado em Santa Eulália. Seu marido, Manuel, era também um oleiro, que aprendera o ofício na juventude. Embora seu pai tivesse nascido numa aldeia vizinha, a família do lado paterno tem uma longa história em Santa Eulália. Porém, os seus avós maternos foram para Santa Eulália deixando as suas aldeias, ali na região, depois do casamento.
38Como artesãos sem terras, os pais de Délia eram pobres e, portanto, puseram as filhas todas a servir. Délia saiu pela primeira vez de casa com sete anos. Quando começou a servir, ganhava três vinténs (0$060) por ano. Aos vinte anos, ganhava cinco tostões (5$000) por mês; aos quarenta (nos finais da década de 1920), o seu salário subira para 150$000 por mês. Dava tudo o que ganhava aos pais e, além disso, alguns dos seus patrões mais caridosos mandavam-na frequentemente para casa no Natal com cestos cheios de batatas, açúcar e bacalhau. Durante os seus tempos de criada, trabalhou na região (inclusive como criada para a família Almada) e em Lisboa. Embora nunca falasse nisso, os registos de baptismo mencionam que, em 1916, quando tinha vinte e oito anos, Délia deu à luz uma filha. A criança morreu. Em seguida, foi trabalhar para casa de um casal abastado numa vila costeira. Nos começos de 1917, a senhora faleceu e o patrão em breve começou a voltar os seus olhares para ela. Engravidou e deu à luz outra filha, em 1918.
39Quando a família do patrão descobriu o que acontecera ficou consternada. «Achavam que eu era muito baixeira», disse ela, «e convenceram-no a não casar comigo. Eu não passava de uma criada». Também reconhece que seu pai ficou zangado, «envergonhado pelo que ela fizera» e não a quis ver em sua casa. Pegou na filha e foi para Lisboa, onde só aceitou emprego em casas onde a recebiam a ela e à filha. Permaneceu em Lisboa durante cinco anos, trabalhando fundamentalmente como cozinheira. Porém, em 1923, o pai estava a morrer e chamou-a para a freguesia, «talvez com remorso». Depois da morte dele, ela ficou com a mãe (que faleceu em 1943) e acabou por herdar o terço dos bens dos pais. Comprou a parte da casa paterna que coubera aos irmãos e continuou a viver ali com a filha (que nunca casou) até morrer, em 1982. A filha ainda vive na casa (que renovou), com uma sobrinha pequena.
40Délia foi a única das filhas solteiras de Manuel Pereira e Catarina Lima que teve filhos fora do casamento (três das oito que alcançaram a idade adulta nunca casaram). No entanto, a família era uma das que era alvo de falatório porque várias filhas «não se comportavam bem». Na verdade, uma das irmãs mais velhas de Délia, Rosa, provocou um escândalo talvez ainda maior. Rosa era extraordinariamente bonita e casou com dezoito anos com um homem que tinha quase o dobro da sua idade. Não tiveram filhos e, enquanto o marido estava em Espanha, tornou-se amante de um coronel da freguesia. Mais tarde «passou para o capelão da freguesia». Uma das pessoas mais velhas da freguesia especulou: «talvez pensasse que, como não engravidara do marido nem do coronel, estava segura». Mas em breve ficou grávida. Quando o marido voltou de Espanha aceitou o filho como se fosse dele e a criança ficou registada como filho legítimo. «Mas a gente da freguesia sabia muito bem o que se passara, porque o rapaz era a cara chapada do pai verdadeiro». Depois do nascimento do filho, Rosa «tornou-se muito religiosa» e o incidente acabou por ser esquecido. Contudo, o seu comportamento e o de sua irmã Délia fizeram que fosse difícil para algumas irmãs casar na freguesia. Acabaram por partir e duas casaram em Lisboa. Outra teve um namorado, mas, quando outro rapaz começou a rir dela e a dar entender que a namorada, tal como as irmãs, talvez já tivesse sido usada, abandonou-a. «O tempo passou e ela chegou a uma idade em que deixou de ser possível arranjar marido». Contudo, trabalhou durante muitos anos para a família Almada e acabou por juntar o dinheiro suficiente para comprar uma casa na feira, casa essa que, ao morrer, deixou a uma afilhada.
41Obviamente, a história de Rosa sugere que eram possíveis na própria Santa Eulália as relações entre mulheres de famílias pobres e homens ricos ou de famílias de posição social elevada. Embora Rosa não fosse uma criada na altura, os Róis da Desobriga da segunda metade do século XIX mostram que, ainda que não fossem numerosos, existiam criados nos agregados familiares de Santa Eulália. Por exemplo, no rol de 1850, vinte e três dos 210 agregados tinham pelo menos uma criada (11%), tendo alguns deles (os Almadas e os Tinocos) seis ou sete. O número total de criados era quarenta e três e destes dezassete eram homens e vinte e seis, mulheres. Três décadas mais tarde, em 1881, uma percentagem ligeiramente inferior a 10% tinha um criado e a população era constituída por vinte e nove mulheres e sete homens. Muitos destes criados eram muito jovens:
1881 | 1899 | |
Menos de 15 anos | 3 | 1 |
15-19 | 7 | 0 |
20-24 | 6 | 5 |
25-29 | 1 | 1 |
30-39 | 6 | 5 |
Mais de 40 | 6 | 8 |
42No final do século, apenas 7% dos agregados tinham criados internos e mais uma vez havia quatro vezes mais criadas que criados. Contudo, havia menos muito jovens. Na realidade, os criados com mais de quarenta anos eram geralmente mulheres que haviam ficado numa casa durante um longo período. O que é mais difícil apurar, uma vez que na maioria dos casos essas criadas eram apenas referidas pelo nome próprio nos Róis da Desobriga, é se alguma delas deu à luz filhos ilegítimos. Além disso, ainda que essa ligação pudesse ser estabelecida, como já dissemos, o pai da criança não era identificado, desde meados do século XVIII. No entanto, a história oral fornece-nos alguns casos em que as criadas de agregados familiares de Santa Eulália se viram na infeliz situação de ter filhos dos patrões.
43Uma dessas mulheres foi Amélia da Rocha, que nasceu em 1863 e que perdeu ambos os pais quando era muito nova. Foi viver com uma das irmãs da mãe, que era solteira e possuía uma casinha no Lugar da Seara e ganhava, a vida como tecedeira. Quando tinha vinte e tal anos, Amélia foi trabalhar como criada para um rico lavrador e empresário da freguesia, que tinha uma casa grande na feira. Este lavrador e a mulher não tinham filhos. Em 1892, a mulher dele morreu e a tia de Amélia, talvez achando que não era próprio uma mulher jovem viver sozinha com um viúvo apenas nove anos mais velho do que ela, pediu à sorinha que voltasse para casa dela. Contudo o homem insistiu que «considerava Amélia como uma filha» e que queria que ela ficasse em sua casa. A tia de Amélia concordou. Em 1898, Amélia ficou grávida dele. Embora ele continuasse a pedir-lhe para ficar a seu lado (sem lhe fazer qualquer promessa de casamento), na altura Amélia decidiu voltar a viver com a tia, «sentindo-se desgostada e envergonhada pelo que lhe acontecera». «Desde então e durante o resto da sua vida», contava a sua filha ilegítima, «a mãe andava sempre de cabeça baixa». Entretanto, o tal lavrador continuou a engravidar as mulheres que trabalhavam para ele como criadas ou jornaleiras. A filha de Amélia sabia quem o pai era e quando ele passava por ela tratava-o por pai. Todavia, ele prestava-lhe pouca atenção e a mãe nunca mais falou com ele, nem casou.
A Namorada Abandonada
44Ainda que algumas mães de filhos ilegítimos proviessem de famílias pobres que a necessidade obrigava a mandar as filhas trabalhar como criadas ou jornaleiras, em condições que podiam não ser as melhores para a defesa da sua pureza, também havia filhas de agregados de lavradores que poderíamos considerar mais respeitáveis ou ricas que «davam um mau passo». Quando falam destas mulheres, as pessoas da freguesia sustentam que a culpa era dos pais, que não vigiavam suficientemente as filhas — como um informador comentou, citando, como é frequente entre os Portugueses, um adágio popular: «Quem faz o ladrão é a ocasião». Muitas vezes, eram raparigas engravidadas pelos seus namorados e era frequente a concepção ocorrer nos meses de Verão, em que os jovens andavam nos campos a trabalhar juntos ou participavam nas actividades de uma das numerosas festas do Verão (Quadro 5.7). Na realidade, as festas eram as ocasiões próprias para o namoro e talvez para promessas de casamento.
45Uma vez concebida a criança, o jovem podia escolher entre casar ou não com a rapariga. Até há bastante pouco tempo, a lei portuguesa não protegia a mãe de um filho ilegítimo, a não ser que se tratasse de uma menor, e não havia, portanto, um recurso legal que obrigasse a rapariga a revelar a identidade do pai da criança ou obrigasse o rapaz a assumir qualquer tipo de responsabilidade pelo filho que concebera. Nada, a não ser a pressão social o podia obrigar a casar com a rapariga, e, muitas vezes, a pressão social, em especial a do grupo dos seus iguais, actuava no sentido oposto. Contudo, como um aldeão observou — e isto é significativo à luz das explicações das mudanças de modelos de ilegitimidade histórica definidos por alguns estudiosos —, depois de 1930, o comportamento perante o namoro modificouse, de modo a conduzir a mais casamentos do que fizera antigamente. Os dados demográficos reflectem esta mudança: as taxas de gravidez pré-conjugal continuam a subir, enquanto a ilegitimidade sofre uma rápida queda.
«Antigamente, um rapaz podia ter várias namoradas, que visitava aos domingos à tarde, e nenhuma ser levada muito a sério. Os rapazes de hoje mantêm apenas uma rapariga, com a qual podem “conversar” muitos anos.8 Se a rapariga engravidar, todos sabem quem é o pai, porque sabem que ela só saía com um rapaz. Antes, se uma rapariga se entregava a um rapaz e ele não a levava a sério, ele pensaria: ‘se permitiu que eu abusasse dela, a quantos mais permitirá que façam o mesmo?’ Os rapazes eram escrupulosos acerca de quem escolhiam como mulheres.»
46Outro aldeão disse que algumas destas namoradas abandonadas acabavam por vir a fazer parte do grupo de mulheres que tinham mais de um filho fora do casamento — «o pão já era incerto». Por outro lado, mesmo que um jovem não casasse com a namorada, logo que sabia que ela estava grávida, podia casar com ela, alguns anos mais tarde, «se visse que continuava séria e se portava bem». No estudo antes realizado acerca do casamento posterior de mães de filhos ilegítimos, houve obviamente casos desses, em especial durante os finais do século XIX e começos do XX. Mais urna vez, a história oral fornece-nos exemplos recentes, mas que julgo típicos de experiências dessas namoradas abandonadas.
47Violetta nasceu, em 1931, de uma família de lavradores respeitáveis de Santa Eulália, que possuíam e traziam arrendadas várias parcelas de terra. Quando tinha dezoito anos, foi para Lisboa trabalhar como criada. O pai não queria que ela fosse, porque não era necessário do ponto de vista económico, mas ela tanto lhe pediu que ele consentiu. Permaneceu em Lisboa três anos. Então, uma das outras criadas ficou grávida e a patroa decidiu mandar todas as raparigas de Santa Eulália que trabalhavam para ela de volta para a freguesia. Foi durante o Verão em que voltou para casa que Violetta «arranjou» o filho. O pai era um homem da aldeia vizinha que conhecera numa festa. Ele observava-a, quando ela andava a fazer recados, a levar a comida aos irmãos ou o leite ao entreposto. A princípio ela tentou evitá-lo, quando tentou falar a sós com ela, mas acabou por se encontrar com ele em segredo. Ele prometera casar com ela e ela entregou-se-lhe.
48Quando disse ao namorado que estava grávida, ele mandou-a livrar-se da criança na cidade, mas ela recusou-se a fazê-lo. O pai ficou muito zangado com ela, mas não a expulsou de casa. O filho nasceu em Abril e, três meses depois, o namorado foi para Lisboa, em busca de trabalho. Quando voltou no Natal, começou a tratar dos papéis para o casamento de ambos. Mas, então, recebeu uma carta de um tio, que estava na América do Sul, a incitá-lo a emigrar. Mudou de ideias quanto a casar com Violetta e partiu. Embora mandasse dinheiro, de vez em quando, nunca regressou, e Violetta criou o filho sozinha, primeiro, trabalhando em vários empregos na freguesia e, mais tarde, de novo em Lisboa como criada.9
49Um segundo exemplo, em parte diferente, é o caso de Margarida Rocha, quarta filha de Manuel Rocha e Maria Franco. Manuel era um lavrador descendente de uma família com uma longa linhagem em Santa Eulália. Maria fora abandonada na roda em Viana do Castelo. Não sabemos nem quando nem por que razão foi para Santa Eulália, mas, em 1886, casou com Manuel, um homem quase vinte anos mais velho do que ela. Margarida nasceu em 1893. Os seus dois irmãos mais velhos (nascidos em 1888 e 1891) emigraram com o pai para o Brasil em 1903 e lá ficaram. O pai regressou em 1913 para encontrar a filha, então apenas com vinte anos, grávida do namorado. Todavia, em vez de casar com ela, o namorado saiu da freguesia. «Se não tivesse sido abandonada», especulava um aldeão, «talvez não tivesse arranjado os outros». Em 1921, teve um filho fora do casamento e, em 1935, outra filha. Parece que Margarida continuou a viver em casa dos pais até morrer, em 1956. Tal como sua irmã Maria, que teve um filho ilegítimo em 1917, nunca casou.
Mulheres Sem Vergonha
50Embora Margarida Rocha seja tecnicamente uma reincidente, as pessoas de Santa Eulália que se lembram dela falam dela em termos diferentes dos que usam para outro grupo de mulheres que davam uma contribuição significativa para a ilegitimidade na freguesia. Estas últimas «não tinham vergonha» de arranjar filhos fora do casamento. «Tinham o vício». Algumas delas eram «prostitutas sem licença» que os homens da freguesia visitavam; outras eram viúvas ou casadas, cujos maridos estavam ausentes e que «não podiam viver sem homem»; outras foram descritas como «muito populares», «brutas» e «bravas», como mulheres que andavam de um lado para o outro a trabalhar como jornaleiras para várias casas. Algumas delas provinham de famílias pobres, «não tinham sido bem educadas»; outras eram mulheres de outras aldeias que iam trabalhar para Santa Eulália.
51Uma dessas mulheres era um dos muitos filhos de uma pobre família de caseiros que tinha chegado a Santa Eulália entre 1892 e 1895, vinda da freguesia de Santa Marta, para trabalhar nas terras de uma família rica, a dos Pimenta da Gama. Tal como os irmãos e as irmãs, começou a trabalhar como jornaleira, ainda muito pequena. «Tinha a liberdade que o trabalho agrícola dá», comentou um aldeão. «É fácil meter-se entre as espigas do milho à beira do rio e era um diabo a arranjar filhos». Esta mulher teve sete filhos ilegítimos, o primeiro em 1904, quando tinha vinte anos, o último em 1921, e, ao que parece, cada um era de seu pai. Continuou a sustentar-se como trabalhadora agrícola e como carteira, que transportava madeira que if buscar às montanhas. Vivia com os pais e criou os filhos «sem qualquer vergonha». «Nada a impedia de continuar a fazer o que sempre fizera e não era suficientemente informada para evitar ter mais filhos». Uma das suas filhas também teve dois filhos ilegítimos, o primeiro dos quais quanto tinha vinte anos. Outra filha ficou grávida antes de casar e o seu segundo filho, nascido muitos anos depois do primeiro, segundo é voz corrente não é do marido, embora esteja registado como tal. Acresce que, ainda que nenhuma das outras irmãs dela tenha baptizado filhos ilegítimos em Santa Eulália, uma irmã casou com um barqueiro, quanto tinha vinte e dois anos e estava já grávida de um mês; e um irmão casou com dezanove anos com uma rapariga de dezassete, que teve o primeiro filho cinco meses depois.
A «Sub-sociedade Com Propensão Para a Bastardia»
52Certas famílias parecem ter sido particularmente atreitas às formas mais extremas de inconformismo sexual. As criadas, jornaleiras, e as filhas de caseiros, provenientes de famílias que se encontravam no escalão mais baixo da hierarquia socioeconómica, contribuíram significativamente para os nascimentos ilegítimos ou potencialmente ilegítimos ao longo da história de Santa Eulália.10 Durante as últimas quatro décadas do século XIX, as mulheres destes grupos socioeconómicos constituíam mais de 50% do total de mulheres de Santa Eulália com pelo menos um filho ilegítimo. Além disso, praticamente metade das jornaleiras, em particular, tinham mais de um filho fora do casamento. Durante a primeira metade do nosso século, as tendências foram pouco diferentes, embora o número de reincidentes tenha diminuído, especialmente depois de 1940.11 Mesmo se estudarmos a origem socioeconómica das mulheres grávidas à data do casamento, verificamos que quase um quinto (19,2%), entre 1860 e 1900, e mais de um quarto (26,3%), entre 1900 e 1959, eram jornaleiras ou filhas de jornaleiros. Os números correspondentes relativos a lavradeiras ou filhas de lavradores eram 57,7% e 64,5%. Todavia, o que tem mais interesse não são as que conseguiram casar e «salvar a face», mas sim aquelas que tiveram um filho ilegítimo, aquelas para quem «salvar a face» era irrelevante ou impossível. Além disso, é mais importante investigar determinadas famílias no seu conjunto do que certas mulheres que tiveram filhos ilegítimos ou certos casais que haviam tido relações sexuais pré-conjugais.
53É justamente através do estudo de famílias e não do de indivíduos que nos aproximamos mais daquilo a que alguns historiadores designaram por «subsociedade com propensão para a bastardia». Laslett (1980 a: 217) definiu essa sociedade como «uma série de mulheres que produzem bastardos, vivem na mesma localidade, cujas actividades persistiram durante várias gerações e que tendiam a estar ligadas por laços de parentesco ou pelo casamento». Acresce que, entre as mulheres que faziam parte dessa subsociedade, muitas tinham mais de um filho ilegítimo. Os dados de Santa Eulália tendem a confirmar a existência de um tipo de subsociedade, ou pelo menos de subpopulação, mesmo quando se considera apenas a relação familiar mais imediata, a de irmãs. Entre 1740 e 1959, aproximadamente um quinto de todas as mulheres que tiveram pelo menos um filho ilegítimo eram irmãs; a proporção aproxima-se mais de um terço, se o período considerado for o século XIX. Além disso, estes grupos de mulheres aparentadas teve mais de um quarto (27,3%) de todos os filhos ilegítimos baptizados na freguesia depois de 1740. Entre 1860 e 1939, houve cinco grupos de três irmãs que, no total, tiveram vinte e oito filhos ilegítimos.
54Mais uma prova da base de parentesco de pelo menos uma parte da ilegitimidade de Santa Eulália é a frequência com que as mulheres que tinham filhos ilegítimos haviam nascido elas próprias fora do casamento. Entre 1740 e 1959, 13% das mães de filhos ilegítimos pertenciam a esta categoria, e, se acrescentarmos as mulheres classificadas como expostas, a proporção sobe para 15,7%.
55Um exemplo de uma família pobre e «com propensão para a bastardia» era a de José Alves e Ana Fernandes, que casaram em 1868. Ana era uma jornaleira, filha de jornaleiros, nascida em 1841. Seus pais, que haviam casado na freguesia em 1834, eram ambos naturais de outras aldeias do distrito de Viana do Castelo, a mãe, de Neivas, e o pai, de Vila Chã. A mãe dela, que nascera cerca de 1800, teve um filho ilegítimo, em 1828, que morreu quatro anos mais tarde. Na altura do casamento, já estava grávida de um mês do segundo filho. O casal residia no Lugar de Corredoura. Embora não haja registo da sua morte, o pai de Ana já não era referido como membro do agregado familiar no rol da desobriga de 1870, e os seus dois irmãos eram dados como ausentes, em 1870 e 1881. No arrolamento dos bens de 1871, a mãe de Ana é mencionada como uma lavradeira com bens avaliados em 0$960. Parece que, ao longo dos anos, ela e o marido conseguiram de alguma forma melhorar um pouco a sua situação económica, embora o que deixaram pouco tenha alterado a posição social e económica da filha, do genro e netos. Nos róis de 1850, 1870 e 1881, uma mulher chamada Henriqueta, uma exposta, é referida como membro do agregado. A razão por que ali estava não é clara, mas também teve dois filhos fora do casamento, um nascido em 1862 e outro, em 1865. Apenas o segundo foi incluído no rol de 1881.
56José Alves era um jornaleiro que fora para Santa Eulália trabalhar para os Tinoco, algum tempo antes do seu casamento, em 1834. Nascera numa aldeia a leste de Santa Eulália, no conselho de Ponte de Lima. Morreu em 1904, com sessenta e um anos. José e Ana tiveram nove filhos, dois dos quais morreram na tenra infância. Dos que sobreviveram até à idade adulta (três filhos e quatro filhas), quatro casaram — três das filhas ficaram solteiras. Além disso, três das filhas baptizaram filhos ilegítimos em Santa Eulália, entre 1893 e 1932. A quarta, «uma rapariga muito bonita», segundo um velho da freguesia, foi para Lisboa, onde teve filhos fora do casamento. Na realidade, todas as filhas de José e Ana foram descritas por diversas pessoas da freguesia que se lembravam delas como pobres «prostitutas» (é um termo usado sem muito rigor), provenientes de uma família pobre e com má fama.
57Cada uma das filhas que deu à luz filhos ilegítimos em Santa Eulália teve mais de um: Maria teve quatro (embora só um tivesse ultrapassado a infância); Rosa teve três, que sobreviveram todos; e Gracia, a mais nova que, em adulta, era criada do padre, teve três, dois dos quais sobreviveram. Rosa foi a única que casou e, quando o fez, foi com um viúvo com quase trinta anos mais do que ela (ele tinha sessenta e nove e ela, quarenta) e que era pai do seu último filho ilegítimo, nascido três anos antes do casamento. A filha ilegítima mais velha de Rosa, nascida em 1901, teve também um filho ilegítimo, em 1937.
58Embora o comportamento das filhas de José e Ana seja em grande parte responsável pelo facto de a família ser descrita como «tendo má fama» pelos que a recordam, os filhos também mereceram críticas. O filho mais velho, que era coxo, casou com uma jornaleira quase dez anos mais velha do que ele, em 1895. Quando morreu em 1902, a certidão de óbito apontava-o como mendigo. O filho do meio, nascido em 1875, tinha péssima reputação, era um «gatuno» que roubava o que podia — galinhas, presuntos, coelhos — aos seus conterrâneos. A mulher, uma jornaleira pobre, estivera apaixonada por um jovem carpinteiro, mas, quando o pai insistira em que casasse com o filho de José, o namorado partiu para o Brasil, donde nunca regressou.
59Este casal teve cinco filhas, a mais velha das quais teve três filhos ilegítimos, entre 1931 e 1941. Apenas uma casou na aldeia, com outro jornaleiro pobre. O filho mais novo, Manuel, casou com uma mulher que já tivera filhos ilegítimos e, dois anos depois da morte dele, ocorrida em 1921, teve outro. Esta mulher, Rosa, era uma jornaleira, oriunda de uma aldeia do concelho de Ponte de Lima. Era parente de Manuel no terceiro grau de consanguinidade, presumivelmente pelo lado do pai deste. Este casal tivera dois filhos e uma filha. A filha teve também um filho ilegítimo em 1941. Além disso, a própria filha ilegítima de Rosa, nascida em 1909, dois meses antes do casamento da mãe, teve seis filhos ilegítimos, os dois primeiros do mesmo pai e os outros todos de pais diferentes. «A mãe dela», disse um aldeão, «era uma prostituta e ela, também!».
O Significado Da Ilegitimidade
60Quase há cinquenta anos, o historiador social Paul Descamps, notando que muitas minhotas nunca casam, comentou que não era excepcional que tivessem filhos nascidos fora do casamento. «Se o pároco», acrescentou ele, «repreende a pobre pecadora, desculpa-se dizendo que não sabe como aconteceu. A opinião pública não faz pressões (Descamps 1935: 72). Pouco menos de um século antes, William Kingston chegara à mesma conclusão.
61«As mulheres do campo que se afastam dos caminhos da moral não são tratadas pelos pais e conhecidos com o mesmo rigor que impera na Inglaterra, mais respeitadora da moral. São compadecidas pela sua desgraça e não punidas pelo seu erro e é só quando persistem obstinadamente num rumo errado que são expulsas dos lares paternos.» (Kingston 1845: 304).
62Será que a gente de Santa Eulália aceitava tão bem estas mães solteiras e os seus filhos ilegítimos como Descamps e Kingston sugerem? Obviamente, pelo que já vimos até aqui, a opinião pública não era provavelmente uniforme. Na verdade, há diferentes níveis aos quais investigar as atitudes perante a ilegitimidade e, portanto, o seu significado. Em primeiro lugar, é importante debruçarmo-nos sobre as atitudes e motivações das próprias mães: era algo de que se envergonhassem ou algo em que se metiam deliberadamente? As diferentes circunstâncias que podem ter levado a nascimentos fora do casamento descritas na secção anterior sugerem uma certa variação. Em segundo lugar, é necessário apurar, na medida do possível, as atitudes dos pais de raparigas que davam à luz filhos ilegítimos: desprezavam as filhas, expulsavam-nas da sua vista ou aceitavam-nas e até lhes perdoavam e, se assim era, porquê? Em terceiro lugar, deveriam ser avaliadas as atitudes da comunidade em geral perante o que era obviamente uma forma predominante de comportamento: até que ponto é que as normas primordiais eram desafiadas? Não é fácil responder a estas perguntas no que se refere à freguesia de Santa Eulália, uma vez que os dados disponíveis não são nem sistemáticos nem abundantes. O que se segue é, por conseguinte, uma tese sugestiva e ampla baseada em diversas provas, tanto históricas como etnográficas. Uma grande parte, embora não tudo, tem mais que ver com as «namoradas abandonadas» e as «que erraram só uma vez» do que com a população de reincidentes ou a subpopulação com «propensão para a bastardia». Sobre esta última voltarei a deter-me na conclusão.
63Um teste à posição social das mães solteiras e filhos ilegítimos e, portanto, às atitudes perante eles, é em que medida eram incluídos na divisão dos bens. Como referimos já neste capítulo, até há muito recentemente um pai não era nem obrigado a reconhecer o filho, nem a contribuir para o seu sustento. No entanto, como já vimos, há numerosos casos de filhos ilegítimos legitimados pelo casamento dos pais, de quem herdavam fracções iguais às dos irmãos nascidos posteriormente. Além disso há dois casamentos, na década de 1890, que parecem ter sido realizados expressamente para dar a um filho ilegítimo, na ausência de um descendente ou herdeiro legal, o direito de herdar. Um destes casos foi analisado no Capítulo I. Em Novembro de 1891, José Tinoco de Sá Furtado de Mendonça, proprietário da Casa e Quinta da Barrosa, casou (com uma dispensa por uma relação de «afinidade ilícita de primeiro grau» — muito provavelmente uma referência a uma união de facto) com Francisca Rosa da Silva, uma jornaleira de quem tivera dois filhos ilegítimos, na década de 1870. Tinha setenta e sete anos e ela, cinquenta e cinco e, dezassete meses depois, ele morreu. O seu filho legitimado, Miguel, tornou-se herdeiro de uma grande área (em termos do Norte de Portugal) de terras.
64Numa escala ligeiramente inferior e seis anos depois, João Gonçalves Abrigueiro, o filho mais velho, solteiro, de uma família abastada de lavradores, com terras no lugar de Roupeiras de Cima, casou com Maria Luísa Pereira, mãe do seu filho ilegítimo José, que nascera vinte anos antes, em Agosto de 1877. (Maria Luísa dera à luz outro filho ilegítimo, que provavelmente não era filho de João Abrigueiro, em 1862. O destino da criança é desconhecido — constava do rol de 1870, mas já não era mencionado no de 1881). João Abrigueiro tinha oitenta e um anos à data de casamento e a noiva, sessenta e um. Três dias depois do casamento, o marido morreu. Não existe um testamento, mas dada a data da ocorrência do casamento e a legitimação que o acompanhou no registo de casamento, só podemos concluir que o objectivo expresso era o reconhecimento de um herdeiro. Maria Luísa, que era um dos filhos ilegítimos de sua mãe, que aliás tinha o mesmo nome, vivera com o filho numa casa de Roupeiras de Baixo e, depois do casamento, parece ter ido viver para a do marido, em Roupeiras de Cima. Em 1907, seu filho José já não é mencionado no rol e ela estava a viver com um sobrinho, Domingos.
65Embora sejam ambos casos de homens que acabaram por casar com as mães dos seus filhos ilegítimos, a fim de designar um herdeiro, há um caso, nos livros de testamentos da freguesia, em que um pai reconheceu o filho ilegítimo como herdeiro universal, embora nunca tivesse casado com a mãe dele. António Pereira de Castro era o mais velho dos seis filhos de Máximo Pereira de Castro e Luísa Maria Puga, casados em Julho de 1764 e provavelmente uma família camponesa bastante desafogada. (As famílias de ambos viviam na freguesia, desde os princípios do século XVIII). Dos seus seis filhos, quatro casaram, uma morreu na adolescência e o mais novo saiu provavelmente da freguesia. Dos quatro que casaram, António foi o último, adiando o casamento até 1816, quando tinha cinquenta anos e havia muito que ambos os pais haviam morrido e os dois irmãos mais novos tinham casado (em 1795 e 1801, respectivamente; uma irmã casou em 1811, com trinta e seis anos). António casou com uma prima em segundo grau, Margarida Alves Fiusa, que tinha apenas menos um ano do que ele e, portanto, não lhe podia dar herdeiros legítimos.
66Em Abril de 1837, pouco antes da sua morte, António fez testamento e designou como seu único herdeiro o filho ilegítimo Albino. Albino nascera em 1809 e era filho de uma certa Maria Josefa, filha de Manuel Teixeira e Francisca Rosa, todos naturais de Figueirão, mas residentes no lugar de Roupeiras. Maria Josefa teve um segundo filho (Guilherme) ilegítimo, em 1814, o qual casou, em 1842, com a filha dos lavradores Pascoal Franco e Mariana Farrulla. Embora haja registo dos óbitos dos avós maternos de Albino e Guilherme, o de Francisca Rosa, em 1811, e o de Manuel Teixeira, em 1817 (na certidão de óbito desta constava «pobre»), não há registo da morte da sua mãe Maria Josefa. Será que Albino foi criado pelo pai? A única coisa que sabemos é que, quando o testamento foi feito, ele vivia em casa do seu pai natural. Na altura, já era também casado com uma prima em segundo grau pelo lado paterno. No testamento, António Pereira de Castro pede à mulher (a quem deixa o usufruto de metade dos seus bens) que fique na companhia do seu filho natural para o «guiar e ensinar»; também pede ao filho «para sempre respeitar e ficar na companhia da mulher dele». Contudo, quando Margarida morreu, três anos depois, estava a viver com a sua irmã e cunhado e não com o filho ilegítimo e herdeiro do seu marido. Deixou os seus bens aos filhos da irmã (em especial a uma sobrinha e afilhada solteira).
67Albino também herdou, embora não fosse só ele a fazê-lo, algumas terras de uma tia sem filhos que morreu apenas treze dias depois do pai. Além disso, em Dezembro de 1826, António Pereira de Castro e sua mulher designaram Albino como herdeiro de um prazo que cultivavam e haviam arrendado ao Convento de Santa Ana, em Viana do Castelo. O motivo, como sempre, era «pelo amor que tinham por ele e pela obediência e respeito que ele sempre lhes mostrara... como fazem todos os bons filhos». A posição adquirida por Albino em consequência destas heranças é bem evidente no rol eleitoral de 1855 — figura entre os lavradores mais ricos. Na realidade, a casa dos «Máximos», a alcunha dada a esta linhagem pela gente de hoje, ainda se mantém como um exemplo de uma das mais importantes casas de lavradores de antigamente. O caso de Albino mostra que, se um homem não tinha descendentes legítimos, era perfeitamente aceitável não só para o pai como para a família deste designar como herdeiro um filho ilegítimo.12
68Que a aceitação de filhos ilegítimos se verificava em todos os níveis da sociedade de Santa Eulália é evidente no testamento de mão comum, com data de Novembro de 1816, de Pedro Marinho Brandão de Castro e sua mulher Dona Luísa Rego Mesquita, proprietários da Casa da Torre. Esta família, de origem aristocrática e com bens e parentes na cidade de Viana do Castelo, estivera presente na freguesia desde, pelo menos, o século XVII. Há provas de os membros do sexo masculino desta família terem tido filhos ilegítimos, desde quase a mesma altura. Por exemplo, Maria de Castro, solteira, teve um filho natural em 1964, o qual foi baptizado Jacinto. No casamento de Jacinto Marinho, em 1712, ficamos a saber que seu pai era D. Pedro Marinho Brandão, muito provavelmente avô do Pedro Marinho Brandão falecido em 1816. O Pedro Brandão mais jovem teve três filhos legítimos, baptizados em Santa Eulália em 1774, 1776 e 1778. No testamento de mão comum, ele e a mulher reconhecem os filhos Francisco e Rosa (o terceiro filho, Pedro, deve ter morrido) como seus herdeiros. Contudo, também mencionam uma certa Dona Josefa Luísa, filha do testador» (Pedro Brandão) e pedem aos seus herdeiros legais para «não a desprezarem». «Como tal», continuam, «Dona Josefa foi criada por nós, viveu sempre connosco, tratando de nós na doença e por estes benefícios, registámos numa escritura notarial um dote para o seu casamento e dinheiro para o seu sustento e neste testamento confirmámos tudo o que lhe doámos». O testamento refere em seguida que se por qualquer razão, Dona Josefa não quiser permanecer na companhia dos dois filhos legítimos, Francisco e Rosa, lhe deve ser dada uma casa e terras no Lugar de Arco para seu uso. Não há qualquer menção à mãe natural de Dona Josefa. A única coisa que sabemos é que tanto Pedro Brandão como sua mulher legítima aceitaram esta filha nascida fora do casamento, criando-a na sua própria casa e velando pela satisfação das suas necessidades depois da morte de ambos.
69Embora os exemplos citados mostrem que alguns filhos ilegítimos herdavam de facto dos seus pais naturais, era mais habitual um filho nascido fora do casamento ser reconhecido e herdar do lado materno, quando herdava. Nas suas breves observações acerca da ilegitimidade no Norte de Portugal, Descamps (1935: 72) apontou este facto: «No Minho, um filho ilegítimo pertence à mãe, ou melhor ainda, à família desta, que não nega o seu direito legal a herdar devido ao seu pecado». Na verdade, a sucessão através da linha feminina, e a frequente transmissão de nomes, incluindo alcunhas, através da mãe, eram dois factores que Descamps citava para sublinhar o carácter «matriarcal» (eu prefiro «matricêntrico») da sociedade rural do Norte de Portugal.13
70Nos livros de testamentos há numerosos casos de filhos ilegítimos designados herdeiros das mães ou em que estas mães solteiras herdaram dos seus pais. Em 1809, por exemplo, João Alves Franco morreu e designou a sua filha solteira Maria e a filha desta (sua neta) Joana como destinatárias do terço («podem escolher o que lhes parecer melhor no meu lugar e casa»). Além disso deixa-lhes a sua cabana e a eira em Barreiro, que era muito provavelmente usada para a produção de telhas. Como herdeira do terço, Maria era naturalmente obrigada a assumir responsabilidade por um terço das dívidas do pai. Os bens e dívidas restantes seriam divididos em partes iguais pelo resto dos filhos. Num testamento de 1826, Catarina Rocha refere que sua filha Custódia, que casara em 1811 e fora residir numa aldeia próxima, recebera metade de um prazo como dote, ao casar. Custódia tivera um filho ilegítimo em 1806. É possível que o dote tivesse sido uma condição para casar imposta pelo futuro genro, que era provavelmente o pai desse filho ilegítimo.
71Num testamento de mão comum feito em 1807 por duas irmãs solteiras, Francisca e Grácia Granja, todos os bens são deixados ao filho e sobrinho, respectivamente, Manuel, e à mulher deste, Quitéria. Se Francisca morresse primeiro, Grácia ficaria usufrutária e vice-versa. Francisca e Grácia eram duas dos três filhos de António Gonçalves e Maria Granja. O filho ilegítimo Manuel nasceu um ano antes de o avô, já viúvo, ter morrido, em 1772. Por último, Catarina de Azevedo, que faleceu em 1842, deixou os seus bens aos seus dois (ou três) filhos ilegítimos, Maria e Francisco, nascidos em 1785 e 1792, respectivamente, e legou o terço à sua irmã solteira. Reconheceu no testamento que nenhum dos seus filhos herdara dos respectivos pais.
72Há outra prova que tende a sugerir que, embora possam ter tido vergonha do que as filhas haviam feito, nem todos os pais as votavam ao ostracismo ou expulsavam de casa. Um número considerável de raparigas que haviam tido um filho fora do casamento continuou a viver com os pais. Isto torna-se evidente se virmos, nos Róis da Desobriga, o número de agregados que eram constituídos por uma mulher solteira e os filhos e o número de agregados que se tornavam extensos em sentido descendente, devido à presença de um ou mais netos do chefe de família (Quadro 5.8). Convém notar que os róis de 1850 e 1870 não incluíam crianças com menos de sete anos e, portanto, subestimam, provavelmente, o número destes dois tipos de agregado ou seja, nestes dois anos algumas das mulheres solteiras que viviam sozinhas podem ter sido mulheres solteiras que viviam com os seus filhos ilegítimos e algumas das famílias nucleares podem, na realidade, ter sido famílias extensas que incluíam netos nascidos fora do casamento. Estes não explicam de modo algum todas as mulheres que tiveram filhos ilegítimos em Santa Eulália, entre 1850 e 1920. Obviamente, algumas casaram posteriormente e formaram as suas próprias famílias nucleares, outras podem ter saído da freguesia e ainda outras eram membros de agregados classificados com múltiplos, devido à presença de um germano casado e sua mulher ou marido e respectivos filhos. Contudo, não há dúvida de que alguns pais aceitavam o neto ou, em alguns casos, os netos ilegítimos.
73Que conclusões se podem retirar destes modelos de residência e das práticas sucessórias que obviamente não fazem discriminação contra as mães solteiras e seus filhos? É possível sustentar que pelo menos alguns elementos da geração mais velha, os pais de uma filha que dera um mau passo, podem ter encarado o nascimento de um filho fora do casamento como uma maneira de prender a mãe, ou seja a sua filha, a eles, talvez ainda mais fortemente do que se se tratasse de uma filha solteira virgem. O casamento implicava substituir a dedicação para com a família de orientação pela dedicação para com a família de procriação. Significava, pelo menos idealmente, a formação de um novo agregado, trabalhar fundamentalmente para o marido e filhos, e não para os pais. Se a probabilidade de casar de uma mulher com um filho ilegítimo diminuía (e isso acontecia em relação a muitas namoradas abandonadas), era mais provável que permanecesse com os seus próprios pais. Na realidade, algumas delas decidiram provavelmente não casar por acharem que nenhum homem, a não ser o pai natural, podia tratar o filho como devia ser. Em resumo, uma mãe solteira continuaria a trabalhar nas terras dos pais e a apoiá-los na velhice, muito depois de os irmãos terem casado e se sentirem com deveres para com outras pessoas. Essa ajuda dada por um filho era obviamente necessária para os pais idosos, e, portanto, era lógico, quando a ocasião surgia, reforçar esse laço designando essas filhas como herdeiras, talvez até como herdeiras do lar paterno. Nomeá-las herdeiras era, por um lado, um gesto de gratidão e, por outro, mais um incitamento à sua lealdade, cuidados e dedicação.
74Esta talvez seja uma explicação da atitude tolerante de pelo menos alguns pais. Acresce que deve ser compreendida no contexto de um sistema de transmissão de bens em que um neto ilegítimo não era de modo algum uma ameaça para o grupo familiar como unidade organizada. Ao contrário do que acontecia noutras zonas do Mediterrâneo, que se caracterizavam pela herança divisível patrilinear e uma estrutura de famílias indivisa (Hammel 1968, Kunkel 1966), ou do que sucedia na Irlanda do século XIX onde predominavam um sistema familiar de estirpe e a herança indivisível patrilinear (Arensberg 1937), na maior parte do Noroeste de Portugal, e sem dúvida em Santa Eulália, não existia um conjunto de grupo de parentes como unidade organizada baseado na partilha da propriedade da terra. Mas se isto explica possivelmente as motivações dos pais de filhas transviadas, quais eram as destas? Naturalmente, algumas acabaram por casar, mas outras não, e isto pode ser em parte explicado pela demografia da emigração. Tal como os pais podem ter considerado o «erro» das filhas como uma garantia reforçada da sua segurança na velhice, a rapariga pode ter tido uma perspectiva semelhante. Antes de analisar mais a fundo essa perspectiva, investiguemos com mais precisão a relação entre emigração, ratio de sexo da população celibatária e ilegitimidade.
75Num dos raros estudos acerca da relação entre ratio de sexo e ilegitimidade, Knodel e Hochstadt (1980) referiram que havia opiniões diametralmente opostas acerca dos factores determinantes. Alguns defendiam que é um excesso de mulheres que conduz a uma ilegitimidade elevada, enquanto outros afirmavam que é um excesso de homens que é crucial. Na sua tentativa de testar sistematicamente a relação entre estas variáveis com dados relativos à Alemanha Imperial, Knodel e Hochstadt concluem que não é de modo algum previsível e que é a origem do desequilíbrio da ratio de sexo que deve ser cuidadosamente analisada. No caso das zonas rurais do Noroeste de Portugal, tal como já dissemos no Capítulo III, o desequilíbrio é obviamente consequência de um determinado modelo de emigração, que provocou um excesso de mulheres solteiras no campo. Qual é exactamente a relação entre uma significativa emigração masculina, níveis elevados de celibato definitivo e ilegitimidade generalizada?
76No Capítulo III, o Noroeste de Portugal foi comparado com a Irlanda rural, um país com níveis elevados de celibato feminino e o outro, com níveis elevados de celibato masculino. Como mencionámos no início deste capítulo, estes países também apresentam diferenças quanto aos níveis de fecundidade ilegítima e, portanto, é mais uma vez útil estabelecer uma comparação. Em termos demográficos muito simples, o número desproporcionado de mulheres no Portugal rural, em especial cerca dos finais do século XIX, explicaria logicamente os elevados níveis de ilegitimidade, em contraste com a Irlanda rural, onde as mulheres tendiam maciçamente a abandonar o campo. Contudo, a situação é mais complexa do que os indicadores demográficos mostram. Como Dixon (1978) sublinha, é importante prestar atenção às oportunidades e motivações para se reproduzir ou não reproduzir.
77Detenhamo-nos, em primeiro lugar, sobre a posição social e os papéis das mulheres no que se refere à questão da oportunidade. Tem-se mencionado, repetidamente que a divisão do trabalho em Portugal atribui às mulheres o desempenho de uma grande parte dos principais trabalhos agrícolas. Embora pareça haver algumas divergências na literatura etnográfica, é seguro sustentar, julgo eu, que, na Irlanda, o âmbito de acção das mulheres tem sido muito mais o âmbito estritamente doméstico. Na realidade, o estudioso inglês da agricultura Arthur Young disse, na sua conferência sobre o século XVIII, que, na Irlanda, as mulheres «não mexem uma palha». Os viajantes que percorreram o Norte de Portugal no mesmo período e ao longo do século XIX, registaram uma situação completamente oposta. Assim, enquanto a Irlanda rural se caracterizou pela segregação sexual na vida pública (Sklar 1977), no Noroeste de Portugal a interacção dos sexos no mundo, para lá do âmbito doméstico foi e continua a ser vasta, não obstante a ideologia veiculada por numerosos adágios populares que define a casa como o «lugar próprio» das mulheres. Descamps (1935: 84) tirou a conclusão adequada acerca de aonde é que esta «ordem agrícola» podia conduzir: «Os homens casados e as mulheres solteiras gozam de grande liberdade. Isto é uma consequência do enorme desequilíbrio numérico entre os dois sexos e de trabalharem juntos nos campos, desde muito pequenos». O papel das mulheres na economia rural do Norte de Portugal tem proporcionado excelentes ocasiões para relações sexuais ilícitas. Que as próprias mulheres portuguesas tinham consciência das ciladas do trabalho no campo é evidente nos versos populares que se seguem:
Minha mãe mandou-me a herva
Eu a herva não sei ir
Que o lameiro tem buracos
Tenho medo de cair
78Se o trabalho agrícola proporcionava a oportunidade de se ter actividade sexual fora do casamento, qual era a motivação? Ainda que só possamos especular acerca da «sexualidade» das jovens camponesas da Santa Eulália de antigamente, ou da capacidade dos camponeses de as conseguirem induzir a uma actividade sobre a qual pouco sabiam, há uma conclusão mais concreta que, no meu entender, podemos retirar das motivações, em relação à estrutura demográfica da freguesia e da região em geral. A desequilibrada ratio de sexo da população celibatária tornava o casamento obviamente impossível para uma proporção significativa de mulheres. Contudo, não casar implicava não ter filhos (pelo menos legalmente) e, por conseguinte, a possibilidade de não ter ninguém para cuidar de si na velhice.
79Pode sustentar-se, portanto, que, perante a perspectiva de permanecerem solteiras a vida inteira, no contexto de uma sociedade onde a família nuclear era o ideal e onde os irmãos casados não eram obrigados a cuidar das irmãs solteiras (embora muitos o fizessem), algumas mulheres podem ter concebido um filho fora do casamento como uma estratégia que visava a segurança social, como uma maneira de garantir a protecção e apoio no futuro, quando ficassem velhas e fracas. Ainda que fosse originalmente uma estratégia para arranjar marido, como pode ter sido de facto para algumas no contexto de um mercado de casamento que era muito mais desfavorável às mulheres do que aos homens, o abandono depois do acto, embora fosse inicialmente um motivo de vergonha, pode ter tido vantagens a longo prazo. Falando das mães solteiras de tempos mais recentes, um aldeão comentou: «Olhe para elas hoje, estão como peixe na água com os filhos e os netos à volta delas». Na verdade, dada a atitude de desconfiança perante o casamento analisada no Capítulo III, algumas mulheres podem ter considerado preferível uma solução deste tipo.
80Ainda que a ratio de sexo desproporcionada resultante de um modelo de emigração predominantemente masculina consiga explicar as diferenças entre os modelos de ilegitimidade em Portugal e na Irlanda, temos de nos interrogar sobre se a emigração era importante simplesmente porque deu origem a uma sociedade de solteiras em Portugal. Será que um estudo da emigração nos pode ajudar a compreender melhor o facto de as gravidezes pré-conjugais terem alcançado o apogeu, precisamente na mesma altura da razão de ilegitimidade e, já que se fala nisso, dos nascimentos ilegítimos de reincidentes? É possível sugerir que a emigração teve igualmente o efeito de enfraquecer a família portuguesa em consequência da ausência frequente e muitas vezes prolongada (quando não definitiva) dos chefes de família. Embora, na primeira metade do século XIX, a corrente de emigrantes para o Brasil fosse constituída predominantemente por rapazes solteiros, no último quartel do século, como as condições económicas tivessem piorado e a população crescido, os homens casados passaram a constituir uma parte importante dos que deixavam o país em busca da riqueza ou apenas como uma fonte de rendimento adicional para famílias em crescimento. Se, de momento, aceitarmos a tese de que são os homens (pais e irmãos) que protegem a honra das mulheres, então, em muitas famílias, não havia homens que desempenhassem este papel — evitar que as raparigas se metessem em sarilhos e insistir no casamento posterior, antes que nascesse um filho. Apesar de o Norte de Portugal poder ser talvez definido como matricêntrico, as mães, que faziam de chefes de família, não podiam desempenhar aquele papel, pois eram consideradas fontes de auxílio e apoio e não de autoridade e castigo.
81Embora os dados sobre a emigração a nível individual sejam limitados, há alguns casos em que se pode documentar que a ausência a determinada altura coincide praticamente com um nascimento fora do casamento. Por exemplo, Manuel Pereira é dado como ausente nos róis de 1907 e 1913 e, em 1920, a mulher é apontada como viúva. Algumas das suas filhas tiveram filhos fora do casamento, uma em 1906, outra, em 1910, outra em 1910, uma outra em 1915 e a mais nova em 1923. António Ferreira é dado como ausente em 1907. A sua filha Luísa teve um filho ilegítimo em 1904 e um segundo, em 1907. Os pais morreram pòuco depois e Luísa, que vivia sozinha, continuou a ter filhos fora do casamento. Francisco Fernandes não estava presente em Santa Eulália à data dos róis de 1910 e 1913. A sua filha solteira Maria teve um filho, em 1911. Francisco Rodrigues era, sem dúvida, um emigrante a longo prazo, ausente em 1907, 1913, 1920 e 1927. Em 1930, a sua filha mais nova Lucinda (nascida em 1905) deu à luz um filho ilegítimo. Seu pai podia estar ainda ausente; só sabemos que foi enterrado na freguesia, em 1940. Em relação a nenhum destes casos defendo que foi a ausência do chefe de família a única explicação para a filha ou as filhas se terem transviado. Limito-me a sugerir que deve ser analisada conjuntamente com factores como uma baixa posição social (que é, na realidade, característica de todos os exemplos acima citados) e, portanto, a necessidade de muitas das raparigas destes agregados familiares trabalharem fora de casa como criadas ou jornaleiras — situações de que, como mostrámos já, as concepções ilegítimas eram um resultado provável.
82A ideia de que a ausência de autoridade e controlo paterno ou masculino tem algum significado para uma total compreensão das tendências da ilegitimidade em Santa Eulália pode ser reforçada pela citação de casos de mulheres casadas que, especialmente nos começos deste século, cometeram adultério depois de os maridos terem partido. Em dois destes casos, como já foi referido no Capítulo IV, os maridos nunca voltaram a Santa Eulália, porque, quando descobriram o que as mulheres tinham feito, «ficaram demasiado envergonhados para voltar». Noutro caso, não só a mãe teve dois filhos de um homem que não era seu marido como uma filha ilegítima dela teve seis.
83A violação da castidade conjugal era, na verdade, um «crime» muito mais grave do que a perda da virgindade de uma mulher solteira, sobretudo se esta provinha de uma família pobre e tinha, portanto, de qualquer modo, poucas hipóteses de casar. Isto confirma as teses propostas por alguns antropólogos do Mediterrâneo (Goldschmidt e Kunkel 1971, Schneider 1971) que estabeleceram uma ligação entre diversas formas de estrutura familiar e herança e diferentes atitudes perante a continência pré e pós-conjugal. A família patriarcal característica da Irlanda rural e de outras regiões do Mediterrâneo, onde as taxas de ilegitimidade são baixas, tem sido associada à importância atribuída a manter o património familiar intacto e a preservar a honra e o nome da linha paterna. Isto não tem, obviamente, uma importância fundamental no Noroeste de Portugal.
84Há outro aspecto a focar na relação entre a emigração e a ilegitimidade no Noroeste de Portugal. O acesso a emprego remunerado foi sublinhado por vários historiadores nas suas explicações das elevadas taxas de ilegitimidade. Em geral, estes estudos centraram-se sobre regiões proto-industriais. O Vale do Lima não era, evidentemente, uma região dessas no período abrangido por este estudo, embora houvesse algumas oportunidades para uma indústria doméstica de pequena escala. O que é mais importante é que o papel das mulheres na agricultura, em grande medida uma consequência de uma emigração masculina maciça, e bem assim as oportunidades locais a nível do serviço doméstico foram o que tornou possível que fossem autosuficientes. Esse trabalho não só criou um contexto propício a actividade sexual ilícita como assegurou o sustento dos frutos dessa actividade. Se uma rapariga ficasse grávida, podia trabalhar para criar o filho e, portanto, as pressões para se submeter às leis da moral não existiam em Portugal, ao contrário do que acontecia na Irlanda rural, onde uma mulher solteira (e provavelmente não cascavel, se tinha um filho ilegítimo) ficava na dependência do pai ou do irmão. O facto de muitos empregados no campo do serviço doméstico terem sido recentemente transferidos para Lisboa ou Porto pode dar uma explicação parcial da mudança da ilegitimidade para estas regiões, depois da primeira metade do nosso século.
85Uma explicação das baixas taxas de ilegitimidade da Irlanda rural reside no facto de o número dos homens solteiros ultrapassar largamente o das mulheres solteiras, de as mulheres partirem. Uma possível refutação é que as raparigas irlandesas do campo podem ter tido filhos ilegítimos, mas tinham-nos noutros sítios. As que tinham a infelicidade de ficar grávidas fora do casamento e não tinham esperança de casar com o pai partiam ou eram mandadas pelos pais para as cidades ou para o estrangeiro, a fim de a ir darem à luz (Sklar 1977). Apontar a ilegitimidade como uma prova de uma maior adesão das mulheres irlandesas aos preceitos católicos pode, portanto, induzir-nos em erro (McKenna 1974). Contudo, alguns estudos demonstraram que, mesmo entre os imigrantes irlandeses no estrangeiro, as taxas de ilegitimidade são relativamente insignificantes, e Sklar (1977) defendeu de uma forma bastante convincente que, mesmo quando se tomam em consideração estes nascimentos fora do casamento entre as populações imigrantes, a Irlanda apresenta sempre níveis comparativamente baixos de fecundidade ilegítima. No seu estudo acerca da ilegitimidade na Escócia, Smout (1980) acha que os irlandeses são um grupo muito respeitador da moral, e conclui:
É difícil não associar isto ao carácter do catolicismo do século XIX na Irlanda, ao grande poder dos padres e à importância atribuída ao culto de Maria e à valorização da virgindade. Provavelmente, seria também ingénuo não imaginar que há uma relação com a escassez de terra na Irlanda. Depois da fome, com o casamento tardio dos homens e com poucas terras onde trabalhar, os ensinamentos dos padres eram reforçados por uma sanção económica. No que se refere aos operários industriais imigrantes na Escócia, a situação económica era obviamente muito diferente, mas os hábitos culturais e morais formados na Irlanda não desapareceriam imediatamente. (Smout 1980: 209)
86O que o estudo de Smout levanta é a questão da relação entre religião ou, inversamente, secularização e fecundidade ilegítima. Embora gostássemos que essa relação fosse directa, os dados de que dispomos provam o contrário. Por exemplo, De Pauw (1972) defende, relativamente a França, que na Bretanha e na vertente oriental do Maciço Central, coincidem uma ilegitimidade insignificante e um elevado grau de sentimento religioso, enquanto no Sudoeste, coexistem uma fraca religiosidade e uma elevada ilegitimidade. No entanto, em regiões como a «Department de Nord», o Pas-de-Calais e Alsácia, todas caracterizadas por um forte sentimento religioso, a fecundidade ilegítima é elevada. Em suma, a relação entre estas duas variáveis, religiosidade e ilegitimidade, não é de modo algum definida. Como Hartley (1975) observa na sua ampla análise da ilegitimidade, não é apenas ser católico que é importante, mas o carácter desse catolicismo. Além disso, segundo ela, o que é fundamental não são as crenças religiosas por si, mas as sanções impostas por uma violação dessas crenças. Ao entrarmos no estudo, por mais breve que seja, da religião — e a comparação com a Irlanda será levada mais longe — entramos necessariamente no domínio das atitudes da comunidade perante os nascimentos fora do casamento.
87Muito se tem escrito acerca da Igreja Católica irlandesa e não tenciono analisar o assunto a fundo. Contudo, há uns quantos pontos gerais que fazem realçar as diferenças do carácter do catolicismo e o seu impacte na actividade sexual ilícita. A maior parte dos que teceram comentários sobre a Igreja da Irlanda concluem que era e continua a ser uma instituição extremamente poderosa no campo e que a sua influência sobre a vida moral dos seus paroquianos tem sido de facto enorme. Um observador afirmou «provavelmente em nenhum outro país do mundo, a religião é um elemento tão dominante na vida diária das pessoas, nem sequer em Espanha, onde a dedicação à Igreja e a piedade sincera estão profundamente enraizadas no coração do povo» (Plunkett 1905; citado em Connell 1968: 151). Outro chamou à Irlanda uma «Cultura católica como existia na Idade Média» (Devane, citado em Blanshard 1962: 3). Scheper-Hughes (1983) refere o carácter altamente jansenista do catolicismo irlandês, que suprimiu literalmente a actividade sexual.14
88A Igreja Católica era também uma igreja verdadeiramente nacional, e, nos meados do século XIX, já era identificada como a protectora da população em luta contra os protestantes ingleses, pela sua liberdade (Sklar 1977, Davis 1963). Larkin (1976: 649) defendeu que, perante a ameaça de uma perda de identidade, a Igreja. Católica Romana deu aos Irlandeses uma «linguagem simbólica substituta e uma nova herança cultural»; e Kennedy (1973: 35) observou que «na medida em que as instituições religiosas e políticas da Irlanda se reforçassem umas às outras, a ideologia do catolicismo romano teria uma influência mais geral, seria um factor importante na área da política sobre o sexo e família». Blanshard (1962: 139-140) é especialmente preciso quanto a esta infiltração na vida sexual de cada um:
O namoro é um assunto da conta do padre irlandês, a troca de carícias é da conta do padre irlandês, e até as normas do leito do casamento — o mesmo se podendo dizer acerca do controlo da natalidade, aborto, casamentos mistos, ilegitimidade, sodomia, masturbação, divórcio, educação sexual... Os Irlandeses aceitam uma tal supervisão do seu comportamento pessoal com muito mais docilidade do que os católicos dos países latino-americanos... onde o código sexual é mais honrado pela transgressão do que pelo cumprimento.
89Conclui que os padres irlandeses ficaram algo confundidos pelo triunfo das suas normas sobre a sexualidade, «exaltando a virgindade ao ponto de se ter tornado uma catástrofe nacional e condenando os pecados da carne de tal modo que um complexo de culpa impregna a Irlanda rural».15
90Portugal é um caso muito diferente, apesar de hoje o considerarmos um dos países mais católicos da Europa ocidental. Como referimos no Capítulo I, a Igreja e o Estado estiveram com frequência em conflito e, em certos momentos da história do país, predominou o anticlericalismo. Embora tenha desempenhado um papel importantíssimo na expansão ultramarina portuguesa, a Igreja Católica portuguesa nunca foi campeã das causas nacionalistas como a Irlanda. Além disso, se os padres irlandeses são conhecidos por terem praticado o que pregavam em relação à moral e ao celibato, não parece ter sido esse o caso do clero português. No Capítulo I foram citadas diatribes contra a imoralidade dos padres portugueses. Os registos paroquiais demonstram que os padres foram responsáveis por pelo menos uma parte das concepções fora do casamento no Norte de Portugal.
91Hoje, no Norte de Portugal ouve-se o comentário de que «os padres são homens como os outros»; ou seja, é natural que sintam desejo sexual e, para o satisfazer, não têm outra alternativa senão o sexo ilícito. Muitas mães mostravam-se e mostram-se reticentes em relação às filhas estarem sozinhas com um padre, um problema que incomoda alguns dos membros jovens e mais sinceros do «novo» clero. Em resumo, há um certo cepticismo em relação aos padres e, portanto, em relação à moral que pregam. Acresce que há algumas provas de que as rigorosas sanções aplicadas na Irlanda às raparigas «que se metiam em sarilhos» não eram impostas em Portugal. Na realidade, algumas pessoas de Santa Eulália falaram das relações amigáveis e brincalhonas que alguns dos párocos locais tinham com algumas das jornaleiras que eram mães solteiras e tinham pior fama. Não parece ter havido qualquer tentativa de recusar os sacramentos do baptismo ou do matrimónio, quer aos filhos quer às mães.
92Se existe no Norte de Portugal um certo cepticismno em relação à moral que é pregada do púlpito pelo clero católico, isso não quer dizer que os camponeses do Norte de Portugal sejam menos católicos. Além disso, em tempos recentes, em particular durante o mandato de Salazar ou durante o salazarismo, entre 1926 e 1974, a Igreja Católica recuperou e ampliou o seu domínio no campo. Na verdade, o novo poder, apoiado pelo Estado, pode contribuir para explicar as tendências da fecundidade, tanto ilegítima como conjugal. Em Santa Eulália, depois de 1930, a gravidez ilegítima continuou a subir, enquanto a ilegitimidade começou uma descida que, até aqui, se manteve irreversível. Segundo a gente da freguesia, o pároco local na época exercia um grande controlo sobre a moral dos seus paroquianos. Foi responsável, por exemplo, pela prática de os homens e as mulheres assistirem à missa em locais separados. (Ainda hoje, todos os homens ficam de pé, na frente, formando um grupo, e o conjunto das mulheres coloca-se atrás deste). Este padre pode ter desencorajado as concepções fora do casamento e, quando se verificavam, pode ter estimulado os casamentos antes do nascimento da criança.
93Por último, há ainda outro factor, para lá das crenças religiosas e da moral representada institucionalmente, que fornece provas das atitudes da comunidade perante os filhos ilegítimos: as perspectivas de casar da população de mães solteiras. Como já dissemos neste capítulo, entre 1700 e 1900, aproximadamente 20% das mães solteiras casaram posteriormente. Durante a primeira metade do século XX, a proporção foi de 15%. Quinze a 20% representa um número de modo algum insignificante, especialmente se tivermos em consideração que só inclui as mulheres que casaram na freguesia. Mesmo algumas das mulheres com mais de um filho ilegítimo conseguiram casar mais tarde, muitas vezes com viúvos que podem ter sido os pais do filho mais novo. Há, por exemplo o caso de Dores da Rocha, que casou em 1901, com trinta anos de idade, depois de ter dado à luz quatro filhos ilegítimos (só dois sobreviveram) na década de 1890. Quando casou, fê-lo com um viúvo mais de vinte anos mais velho do que ela, um pobre pedinte de São Pedro de Arcos. Ele viveu ainda dois anos e o casal não teve filhos. Um ano depois da sua morte, Dores voltou a casar, também com um viúvo vinte anos mais velho. O segundo marido era de Mujães e trabalhava nas minas. Tiveram dois filhos, o primeiro nascido sete meses depois de terem casado. Ambos os filhos foram para Espanha muito jovens, casaram lá e nunca regressaram à freguesia. O segundo marido de Dores morreu em 1916 e, em 1928, Dores morreu afogada, por ter caído a um poço, depois de ter bebido de mais.
94Embora haja vários sinais de que a ilegitimidade não era alvo de grande opróbrio em Santa Eulália, no conjunto do distrito, precisamente no período em que se pode suspeitar, com base nos dados de Santa Eulália, parece ter havido uma certa indignação pública. Na década de 1860, nos editoriais de um dos mais importantes jornais regionais da segunda metade do século XIX, O Vianense, chamava-se a atenção do público para o número crescente de lactantes abandonados nas rodas locais de Viana do Castelo e Ponte de Lima.16 Num artigo de 17 de Julho de 1862, as instituições para enjeitados eram consideradas «um incentivo de devassidão e prostituição mais do que um instituto de caridade».
Hoje crê-se que estes estabelecimentos são destinados para os filhos de todas as mulheres solteiras indistintamente e ainda para os d’aquellas mesma, que mesmo recatadas se não envergonham de serem mães, nem tão pouco de expor seus filhos, para continuarem mais commodamente no mesmo modo de vida, ou para irem como amas mercenarias, crear os filhos alheios.»
95O escritor exortava os párocos a assumir mais responsabilidade pelo que estava a acontecer e a mostrar às mães os seus deveres naturais, morais e religiosos de auxiliar os seus próprios filhos. Noutro artigo, publicado três meses depois, observava-se que em Portugal havia, na altura, seis expostos por cada mil crianças nascidas, enquanto a proporção em Inglaterra era de apenas quatro por cada cem mil. Em 1863, foi criada uma comissão para estudar o problema dos expostos, e, em 1864 concluiu-se que a falta de moral pública e a prostituição escandalosa estão na origem do chocante aumento do número de expostos (O Vianense 24-9-1864).
96Esta indignação estrondosa podia levar-nos a concluir, como Shorter fez em relação a outras regiões da Europa ocidental num período um pouco anterior, que a promiscuidade aumentava, se é que não estava já inteiramente fora do controlo. Contudo, um estudo dos registos dos expostos mostra que nem todas as crianças abandonadas na roda haviam nascido fora do casamento e, portanto, eram o resultado de «costumes corruptos». Muitas eram filhos de pais legalmente casados que, encontrando-se em sérias dificuldades económicas, entregavam temporariamente os filhos, até poderem cuidar melhor deles. Muitas vezes prendiam notas à criança invocando as razões (incluindo falta de leite que muitas mães alegavam ter) e informando a instituição do nome da criança, para que pudesse ser facilmente identificada, quando viessem reclamá-la. Escusado será dizer que muitos dos pais nunca mais voltaram a ver o filho, uma vez que as taxas de mortalidade nestas instituições eram bastante elevadas.17
97Que as graves dificuldades económicas a que estes infelizes pais se referem eram uma realidade foi já mencionado nas análises anteriores sobre as subidas dos preços e fragmentação crescente da terra durante o século XIX. Além disso, embora o problema das crianças abandonadas em Portugal exija ser mais investigado, tudo indica que não era de modo algum um fenómeno novo. Os expostos figuram nos registos de baptismo, casamento e óbitos de Santa Eulália ao longo do período abrangido por este estudo e uma consulta rápida dos registos das aldeias vizinhas mostra que era também predominante, se é que não o era ainda mais, nos outros pontos da região. Acresce que as rodas eram velhas — uma da Rua dos Caldeireiros, no Porto, havia sido criada em 1688. Na realidade, num estudo sobre o número de expostos no Porto, durante a última parte do século XVIII, Costa (1789) cita um total de 14 435 lactantes abandonados entre 1770 e 1785.
98Se é possível extrair alguma conclusão preliminar baseada no problema dos expostos no século XIX, deverá ser que, tal como a subida geral de ilegitimidade, da idade média no casamento, da emigração e do celibato feminino definitivo, era uma manifestação das graves dificuldades económicas que as populações rurais do Noroeste de Portugal enfrentaram, quando o século XIX se aproximava do fim.
Conclusão
99O estudo do contexto socioeconómico da ilegitimidade em Santa Eulália sugere que não pode ser tratado uniformemente. Mesmo numa pequena freguesia, havia variações importantes respeitantes a quem tinha filhos fora do casamento e às circunstâncias por detrás da sua concepção. Por outro lado, em que medida os actos dessas mães solteiras eram considerados vergonhosos ou o grau de vergonha sentido pelas famílias depois do facto também variavam. Parece que a censura através da vergonha se aplica não à perda da virgindade ou à gravidez ilícita, mas sim ao comportamento subsequente da mãe solteira. Só que as que faziam gala da sua sexualidade e que demonstravam pouco interesse pela opinião dos outros (ou seja, aquelas em relação às quais os mecanismos informais do controlo social não funcionavam) eram verdadeiramente consideradas «desavergonhadas». Há uma diferença extremamente importante entre «ter vergonha» e «sem vergonha».
100O que isto sugere é que os códigos de honra e vergonha, tal como são aplicados ao comportamento das mulheres na região do Mediterrâneo, são diferentes consoante a posição das mulheres na hierarquia socioeconómica e consoante os papéis associados a essa posição. A condição de «dona» registada no livro de baptismos de Santa Eulália que teve um filho fora do casamento fez com que «tivesse demasiada vergonha para dar o nome ao filho e admitir, portanto, abertamente o seu pecado. Por outro lado, os filhos ilegítimos de mulheres que trabalhavam por necessidade, como jornaleiras ou criadas, fora do lar paterno e longe do olhar vigilante dos pais, eram muito mais numerosos nos livros de baptismo. A relação entre as suas actividades no domínio público e um menor sentimento de vergonha ou pecado associado a um nascimento ilegítimo («ter vergonha» torna-se ser «sem vergonha») não é uma coincidência.
101Embora a primeira literatura etnográfica sobre o Mediterrâneo nos tenha transmitido a noção de que, nesta parte do mundo, as mulheres não trabalham fora dos limites do lar, Gilmore (1982) chamou a nossa atenção para numerosos estudos que mostram que, na realidade, isso não constitui de modo algum um fenómeno mediterrânico geral. As variações dos papéis das mulheres, da força e do carácter do código de honra e vergonha, e do carácter da ilegitimidade dependem, diria eu, do sistema fundiário prevalecente, da forma dominante de organização familiar e das complexidades do sistema de estratificação social. No Norte de Portugal, onde as propriedades eram e continuam a ser pequenas, onde a família nuclear era e é a unidade básica de propriedade, não obstante as fases do ciclo da vida de agregados de família extensa ou múltipla, e onde a população agrícola incluía tanto pessoas com como pessoas sem terras, as mulheres desempenhavam um papel importante na força de trabalho não doméstico. O seu comportamento não podia ser nem era totalmente controlado, como era o das mulheres noutras regiões do Mediterrâneo tanto cristão como muçulmano, onde o sistema de produção económica e a divisão do trabalho nele baseada confinaram as mulheres ao âmbito doméstico, muitas vezes em grandes famílias extensas assentes na propriedade conjunta da terra.
102Além disso, o facto de as mulheres portuguesas herdarem em pé de igualdade com os homens e serem frequentemente favorecidas com o terço reforçou a sua independência económica e o seu papel no mundo da freguesia exterior ao lar. Mesmo em comparação com a situação das suas homólogas irlandesas, a situação da solteira portuguesa era muito menos precária. Como celibatária, permanecia normalmente junto dos pais até à morte destes. Quer como principal herdeira quer como co-herdeira, em regra tinha o direito de lá ficar depois de terem falecido. Na minha opinião, os pais seriam mais tolerantes em relação a um neto ilegítimo do que um irmão perante um sobrinho ilegítimo. Assim, as mulheres irlandesas, que, no meio rural, se viam totalmente privadas dos seus direitos, se não casassem, tenderiam muito mais a evitar um filho ilegítimo, se optassem por ficar no campo a viver com um irmão, ou a emigrar.
103Embora eu tenha dito que a divisão mais ou menos igualitária dos bens no Noroeste de Portugal pode ser um contexto para se compreender o carácter da ilegitimidade nesta região, a relação entre formas de herança e ilegitimidade não é de modo algum directa. Khera (1981), por exemplo, no seu trabalho sobre o campesinato austríaco, descobre exactamente o contrário. A ilegitimidade elevada está associada a regiões onde prevalecem a herança indivisível, casamento tardio e baixa nupcialidade, e a baixa ilegitimidade a regiões caracterizadas pela divisibilidade, casamento precoce e elevada nupcialidade. No Noroeste de Portugal, coincidem uma elevada ilegitimidade, divisibilidade da herança, casamento tardio e baixa nupcialidade.
104Obviamente, o modelo de emigração predominantemente masculino, que reduzia as perspectivas de casamento de numerosas raparigas, é uma variável actuante. A emigração proporcionava uma válvula de escape para os jovens que não queriam assumir a responsabilidade de ter mulher e filhos. Do ponto de vista da mulher, perante as ténues esperanças de casar devido à desequilibrada ratio de sexo e às difíceis condições económicas, entregar-se a um namorado pode ter sido uma última tentativa de arranjar marido. Para algumas, isso resultava; para outras, produzia o efeito oposto ao pretendido. Por outro lado, sem qualquer esperança de casar, ter um filho ilegítimo era a única maneira de realizar um aspecto da sua feminilidade que lhe era negado se se mantivesse dentro da legalidade. Se é, provavelmente, impossível sustentar que se tratava de uma estratégia consciente, destinada a garantir a segurança social na velhice, a verdade é que tinha esse resultado. Naturalmente, muitos destes filhos ilegítimos, especialmente os primogénitos, eram possivelmente concebidos num contexto de ingenuidade (no caso de namorados), se não de exploração feminina (no caso de criadas e algumas jornaleiras).
105O outro facto que deve ser recordado em relação ao campo do Noroeste de Portugal é que os jornaleiros sem terras e os lavradores-rendeiros constituíam uma proporção importante da população. Tanto Laslett (1980b) como Khera (1982) sugerem que entre as pessoas sem terras as questões da herança e do sistema fundiário não eram de uma importância vital e, portanto, o controlo paterno para evitar os nascimentos ilegítimos era menos rigoroso. Parece, sem dúvida, existir uma forte ligação entre um aumento da percentagem de trabalhadores agrícolas sem terras, caseiros e lavradoresrendeiros cerca dos finais do século XIX e durante os princípios do XX, e uma subida da ilegitimidade. Mais uma vez, porém, é importante tomar em consideração o que esta mudança da composição socioeconómica da população significava para os papéis das mulheres e o número crescente de oportunidades de actividade sexual pré-conjugal ou ilícita que gerava.
106O facto de a fecundidade ilegítima ser tão alta e se ter mantido alta até bem entrado este século confirma mais solidamente que o controlo deliberado da natalidade não fazia parte de um plano de acção demográfico de Santa Eulália ou do Noroeste de Portugal. Para atingir este objectivo, a fecundidade ilegítima teria de ter sido controlada também e isso não aconteceu. A descida da ilegitimidade durante o presente século pode ser atribuída a vários factores. Acima de tudo, é claro, figura a tendência geral para o descer da idade no casamento, associada a uma subida da taxa de nupcialidade de tal modo que muitos nascimentos que poderiam ter sido ilegítimos se tornaram gravidezes pré-conjugais. A subida da idade média das mães de filhos primogénitos ilegítimos, que ultrapassa a idade média das mães de primogénitos legítimos não é acidental. Estas mães solteiras podem ter perdido muitas oportunidades de casar e, aos trinta anos, consideraram que entregar-se a um homem era a única maneira de arranjar marido. Naturalmente, em relação a algumas a estratégia não resultava e algumas tinham posteriormente mais filhos ilegítimos, pois eram obrigadas a trabalhar como jornaleiras para criar o primeiro filho. Uma explicação igualmente importante para os rumos divergentes seguidos pela ilegitimidade e a gravidez pré-conjugal depois de 1930 reside no facto de a emigração ter descido muito acentuadamente durante as décadas de 1930 e 1940. Os homens que ficavam na terra estavam sujeitos a uma maior pressão da comunidade, se não também dos padres e dos elementos masculinos da família, para casarem com as mulheres que haviam fecundado.
107Recentemente, Goody (1983:212) sugeriu que, nas regiões onde as mulheres casavam cedo, a sua virgindade era mais importante do que naquelas onde isso acontecia quando estavam a meio ou no final da casa dos vinte anos.
Nas regiões onde as mulheres casam jovens, o código de honra pode ser mais facilmente respeitado e as suas violações são, simultaneamente, menos frequentes e mais graves. Além disso, o namoro de adolescentes é restringido, possivelmente determinado previamente por escolha dos pais. Por outro lado, o casamento tardio das mulheres faz que a castidade pré-conjugal seja mais difícil de manter; as escolhas são mais livres, os namoros são mais longos e o adiamento do casamento leva, se não sempre à ilegitimidade, pelo menos à gravidez das noivas e à aceitação de filhos nascidos antes do casamento dos pais.
108Por detrás desta diferença encontram-se provavelmente atitudes distintas perante as mulheres, as quais estão associadas fundamentalmente a definições da sua condição e papel. No primeiro caso, a mulher como jovem noiva é um objecto venerado que será integrado na casa paterna do marido e cujo principal dever será dar a essa linha masculina herdeiros, de preferência do sexo masculino. Deve ser pura, para que não haja dúvidas quanto à paternidade dos descendentes. No segundo caso, característico do Noroeste de Portugal, os homens procuram algo diferente ou pelo menos algo mais — mulheres que possam trabalhar e, portanto, contribuir para o êxito económico do novo agregado, partilhando o trabalho em pé de igualdade.
Notes de bas de page
1 Livi Bacci (1977) invoca fenómenos semelhantes para explicar a fecundidade ilegítima em Itália. Ver também Lee.
2 MacFarlane (1980a) também sublinha o facto de enquanto um estrato da sociedade poder considerar os nascimentos fora do casamento como um acto condenável, outro não o fazer.
3 Na realidade, o próprio Shorter distingue os tipos de encontros que podem ter levado a nascimentos ilegítimos, defendendo que todos os tipos estiveram presentes ao longo da história, mas que, em determinadas alturas, pode ter prevalecido um dos tipos. Refere o «enrolanço» dos namorados, as relações baseadas na exploração da criada pelo patrão, os contactos ocasionais ligados à coabitação temporária e, por último, o amor romântico. Stone (1977) distingue os casais de noivos, a sedução e a promiscuidade. Goode (1964) apresenta catorze tipos.
4 Mesmo no mapa de fecundidade ilegítima na Europa do século XIX, da autoria de Shorter, Knodel e Van de Walle, o Norte de Portugal sobressai como uma das zonas «mais negras». Na verdade, Laslett (1980:33) sugere que, tanto em Portugal como na Escócia, o espaço (ou seja, as variações regionais),parece ter sido mais importante do que o tempo. No Norte de Portugal, o distrito de Viana do Castelo, a que Santa Eulália pertence, nunca apresentou a taxa de ilegitimidade mais elevada, mas a ilegitimidade também nunca aí foi insignificante. Obviamente, o que é necessário é uma investigação mais pormenorizada, a fim de se apurarem as causas e variações locais. Brian O’Neill (1981), com base em dados reunidos numa pequena aldeia de Bragança (a região com a mais elevada taxa de ilegitimidade), sugere que o factor importante são os modelos de herança. Se a exclusão do acesso à propriedade conduz à ilegitimidade, como explicar o caso da Irlanda rural? Naturalmente, há uma diferença entre transmissão de bens antes e depois da morte, diferença que é importante considerar.
5 Leffingwell (1892), num dos primeiros estudos, aliás frequentemente citado, sobre a ilegitimidade, também menciona Portugal e a Irlanda ao mesmo tempo, como uma maneira de meditar profundamente sobre o impacte da religião. Como é possível, pergunta ele, que países que em princípio são igualmente católicos e onde se crê que a moral católica é igualmente respeitada, apresentem modelos tão diferentes de ilegitimidade? A sua conclusão consiste em negar que a religião seja a variável mais significativa e, em vez disso, centrar a sua atenção numa multiplicidade de causas, incluindo as práticas de namoro e as variações familiares.
6 MacFarlane (1980a) também levanta a questão, observando que a falta de uma perspectiva histórica por parte dos antropólogos que se debruçaram sobre o problema da ilegimidade nos levou, com frequência, à conclusão errada de que as diferenças entre o comportamento real e as normas são uma prova «do colapso da sociedade». Antes de eu própria ter estudado o material histórico em Santa Eulália, fui confrontada com declarações normativas acerca da ilegitimidade — é rara e sempre foi, foi sempre um pecado — e isto apesar de a mulher que foi responsável por eu ter começado a trabalhar em Santa Eulália primeiro (uma trabalhadora imigrante em França) ter tido ela própria um filho ilegítimo em 1954. Só depois de eu ter começado a trabalhar nos registos paroquiais é que comecei a aperceber-me da amplitude da fecundidade ilegítima num passado não muito distante.
7 Um informador idoso contou-me um comentário que lhe fora feito por uma mulher da freguesia que estava grávida antes de casar. «O primeiro filho», disse ela, «chega depressa. Depois, é preciso mais tempo e torna-se mais regular».
8 A expressão conversados também é usada para os casais que «saem juntos». É uma relação menos séria do que a existente entre os namorados e provavelmente é mais adequada para referir a sucessão de rapazes com que uma rapariga poderia «conversar» numa tarde de domingo.
9 Esta história da vida é mais desenvolvida no meu livro We Have Already Cried Many Tears (1982).
10 Como dissemos num capítulo anterior, as profissões passaram a ser mencionadas nos registos paroquiais de 1860 em diante, embora, por vezes, os padres fossem negligentes. Ainda que se tenha verificado que se deve interpretar o termo lavrador em sentido amplo, para descrever os camponeses detentores de terras mas com graus de riqueza variáveis (incluindo os lavradores-rendeiros), a distinção entre lavrador e jornaleiro era provavelmente correcta. Depois de 1930, há uma tendência para descrever a profissão de muitas mulheres simplesmente como domésticas, apesar de, muito provavelmente, a maioria delas fazer trabalhos agrícolas. Isto reflecte uma tendência dos censos nacionais para ignorarem o trabalho das camponesas na agricultura. São tratadas como «desempregadas».
11 O’Neill verificou haver uma predominância semelhante de jornaleiras que davam à luz filhos ilegítimos em Trás-os-Montes, nos finais do século XIX.
12 Uma francesa que registou as suas impressões sobre Portugal, num livro de viagens, chegou a conclusões semelhantes: «Uma particularidade curiosa dos costumes em Portugal, que parece contradizer a tendência para proteger zelosamente a família, é que raramente desprezam os bastardos. A esposa aceita-os muitas vezes, se nasceram antes do seu casamento, ou até depois dele, como se fossem seus e, tal como os seus próprios filhos, têm direito a herdar». (Adams 1896: 325).
13 O terceiro factor que Descamps menciona é o significativo papel das mulheres na economia agrícola rural.
14 Larkin (1972) defende que o carácter altamente piedoso e moral do catolicismo irlandês é, na realidade, consequência de uma revolução a nível da devoção, após a Fome.
15 Este «complexo de culpa» é minuciosa e habilmente analisado por Scheper-Hughes no seu estudo sobre a doença mental na Irlanda rural (1979c).
16 Douglass (1984) descreve um fenómeno semelhante no Sul de Itália, aproximadamente durante o mesmo período
17 Por exemplo, uma leitura rápida mas cuidadosa dos registos de expostos do concelho de Viana do Castelo em 1846 e 1847, mostrou que das 247 crianças que foram abandonadas nesses dois anos, 114 morreram. Na década 1860, os nomes de duas mulheres de Santa Eulália aparecem dando-as como amas de leite. Simoa Luisa, uma mulher casada, levou uma criança, Lourenço, nascida a 4 de Setembro de 1862. A criança morreu, a 18 de Setembro. Em Junho de 1864, Ana Marinho, de Santa Eulália, aceitou uma menina de três meses, recebendo um subsídio durante seis meses.
Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.
Proprietários, lavradores e jornaleiras
Desigualdade social numa aldeia transmontana, 1870-1978
Brian Juan O'Neill Luís Neto (trad.)
2022
O trágico e o contraste
O Fado no bairro de Alfama
António Firmino da Costa et Maria das Dores Guerreiro
1984
O sangue e a rua
Elementos para uma antropologia da violência em Portugal (1926-1946)
João Fatela
1989
Lugares de aqui
Actas do seminário «Terrenos portugueses»
Joaquim Pais de Brito et Brian Juan O'Neill (dir.)
1991
Homens que partem, mulheres que esperam
Consequências da emigração numa freguesia minhota
Caroline B. Brettell Ana Mafalda Tello (trad.)
1991
O Estado Novo e os seus vadios
Contribuições para o estudo das identidades marginais e a sua repressão
Susana Pereira Bastos
1997
Famílias no campo
Passado e presente em duas freguesias do Baixo Minho
Karin Wall Magda Bigotte de Figueiredo (trad.)
1998
Conflitos e água de rega
Ensaio sobre a organização social no Vale de Melgaço
Fabienne Wateau Ana Maria Novais (trad.)
2000