A casa e a comunidade
p. 149-152
Texte intégral
1A própria força da ligação do minhoto com a sua «casa» acaba por se transformar, no contexto da vida de lugar e de freguesia, num factor de desagregação e conflito social. Quando os interesses entram em conflito, o camponês é frequentemente muito feroz na defesa da sua própria casa. A sociedade da freguesia é restrita; assim, a competição com fins económicos e de prestígio pode ser muito intensa. O sucesso de uma casa significa quase sempre o fracasso de uma outra casa.
2A existência desta tendência desagregadora é reconhecida e deplorada, porque é considerada como um poderoso obstáculo à realização dos ideais da vida de lugar e de freguesia. Por isso, os residentes da freguesia recorrem a um conjunto de instituições, prescrições e proibições, cujo propósito é controlar essa tendência desagregadora e criar e consolidar a experiência de comunidade, uma componente muito estimada e importante da visão do mundo camponesa.
3O significado do termo comunidade precisa de ser esclarecido. Tal como muitos outros conceitos do pensamento sociológico, trata-se de um conceito politético (cf. Needham, 1975). Em termos globais, comunidade pode referir tanto «um complexo de relações sociais» como «um complexo de ideias e sentimentos». Um exemplo de uma utilização do conceito que confunde os dois significados é o ensaio clássico de Robert Redfield The Little Community (1973). Penso que a distinção entre os dois significados é importante; no entanto, a distinção que faço não é radical, pois há uma certa lógica para esta ambiguidade. Como observa Calhoun, «a dimensão experiencial [da comunidade] não é independente da dimensão estrutural; o sentimento de pertença a uma comunidade funda-se directamente nas relações sociais através das quais se pode pertencer a uma comunidade» (1980:109). É possível, assim, que os aspectos experienciais não sejam inteiramente dissociáveis do estrutural. Porém, pode extrair-se uma conclusão do reconhecimento desta ambiguidade: o que transforma um grupo de pessoas numa comunidade é a força do investimento realizado por cada um num conjunto de interesses comunalmente definidos. Esta força pode variar e, deste modo, pode existir mais ou menos «comunidade». Citando de novo Calhoun, «a comunidade deve ser vista como uma variável» (1980:109)1.
4Mas a comunidade não é variável só no sentido de que pode ser mais forte ou mais frágil; podem existir comunidades no interior de comunidades e comunidades que se criam em detrimento de outras. É assim necessário especificar os níveis em que pode identificar-se comunidade no Alto Minho, como é que a experiência de comunidade se manifesta a cada nível e se, nas suas diversas manifestações, esta experiência sofreu transformações nas décadas recentes.
Notes de bas de page
1 Ver o conceito de F.G. Bailey de «comunidade moral» que, seguindo uma formulação diferente, se relaciona, no entanto, com o mesmo problema (1971:302-3).
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