Capítulo II. Cultura e sociedade no quotidiano de alfama
p. 57-96
Texte intégral
1É o fado um dos elementos integrantes da cultura popular urbana de Lisboa, dos seus bairros antigos, de Alfama, neste caso? Qual é a pertinência teórica do conceito cultura popular urbana, e qual é a sua eficácia operatória? Ou, mais genericamente, o que vale o conceito de cultura popular?
2Quando nos dirigimos a Alfama, levávamos a expressão no bolso, ainda não muito trabalhada conceptualmente, mas como etiqueta classificatória, de utilização prática, nos contactos com as pessoas do bairro (e outras), sempre que se tomasse necessário explicar ao que vínhamos: «estudar a cultura popular, dos bairros da Lisboa antiga, de Alfama»; «estudar o fado como aspecto importante dessa cultura popular».
3Esta abordagem teve efeitos curiosos e mostra, exemplificativamente, que não é possível ao observador abordar a realidade social sem que as acções que desenvolve no sentido de a conhecer acabem por ter um efeito transformador dessa própria realidade (em maior ou menor escala). Quando iniciámos as nossas conversas com pessoas de Alfama, as respostas à nossa preocupação com a «cultura popular» vinham mais ou menos nestes termos: «Ah, sim…, cultura! Pois temos o teatro, a que infelizmente as pessoas vão pouco; temos as sessões de cinema, que passamos na colectividade aos fins-de-semana; temos a biblioteca.» Este tipo de resposta era generalizada. E se insistíamos com o fado, a seguir à sistemática alegação acerca da sua actual insignificância em Alfama com que deparámos inicialmente, as pessoas falavam então um pouco de fado e depois diziam: «Mas voltando à cultura…» Ou seja, como diz Bourdieu, «a definição dominante de cultura (estética, artística, etc.) impõe-se bem para além da classe dominante; as classes dominadas são dominadas pela definição dominante da cultura»61. Com a continuação dos nossos contactos, as equações (definições) que nós estabelecíamos (fado = cultura popular, festas = cultura popular, práticas do quotidiano = cultura popular, etc.) iam sendo tacitamente aceites pelos nossos interlocutores, pelo menos quando falavam connosco. O que teve pelo menos um efeito prático em certos meios: uma certa redignificação do fado, como algo que afinal «é cultura». Definição essa que aparecia legitimada pelos «cultos» enunciadores dos critérios de separação entre o que é e o que não é cultura, ou seja: nós! Não procurámos de modo nenhum produzir esse efeito, não desprezável, sobretudo numa conjuntura em que, como certamente em tantas outras situações, o fado é novamente objecto e veículo de confrontos de interesses, de estratégias de grupos, classes, correntes políticas. Mas o que é certo é que o fenómeno se deu, e alguns próximos investigadores sociais que abordem Alfama terão eventualmente a surpresa de encontrar no espírito de personagens que contactarem uma concepção actualizadíssima de «cultura popular». Teremos estado a contribuir para o que Pierre Besnard chama «a última invenção do sistema de dominação», ou seja, «a cultura popular como reanimação cultural»62? Citemos ainda o mesmo artigo: «Tratar os males duma sociedade doente na sua economia perturbada, no seu desemprego, na sua violência (mas na raiz de toda a violência: o recalcamento, o sistema de dominação?), policiada, domesticada, essa violência que tem nome: conflitos sociais, greves, mas também marginalidade, criminalidade, e que é dominantemente obra de indivíduos das classes populares (…). Porque não utilizar a cultura popular, ou o que se chamará como tal, para açaimar as energias ‘perversas’, reduzir os conflitos sociais? Michel Foucault mostrou bem a ascensão de gigantescos aparelhos repressivos que não funcionam unicamente pela violência física real mas evidentemente e cada vez mais pela violência simbólica: hospitais psiquiátricos, psicanálise, serviços psicológicos de prevenção, de readaptação, controlo dos trabalhadores sociais, quadriculagem institucional pela acção cultural, a animação e a escola em parte, etc. Porque não inserir a cultura popular na jogada, quer dizer, utilizá-la como instrumento ortopédico para adaptar, regular as condutas e modelar as mentalidades daqueles mesmos de que ela saiu?»63 A esta perspectiva preocupante não temos outra resposta que não seja a do próprio Pierre Besnard: «Mas a cultura popular não é a sopa popular; a nossa última hipótese é a que ela não se deixará comer sem se defender.»64
4Cultura ou culturas? O tema da cultura no plural é desenvolvido de forma aliciante por Michel de Certeau65. Raymond Labourie fala em pluralidade de culturas66. Geneviève Poujol diz, citando Edgar Morin, que as sociedades modernas são policulturais67. Pierre Besnard apresenta uma posição diferente. Diz que «todos os autores progressistas que fazem actualmente discursos sobre a cultura popular começam por cantar em uníssono com a classe dominante que aquela não existe, que ela é somente parcelar, não constituída, folclórica, mas em caso nenhum específica, em via de unificação, movimento social de emancipação e de autonomia»68. Expondo a sua própria posição, diz este autor que «a dominação cultural caracteriza esse campo cultural e que a cultura popular, de que nós afirmamos a existência, é necessariamente caracterizada como contracultura, como movimento social de luta pela sua diferença e pela sua autonomia»69.
5Num espírito mais virado para a investigação empírica, sobre que fenómenos devemos fazer incidir a nossa atenção com vista a termos uma ideia da cultura popular em Alfama? Socorremo-nos de mais algumas das múltiplas definições que se podem recolher em Les Cultures Populaires. R. Labourie: «Culturas compreendidas como conjuntos de modelos culturais e de normas simbólicas, constituindo sistemas abertos, quer dizer, em relação com a dinâmica social e política, e que se exprimem através de formas diversas e múltiplas: relações interindividuais, relações com o tempo e com o espaço, códigos linguísticos, produções reais e imaginárias…»70 Maurice Imbert, pela negativa: «É geralmente menos sob o ângulo das práticas culturais individuais e colectivas que do ponto de vista das ‘obras’ nas quais elas se reflectem (canções, provérbios, etc.) que essas culturas populares retêm a atenção. Há aí sem dúvida um indício suplementar duma concepção de cultura que se prende mais às produções culturais — ao património — do que à cultura vivida, actualizada na quotidianeidade da existência.»71 O mesmo autor faz uma síntese das divergências entre uma concepção elitista de cultura e uma concepção desenvolvida pelas ciências sociais, que vale a pena transcrever pelas valiosas indicações que fornece: «A bem dizer, a aparente confusão que experimentam as múltiplas definições da cultura parecem-nos resumir-se efectivamente quanto ao essencial a essa oposição simples, mas fundamental, que reenvia a três ordens principais de divergência: 1. Ao invés da concepção elitista, que circunscreve o campo da cultura às obras de espírito e à criação artística, as definições das ciências sociais englobam mais largamente o conjunto dos sistemas simbólicos, das regras sociais e dos saber-fazer que organizam as práticas da vida quotidiana e estruturam a vida colectiva duma sociedade, duma classe social, dum grupo étnico, etc. 2. A referência a critérios de ‘nível’ e de hierarquia de valor entre as diferentes formas culturais que intervêm de maneira determinante nas definições elitistas da cultura (artes maiores e artes menores, obras consagradas em oposição ao amadorismo, artes puras e artes aplicadas, etc.). Ela está ausente em contrapartida das definições etnológicas e sociológicas, para as quais as noções de ‘subculturas’ ou de culturas populares não implicam nenhum julgamento de valor e definem simplesmente componentes específicos dum conjunto cultural de que elas são partes integrantes. 3. Nestas concepções elitistas, a cultura é valorizada prioritariamente nos seus produtos. Donde o interesse dedicado antes de tudo às modalidades de criação, de difusão e de assimilação. Pelo contrário ela define-se em primeiro lugar, nas suas concepções alargadas, enquanto processo activo de expressão e de significação das práticas pelas quais cada indivíduo, cada grupo, cada sociedade actualiza a sua relação com o mundo, pelo trabalho, o jogo e as múltiplas actividades da vida quotidiana.»72 Pierre Besnard: «A cultura popular é um conjunto coerente de práticas culturais, de normas e de critérios culturais, de símbolos e de representações, de criações e de objectos que exprimem e respeitam à totalidade da existência quotidiana popular.»73 Reabastecidos assim de conceitos, voltemos a Alfama, e passemos uma breve vista de olhos por algumas das práticas e produtos culturais que aí se encontram.
6Ponto importante era ter uma ideia das festas. Começámos pelas da passagem do ano. Depois de termos feito um rápido reconhecimento, concluímos que havia algumas colectividades que promoviam uma festa de passagem do ano, destinada essencialmente a sócios. Os mais foliões ou com mais dinheiro iam a festejos fora do bairro. O carácter «familiar», «para sócios que querem passar aqui o ano pacatamente», foi-nos vincado. A primeira passagem do ano a que assistimos em Alfama foi na Boa União. Mesas postas no salão do andar inferior, com reservas feitas para sócios e famílias. Ficámos numa mesa com um amigo do Sérgio, cujos familiares não tinham vindo. Música moderna, músicas brasileiras (através de um gira-discos e colunas de som), dança aos pares, tradicional e danças modernas de origem anglo-saxónica. Igual a todos os bailes de colectividades. Mesas com as famílias e os grupos de amigos, com pastéis de bacalhau, coscorões, bolos trazidos pelas mulheres (que nos oferecem, das mesas ao lado, perante a nossa óbvia falta de «abastecimentos»). Na copa há um panelão de caldo verde e as bebidas (cervejas, espumante, vinho) compram-se ali mesmo. À meia-noite há apitos e barulho; abre-se o espumante. Um pouco mais tarde sorteiam-se rifas para uma garrafa de champanhe. Revertem para a colectividade, mas os dirigentes que promovem o leilão apelam para a moderação de cada um na compra de rifas em face da competição que começa a gerar-se por parte daqueles que querem afirmar-se comprando mais: «É para evitar a competição e que fiquem amanhã aborrecidos por gastarem muito dinheiro.» O rapaz que ganhou a garrafa distribui o champanhe por toda a gente. Também nos coube um copo. Acabou cerca das duas horas. Na rua não havia animação especial. Ficámos com uma dúvida terrível: era uma festa do tipo das que há em qualquer colectividade, igual a todas as outras, ou a argúcia do nosso «olhar» sociológico e antropológico não estava a funcionar? Mas já falámos destas nossas preocupações do início do trabalho de campo. Passemos à frente. Também passámos o ano no Corvense, numa altura em que já estávamos muito mais familiarizados com Alfama e em que já éramos sócios da colectividade. Festa de características semelhantes à descrita anteriormente. Feita apenas para sócios, com explicitado carácter «familiar». Mesa posta na sala interior, para a qual cada família ou grupo de amigos levava os seus petiscos e bolos. Baile animado e habitual surto de gritaria e apitos à meia-noite.
7As festas do Carnaval são, hoje em dia, essencialmente realizadas no interior das colectividades, enquanto que as festas dos Santos Populares têm como espaço de realização por excelência a rua. Isto marca uma distinção essencial entre os dois principais momentos festivos de Alfama. Por outro lado, as festas dos Santos Populares estão também actualmente muito viradas para o chamamento do turista e do visitante, muito orientadas para o ganho económico proveniente das despesas do forasteiro. No Carnaval, as realizações são puramente internas ao bairro. O que não quer dizer que não haja intuitos de realização de receitas por parte das colectivades (geralmente para subsídio de obras ou das actividades a que se dedicam). Mas nem sempre foi assim. Os mais velhos falam-nos dos Carnavais antigos, que eram festas de colectividade e de rua, com grande animação. Um componente essencial do Carnaval eram as cegadas. Estas consistiam em representações, declamadas e cantadas e, ao que pudemos perceber, com grande cunho de comentário e crítica social e política. Decorriam nas colectividades, onde se promoviam concursos de cegadas, com júris constituídos. A representação da cegada obedecia a normas prefixas, das quais a mais importante era a de que os assuntos fossem versados incluindo três fados, normalmente o Fado Menor, o Fado Bacalhau e o Fado Alexandrino, que obrigam pela sua estrutura musical a diferenciar o tipo de versos utilizados. Isto segundo informações do Sérgio, que nos seus tempos era grande amador de cegadas e membro do júri das que havia na Boa União. A estes fados juntava-se a parte de declamação. E o Sérgio conta-nos alguns fragmentos de letras de cegadas antigas. Uma, vencedora num dos referidos concursos:
Se o Arquitecto Supremo
Nos rege pela escritura
Dos ferverosos cristãos
Eu posso jurar por Demo
Que os defeitos da Natura
São feitos por suas mãos
8Diz-nos outras:
Trabalhai, meus irmãos trabalhai
Que o trabalho dá saúde, riqueza e vigor
Na orquestra da bigorna e do malho
Brotam hinos de paz e amor
9Outra cegada começava assim:
Olhem para esta desgraça
Nem pão na alcofa
Nem vinho na cabaça
Outrora quando era moço
Eu reguei com meu suor
Este chão divino e santo;
Hoje já velho e cansado
Vou semeando ilusões
Para as regar com meu pranto
10E outra ainda que, no tempo do fascismo, provocou uma intervenção policial, sob a acusação de ser comunista; começava deste modo:
O soldado ao desertar
Deixou escrito na caserna
Abaixo o capitalismo
Viva a escola moderna
11Havia ainda os travestis, as máscaras, os «chechés» ou «chachas», donde viria a «conversa de chacha». Vinham trajados de tricórnio e nariz de cartão, traziam uma almofada na barriga, meias, uma faca e um corno na ponta de um pau. Juntavam-se em grupos em volta das pessoas, faziam grande algazarra, inventavam uma conversa interminável e agressiva, e assim continuavam até a vítima ter de lhes dar dinheiro para se ver livre deles. E lá prosseguiram, seguidos de bandos de miúdos. Havia os cortejos nas ruas, no Enterro do Entrudo, que dantes era um só e terminava com um banho ao «morto» no Tanque dos Cavalos (Chafariz de Dentro). Havia as batalhas campais (as «tacadas») em que se atirava com o que vinha à mão. Os que estavam em casa arremessavam os mais variados projécteis e água sobre os participantes no desfile, que gritavam e arranjavam grandes seringas em cima de tubos para ripostarem, cá de baixo, com iguais banhos, aos que estavam à janela.
12As cegadas foram proibidas pelo regime fascista. Eduardo de Noronha dá conta com algum pormenor dos Carnavais da época do seu romance, e refere que «o governador civil teimou em policiar o Entrudo»74, o que desencadeou grandes tumultos, onde os eventuais principais animadores seriam os batalhões carnavalescos de Campo de Ourique e Alfama75, organizados a partir das únicas duas «púrrias» sobreviventes. Vale a pena uma transcrição a este propósito:
«O eminente etimologista Cândido de Figueiredo define nas sucessivas edições do seu dicionário, a palavra ‘púrria’, nos seguintes termos: ‘S. F. Gíria de Lisboa. Bando de garotos. Espécie de partido, entre os garotos de uma freguesia ou bairro, contra garotos de outro bairro ou freguesia.’
«É possível que em épocas recuadas a definição do insigne gramático se mantivesse dentro das normas da mais estrita verdade; no período em que decorre a acção desta narrativa havia nestes bandos garotos de pouco idade, é certo, mas constituía a maioria adolescentes bem crescidos e até homens feitos. Durante anos consecutivos, vindos de tempos imemoriais, todas as freguesias tinham mesnadas deste género. Acabaram com o desenvolvimento da polícia. Era uma escola má? Não era bom, mas oferecia, como todas as coisas desta vida, o seu lado bom. Aguerria os moços. Evitava talvez isto a que hoje o povo denomina ‘papos-secos’, género epiceno que os homens repelem e as mulheres desprezam.
«Com o rodar dos anos, fortes, bem organizadas só perduram duas — a de Alfama e a de Campo de Ourique — fundidas, para vários efeitos, até políticos, nos batalhões carnavalescos da mesma designação, mobilizados por ocasião do Entrudo. Faziam ambos as delícias dos papalvos quando desfilavam clangorosos e marciais pelas ruas da capital, com uniformes grotescos, armamento simulado, seguido das bagagens, representadas por uma carroça onde se ostentava o caldeirão do rancho e outros serviços mais ou menos cómicos, dos quartéis. Tornavam-se ainda mais jocosas, as figuras burlescas de fingidos rancheiros e outras entidades provocadoras de hilaridade ruidosa dos habitantes debruçados das janelas Ou aglomerados nas ruas.
«Esses, à primeira vista, inofensivos foliões, desdobravam-se em poderosos auxiliares dos propugnadores do regime republicano nos princípios de Outubro de 1910.
«Senão todos os domingos, pelo menos muitos deles, os bandos de Campo de Ourique, da Fonte Santa e de Alcântara mediam os seus valores combativos uns com os outros. Variavam as arenas onde os combates se produziam e também conforme a origem das hostes em presença. Umas vezes a escolha recaía no Alto dos Sete Moinhos, outras nos Terramotos, outras ainda mais ou menos nas imediações dos Prazeres, amplas superfícies, umas ocasiões, terrenos acidentados, outras, a fim de que os beligerantes habituassem a vista, os braços e as pernas à briga em todas as condições e relevo do chão.»76
13E ainda sobre o Carnaval, já que estamos com Eduardo de Noronha, não resistimos a transcrever este curto diálogo em que, na boca do senhor «Portugal», o autor desenvolve a sua apreciação sociológica (antiquada, já se vê) sobre estes festejos:
«— O Carnaval é, acima de tudo, uma necessidade comercial e industrial. O seu desaparecimento significaria uma perda importante para o comércio. Nessa quadra o dinheiro despendido em folguedos e diversões representa verbas importantes, para determinados estabelecimentos e casas de espectáculos…
— Há muito por onde ganhar dinheiro.
— Passado esse prazo, não encontram, com facilidade equivalente, noutra temporada vulgar. Há pequenas indústrias que vivem exclusivamente do Entrudo.
— Aprendam a fazer outras coisas.
— Sendo como é — prosseguiu imperturbável o senhor ‘Portugal’ — uma necessidade económica, toma-se indispensável tolerá-lo, senão mesmo fomentá-lo, imprimindo-lhe maior amplitude, mais vigor, outras condições de vida, insuflar-lhe a animação que o electrizou outrora entre nós e que nunca perdeu no Sul da França, na maioria das cidades da Itália e em toda a Espanha.
— Eu tenho muito respeito pelo senhor ‘Portugal’, que é mais velho que eu e sabe mais que eu, mas lá meter-me na cabeça que o Entrudo serve para alguma coisa, isso é que não é capaz — declarou muito peremptoriamente o mareante.
— Está provado que a Humanidade precisa patentear-se tal como é, de ora em quando. Em vez de arrancar a máscara, põe-na — sublinhou, sorrindo, o senhor ‘Portugal’. Logo continuou: — Ao abrigo dela, como se fora uma biqueira, deixa correr toda a água represada no telhado do seu juízo…»77
14Pelo que pudemos observar, hoje em dia a utilização da rua como espaço da festa é restrita. Limita-se a alguns breves cortejos de Enterro do Entrudo, que observámos à meia-noite de terça-feira, na entrada de quarta-feira de Cinzas. Assistimos por várias vezes a festas nas colectividades, nas noites de sábado, domingo, segunda e terça-feira de Carnaval. Estivemos no Tejolense, no Magalhães Lima, nos Onze e no Corvense. Com discos ou mesmo com um conjunto (no Magalhães Lima), grande parte da festa consiste no baile, nos petiscos e na cerveja. Pontos altos são os concursos de máscaras e, culminando, o ritual do Enterro do Entrudo.
15No Corvense acompanhámos a sequência dos festejos com mais pormenor. No sábado havia baile. À entrada alguns jogos (de pontaria, sorteios, etc.) destinados a recolher fundos para a colectividade. Decoração nas paredes, com desenhos. Serpentinas. Ambiente animado. Gente nova e velha a dançar. Miúdos presentes, acordados até às tantas da noite. Acabou por volta das cinco da manhã, com os últimos foliões, já tocados muitos deles, sentados nos degraus das portas do largo frente ao Corvense, naquela característica incapacidade de se decidirem a ir embora. No domingo, além do baile, houve palhaços. Na segunda-feira dançou-se também e houve um concurso de máscaras, em que predominavam os travestis; participaram no concurso adultos e crianças. Na terça-feira de Carnaval havia o Enterro do Entrudo. Anteriormente tínhamos podido constatar da parte dos dirigentes da colectividade uma certa reticência em promover essa cerimónia habitual devido a alegados «excessos» e desordens de anos anteriores. Acabou no entanto por realizar-se. À meia-noite. Havia alguns rapazes vestidos com panos e plásticos (para se protegerem o mais possível da água com que os iriam borrifar). Um representou o morto, deitado em cima de uma padiola. Os outros eram os acompanhantes, que o transportavam. E ainda um homem, mascarado de viúva, a chorar e a gritar lamentos alternados com insultos e pancada ao morto. Formou-se um cortejo, com estes figurantes à cabeça, que apenas percorreu os corredores da colectividade, e estacionou na sala do baile. Atrás ia um mascarado de padre, de preto, e um sacristão, benzendo, com um pincel molhado na água de um balde, a assistência. O padre leu um «testamento» escrito pouco antes por um dos dirigentes da colectividade, consistindo em insinuações e comentários críticos, apresentados de forma elíptica e jocosa, a sócios e, em particular, a membros da direcção do clube. Nessa altura, alguns elementos mais irreverentes da assistência começaram a bombardear o morto, o padre, o sacristão e os acompanhantes com sacos de plástico cheios de água. Gerou-se confusão, mistura de risos com protestos, sobretudo da parte dos participantes no cortejo e dos dirigentes da colectividade, que criticaram indignados aqueles procedimentos. Após uma rápida limpeza da sala, recomeçou o baile. Em anos anteriores tinha havido um curto percurso de rua do cortejo carnavalesco. Noutras colectividades procedia-se do mesmo modo, e alguns dos cortejos visitavam-se mutuamente nas respectivas sedes. Acompanhámos ainda o cortejo do Tejolense que saiu à rua, percorrendo as vielas mais chegadas e regressou ao clube. A composição do cortejo era semelhante à do Corvense. Na rua, as pessoas que se integraram no cortejo gritavam desalmadamente. De algumas janelas atiravam-lhes água. Havia também uma troca de arremessos de lixo. Voltados à colectividade, prosseguiram o baile, os comes e os bebes.
16Voltámos a assistir, em anos seguintes, a outras festas do Carnaval em Alfama, nomeadamente no Corvense. Com pequenas variantes, a sequência é a mesma. Nuns anos sai-se à rua com o cortejo (depois da cerimónia no interior da colectividade) e visitam-se os outros clubes mais próximos: o Ginásio e o Tejolense. Noutros anos o cortejo é apenas dentro de portas. Numas alturas o morto é um rapaz mascarado, noutras alturas é apenas um boneco. Também os concursos de máscaras se mantêm, com maior ou menor relevo, chegando a haver dois em dias diferentes, um para os miúdos outro para os graúdos. O concurso das crianças é ocasião para um grande investimento das famílias em máscaras nas quais se apela para a actualidade e impacte dos personagens e dos temas, para a imaginação e para o trabalho de confecção doméstica e ainda, frequentemente, para um dispêndio económico não desprezável na compra de ricas indumentárias. Aparecem assim tanto as máscaras de personagens divulgados televisiva ou cinematograficamente («Zorro», «Super-Homem», «Astronauta», «Dançarina-Jazz») como as da tradição mítica como as «Princesas» e as «Fadas», passando pelas referências aos símbolos clássicos do universo das classes dominantes (a «Dama Antiga») e pelo «traje típico» nacional («Minhota», «Campino», «Peixeira da Nazaré») e mesmo estrangeiro. A máscara grotesca está quase ausente destes concursos, o que não quer dizer que não apareçam, «fora concurso», bastantes crianças com máscaras desse tipo, mais ou menos improvisadas. O processo de apuramento dos vencedores traz ao de cima as rivalidades; há sempre protestos, mais ou menos intensos, e contestação dos júris (que tendem a assumir o modelo dos concursos da televisão). Já as máscaras dos adultos, mesmo as que aparecem nos concursos, são dominantemente máscaras grotescas, dos mais variados tipos, com grande número de travestis78.
17Na rua, na madrugada de quarta-feira como nos outros dias, pequenos grupos regressam a casa, surge uma ou outra rixa provocada pelo álcool, ouve-se alguém cantarolar. No sábado seguinte, o ciclo das festas de Carnaval, aparentemente encerrado na madrugada de quarta-feira de Cinzas, tem um novo surto. É o baile da Pinhata. Nas salas onde se faz o baile constrói-se uma «pinha» com guitas e papéis, que é desmanchada à meia-noite, através de cordéis que cada um puxa, através do que se apura um vencedor do prémio escondido no interior da pinha.
18Em Junho decorrem as festas dos Santos Populares. Seria interessante averiguar os motivos que levaram a que, na cidade de Lisboa, tenha sido precisamente em Alfama que estas assumiram a sua maior expressão. É estranho que Eduardo de Noronha, no romance que temos citado, não refira as festas dos Santos Populares — ele que se preocupa em dar notícia das principais facetas do bairro alfamista. Por outro lado, António Botto situa a acção da sua peça Alfama79, de 1933, precisamente nesta quadra festiva, referindo a animação que se vive nas ruas. As marchas dos Santos Populares promovidas em Lisboa como elemento decisivo da política cultural do Estado Novo começam em 1932. No ano em que iniciámos os contactos com Alfama demos conta das primeiras referências aos preparativos para as festas dos Santos Populares por volta de Março. Começaram nessa altura a discutir-se na Boa União os problemas da realização dum trono de Santo António (a retomar uma tradição antiga), da participação ou não nas marchas promovidas pela Câmara, e para as quais era tradicionalmente a Boa União a encarregada de organizar a participação de Alfama. Realizou-se o trono (instalado na ampla sala que a colectividade tem no piso inferior, com grandes painéis pintados pelo Brandão, um artista plástico e organizador de marchas, muito conhecido em Alfama e noutros bairros populares de Lisboa), mas não houve entendimento com a Câmara quanto à participação nas marchas. O trono compunha-se de uma escadaria construída dentro da sala (reproduzindo as escadarias do próprio bairro, onde, em vários locais, se instalaram, noutros anos, vários tronos de Santo António). Ao cimo do trono, a figura tradicional de Santo António com o Menino nos braços. Dos lados da sala, os dois painéis pintados, a toda a largura das paredes, reproduzindo duas vistas do bairro de Alfama. Vasos com arbustos, luzes, uma fonte e uma bilha, um prato para receber os donativos voluntários dos visitantes.
19Noutro ano visitámos o trono de Santo António construído no Adicense, outra colectividade das mais antigas do bairro. O trono foi instalado nas instalações que o Adicense possui na Rua de São Pedro, obedecendo a sua concepção ao mesmo esquema genérico.
20Em volta das festas geram-se conflitos de interesses quanto a subsídios, pagamentos das despesas para as marchas, para a iluminação, decoração com vasos de arbustos, com flores e com festão, para a música; quanto às autorizações para a instalação de retiros para venda de sardinhas, caracóis, chouriço, vinho e cerveja; quanto ainda a quem organiza esses retiros: colectividades, grupos de vizinhos, famílias isoladas. Sobrepõem-se a estas divergências os efeitos de diferentes simpatias políticas, a interferência de grupos de pressão variados. As queixas de falta de apoios camarários suficientes é actualmente muito generalizada.
21Pelo menos um bom mês antes do Santo António é usual começarem os preparativos para a decoração das ruas e a instalação dos retiros. Mas a organização da marcha (quando se faz) e dos tronos inicia-se normalmente muito antes. Pelo contrário, é também frequente certos retiros serem improvisados praticamente de véspera, depois de os seus habituais organizadores manifestarem durante algum tempo a sua indisponibilidade para «desta vez» se prestarem a «toda a trabalheira» que isso dá.
22Embora as festas se prolonguem entre o Santo António e o São Pedro, o dia mais animado é a véspera de Santo António (e eventualmente algum sábado próximo do São João ou do São Pedro). Estivemos em vários retiros e nos bailes da rua. O principal é o que se realiza no Largo de São Miguel, normalmente com conjuntos modernos, violas eléctricas e música actual. Grande animação dançante, de gente nova, neste local aonde, no Santo António, são arrastados magotes intermináveis de lisboetas forasteiros, depois de comprarem um manjerico com quadra em papel no Largo do Chafariz de Dentro. Baile doutro género foi aquele por que passámos junto ao Arco de Dona Rosa, com a sua interessantíssima taberna instalada numa antiga capela, de que guarda os azulejos e outros vestígios80. Encontrámos aqui, ainda, o tradicional cavalinho, composto por quatro instrumentos de sopro e uma bateria. Cinco elementos era o que sempre nos tinham referido quando à composição destes cavalinhos, montados noutros tempos no Carnaval e nos Santos Populares, em grande número, por toda a Alfama. Tocavam, como habitualmente, em cima de um estrado de madeira, assente em quatro postes, a uns três metros do chão — vestígio da necessidade de instalar estas pequenas orquestras (compostas por elementos de bandas lisboetas, que aqui vêm fazer um pequeno «extra») nos estreitos espaços disponíveis, possibilitando que por baixo se dance e se vendam bebidas. Aqui dançavam-se marchas, tangos, música brasileira, músicas populares tradicionais — algumas do folclore da província, outras de todos os bailes populares; dançava-se aos pares ou em rodas num ambiente menos barulhento, mais desafogado, frequentado por gente de todas as idades, com ar mais «popular» que no de São Miguel.
23Mas há alguém que nos pode dizer algo mais do Santo António em Alfama. É Armando Santos, poeta e fadista amador do bairro, que a seguir ouviremos mais demoradamente, e a quem ouvimos cantar a sua composição Alfama de Santo António no Fado Manuel Soares:
Venham ver a minha Alfama
Dessa moirama, tão afamada
Venham à velha Lisboa
De gente boa, de gente honrada
Santo António padroeiro
É o primeiro, dos Populares
Que em Junho, p’las noites quentes
Oferece ardentes, lindos cantares
Venham ver lindas pequenas
Belas morenas, parecendo moiras
Há rodas, há bailaricos
Há manjericos, e casadoiras
Qualquer pátio e viela
Qualquer janela, está enfeitada
Mesas, vinho, e canjirões
E há pregões de sardinha assada
Há cravos por todo o lado
E o nosso fado não está esquecido
É escutado com fervor
Com muito ardor, por nós tão querido
24De Armando Santos é também o poema Como eu vi a noite de Santo António de 1979, precioso documento etnográfico, que a seguir transcrevemos:
Há ar festivo no ar
Duma azáfama transcendente
Assim que o dia acabar
Alfama é de toda a gente
É noite de Santo António
E a gente cá do burgo
Em honra do taumaturgo
A trabalhar, é demónio
Há tronos por todo o lado
Manjericos ao relento
Em mercado improvisado
Mesmo ao Chafariz de Dentro
Barracas iluminadas
Onde só cor predomina
Desde a alcachofra queimada
Aos cravos de purpurina
Bandeirinhas desfraldadas
No verde do manjerico
Com quadras, ternas amadas
A falar de namorico
E mulheres apregoando
Que mais parecem cantar
Gritando de vez em quando
Regar, e pôr ao luar!
Mui contente a petizada
Bandeja em pequena mão
E em corrida apressada
Pedem pró Santo um tostão
Pois não há noite em Lisboa
Que tenha tanta loucura
Tudo é festa que ressoa
Em mocidade, e frescura
É ver chegar aos magotes
Rapazes, e raparigas
Que em variados motes
Ao Santo cantam cantigas
Ruas, acima, abaixo
Encontrões, e gritaria
Formando por vezes cacho
Em bloco de euforia
Mal se podendo romper
As ruas, só multidão!
E gente sentada a comer
Sardinha, a pingar no pão
A sair do fogareiro
Cujo fumo empesta odor
Desde Adiça ao Peneireiro
Da Cantina ao Salvador
E passando p’lo Pocinho
Recanto de certa graça
Tens São Miguel direitinho
Mesmo a São João da Praça
Quem é que não faz negócio
Pois Alfama é mesmo assim
Desde a pevide ao tremoço
Arroz-doce, amendoim
Passa uma marcha distante
Com estrofes, cá vai Lisboa!
E pela noite adiante
Santo António é coisa boa
Mas num recanto escondido
Do bulício afastado
Em silêncio apetecido
Guitarras gemem um fado
Retiros com tradição
Que de tudo, o melhor serve
Lá está Boa União
O Vidinhas, Zona Verde
Bemardino, Recoqueira
os Mários, e as Marias
O Pipi, té a Regueira
da alegria são vias
E quem a Adiça descer
Em pano rijo, ou já frouxo
Está São Rafael a ver
Rua São Pedro, o Zé Coxo
O beco de Santa Helena
Do Garcês, ou da Formosa
Castelo Picão, são acenos
Pátio Prior e Cardosa
Santa Engrácia, Santo Estêvão
Ruas, travessas, e mais!
Recordações, todos levam
Até das Escolas Gerais
Se vieres p’lo Arco Escuro
Portas do Mar, p’lo teu pé
Tens quebra costas no muro
da igreja da velha Sé
Parece um fogo pegado
Visto de Santa Luzia
Nesta noite iluminado
E fogo! Mas de alegria!
Figuras não quero esquecer
De grande contribuição
E que dão brilho a valer
António Graça, o Brandão
Mas quando as luzes se apagam
E neste bairro, adormecem
Da mente, jamais se apagam
Recordações que não esquecem
E já alta madrugada
Anúncio que dia traz
Cada um vai de abalada
P’ra suas casas, em paz
25Examinemos ainda, muito brevemente, todo um conjunto de aspectos da vida cultural de Alfama, antes de nos pormos algumas interrogações sobre essa vida cultural centradas, como compete a este trabalho, em tomo do fado. Um aspecto importante são as colectividades, que existem espalhadas por Alfama em número de quase uma dezena. Temos frequentado sobretudo duas: a Sociedade Boa União, a mais antiga, na freguesia de São Miguel, e o Sport Benfica Corvense, das mais recentes, na freguesia de Santo Estêvão. Grande parte da vida colectiva de Alfama processa-se em tomo das colectividades. Prestam alguns serviços fundamentais, como, por exemplo, os banhos (grande parte das habitações não têm instalações para banho). Reúnem-se aí os sócios, onde, no dia-a-dia, vêem televisão, tomam a bica e o bagaço, bebem cerveja, jogam cartas e dominó, bilhar e pingue-pongue. Algumas promovem teatro, projecção de filmes, sessões de fado. Quase todas dinamizam práticas desportivas, actividade que é a que recolhe maior adesão. Algumas, como o caso do Corvense, incentivam em grande escala actividades desportivas para crianças e jovens — do que se orgulham justamente. Este aspecto das práticas desportivas é um daqueles que normalmente é marginalizado pelos estudos sobre a cultura popular, com base em concepções inadequadas do que se deve entender por tal. Não vamos retomar uma discussão que já atrás aflorámos. Apenas duas citações. De Jean Duvignaud: «Se os operários ou os camponeses preferem o desporto, é porque o desporto lhes traz um elemento concreto que as outras manifestações estéticas já não possuem, talvez esse ‘teatro físico’ de que falava Artaud.»81 Pierre Belleville, falando do lugar restrito que ocupam actividades de lazer exteriores à casa, as saídas para espectáculos e as diversas práticas culturais no orçamento-tempo dos trabalhadores manuais, acrescenta: «São excepções certas práticas individuais de manutenção corporal (ginástica, natação), as práticas desportivas que são também ocasião de criar uma vida relacional informal (futebol) e a festa.»82 Voltando ainda às colectividades como tais, não queríamos deixar de chamar a atenção para um artigo de Maurice Agulhon sobre a «sociabilidade popular e a sociabilidade burguesa no século xix»83. É que a sua referência aos círculos, clubes, cabarés, tascas, locais de trabalho, etc., como centros de sociabilidade formal e informal, parece aplicar-se a estas colectividades de Alfama.
26A compreensão do papel destas colectividades tem que ver com o tempo, com a história, e tem que ver com o espaço, com os sítios em que elas estão implantadas. Quanto à história das colectividades, façamos alguns breves apontamentos. Foram criadas ao longo de mais de cem anos. A Sociedade Boa União (Beco das Cruzes), a mais antiga, data de 1870. O Clube Sportivo Adicense (Rua Norberto de Araújo e Rua de São Pedro) foi fundado em 1916. O Sport Lisboa Os Onze (Beco dos Cativos) é de 1927. O Clube Recreativo 21 de Março (Rua Norberto de Araújo) foi fundado no dia que o nome indica do ano de 1927. De 1940 são tanto o Ginásio Clube de Alfama (Calçada de São Vicente) como o Tejolense Atlético Clube (Escolas Gerais). O Sport Benfica Corvense (Rua dos Corvos e Rua das Escolas Gerais) data de 1961. E, finalmente, o Centro Cultural Magalhães de Lima (Largo do Salvador), aberto em 1975 como centro cultural pertencente às juntas de freguesia e a todas as colectividades do bairro, passou a colectividade em 1976. Referimos aqui apenas as colectividades pertencentes às freguesias de São Miguel (Boa União, Adicense, Os Onze, 21 de Março, Magalhães Lima) e de Santo Estêvão (Tejolense, Ginásio e Corvense). Como se vê pelas datas estas «associações de cultura e recreio» foram-se formando em diversas conjunturas históricas. À respectiva fundação presidiram também diferentes finalidades explícitas: convívio, beneficência e, dominantemente, desporto.
27A criação pioneira da Boa União, como já assinalámos, obedeceu a um claro intuito da burguesia e sobretudo da pequena-burguesia local (comerciantes, pequenos industriais, funcionários públicos, etc.) de criarem um espaço de convívio «respeitável», alternativo às tascas e às ruas frequentadas pelos marinheiros, carregadores, marginais e prostitutas que, no último quartel do século passado, povoavam o bairro. As actividades consistiam então sobretudo em almoçaradas periódicas. Por volta dos anos vinte começaram a entrar para a colectividade, que entretanto se dotara de estatutos formais, elementos doutras extracções sociais, alguns deles operários e empregados do comércio (casos respectivamente do Sérgio e do Nogueira, que nos contam muitas destas coisas). E se bem que as almoçaradas e os fados continuassem, tal como os jogos da laranjinha, das cartas, do futebol, os carnavais e as cegadas, passou a fazer-se entusiasticamente teatro amador (com grandes tradições na colectividade), montou-se uma óptima biblioteca, instalaram-se aulas de português, de línguas estrangeiras e de esperanto, iniciaram-se as classes de ginástica. Foi a época áurea da Boa União, que foi construindo por fases as excelentes instalações que actualmente possui. No financiamento dessas obras e realizações intervieram personalidades como Altino do Tojal, através dos quais se processava também o relacionamento com as gerações sucessivas de governantes, embaixadores, artistas, intelectuais, que começaram a visitar (e, eventualmente, a apoiar) a Boa União como «sala de visitas» por excelência de Alfama. Ali se chegou a deslocar o Presidente da República do salazarismo e do marcelismo, Américo Tomás. Era também a Boa União que representava o bairro nas marchas populares. Tudo isto não impediu a existência na colectividade de fortes tendências oposicionistas, levando a variadas intervenções da Censura e da polícia, lembradas em histórias de resistência e de astúcia, presentes ainda no posicionamento político e na visão do mundo de muitos dos sócios mais influentes.
28A Boa União teve (e ainda tem), por um lado, uma importância inegável nas relações do bairro com o exterior, nomeadamente enquanto veículo de fenómenos de paternalismo populista, de clientismo e de aspectos de propaganda cultural promovida a partir dos lugares de poder. Por outro lado, a sua importância não foi menor enquanto palco de movimentos de tomada de consciência, de educação popular e de luta contra o regime fascista. Se a articulação entre estas duas dimensões da história da colectividade se processou em formas ambíguas, a riqueza e complexidade dos processos sociais que atravessam a Boa União inclui ainda outros aspectos importantes. Um deles consiste numa postura de marcada selectividade. Só os homens eram sócios até aos anos sessenta (as mulheres só começaram a entrar em grande número para sócias após o 25 de Abril de 1974). Esta é aliás uma característica que se estendia a outras colectividades. Mas, além disso, na Boa União, o número de sócios, sendo grande, era limitado. Por vezes era necessário que um sócio antigo desistisse ou morresse para que abrisse uma vaga. Por outro lado, os sócios entravam, no início, condicionalmente, só depois passando a um estatuto de pertença definitiva, se tivessem entretanto «um bom comportamento». O critério da compostura, do respeito e da conformidade moral era decisivo — e ainda o é, através de processos de controlo mais informais. Esta selectividade é por vezes apresentada de maneira negativa por colectividades rivais, que comentam o rigor da Boa União como «elitista», afirmando que quem lá mandava eram «os carapaus», designação atribuída a famílias preponderantes na vida da colectividade. A este aspecto que, com as suas múltiplas raízes, conexões e implicações, faz parte das representações conscientes e do discurso explícito dos protagonistas (quer dos da colectividade, quer dos de fora — positivamente valorizados pelos primeiros e negativamente pelos segundos), vem juntar-se uma outra faceta de selecção, bastante menos aparente. É que, se cerca de metade dos habitantes da freguesia de São Miguel e, mais genericamente, de Alfama, são oriundos de regiões rurais, a quase totalidade dos sócios da Boa União é de Lisboa. Um outro fenómeno interessante é o da relati.va mobilidade social ascendente, mormente intergeracional, de um número significativo dos sócios mais dedicados à vida da colectividade, mobilidade que traz consigo, muitas vezes, uma mudança de residência para os bairros modernos da periferia da metrópole lisboeta (principalmente na geração seguinte). A análise do significado destes dois últimos aspectos (selectividade de origem bem como mobilidade social e espacial) levanta problemas muito interessantes que não podemos desenvolver aqui84.
29Todos os vectores da vida da colectividade que acima brevemente assinalámos entrelaçam-se de forma imbricada. Da sua dinâmica conjunta, a par da alteração histórica dos contextos sociais envolventes, decorreram as principais fases por que passou a Boa União. No actual estádio, caracterizável como o de uma dinâmica relativamente menor (sobretudo a nível de realizações ligadas ao modelo legitimado de práticas culturais com intuito pedagógico: biblioteca, conferências, teatro), terão intervido desde factores de alteração do relacionamento da colectividade com os meios política e culturalmente dominantes, de modificação das práticas de protesto e militância dos seus sócios, de reordenamento das relações com a população do bairro (nos seus vários segmentos). Não deixará de ter um lugar de relevo o fenómeno apontado de mobilidade social e espacial, através do qual muitos dos entusiastas mais assíduos e com possibilidades de fazer transmitir aos descendentes uma dedicação à colectividade tenham mudado de residência para fora do bairro ou tenham sido os seus filhos a fazê-lo. Embora alguns continuem, vindos todas as noites, ou apenas aos fins-de-semana, a frequentar a colectividade, o processo maciço foi o do afastamento. Se a pertença às actividades directivas e culturais da Boa União foi um dos mecanismos duma certa mobilidade ascendente, é uma ironia social que esse sucesso tenha contribuído para um relativo declínio da vida colectiva da associação. No entanto, não vão deixando de aparecer iniciativas de vário tipo protagonizadas por grupos de jovens. Alguns têm-se interessado também pelos cargos de direcção. Está ainda por saber se uma nova fase de intensa dinâmica, com características actualizadas, estará prestes a iniciar-se e a adquirir continuidade.
30Duma forma mais geral, as colectividades de Alfama parecem atravessar ciclos de maior ou menor pujança, muito ligados à presença das gerações que as fundaram ou que, em determinada altura, lhes vieram dar novo rumo e renovados incentivos (ciclos que também dependem, é claro, das sucessivas conjunturas socioculturais). Por exemplo, no Corvense, os actuais dirigentes e frequentadores assíduos são ainda em grande parte os próprios fundadores. Colectividade dos anos sessenta deste século, quase cem anos mais recente que a Boa União, os intuitos com que surgiu e as práticas a que se tem dedicado incidem sobretudo na área desportiva (em particular no futebol) e numa grande preocupação com o fomento de actividades para as crianças e os jovens, alternativas à socialização na rua e na marginalidade em que Alfama é fértil. O cinema, teatro infantil, festas e palhaços são algumas realizações. Mas a principal tem consistido no desporto, em modalidades que vão do futebol à natação. Até há pouco tempo era inclusivamente habitual o Corvense promover aos fins-de-semana a deslocação de grande número de miúdos ao Estádio Nacional, onde lhes eram proporcionadas aulas de natação e a prática de várias outras modalidades desportivas — actividades que estão momentaneamente suspensas por não terem sido renovados os subsídios necessários. Apesar destas e doutras dificuldades que atingem a generalidade das colectividades deste tipo, a vida colectiva do Corvense tem um dinamismo a que não é alheio o facto de os seus dirigentes e membros mais influentes serem ainda, em grande parte, os próprios fundadores, presentemente na faixa etária dos trinta e dos quarenta anos.
31Actualmente as colectividades são das formas institucionais locais mais importantes na vida colectiva do bairro e constituem sedes de estruturação e afirmação de grupos de vizinhança e de amizade, de pontos de apoio para estratégias de afirmação de poder e influência de pessoas e grupos, em complementaridade e rivalidade com outras fontes de influência: grupos profissionais, afinidades de origem geográfica, agrupamentos políticos, bandos de «valentões», etc. Mas as colectividades têm que ser analisadas no contexto duma malha de inter-relações socioculturais que se desenvolvem no espaço e se cristalizam em sítios, os quais constituem como que uma quadrícula de «subzonas» dentro do bairro de Alfama. Esses sítios articulam normalmente quatro elementos importantes: a colectividade, a tasca, a leitaria-mercearia e a rua. Da complementaridade e conflitualidade entre estes elementos são exemplo, entre tantos outros, os despiques e rivalidades a propósito das despesas com a organização de «retiros» e com a decoração das ruas para as festas dos Santos Populares, bem como a propósito da repartição dos clientes e receitas. Por outro lado, o círculo de frequência de cada um desses locais não coincide totalmente: há diferenciação de utilizações, de horas e de momentos próprios para cada um. Isto quanto às tascas, onde se processa grande número das práticas culturais que são efectivamente constitutivas da vida social, e de sociabilidade, do bairro; quanto às leitarias-mercearias que polvilham igualmente toda a Alfama (não há grandes supermercados), condicionam a forma como se processa a gestão das práticas de consumo e, curiosamente, apresentam hoje em dia um ar relativamente próspero, com modernos balcões-frigoríficos em estabelecimentos de reduzidíssimas dimensões; quanto ainda à forma de utilização da rua. Desta última haveria muito a dizer, sobretudo se articulada com a análise das habitações. A rua era muito utilizada, no tempo quente, para dormir. Era (e é ainda) largamente utilizada para se comer. A rua é ponto de encontro e de permanência. Encostados à parede conversam grupos de homens e de rapazes. As mulheres também aí se juntam, mas em pequenos círculos, mais frequentemente ao longo do dia (muitas não têm emprego). Na rua há vendas de peixe e de legumes (embora o mercado seja mais concentrado na Rua de São Pedro e em parte na Rua de São Miguel). Na rua ainda, de vez em quando, há alguém que, ao cair da tarde ou à noite, aparece com uma guitarra ou uma viola, dedilha e canta. Na rua aparecia de madrugada, no fim duma noitada de boémia, a mulher da fava-rica (os mais velhos ainda se lembram das últimas mulheres que o faziam há vinte ou trinta anos); na rua aparecia também o «erre, erre mexilhão!», as castanhas, o aguadeiro e, hoje ainda, o vendedor de farturas. Na rua os miúdos jogam à bola ou treinam, nos poucos lugares planos (adro da Igreja de Santo Estêvão), habilidades efémeras da moda lúdica, como os skates. Noutros tempos jogavam ao pião, ao berlinde, às púrrias (para o que se muniam, no ferro-velho, de capacetes militares da Primeira Guerra) e, claro, à bola. Na rua estende-se a roupa, o que permite apreciar um manancial de aspectos, dificilmente acessíveis, da vida quotidiana, incluindo os hábitos sexuais da população. Na rua, finalmente, há lixo, em quantidade. Participámos numa campanha de um mês de «Saúde e Limpeza», promovida pelas duas juntas de freguesia, com a participação de algumas colectividades. Realizaram-se sessões de filmes e diaporamas sobre o assunto, conferências, manifestações desportivas, sessões de pintura e modelagem para crianças, etc. Colaborámos com a Junta de Freguesia de Santo Estêvão num inquérito aos habitantes sobre o problema da implantação dos contentores do lixo e sobre a sua recolha. Todos, é claro, queriam o caixote na porta do vizinho, nem demasiado longe para não ser cansativo lá ir, nem demasiado pérto para o lixo não se acumular à respectiva porta. É esta uma outra consequência da exiguidade das casas, onde muitas vezes não há espaço numa escada para subir senão de lado, quanto mais para pôr um caixote de lixo. Habitações estas que têm uma ou duas divisões, onde a instalação duma casa de banho, quando a há, é recente, à custa dos próprios inquilinos ou de batalhas de anos com o senhorio, ficando muitas vezes na escada ou na cozinha. As divisões são por vezes divididas em altura por um tecto rebaixado, permitindo meter umas camas na parte de cima. Nessas casas vivem pessoas em grande número, amontoadas. Em Alfama, dizem-nos, «nasce-se e morre-se fora de casa». Porque, quanto ao último aspecto, as escadas não dão para sair um cadáver inteiriçado e dentro de um caixão. Porque também não há espaço para velar um morto.
32O tema da morte aparece-nos em várias ocasiões. Ouvimos relatos de funerais antigos, das primeiras décadas deste século, quando os manipuladores do tabaco da Voz do Operário mandaram construir umas carretas para fazer o funeral dos sócios. Era sempre a subir para o Alto de São João, de modo que esticavam umas cordas para a frente e os familiares e amigos lá iam a puxar. Os elementos dos sindicatos ou associações de classe (metalúrgicos, construção civil, etc.) levavam a faixa da sua classe profissional. Os vários sindicatos e associações faziam-se representar, calculavam o número de presentes e dividiam o percurso por turnos, puxando uns de cada vez. O último turno pertencia à família. Falam-nos também dos funerais da «gente vareira». As ovarinas (depois varinas) eram em grande número, como o nome indica, de Ovar, assim como muitos dos fragateiros. Alguns eram também ribatejanos. Frente ao cemitério do Alto de São João não havia casas. Existiam, sim, retiros — e nesses funerais levava-se farnel, bebia-se vinho e pirolitos nas tascas e — dizem-nos — às vezes até havia bailarico. Veja-se ainda, a propósito das relações com a morte, as referências de Norberto de Araújo aos conflitos em torno da Capela do Espírito Santo (ou do Santo Espírito), depois Capela de Nossa Senhora dos Remédios, da assistência mútua e dos funerais que aí organizavam os pescadores85. Lembre-se também a menção que vem frequentemente à boca das pessoas de Alfama com quem falámos de que a solidariedade e a união entre as gentes do bairro se manifesta marcadamente nos funerais, quanto ao seu financiamento e à comparência que neles se verifica.
33Duas associações com características diferentes das referidas anteriormente são o Grupo Desportivo e Cultural do Sindicato dos Estivadores do Porto de Lisboa e Centro de Portugal (datando de 1974 e instalado na Avenida Infante D. Henrique) e a Casa do Concelho da Pampilhosa da Serra (fundada em 1941). Esta última, colectividade de grande importância em Alfama, fica instalada na Rua das Escolas Gerais e é, por assim dizer, a materialização institucional da presença dos migrantes daquela zona da Beira enquanto relativamente marginais à vida colectiva do bairro nas suas práticas características. É o ponto de encontro daqueles que se mantêm mais perto «da terra» do que de Alfama nas suas referências culturais, nos seus interesses e aspirações. Pelas suas dimensões é também um ponto de articulação de redes de influência. No interior do salão principal podem ver-se, dispostas ao longo da parede, fotografias de várias aldeias do concelho. Realizam-se aí frequentemente festas de convívio, bailes, leilões de rifas para as comissões de melhoramentos, promovidas pelos habitantes desta ou daquela frequesia. Não constituirá surpresa dizer que é uma colectividade bastante fechada aos não membros, muito virada para si própria.
34Não nos demoraremos noutros aspectos importantes, como as diferentes actividades profissionais (donde realçam as ligadas ao porto), o peso de actividades marginais, as personalidades dos «valentões» e dos bandos que se constituem em grupos de pressão pelo recurso ou ameaça do exercício da violência física, etc. Tudo isto, bem como a presença dos partidos políticos, são elementos importantes da constituição do quadro cultural de Alfama. Referiremos ainda apenas, para terminar, alguns componentes curiosos do imaginário colectivo da população de Alfama, com que deparámos muitas vezes. Um desses aspectos é o do nascimento da sardinha assada nos Santos Populares. A prática parece não ser muito antiga. O prato tradicional são as iscas. As sardinhas assadas, enquanto divulgadas comercialmente, datarão de há trinta ou quarenta anos. Primeiro faziam-se à porta de cada um, e quem passava levava uma («por exemplo, na Rua da Regueira», dizem-nos). Depois a coisa comercializou-se e, hoje, vendem-se caríssimas. Mas o mais curioso é que, em pessoas de uma certa idade, encontramos uma reivindicação comum: é a de ter sido cada um o «inventor» ou o lançador da moda. Cada qual nos conta, com pormenores variados, a história desse começo, que depois se teria propagado. Outro aspecto semelhante é o da palmeira do Largo de São Miguel («o coração de Alfama»), mais comummente chamado, aliás, o Largo da Palmeira. Vamos encontrar alguns velhotes, dos mais sérios deste mundo, cada um pretendendo ter sido ele a ter plantado «A Palmeira».
35Um outro aspecto é o que articula a criação de Alfama e da cidade de Lisboa com as águas. Na bibliografia olisiponense abundam as referências às águas de Alfama e em particular às águas termais. A própria palavra Alfama proviria do árabe Alhama, que significa fonte térmica. As propriedades terapêuticas destas águas são reportadas lendariamente a Ulisses e aos seus companheiros que aqui teriam aportado, recuperando-se de fadigas e maleitas graças precisamente às águas locais. Assim teria nascido a cidade de Olisipo (depois Lisboa). Num plano histórico mais factual, as nascentes de Alfama são mencionadas por geógrafos árabes. Por outro lado, até há poucos séculos, o Chafariz de El-Rei (e as suas então seis bicas) era o principal local de abastecimento público de água de Lisboa. Luís Chaves, falando dos antigos aguadeiros diz: «Houve o Beco dos Aguadeiros, onde talvez se reunissem ou acantonassem; é hoje o Beco do Mexias. O serviço público de abastecimento de água, era causa de desordens constantes; no Chafariz de El-Rei se abastecia Lisboa inteira no meio do século xv, «não havendo, por assim dizer, outra água», conforme argumenta uma réplica a embargos desse tempo. E tanto que a postura camarária de 1551 regulamenta com precisão a vezada nas bicas do chafariz. É de interesse etnográfico referir aqui a distribuição de aguagem pelas seis bicas. Na primeira bica, do poente, aguavam cantarinhos, cântaros, quartas, pipas, dos homens de cor ou não livres (pretos, quer forros, quer cativos, mulatos, índios e outros cativos); na segunda, dos mouros das galés, onde podiam servir-se os da primeira, se estivesse deserta a segunda; na terceira e na quarta, dos homens e mulheres brancas; na quinta, das mulheres pretas, mulatas, índias, forras e cativas; na sexta, das mulheres e moças brancas»86. Também Norberto de Araújo87 e David Lopes88, entre outros, dão conta dos factos e mitos referentes às águas de Alfama. O que é certo é que lá encontramos o Chafariz d’El-Rei, o Chafariz de Dentro (Tanque dos Cavalos), as ruínas das Alcaçarias do Duque, junto ao Terreiro do Trigo, e a reivindicação permanente por parte de todos os habitantes de Alfama das qualidades das águas que brotam do subsolo (com exemplos de curas várias, relatadas pelos próprios), o protesto contra a injustiça do fecho pelos poderes públicos da Água das Ratas e a revolta persistente contra este estado de coisas. Em conjugação com a referência às águas vem a que concerne à rede de subterrâneos que junca Alfama, vestígio de camadas urbanas sucessivas e a qual também Eduardo de Noronha evoca abundantemente no seu romance89.
36Apontem-se ainda dois permanentes pontos de referência do imaginário local. Um deles é a afirmação constante de que, quanto a Alfama, às suas festas, ao seu espírito de comunhão bairrista, etc., «dantes é que era bom!». As entrevistas que fizemos aí estão para o demonstrar90. Mas, além disso, por todo o lado se ouve a mesma coisa. Curiosamente tal afirmação refere-se sempre aos aspectos culturais, porque, no que diz respeito ao desafogo económico e algumas outras condições materiais de vida, a constatação das pessoas do bairro é a oposta: a de que nas últimas décadas, apesar de tudo, a vida não é tão difícil. Sem nos pormos a tentar esmiuçar o que está na base deste estado de espírito — o que exigiria por si só uma investigação completa, aliás extremamente interessante — , anotemos apenas que também o fado está constantemente a referir que dantes é que o fado era bom, ou era o verdadeiro fado. E isso não é de hoje. Se consultarmos o livro de Tinop, História do Fado91, encontramos inúmeros fados sobre o tema, já nessa altura. Donde se conclui que, mais do que uma constatação de facto, se trata duma atitude permanentemente reactualizada, com raízes profundas. Ou seja, as pessoas de Alfama falam da sua vida colectiva como o fado fala de si próprio: dantes é que era bom! Ainda faremos novamente referência a este ponto.
37Finalmente, e para retomar de certo modo as nossas primeiras impressões sobre Alfama, refira-se a preocupação constante das suas gentes em contestarem veementemente a «ideia errada» que no exterior se tem sobre a vida do bairro, a preocupação permanente em rebaterem a alegada (e segundo eles, injusta) «má fama» de Alfama. Se por um lado a identificação bairrista é fortemente vincada e enunciada pela afirmação de que os de Alfama são os mais valentes, os mais desenrascados, e por aí fora, por outro lado tem-se sempre a preocupação de afirmar que não há brigas, não há prostituição, não há ladrões — e, é claro, não há fado! Esta preocupação tem raízes múltiplas, desde as necessidades efectivas de camuflar perante o exterior vários mecanismos internos de funcionamento do bairro, até aos problemas que a indicação de «residente em Alfama» pode trazer, por exemplo, à angariação de empregos (contaram-nos várias ocorrências). Há, pois, que combater a «má fama».
38Em todo o caso, esta atitude generalizada foi para nós oportunidade de procedermos a um sucessivo e nunca acabado «desfolhar de camadas» constitutivas e expressivas da realidade cultural de Alfama92. É claro que lá fomos encontrar praticamente todas aquelas facetas, incluindo o fado, nosso objectivo número um. Refira-se a título de anedota que, quanto a roubos, pudemos proceder (involuntariamente) ao que é raro conceber-se como realizável em ciências sociais: ao chamado método experimental. Efectivamente a presença de uma actividade de ladroagem foi-nos confirmada pelo roubo de um pneu e outros acessórios dum automóvel que, um dia, tínhamos deixado estacionado junto ao Chafariz de Dentro (coisa que não acontece aos moradores do bairro, a não ser que se trate dum carro novo, ainda «não conhecido»; neste caso toma-se necessário fazer chegar rapidamente uma reclamação ao sítio certo, para se obter a devolução).
39Contra a «má fama» de Alfama se insurge também o arquitecto Camelo, alfamista adoptivo. Como ele próprio conta, desembarcou em Lisboa com dezoito anos para vir estudar na Escola de Belas-Artes. Nesse mesmo dia foi a Alfama, pelo bairro se apaixonou e por ele ficou preso até hoje, quando conta já oitenta e cinco anos. O arquitecto António Maria Veloso Reis Camelo foi durante muitos anos o responsável, na Câmara Municipal de Lisboa, pelo bairro de Alfama. Nele procedeu a inúmeros melhoramentos, reparações, decorações, nas ruas, casas e monumentos. Conhecido de todos os habitantes do bairro, muitos ainda hoje dele se abeiram, com respeito e mesmo certa veneração, quando por ali passa. De Alfama conhece todas as pedras, pessoas e histórias — muitas das quais tem tido a paciência de, longamente, no-las contar. Com a frescura de corpo e de espírito que mantém, a argúcia e o humanismo que o caracterizam, não hesita ainda hoje em empenhar-se em prol de Alfama, sempre que surge ocasião propícia ou a isso o solicitam. É dele esta sentida poesia:
Eu não sei que tem Alfama
P’ra que dela me prendesse
Não a sente quem a enfama
Com famas que não merece
Nos seus becos e vielas
Onde o sol põe tanta graça
Há flores e há donzelas
Não há apenas desgraça
Tanto as casas se entrelaçam
P’ra caberem dentro dela
Que os namorados se abraçam
De janela p’ra janela
Quando acesas permanecem
E já tudo adormeceu
Há janelas que parecem
Dependuradas do céu
40Está na altura de fazermos um balanço de tudo o que vimos anteriormente e de situar mais especificamente nesse contexto um conjunto de problemas ligados ao fado. O nosso contacto com Alfama sugeriu-nos irresistivelmente uma realidade profundamente cómplexa de inter-relações, marcada por oposições a todos os níveis. Alfama é actualmente, e sempre foi, uma realidade urbana, relacionada com o conjunto da área urbana de Lisboa, inserida nas e atravessada pelas relações sociais que prevalecem, hoje em dia, a nível de toda a formação social portuguesa. Em Alfama a vida está, também ali, estruturada pelas classes sociais (e fracções de classe) e pela luta que permanentemente se trava entre elas. Em Alfama observam-se as repercussões das conjunturas económicas, dos ciclos de maior duração, das grandes alterações estruturais, observam-se os prolongamentos das lutas políticas, constatam-se as linhas de força constituídas a nível ideológico. Alfama participa da estrutura e da dinâmica da sociedade em que está inserida. Mas, simultaneamente, Alfama é um espaço social extremamente fechado sobre si próprio (mesmo se o compararmos com outros bairros populares lisboetas), para o que não deixarão de contribuir factores múltiplos, desde a própria conformação física do bairro (sem qualquer rua direita e ampla que o atravesse), a forma da sua malha urbana, o seu carácter materialmente fechado, de mundo à parte, até à natureza demarcada das actividades profissionais que aí se exercem, passando pela índole muito própria e intensa das formas culturais que constituem e exprimem, nos planos do quotidiano e do simbólico, a vida colectiva do bairro. Alfama tem pois, igualmente, um forte carácter de comunidade, de identidade própria e dinâmica específica. Sociedade e comunidade: o que se joga na sobreposição, complementar e contraditória, destes dois aspectos da vida de Alfama? É usual ter-se a tendência para catalogar as práticas e produções culturais no lado exclusivo da comunidade. É corrente também dar-se apenas atenção (ou postular-se como única existente) à dimensão consensual, unificadora, repetitiva da vida comunitária, enquanto se concede às relações de classe um carácter conflitual e histórico. Preocupados sobretudo em estudar a forma de expressão cultural que é o fado, impôs-se-nos evitar estas duas modalidades de visão unilateral. Procurámos pois o fado tanto na dimensão societária como na dimensão comunitária em Alfama. Procurámos compreendê-lo e explicá-lo enquanto relacionado com aspectos de conflito e transformação tanto como com aspectos de repetição, reprodução e consenso. Nesta linha de preocupações, Maurice Imbert refere que «o facto é que os processos de dominação cultural, determinados que são pelas relações de classe, ultrapassam-lhes largamente a lógica própria e os efeitos específicos»93. Antes tinha afirmado: «A questão da cultura inscreve-se desde logo no próprio coração das relações de dominação. Mas a introdução da clivagem política e ideológica no campo cultural limita-se apenas a juntar um critério suplementar às características múltiplas que determinam a cultura dominante.»94 Também Geneviève Poujol, ao considerar «a cultura popular como tudo o que resiste à inculcação da cultura de massa ou da cultura cultivada» (um tópico interessante à luz do qual se pode analisar o fado), afirma que «desta diversidade» (dos esquemas culturais formando verdadeiros sistemas de comportamentos interiorizados e no entanto transmissíveis) «a simples dicotomia burguesia-classe operária não consegue dar conta. Há efectivamente uma dimensão cultural independente da dimensão socioeconómica, quer se dê ou não a esta o lugar preponderante»95. Joffre Dumazedier defende duas hipóteses. A primeira, que afirma bem estabelecida, é a de que «a independência ou a ‘neutralidade’ do desenvolvimento cultural sob a influência dos poderes públicos é frequentemente uma ilusão. As suas orientações e os seus resultados dependem do constrangimento do sistema económico, do interesse das classes sociais e das finalidades do poder político»96. A segunda hipótese, menos conhecida segundo o autor, é «a dos limites e das ilusões da própria dependência da dinâmica cultural»97. E Dumazedier interroga-se a seguir: «Qual é a conceptualização que melhor nos permitirá captar essa realidade (da dinâmica cultural duma unidade social) na sua complexidade interna e nas suas relações dialécticas com a sociedade global?»98 Não fazemos estas e outras citações com o intuito de alardear erudição. Bem pobre ela se mostraria. Mas sim pelo facto de nos ser sugerido, no estudo dum fenómeno cultural como o fado, a partir duma «unidade social» como Alfama, um conjunto de tópicos e preocupações que reencontramos nestes autores.
41Temos assim, para resumir, sociedade e comunidade. Temos a realidade cultural a actuar para além da realidade socioeconómica, temos as respectivas autonomias e dependências-parciais. Michel Bassand dá-nos ainda uma indicação importante: «O problema de saber se é o aspecto social ou o aspecto cultural que é dominante já não é um problema teórico, mas de pesquisa».99 Passem embora os reparos a fazer a esta terminologia imprecisa, é numa perspectiva de desbloqueamento analítico deste tipo que nos colocamos, através do estudo dum elemento cultural chave na vida do bairro que é precisamente o fado. Nessa realidade complexa que é Alfama, as clivagens e contradições multiplicam-se. Contradições, por exemplo, entre os que permanecem ligados por fortes laços culturais às regiões rurais de que são originários (e não sabem por exemplo apreciar o fado, nem ouvi-lo em silêncio, e se refugiam na Casa da Pampilhosa) e os que se integram profundamente na vida de Alfama, ao nível das realidades económicas, políticas e também das práticas culturais, tornando-se íntimos do fado. Quer essa intimidade se manifeste por uma adesão sem restrições, quer apareça como uma recusa, «por bem o conhecer», da sua «validade». Diz Maurice Imbert: «A afirmação segundo a qual as culturas populares são apenas vestígios da sociedade pré-industrial, e já só aparecem no estado de sobrevivência arcaica nas regiões campestres mais atrasadas, inscreve-se em linha recta nas concepções que apenas apreendem o facto cultural em referência aos critérios distintivos codificados pela cultura dominante: tradições orais, preceitos, cosmogonias e rituais, jogos, crenças, etc. É indiscutível que esses testemunhos do passado já só existem hoje no estado de traços. E é um facto que tanto em meio agrícola como na população operária das cidades o campo deixado vago pelo seu abandono está largamente exposto à acção banalizante da cultura de massa. Mas ficar-se por esta concepção restritiva e redutora do facto cultural conduz a ocultar os seus componentes essenciais e mais significativos. Da singularidade das culturas populares são-nos fornecidos índices múltiplos ao longo das monografias, dos estudos e das reportagens consagradas à vida, ao trabalho, à luta dos trabalhadores. Simplesmente esses testemunhos dispersos no decurso das análises políticas, económicas ou sociais devem ser encontrados noutros locais e não na rubrica ‘cultura’. Ao abrigo das práticas ligadas à actividade profissional, à vida familiar, ao lazer, aos empenhamentos sociais, afirmam-se estilos de relações com o mundo, com a sociedade, com a natureza, com o espaço e com o tempo que são de facto expressões de culturas vivas, plenamente assumidas mas não reconhecidas como tais.»100 Estas considerações são importantes. Reforçam a nossa convicção, já expressa, de que devíamos ir à procura do que em Alfama «existe de facto», culturalmente. Mas ao mesmo tempo permitem-nos constatar que no bairro que escolhemos há ainda uma forte presença dos outros aspectos que Maurice Imbert descreve como característicos de sociedades pré-industriais e de meios rurais. E se quanto ao «pré-industrial urbano» se poderia apontar o fado como sobrevivência (mas não só: falaremos desenvolvidamente disto adiante), quanto ao «rural» põem-se outros problemas. Pois não é o fado, como temos vindo a constatar, exactamente instrumento de socialização no meio citadino em oposição e substituição das referências culturais rurais? Não é o seu carácter especificamente lisboeta uma das mais comummente reconhecidas características do fado? Como relacionar com o fado, assim entendido, outros componentes da vida cultural de Alfama, como por exemplo as festas do Carnaval e dos Santos Populares ou as colectividades? Como sobrevivências do mundo rural? Como aspectos culturais decorrentes do forte carácter de comunidade que Alfama apresenta, comum em muitos aspectos também ao espaço das aldeias, mas onde não se poderia ir procurar uma «transferência» cultural, mas sim efeitos comuns de condições em parte análogas (espaciais, inclusivamente)? Ou seja, verificar-se-á a possibilidade de aparecimento, em meio urbano, de um espaço comunitário urbano (que em certos aspectos culturais tem reflexos semelhantes ao do espaço comunitário rural), embora em estreita articulação com a dimensão societária, a qual remete mais imediatamente para a sociedade global? Ou haverá ainda (resposta ecléctica, servindo apenas de ponto de partida metodológico, mas nem por isso a desprezar) uma confluência de ambos os mecanismos (transferência cultural campo-cidade e autoprodução de traços comunitários urbanos, análogos em parte aos rurais)? Não pretendemos ter conseguido responder a estas e a muitas outras questões que se nos puseram. De momento estávamos apenas a relembrar, em confronto com algumas citações de autores que se ocupam dos problemas das culturas populares, a natureza complexa e contraditória de Alfama, através da referenciação de um analisador privilegiado: o fado.
42Poderíamos multiplicar os exemplos. O das relações intricadas entre o interior e o exterior do bairro. Uma ilustração que faz pensar: encontrámos colectividades em que os principais animadores (os «carolas»), extremamente amigos uns dos outros e unidos entre si, estão, cada um deles, próximos de uma das principais forças políticas existentes na sociedade portuguesa. Quando se trata de dialogar com instituições estatais, é um ou outro que disso se encarrega, conforme as conjunturas e os assuntos. Que se passa? O aspecto comunitário, por assim dizer, utiliza forças políticas para a sua reprodução? Ou as forças que se degladiam na sociedade a nível político abrem caminho, na procura de alargar a implantação de cada uma, através da utilização das sedes de influência locais? O relacionamento da Câmara de Lisboa e do Governo dos tempos do regime fascista com o bairro e as suas instituições locais é outro exemplo deste campo de problemas. Do mesmo modo, o fado: veiculando diferentes ideologias, reinserido nas estratégias de poder, será utilizado por essas ideologias? Ou utiliza-as, obrigando-as a veicularem-se através duma forma cultural que remete para realidades sociais mais profundas e permanentes? Que dizer ainda da competição pela dominação na vida do bairro, por via da utilização de diferentes fontes de influência: ser dirigente duma colectividade, ser dirigente autárquico, ou partidário, ser uma personalidade importante no mundo da estiva, ser líder dum bando de «valentões» ou marginais? Que dizer da maneira como cada uma destas élites locais age em relação ao fado, e como o apresenta perante o exterior (neste caso, nós)? E por aí fora. As questões são intermináveis e apontam para o paradigma da realidade complexa, hoje tão em voga nas ciências sociais, na biologia e mesmo nas ciências físicas101. Tentaremos à frente dar elementos de resposta a algumas, apenas, destas questões.
Notes de bas de page
61 Pierre Bourdieu, «La sociologie de la culture populaire», in Le handicap socioculturel en question (colloque du C.R.E.S.A.S.), E.S.F., Sciences de 1’éducation, 1978, citado por Pierre Besnard, «La culture populaire, discours et théorie», in G. Poujol e R. Labourie (org.), Les Cultures Populaires, Toulouse, Edouard Privat, 1979, p. 60.
62 Pierre Besnard, op. cit., p. 62.
63 Idem, ibidem, p. 62.
64 Idem, ibidem, p. 62.
65 Michel de Certeau, La culture au pluriel, Paris, U.G.E., 1974 e L’invention du quotidien. 1. Arts de faire, Paris, U.G.E., 1980.
66 Raymond Labourie, «Avant-propos», in G. Poujol e R. Labourie (org.), op. cit., p. 8.
67 Geneviève Poujol, «La résistance à 1’inculcation; résistants ou handicapés?», in G. Poujol e R. Labourie (org.), op. cit., p. 32.
68 Pierre Besnard, op. cit., p. 55.
69 Idem, ibidem, p. 54.
70 Raymond Labourie, op. cit., pp. 8-9.
71 Maurice Imbert, «Les cultures populaires: sous-produits culturels ou cultures marginalisées?», in G. Poujol e R. Labourie (org.), op. cit., pp. 15-16.
72 Idem, ibidem, p. 18.
73 Pierr Besnard, op. cit., p. 58.
74 Eduardo de Noronha, Alfama — Gente do Mar, Porto, Livraria Civilização, 1939, p. 425.
75 Idem, ibidem, p. 412.
76 Idem, ibidem, pp. 164-165.
77 Idem, ibidem, p. 401.
78 Sobre o significado do cómico, do grotesco e do Carnaval na cultura popular veja-se Mikaïl Bakhtine, L’oeuvre de François Rabelais et la culture populaire au Moyen Age et sous la Renaissance, Paris, Gallimard, 1978.
79 António Botto, Alfama, Lisboa, Edições Paulo Guedes, 1933.
80 Veja-se a este propósito Norberto de Araújo, Peregrinações em Lisboa, Livro X, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1940, pp. 100-101.
81 Jean Duvignaud, «La pratique de 1’imaginaire», in Cause Commune, Les Imaginaires, Paris, U.G.E., 1976, p. 439.
82 Pierre Belleville, «Actitudes culturelles actuelles des travailleurs manuels», in G. Poujol e R. Labourie (org.), op. cit., p. 97.
83 Maurice Agulhon, « Sociabilité populaire et sociabilité bourgeoise au xix siècle », in G. Poujol e R. Labourie (org.), op. cit..
84 Para algum enquadramento e aprofundamento analítico veja-se: António Firmino da Costa, «Alfama: entreposto de mobilidade social», Cadernos de Ciências Sociais, Porto (a publicar).
85 Norberto de Araújo, op. cit., pp. 95-96.
86 Luís Chaves, «Alfama de ontem e Alfama de hoje — aspectos históricos e etnográficos» (reproduzido dos Anais das Bibliotecas, Museus e Arquivos Históricos Municipais, Lisboa, 1936), in Lisboa nas auras do povo e da história — ensaios de etnografia, Vol. I, Lisboa, C. M. L., 1961, p. 143.
87 Norberto de Araújo, ibidem, pp. 28 e 66.
88 David Lopes, Páginas Olisiponenses, Lisboa, C.M.L., 1968, pp. 153-155.
89 Eduardo de Noronha, op. cit.
90 Veja-se o capítulo seguinte.
91 Pinto de Carvalho (Tinop), História do Fado, Lisboa, D. Quixote, 1982 (ed. orig. 1903).
92 Sobre a «descrição densa» de uma «hierarquia estratificada de estruturas significantes» como objecto da interpretação das culturas praticada pela antropologia ver Clifford Geertz, A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, Zahar, 1978 (ed. orig. 1973), em particular pp. 15-41.
93 Maurice Imbert, op. cit., p. 20.
94 Idem, ibidem, p. 17.
95 Geneviève Poujol, op. cit., p. 37.
96 Joffre Dumazedier, «Culture vivante et pouvoirs», in G. Poujol e R. Labourie (org.), op. cit., p. 66.
97 Idem, ibidem, p. 66.
98 Idem, ibidem, p. 67.
99 Michel Bassand, Christian Lalive d’Epinay, Pierre Thoma, Un essai de démocratie culturelle, Berne, H. Lang, 1976, p. 145.
100 Maurice Imbert, op. cit., p. 19.
101 Dois exemplos particularmente interessantes da vasta bibliografia de reflexão sobre este tema nos domínios da biologia e da física e da química: François Jacob, O Jogo dos Possíveis — ensaio sobre a diversidade do mundo vivo, Lisboa, Gradiva, 1982 (ed. orig. 1981); Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, La Nouvelle Alliance — métamorphose de la Science, Paris, Gallimard, 1979.
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