Apêndice V. Baptismos de filhos ilegítimos, 1870-1978
p. 427-437
Texte intégral
1As proporções de ilegitimidade em Fontelas são tão elevadas que quase parecem pôr em causa a credibilidade dos dados do Registo Paroquial; elaborei este apêndice de modo a dissipar tais dúvidas. Os primeiros dois quadros (Quadros 22 e 23) enumeram as ocupações das mães e pais de filhos ilegítimos desde 1870. A seguir, incluo uma lista (Quadro 24) de todos os baptismos registados na povoação ao longo de três décadas — 1880-89, 1910-19 e 1950-59; estas três décadas dão-nos uma boa amostra de quão exaustiva foi a anotação de baptismos de bastardos, no decurso de um século. Compilei listas idênticas para todas as 11 décadas desde 1870, mas decidi incluir aqui apenas três. Os assentos de baptismo são extraordinariamente pormenorizados e dignos de confiança. Além disso, podem ser complementados graças ao cruzamento simples dos nomes de indivíduos com três outras fontes documentais: os assentos de casamento, os de óbito e os Róis de Confessados. Os primeiros constituem, assim, um acervo de informação referente à bastardia e à sua ocorrência dentro dos diversos grupos sociais ao longo do tempo.
2Existem seis maneiras principais de confirmar que o estatuto de um filho natural foi correctamente anotado num assento de baptismo. Em primeiro lugar, a frase corrente pai incógnito encontra-se normalmente escrita no assento imediatamente após as palavras «filho ilegítimo de...». Assim, um filho bastardo é descrito como «filho ilegítimo de F., solteira, jornaleira, natural e residente em Fontelas, e de pai incógnito...» (ver transcrição de um assento completo de baptismo de um bastardo no Apêndice III). Se o pai aparece como incógnito, então os pais deste são também listados como os avós incógnitos da criança.
3Em segundo lugar, o estado matrimonial da mãe é sempre fornecido: nos casos de filhos ilegítimos, a mãe aparece normalmente como solteira. As únicas excepções referem-se a viúvas com filhos naturais ou a mães de filhos adulterinos; mesmo nestes casos, as mães aparecem claramente descritas, respectivamente como viúva ou casada.
4Em terceiro lugar, o pai pode ocasionalmente aparecer na lista juntamente com a sua ocupação e estado civil. Em tais casos, tanto o pai como a mãe aparecem como solteiros.
5Em quarto lugar, os assentos de casamento no Registo Paroquial podem ser confrontados com os de baptismo, de modo a podermos localizar os mesmos indivíduos nas duas fontes. Uma mãe solteira com um filho bastardo pode, mais tarde, casar com o pai e assim legitimá-lo; as datas de nascimento e baptismo da criança podem pois ser cruzadas com a data de casamento, confirmando assim que a criança nasceu e foi baptizada como ilegítima, embora mais tarde fosse legitimada.
6Em quinto lugar, as mães solteiras podem normalmente ser encontradas nos assentos de óbito, onde o seu estado civil também é registado; a grande maioria de jornaleiras solteiras que tiveram filhos naturais também morreram solteiras.
7Em sexto lugar, ainda uma outra confirmação quanto à fidelidade do assento de baptismo é dada pelos Róis de Confessados de 1886 a 1909, e pelo Status Animarum de 1940. Aqui, uma mãe solteira pode uma vez mais ser localizada: o seu estado civil (normalmente solteira) também aí se encontra registado. O filho ou filhos bastardos podem mais tarde aparecer, com as idades de 8 ou 9 anos, enquanto a mãe se mantém na lista como solteira. No Capítulo 5, o estudo de caso de Rufina e das suas sucessivas filhas e netas com filhos ilegítimos provou como estas listas de fogos podem fornecer esta informação correctamente.
8Por outras palavras, é possível uma série de verificações, tanto nos próprios assentos de baptismo como no seu cruzamento com outras fontes; se faltar qualquer elemento de informação acerca de uma determinada mãe ou filho, pode ser encontrado noutro local graças a outros documentos. Isto permite-nos concluir, indubitavelmente, que os assentos de baptismo são precisos no registo de filhos ilegítimos.
9Um precioso conjunto de dados pode ainda ser estudado com base na informação dos assentos de baptismo: escolha de padrinhos, habilitações literárias, aldeias de origem dos avós, intervalo entre nascimento e baptismo. Dois detalhes interessantes que os assentos nos fornecem em relação ao período estudado são, em primeiro lugar, o número de viúvas (7) que tiveram filhos ilegítimos (algumas destas podem obviamente ter tido mais do que um). Em segundo lugar, uma ínfima percentagem de bastardos foi legitimada pelo matrimónio subsequente dos pais: 18 de um total de 326 filhos naturais (embora os assentos de casamento tenham referido 39 filhos legitimados — ver Quadro 14). Além disso, os Quadros 22 e 23 mostram de forma muito clara que: (a) a maioria das mães de filhos ilegítimos — 172 — eram jornaleiras solteiras, e que (b) quase todos os pais de filhos ilegítimos — 275 — estão registados como pais incógnitos. Uma série de outras ocupações mencionadas nos assentos inclui os residentes temporários de Fontelas — ciganos, funileiros de passagem na aldeia, tendeiros e um caso bastante ambíguo de dois pais não casados que aparecem na lista simplesmente como «tranzeuntes».
10Na lista de baptismos no Quadro 24 incluí os totais resumidos de cada década. Note-se que, embora a amostra seja numericamente pequena, em 3 anos (1916, 1919 e 1921) nem um único filho legítimo foi baptizado em Fontelas. As letras NR indicam que um dos pais é mencionado e registado, mas que a sua ocupação não está assinalada; as ocupações destes indivíduos podem obviamente ser identificadas através de outras fontes, mas por falta de espaço decidi não o fazer. Um ponto de interrogação (?) indica um pai cujo nome se desconhece: que eram ou pais incógnitos ou o pai e a mãe de um exposto/a.
Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.
Proprietários, lavradores e jornaleiras
Desigualdade social numa aldeia transmontana, 1870-1978
Brian Juan O'Neill Luís Neto (trad.)
2022
O trágico e o contraste
O Fado no bairro de Alfama
António Firmino da Costa et Maria das Dores Guerreiro
1984
O sangue e a rua
Elementos para uma antropologia da violência em Portugal (1926-1946)
João Fatela
1989
Lugares de aqui
Actas do seminário «Terrenos portugueses»
Joaquim Pais de Brito et Brian Juan O'Neill (dir.)
1991
Homens que partem, mulheres que esperam
Consequências da emigração numa freguesia minhota
Caroline B. Brettell Ana Mafalda Tello (trad.)
1991
O Estado Novo e os seus vadios
Contribuições para o estudo das identidades marginais e a sua repressão
Susana Pereira Bastos
1997
Famílias no campo
Passado e presente em duas freguesias do Baixo Minho
Karin Wall Magda Bigotte de Figueiredo (trad.)
1998
Conflitos e água de rega
Ensaio sobre a organização social no Vale de Melgaço
Fabienne Wateau Ana Maria Novais (trad.)
2000