Apêndice IV. Estrutura dos fogos em 1977
p. 417-426
Texte intégral
1Os seguintes diagramas representam a estrutura de todos os agregados domésticos de Fontelas em meados de 1977. Baseiam-se, em parte, no esquema ideográfico de Laslett para a representação de grupos domésticos (1972: 31, 41-2). Um quadro resumido dos tipos de fogos aqui desenhados inclui-se no começo do Capítulo 6 (Quadro 13): os diagramas devem ser observados em simultâneo com esse quadro. Todas as casas foram por mim numeradas, e podem ser localizadas em dois outros pontos deste livro — no Quadro 3, onde as explorações agrícolas são referidas, e no Mapa 3, onde desenhei a organização espacial da aldeia.
2Ao examinarmos os diagramas, deveremos tomar em consideração os seguintes aspectos: em primeiro lugar, a estrutura de cada casa compreende os membros do fogo presentes em 1 de Julho de 1977 — nessa altura, Fontelas compreendia 57 famílias e um total de 187 pessoas. Contudo, um certo número de indivíduos foi incluído nos diagramas com linhas tracejadas (ver Código das Figuras, Capítulo 3) porque, apesar de aí não residirem naquela data, haviam lá vivido durante algum tempo antes de 1976 ou, mais tarde, em 1978. Também foram incluídas cinco pessoas que morreram durante o trabalho de campo (antes de 1 de Julho de 1977), bem como um determinado número de casamentos que se realizaram após aquela data: todas estas inclusões são anotadas nos diagramas. Estes acréscimos permitemnos ter um relance de algumas das mudanças ocorridas a curto prazo na estrutura dos fogos no decurso de um período de dois anos e meio, e evitar assim a imagem estática de uma lista de fogos «presa» a uma data específica.
3Em segundo lugar, todos os nomes próprios foram mudados. Nenhum dos aqui utilizados corresponde a qualquer dos nomes autênticos dos indivíduos que hoje vivem em Fontelas; todos eles foram escolhidos, um pouco ao acaso, a partir do Registo Paroquial ou de fontes referentes a pessoas que viveram nos séculos xviii ou xix. Porém, ao longo do trabalho, mantém-se uma constância na utilização dos nomes: por exemplo, o indivíduo a quem chamei Valentim no Capítulo 3 é a mesma pessoa que consta do quadro de explorações agrícolas e no diagrama de sua casa.
4Em terceiro lugar, chamo uma vez mais a atenção para a ordem pela qual as relações de parentesco são apresentadas nos diagramas. Na Casa 21, por exemplo, Leocádia teve uma filha ilegítima, Emília (de pai incógnito), antes do seu casamento com Elias, que, por seu turno, era já pai de uma filha natural; esta sequência é de particular interesse. Todas as relações de ilegitimidade (incluindo coabitação) são representadas por uma linha a traço ponto (ver Código das Figuras), mas note-se que esta convenção tanto pode indicar um filho ilegítimo perfilhado (mais raro) como um filho ilegítimo não perfilhado (mais frequente). As linhas a traço ponto diagonais que se estendem para baixo de um indivíduo do sexo masculino indicam que um filho(s) ilegítimo(s) vive algures. Os matrimónios sem filhos também são anotados, assim como os casamentos cujos filhos residem noutro local. Obviamente, os diagramas apresentam apenas os aldeãos residentes em 1976-78 e não todos os filhos de um casal ou todos os irmãos dos cônjuges. Também não estão considerados os diversos emigrantes que vêm a Fontelas em Agosto, período em que as dimensões dos fogos se expandem temporariamente.
5Em quarto lugar, utilizei os diagramas de Laslett de modo a adaptaremse à estrutura social de Fontelas. Poderia ter baseado estes diagramas num outro sistema, ou mesmo ter criado um novo; contudo, já que eles proporcionam um método útil para a representação visual das relações que surgem nos Róis de Confessados e em idênticas listas de habitantes por fogo, segui-os parcialmente. Porém, não coloquei cada grupo conjugal dentro de um «círculo» como acontece no esquema de Laslett, uma vez que isto me pareceu dar uma ênfase excessiva ao laço matrimonial: esta convenção poderia distorcer seriamente a natureza real das estruturas familiares de Fontelas (Capítulo 6), onde prevalece uma sistemática subvalorização do casamento no seio da estrutura social.
6Outro pormenor problemático da nomenclatura de Laslett está ligado à definição de chefe de família. Em Fontelas, nem sempre é claro que indivíduo exerce esta função — a própria instituição de chefe pode ser meramente nominal, escondendo assim aspectos subtis do comportamento de várias pessoas no interior do grupo doméstico. Desta forma, a indicação de cabeçade-casal nos diagramas mantém uma certa flexibilidade, havendo casas em que o desenho do chefe é discutível.
7Finalmente, em consequência da elevada proporção de nascimentos ilegítimos na aldeia, decidi alargar a categoria de Multiple Family Households de Laslett de modo a incluir os laços ilegítimos de mãe/filho; isto pode levantar o problema de se saber se os vínculos matrifocais entre mães solteiras e filhos naturais constituem ou não uma família. Como este ponto não foi resolvido no contexto da literatura etnográfica europeia (e na realidade mal foi levantado), tive de aproximar os diagramas tanto quanto possível de uma relação autenticamente social. Desta forma, os laços compreendendo bastardia ou uniões não matrimoniais são tão «sociais» como os que emergem do casamento formal, embora o seu conteúdo legal possa ser muito diferente. As relações irregulares (ver Nota 18 do Capítulo 3) levantam pois problemas para a classificação de Laslett, mas uma vez que são tão comuns em Fontelas, tive de adaptar o sistema classificatório de modo a incluir os casos de ilegitimidade em vez de o rejeitar inteiramente. Os diagramas são, assim, mais um utensílio provisório de trabalho do que modelos definitivos.
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