Apêndice III. O registo paroquial
p. 409-415
Texte intégral
1Grande parte da informação apresentada neste estudo foi obtida a partir dos registos de baptismos, casamentos e óbitos da freguesia de Mosteiro. Os assentos do Registo Paroquial não só são seguidos sem interrupção de 1870 até 1978, como são particularmente pormenorizados. Os assentos de baptismo, por exemplo, comportam diversas informações relacionadas com o nascimento e baptismo de uma criança, o seu estatuto legal (legítimo ou ilegítimo), bem como o nome, ocupação, aldeia de origem dos pais da criança e de ambos os grupos de avós; os respectivos padrinhos são igualmente referidos, bem como o seu estado civil, ocupação e povoação de origem. Transcrevi os textos de quatro assentos tal como aparecem no Registo Paroquial — um assento de baptismo de um filho legítimo, outro referente a um filho ilegítimo, um assento de casamento e um assento de óbito.
2A seguir a cada transcrição incluo também a forma precisa como copiei esses assentos. Embora ao longo deste trabalho tivessem sido utilizados pseudónimos, foram neste caso copiados os nomes autênticos contidos nos assentos (com excepção de Fontelas, Mosteiro, concelho de «M.», etc.) exactamente como aparecem no Registo Paroquial. A maioria dos assentos foi copiada à mão, seguindo um modelo que mais tarde facilitaria a rápida localização dos indivíduos. Claro que o texto completo de cada assento não foi copiado — a estrutura manteve-se constante, de modo que cada assento pudesse ser reduzido à sua informação básica sobre nomes, idades, localidades e datas; foi esta informação essencial que foi registada. Além disso, copiei os assentos mantendo a sua ortografia original.
3Procurei pôr o maior cuidado em copiar toda a informação essencial, uma vez que no caso de baptismos um determinado número de importantes averbamentos são frequentemente escritos na margem. Por exemplo, no primeiro assento transcrito, a palavra «morto» foi acrescentada à margem. Muitos outros assentos incluem a data e o local de falecimento da criança baptizada, especialmente nos casos de mortalidade infantil; outros contêm anotações muito completas sobre a data de casamento da criança baptizada, nome do cônjuge e local de matrimónio. Muitos indivíduos que casaram fora de Fontelas, ou morreram algures, podem ser seguidos deste modo, já que os padres das outras freguesias comunicam estes acontecimentos ao pároco de Mosteiro para que tais anotações possam ser feitas.
4Tal como no caso do inquérito às explorações agrícolas que levei a cabo, não recomendo tal tipo de trabalho documental em Registos Paroquiais (ou Róis de Confessados) a quem não possua bons recursos económicos, muito tempo e uma forte dose de paciência. Primeiro que tudo, os documentos deverão ser sujeitos a uma análise preliminar, o que, evidentemente, pressupõe a sua existência. Em segundo lugar, o acesso à cópia dos assentos terá de ser facilitado pelos funcionários eclesiásticos locais, que são, na maioria dos casos, os párocos, dado que os Registos Paroquiais nesta zona são por norma arquivados em cada igreja paroquial. (É obrigatório o envio de cópias de cada assento para um segundo arquivo centralizado no Bispado do distrito.) Em terceiro lugar, deverá ser definido um método para realizar essa cópia, bem como alguma forma de selecção; se bem que tenha conseguido copiar todos os assentos de casamento e óbito desde 1870 para as quatro aldeias da freguesia, os assentos de baptismo colocaram-me um problema: visto que eram tão pormenorizados, só completei aqueles que se referiam a Fontelas, tendo desistido de copiar a totalidade de informação contida nos que se referem às três outras povoações da paróquia. Certamente que este trabalho teria sido necessário se tivesse escolhido, como objecto de estudo, a freguesia em vez de um único lugar.
5Finalmente, devem existir condições razoáveis para o trabalho de cópia. Comecei essa tarefa na própria comunidade após ter já efectuado ano e meio de pesquisa etnográfica; isto trouxe-me problemas, sobretudo aos olhos. A povoação não possuía luz eléctrica e tive de trabalhar primeiro (e à noite) com velas e candeeiros de petróleo colocados aos dois lados dos livros. Grande parte da tarefa de cópia levou-me a ir para a vila, onde um quarto com electricidade me permitia condições razoáveis; nessa altura, vinha a Fontelas nos fins-de-semana e por vezes para passar uma semana completa, enquanto continuava com o trabalho regular de cópia, que me levou quase um ano a realizar. Os funcionários da Conservatória do Registo Civil deram-me uma grande ajuda na interpretação desses assentos; é na vila que as primeiras quatro décadas do Registo Paroquial estão arquivadas (1870-1911), ao passo que os anos posteriores se encontram na igreja paroquial de Mosteiro. Um primeiro conjunto de assentos existe para os anos de 1703 a 1733, mas estes são muito mais esquemáticos e menos pormenorizados que os últimos, e ficavam fora do âmbito temporal deste estudo. Um agradecimento particular é endereçado ao meu orientador Peter Loizos, que, no momento crucial do trabalho de cópia, me aconselhou a sua continuação em vez de o abandonar ou protelar.
6O valor de tais Registos Paroquiais, tão seguidos e detalhados, é incalculável para diversas disciplinas: em particular para a Antropologia Social, a História Social e a Demografia Histórica. Tanto Peter Laslett et al (1972/1977), como Alan Macfarlane (1977a/1977b), sublinharam a utilidade dos Registos Paroquiais, e outros tipos de fontes históricas locais, para a reconstituição das estruturas sociais passadas da Europa Ocidental. Tanto quanto sei, a excelente qualidade e amplitude dos registos portugueses ainda não foi constatada pela antropologia britânica e americana. Para o caso de Espanha, Lisón-Tolosana já havia referido a sua utilidade, se bem que o uso que deles fez em Belmonte de los Caballeros (1966) fosse subsumida numa análise mais ampla, baseada numa variedade mais vasta de documentos históricos. Como mostrei, os próprios Registos Paroquiais não precisam de ser sujeitos a um estudo estatístico exaustivo, ou a programação por computador, para serem úteis por outros fins. O que sugiro é a inclusão de alguma da informação dos arquivos no «estudo de comunidade» de modo a poder dar conta da sucessão das gerações (e da sua continuidade) num dado número de grupos domésticos seleccionados; os registos permitem, até certo ponto, a reconstrução dos processos de casamento e herança no decorrer do tempo. Além disso, proporcionam testemunhos abundantes de uma estratificação social dentro desta pequena comunidade aldeã — os documentos revelam aspectos que variam dos grupos sociais mais ricos aos mais pobres no que respeita à estrutura e tamanho do fogo, alianças matrimoniais e ilegitimidade.
7Tudo o mais deverá ser deixado para um trabalho futuro com técnicas demográficas mais avançadas. Não obstante, ao longo deste estudo defendi, implicitamente, a utilidade de tais Registos Paroquiais para uma investigação socioantropológica na Europa: isto implicou uma análise que conferiu igual importância aos registos e aos dados do presente etnográfico.
ASSENTO DE BAPTISMO — Filho Legítimo, 1871
N.° 15 | Aos onze dias do mes de Julho do anno de mil oito centos e setenta e ũm na Igreja de Fontelas anexa desta freguesia de Mosteiro Concelho de M. diocese de Bragança eu o Padre Francisco Joze Rodrigues Cura coadjutor desta freguesia baptisei solemnemente ũm indivíduo do sexo mascolino a quem dei o nome de Perfirio Hernesto que nasceo nesta freguesia de Mosteiro na povoação de Fontelas as sete horas da manhã do dia vinte e oito de Junho do dito anno Era ut supra filho legitimo de Paulo Pires trabalhador jornaleiro natural de Fontelas desta freguesia de Mosteiro Concelho de M. diocese de Bragança e de Antonia Vasques de Manzanal Reino de Gualiza recebidos parochianos e moradores em Fontelas anexa desta freguesia de Mosteiro Concelho de M. diocese de Bragança neto paterno de Joze Pires e Justina Gomes esta de Lavradas e aquelle de Fontelas jornaleiros desta freguesia de Mosteiro Concelho de M. diocese de Bragança e materno de Domingos Vasques e Joana Lidia jornaleiros estes de Manzanal Reino de Gualiza foi padrinho Padre Venancio de Fontelas e sua sobrinha Maria Archangela solteira lavradora os quais sei serem os propios E para constar lavrei em duplicado este assento que depois de ser lido e comfrido parante os padrinhos comigo assignou o padrinho e a madrinha não assignou por não saber escrever Era ut supra. |
O padrinho — Venancio Joze Pires, Presbítero |
ASSENTO DE BAPTISMO — Filho ilegítimo, 1872
N.° 18 | Aos dois dias do mes de Julho do anno de mil oito centos e setenta e dois na Igreja Paroquial desta freguesia de Mosteiro Concelho de M. diocese de Bragança eu o Padre Francisco Joze Rodrigues Cura coadjutor desta freguesia baptisei solemnemente ũm indivíduo do sexo mascolino a quem dei o nome de João Batista que nasceo nesta freguesia de Mosteiro na povoação de Fontelas no dia vinte e quatro de Junho do dito anno Era ut supra filho natural de pai incógnito e de Juliana Diegues jornaleira natural de Fontelas desta freguesia de Mosteiro Concelho de M. diocese de Bragança neto paterno de avôs incógnitos e materno de avô incógnito e de Margarida Diegues jornaleira desta povoação de Fontelas foi padrinho Inocencio Pires de Fontelas solteiro jornaleiro e foi madrinha Maria Joze Diegues de Fontelas solteira lavradora os quais sei serem os propios E para constar lavrei em duplicado este assento que depois de ser lido e comfrido perante os padrinhos assignei Os padrinhos não assignaram por não saber escrever Era ut supra. |
O cura coadjutor — Francisco Joze Rodrigues |
ASSENTO DE CASAMENTO, 1870
N.° 4 | Aos vinte e um dias do mes de Dezembro do anno de mil oito centos e setenta nesta igreja paroquial de Mosteiro Concelho de M. diocese de Bragança eu Padre Francisco Jose Rodrigues Cura coadjutor desta freguesia na minha presença comparecerão os nubentes Joze Ignácio e Lucrecia Nunes os quaes sei serem os propios com todos os papeis do estilo corentes sem empedimento algum canonico ou civil para o cazamento elle de idade de vinte e sete annos solteiro lavrador natural de Paradela Concelho de M. diocese de Bragança morador em Paradela e baptizado na mesma freguesia Concelho de M. diocese de Bragança filho natural de Barbara Gomes de Paradela Concelho de M. diocese de Bragança ella de idade de trinta e sete annos solteira lavradora natural e moradora de Fontelas Concelho de M. diocese de Bragança baptizada na freguesia de Mosteiro filha legitima de Silvestre Nunes de Algoso e de Albina Diegues de Fontelas Concelho de M. diocese de Bragança os quaes nubentes se receberão por marido e mulher e os uni em matrimonio procedendo em todo este acto comforme o rito da santa madre igreja Catholica appostolica romana sendo testemunhas Jose Sevane geireiro e Gregorio Pires lavrador moradores em Mosteiro os quaes sei serem os propios E para constar lavrei em duplicado este assento que dipois de ser lido e comfrido perante os conjuges e testemunhas comigo não assignarão por não saber escrever Era ut supra. |
O Cura coadjutor — Francisco Jose Rodrigues |
ASSENTO DE ÓBITO, 1871
N.° 2 | Aos vinte e dois dias do mes de Fevereiro do anno de mil oito centos setenta e um, ao meio dia na povoação de Fontelas annexa desta freguesia de Mosteiro Concelho de M. diocese de Bragança falleçeo tendo recebido os sacramentos da santa madre igreja um indivíduo do sexo femenino, por nome Maria Gonçalves de idade de noventa annos lavradora viuva de Agostinho Gonçalves natural de Fontelas desta freguesia Concelho de M. diocese de Bragança, filha legitima de Clemente Gonçalves lavrador natural de Fontelas desta freguesia Concelho de M. diocese de Bragança, e de Maria Jose Annes lavradora, natural de Telhado freguesia de Argozelo Concelho de M. diocese de Bragança, fes testamento, não deixou filhos e foi sepultada no cemiterio de Fontelas. |
E para constar lavrei em duplicado este assento que assigno. | |
Era ut supra. | |
O Reitor — Carlos Manuel Branco |
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