5 - Museu do Trabalho: a ideia e o projecto
Texte intégral
1Provavelmente, a única vez em que Michel Giacometti teve um vínculo profissional com uma instituição foi quando, em plena fase de modificação da FNAT, transformando-se em INATEL, integrou a respectiva Comissão de Reestruturação. No desempenho destas funções, redige o documento que a seguir se transcreve integralmente e que é a origem do Museu do Trabalho. Posteriormente, viria a abandonar este cargo num contexto muito agitado e polémico (ver Sousa, E. 1976, 1976a, 1976b, 1976c, 1976d).
2Nas obras resultantes desta investigação, os Informes (Giacometti 1975) são citados em diversos capítulos.
Informes para a estruturação de um Centro de Documentação Operário-Camponesa (CDOC)
3“Acreditamos na importância social, política e cultural de um organismo que documenta exemplarmente a luta das classes trabalhadoras e do povo português em geral contra o fascismo e a exploração capitalista.
4Não temos dúvida de que essa longa luta merece ser documentada de forma exemplar, pois que nenhum povo sofreu, acaso, opressão tão ferozmente subtil e profunda.
5Acreditamos, sem qualquer espécie de dúvida, que nenhum organismo melhor que o INATEL seja capaz, no momento actual, de assegurar o funcionamento de um Centro de Documentação Operário-Camponesa que reúna os testemunhos dessa mesma luta.
I - O Gabinete de Etnografia da FNAT
61 Dois artigos dos Estatutos da FNAT, o artigo 19º e o artigo 22º, promulgados em Maio de 1950, estipulam respectivamente
7a) junto da direcção da FNAT funcionará o Gabinete de Divulgação, o Gabinete de Heráldica Corporativa e o Gabinete de Etnografia;
8b) o Gabinete de Etnografia destina-se à recolha de elementos de carácter social e etnográfico, com vista à formação social e à educação artística dos trabalhadores. Um parágrafo único deste último artigo sublinha que ‘dependentes do Gabinete de Etnografia poderão funcionar museus do trabalho, que terão por finalidade documentar os aspectos moral, social e económico do trabalho e da vida dos trabalhadores’.
9Por outro lado, o artigo 76 do Regulamento da FNAT especifica as funções do referido Gabinete de Etnografia: ‘recolher e catalogar os elementos de carácter social e etnográfico, com vista à formação social e à educação artística e estética dos trabalhadores, dar parecer sobre todos os assuntos relacionados com as actividades do Gabinete que lhe foram submetidas pela Direcção da FNAT; formar e dirigir a biblioteca especializada de etnografia e educação popular; fomentar nos trabalhadores o gosto pelas tradições portuguesas; orientar a formação de grupos folclóricos e fiscalizar aqueles que são inscritos na FNAT’.
102 Das boas (?) intenções, tão rotundamente enunciadas, não resultou qualquer prática que justificasse os vinte e quatro anos de existência do chamado Gabinete de Etnografia, ao serviço da ‘formação social e educação artística e estética dos trabalhadores’. Com efeito, a distribuição de subsídios a largas dezenas de ranchos ditos folclóricos, a organização de um ou outro certame, também folclórico, através do Gabinete de Divulgação, de cerca de 60 ‘obras’ — cujos simples títulos, veremos adiante, reflectem uma profunda identificação com os anseios das massas trabalhadoras (!) —, resumem objectivamente a actividade do Gabinete de Etnografia entre Maio de 1950 e Fevereiro de 1974:
11a) seria lícito analisar as consequências de uma política ‘cultural’ (aparentemente insensata, mas de acordo com os princípios da ideologia fascista) que fomenta a eclosão e sustenta ao longo dos anos a permanência de grupos ‘folclóricos’ — os quais, na sua generalidade, inibem a livre expressão popular e escamoteiam a função social e crítica da nossa música regional;
12b) não menos lícito seria sublinhar o empenho do Gabinete de Etnografia na realização de certames ‘folclóricos’ que distribuem imagens distorcidas da nossa tradição popular, relegando a uma vida quase que subterrânea as suas expressões mais legítimas;
13c) para sintetizar de modo exemplar a política oficial de ‘educação popular’, voltaremos às já referidas edições do Gabinete de Etnografia, verificando que mais de um terço das mesmas são dedicadas a temas de relevante utilidade para as classes trabalhadoras (!), como sejam o Manual de Heráldica Corporativa, o Brasonário Corporativo, os Princípios Corporativos e as Cartas de Fátima.
14Fácil nos será verificar ainda que, sem dúvida no intuito de ‘fomentar’ o gosto dos trabalhadores pelas tradições portuguesas’, outro terço projecta o pensamento corporativo em ‘obras’ de elucubração etnográfica (quase todos da autoria do falecido Fernando de Castro Pires de Lima, que exerceu o cargo de Director do Museu de Etnografia e História do Porto). Alguns títulos: A Mulher Vestida de Homem, A Princesa Magalona, A Lenda do Senhor do Galo, de mistura com o inestimável Romanceiro de Almeida Garrett, com um prefácio infeliz do mesmo Fernando de Castro Pires de Lima.
153. Deste panorama desolador não será possível extrair algo positivo? Acreditamos que sim, ao constatar que a astenia congénita do Gabinete de Etnografia não deixou o vírus corporativo contaminar, senão esporádica e superficialmente, as classes trabalhadoras que, desta feita, permaneceram saudavelmente abertas à futura actuação do INATEL.
II - O Gabinete de Etnografia e Folclore da FNAT
16Em 1972, a então Direcção da FNAT ‘procurou tornar efectivo o Gabinete de Etnografia e dotá-lo de pessoal e meios, a fim de que o mesmo pudesse corresponder aos seus objectivos e ter uma real actividade […]’.
17Assim, e como primeira medida drástica, o Gabinete de Etnografia passou a designar-se por Gabinete de Etnografia e Folclore, para, em Março de 1974, admitir o seu actual director, Sr. Tomás Ribas, promotor de um plano de reforma que adiante analisaremos.
18Por sua vez, a equipa do Gabinete — que integrava um adjunto do director, um técnico musical, três investigadores e um técnico de fotografia e som — era nomeada em Abril do mesmo ano e admitida em 1 de Maio, dia propositadamente escolhido, supomos, por ser o Dia Internacional do Trabalho.
191 O projecto de reforma apresentado pelo Sr. Tomás Ribas, embora baseado nos referidos artigos dos Estatutos e regulamento da FNAT, integrava um plano de actividades que, ao serem cumpridas na íntegra, representaria, de certo modo, um salto qualitativo.
20No entanto, é por demais evidente que a FNAT, com ou sem reforma, na situação anterior ao 25 de Abril, nunca deixaria de constituir um organismo congénere da Opere Nazionale Dopolavoro, fundada em 1927 pelo fascismo italiano, para ‘libertar o trabalhador da obsessão da diferença entre ricos e pobres’.
212 Na situação presente, não acreditamos que o Gabinete de Etnografia e Folclore se possa integrar no espírito e na dinâmica de uma FNAT reestruturada em organismo decididamente voltado para a dinamização dos tempos livres do povo trabalhador — dinamização essa que terá em vista fortificar a sua consciência de classe, mediante práticas didácticas de animação socio-cultural, artística e desportiva.
22Se considerarmos, nesta perspectiva, as modalidades do plano de reforma proposto pelo Gabinete de Etnografia e Folclore, fácil nos será verificar que:
23a) o espírito de que é animado reflecte, a vários níveis, preconceitos de classe — conceitualização estática do folclore (o qual, como todos os fenómenos sociais, está em constante transformação e dialecticamente é e não é o mesmo fenómeno ao mesmo tempo); perspectivação restritiva do âmbito do folclore (na criação do qual participa, activa ou passivamente, toda a sociedade); e, por fim, mistificação do folclore, na inconsciência (?) de que se projecta no futuro e exprime singularmente as aspirações e reivindicações populares;
24b) assim, ‘fomentar junto dos trabalhadores o gosto pelas tradições culturais populares portuguesas’, ‘preservar junto dos trabalhadores as canções, danças e outras expressões artísticas populares das influências comerciais’, ‘realizar e animar nas Casas do Povo, colectividades de cultura e recreio, pequenos seminários e cursos sobre danças e canções populares, artesanato regional, culinária tradicional, rendas e bordados, etc.’,
25‘supervisionar, apoiar e acompanhar, no que se refere a temas populares, os grupos e ranchos folclóricos, os grupos teatrais amadores e os grupos corais e musicais inscritos na FNAT’, ou fomentar a criação de novos agrupamentos artísticos de características folclóricas e etnográficas’ — são projectos que, sem reticência alguma, se inscrevem numa linha de pensamento imbuída de princípios social e culturalmente retrógrados.
263 Não queremos terminar sem acrescentar algumas observações que ajudem à análise mais circunstanciada do problema em causa:
27a) a quase totalidade das actividades que propunha cumprir o Gabinete de Etnografia e Folclore requer a participação de investigadores com larga experiência — investigadores esses que escasseiam entre nós, pelo que não nos admiremos de que o quadro de pessoal recrutado para o Gabinete não tenha qualificações para exercer as funções específicas que lhe foram atribuídas;
28b) a quase totalidade dessas mesmas actividades viria sobrepor-se a outras tantas actividades objectivando os mesmos fins e, mais uma vez, se multiplicariam esforços e mobilizariam recursos humanos e materiais para tarefas desconcertadas e destituídas de todo e qualquer rigor científico.
29Em conclusão, não vemos motivos que justifiquem a existência no INATEL de um Gabinete de Etnografia e Folclore que, a nosso ver, sempre constituiria um apêndice sem conteúdo real e sem possível integração no espírito e na dinâmica deste organismo. Actuando em domínios que não seriam da sua estrita competência, o Gabinete de Etnografia e Folclore em nada serviria as classes trabalhadoras, nem tão-pouco a etnografia, cuja participação, necessariamente dinâmica no seio do INATEL, se justifica, sim, mas como ciência empenhada, com os métodos que lhe são próprios, na investigação total da vida e da luta do nosso povo.
III - O Centro de Documentação Operário-Camponesa do Inatel (CDOC)
A. Objectivos e estruturas
30Preconizamos pura e simplesmente a supressão do Gabinete de Etnografia e Folclore e a sua substituição por um Centro de Documentação Operário-Camponesa, que seria um autêntico museu do trabalho — e, por museu, queremos dar a entender o laboratório onde se documenta, analisa e projecta a história das classes trabalhadoras e do povo português em geral.
31Lembraremos, a propósito, que o regulamento da FNAT previa a criação de Museus do Trabalho, e que o plano de reforma do Sr. Tomás Ribas aponta para a estruturação de um Museu do Trabalho, em Évora, no edifício pertencente ao INATEL.
32No entretanto, a experiência nos deixa adivinhar facilmente a função social que assumiriam os referidos museus do trabalho, ao amontoar relíquias do passado, sem qualquer propósito, nem outra finalidade senão a de duplicar os museus regionais de Arte Popular.
331 O Centro de Documentação Operário-Camponesa serviria directamente e prioritariamente os trabalhadores que, dos vários pontos do país, aí se deslocariam para, colectivamente:
34a) fortalecer a sua consciência de classe, mediante visitas e programas de animação socio-cultural, utilizando meios audiovisuais e outras técnicas modernas de informação;
35b) enriquecer o seu conhecimento objectivo do Movimento operário e camponês, através do acesso fácil a documentos de toda a ordem, que testemunham a condição operária e camponesa, no passado e no presente.
362 Prevemos, assim, que o Centro de Documentação Operário-Camponesa seja organizado com o apoio técnico e financeiro de outros Ministérios, embora esteja estritamente dependente do Ministério do Trabalho, constituindo deste modo um organismo que, simultaneamente, sirva o próprio Ministério e o INATEL, no campo da documentação histórica do Movimento operário e camponês.
373 Idealizamos a sua instalação num espaço verde da periferia de uma zona de concentração operária (Barreiro, Almada ou Seixal), se bem que admitamos que os seus serviços sejam provisoriamente reunidos na sede ou numa das dependências do INATEL, em condições que permitam, no entanto, o desenvolvimento da actividade dos três sectores nele integrados.
384 Dependentes do Gabinete de Pesquisa, Documentação e Divulgação, estes três sectores controlariam respectivamente:
39a) Sector de Pesquisa:
1) duas equipas móveis de pesquisa
40b) Sector de Documentação:
1) arquivo
2) estúdio
41c) Sector de Divulgação:
1) duas salas de exposição
2) biblioteca especializada
3) três cabines de som
4) três cabines de projecção
5) auditório polivalente
6) albergue e terreno de campismo
425 A definição dos três sectores e respectivas secções, na ordem acima estabelecida, permitir-nos-á seguir o caminho lógico de qualquer actividade de documentação, ou seja: a recolha, otratamento e a difusão.
43Assim, passaremos em revista as funções específicas desses três sectores.
B Sectores e funções respectivas
1 Sector de Pesquisa
44Este sector, como é óbvio, é fundamental, pelo que teria à sua disposição meios humanos e técnicos adequados, tendo em conta a alta qualificação exigida aos investigadores e a necessária utilização de um equipamento moderno de custo elevado. A sua actividade desenvolver-se-ia em três planos, cada qual com maior ou menor grau de especialização:
45a) a documentação histórica do Movimento operário e camponês do nosso País, antes do 25 de Abril, ou seja: a procura sistemática dos testemunhos sonoros, fotográficos e outros, tais como a imprensa e os textos políticos e sindicais clandestinos ilustrando a luta do nosso povo, os panfletos, os abaixo-assinados, os comunicados estudantis, etc.
46Tratar-se-ia de um longo e paciente trabalho de pesquisa, para o qual seria solicitada a colaboração das entidades oficiais e privadas — Ministério do Trabalho, Intersindical, partidos políticos democráticos, Radiotelevisão e emissoras radiofónicas, museus e arquivos municipais, cooperativas e associações operárias e camponesas, etc.
47Prevê-se ainda a consulta de arquivos dos organismos repressivos do regime deposto (PIDE/DGS, GNR e PSP), das organizações fascistas e paramilitares e de todos os documentos e testemunhos privados possíveis, que seriam registados por meios adequados (fotocópia e microfotografia, gravação em fitas magnéticas e videotapes).
48b) a investigação de carácter etnossociológico, abrangendo a recolha dos testemunhos materiais do trabalho nas suas formas diversificadas (alfaias agrícolas e piscatórias, ferramentas, instrumentos e máquinas), das produções artísticas e literárias populares, com especial incidência nas obras manuscritas e de carácter local e circunstancial, das tradições populares (música e literatura oral) e das formas de expressão espontânea da luta de classes (slogans, graffiti, etc.)
49c) a recolha exaustiva de todos os documentos que dizem respeito à implicação directa das massas trabalhadoras no processo revolucionário do 25 de Abril (registos sonoros, fotográficos e filmados de assembleias, comícios e manifestações políticas e sindicais, folhetos, brochuras e opúsculos de propaganda, cartazes e posters, etc.)
50Prevê-se também o registo em videotapes de entrevistas a militantes políticos e sindicais, operários e camponeses, cada vez que a situação política do momento o venha a exigir.
2 Sector de Documentação
51Este sector teria a seu cargo a arquivação e catalogação de todos os documentos recolhidos, de modo a garantir a sua conservação e possibilitar a consulta às classes trabalhadoras, estudantes, investigadores nacionais e estrangeiros.
521 O cumprimento de tal objectivo implica competência por parte dos responsáveis na aplicação das normas internacionais de catalogação e na utilização dos vários meios técnicos de duplicação, montagem sonora e cinematográfica, revelação e ampliação fotográfica, etc.:
53a) o arquivo, reunindo toda a documentação recolhida, integraria três ficheiros centrais, posteriormente duplicados:
541 o ficheiro bibliográfico referir-se-ia a obras em depósito na biblioteca especializada;
552 o ficheiro documental daria contas dos registos sonoros, fotográficos e cinematográficos existentes no arquivo;
563 o ficheiro informativo forneceria um conjunto, sempre actualizado, de dados socioetnográficos, económicos e políticos.
57b) o estúdio teria a seu cargo a duplicação de todos os documentos, a montagem sonora e cinematográfica, a revelação e ampliação fotográficas, etc.
582 Nestas condições, o arquivo deveria estar apto a fornecer cópias de documentos de qualquer espécie, para utilização interna ou distribuição a entidades oficiais e privadas, para servir, enfim, o Sector de Divulgação do CDOC, assim como o Departamento Cultura-Animação.
593 A grande capacidade operacional assim exigida ao Sector de Documentação, para a resolução permanente dos problemas que lhe são específicos e nas respostas a dar às solicitações vindas do exterior, permitiria servir com eficácia o Sector de Divulgação, cujas funções passamos desde já a analisar.
3 Sector de Divulgação
60Sector-chave do CDOC, o Sector de Divulgação teria a responsabilidade das actividades prioritariamente determinadas pelo Gabinete de Pesquisa, Documentação e Divulgação, das iniciativas próprias ou de colaboração com outros departamentos culturais ou não do INATEL, do Ministério do Trabalho, Intersindical, partidos democráticos e organismos culturais que actuam junto das classes trabalhadoras, etc.
61Prevê-se que, numa primeira fase, integraria seis secções diferenciadas de actividades, interligadas e concorrendo para o mesmo fim, ou seja: o aproveitamento da documentação arquivada, no sentido de uma divulgação tão ampla quanto possível entre as classes trabalhadoras, através dos canais existentes e outros a inventar, conforme as necessidades do momento e de acordo com as iniciativas populares, cuja imaginação seria plenamente aproveitada:
62a) a primeira secção teria à sua responsabilidade a manutenção de duas salas de exposição: uma reuniria objectos documentando o trabalho do nosso povo, enquanto a outra — de dimensão mais modesta — se destinaria a exposições monográficas previamente estabelecidas ou improvisadas:
631 a primeira sala apresentaria, sem carácter exaustivo, mas apenas exemplificativo, os testemunhos materiais mais significativos do trabalho, no passado e no presente — desde as alfaias agrícolas e piscatórias às ferramentas, instrumentos vários, máquinas, etc. Seguir-se-iam critérios bem definidos de exposição, visando objectivos didácticos e tendo em vista uma perspectiva histórica e social do trabalho nas suas formas diversificadas, pelo que os objectos seriam situados no meio em que foram ou são ainda utilizados.
64Vejamos, por exemplo, o caso de um instrumento de trabalho como o arado, companheiro imemorável do homem do campo:
65Para o conhecimento elementar da sua evolução no tempo, difusão e diversidade regional, seriam expostos cerca de uma dúzia de arados entre os mais significativos, integrados num conjunto documental e informativo que incluiria fotografias ilustrando a sua utilização nas várias regiões do País, em conformidade com a estrutura da propriedade e do próprio terreno, mapas das suas áreas de distribuição, textos de leitura fácil e chamadas para os três ficheiros centrais do arquivo.
662 a segunda sala serviria, como vimos, à montagem de exposições monográficas, previamente estabelecidas ou simplesmente improvisadas (uma exposição que, por hipótese, relataria factos da realidade e seria organizada pelos próprios trabalhadores implicados nestes factos).
67b) a segunda secção, encarregada da biblioteca, seria responsável pela escolha e catalogação de obras relacionadas com o trabalho sob o ponto de vista sociológico e económico, político, etnográfico e literário.
68A escassez de obras portuguesas focando temas socioeconómicos e políticos e a raridade de obras etnográficas portuguesas dificultariam a tarefa desta secção, pelo que tornar-se-ia necessário:
691 promover acordos com editores para a tradução de obras estrangeiras fundamentais;
702 dirigir um apelo à solidariedade dos próprios trabalhadores, das entidades oficiais e privadas para que estes ofereçam as obras — especialmente etnográficas — esgotadas no mercado;
713 suscitar junto das entidades competentes (Ministério do Trabalho, Ministério da Educação e Cultura e Ministério da Comunicação Social) a edição de obras especializadas que, ao longo dos anos, se foram rarificando e são hoje objecto de especulação mercantilista;
724 promover, através do Gabinete de Informações e Relações Públicas do INATEL, a reedição de obras didácticas ou simplesmente informativas.
73c) a terceira secção controlaria as três cabines de som, apetrechadas tecnicamente para a audição dos documentos sonoros existentes no arquivo.
74Todos estes documentos seriam registados no segundo ficheiro central, de consulta fácil, permitindo aos interessados a escolha e requisição rápida de qualquer documento sonoro, com vista à sua audição imediata.
75d) a quarta secção, por sua vez, controlaria as três cabines, equipadas para projecções de slides e apresentação de videotapes.
76e) a quinta secção teria a seu cargo a resolução de problemas práticos relacionados com o desenvolvimento de actividades culturais, para serem apresentadas no auditório polivalente — actividades essas que poderiam nascer da iniciativa do próprio CDOC ou do Departamento de Cultura-Animação.
77Assim, poderiam ser apresentados no auditório — e, sempre que necessário, em colaboração com o Departamento de Cultura-Animação e outros Departamentos do INATEL — programas musicais populares e programas politizantes (montados em bandas magnéticas ou videotapes), documentários cinematográficos, ou ainda grupos musicais e teatrais da cidade e do campo.
78Um dos objectivos visados, por exemplo, seria convidar grupos de trabalhadores (operários de uma fábrica, divididos, se necessário, em duas ou mais turmas) para assistirem à apresentação, comentada e discutida colectivamente, de textos montados, cantos, danças e peças teatrais da tradição rural. Do mesmo modo, um público camponês seria solicitado para presenciar a actuação de um grupo teatral de uma fábrica e, posteriormente, debater com este os problemas que teriam sido suscitados pela própria representação.
79Desta feita, seriam estabelecidos, por hipótese, laços de amizade entre os operários de uma fábrica do Seixal e os habitantes de uma povoação da Beira Alta. Estes laços seriam desenvolvidos futuramente, mediante visitas recíprocas, a organização comum de festas e, numa fase posterior, iniciativas de entreajuda para a resolução de problemas respeitantes à sua terra ou à sua fábrica.
80f) a sexta secção, ou secção de hospedagem, inscreve-se no projecto de abrir o CDOC às classes trabalhadoras e às gerações mais recentes.
81Tratar-se-ia de agregar ao CDOC um albergue destinado ao alojamento dos trabalhadores de passagem, estudantes e investigadores da Província ou do estrangeiro — albergue esse de dimensão modesta, comportando uma capacidade máxima de vinte e cinco camas, das quais cinco seriam utilizadas para quartos particulares, ficando as restantes distribuídas por dois dormitórios comuns.
82Nas imediações, funcionaria um terreno de campismo com condições para receber, nos meses de Verão, um máximo de cem pessoas, por um número limitado de dias a fixar oportunamente.
C Administração e gestão
83Temos exposto sucintamente as funções dos sectores e respectivas secções e apenas nos resta determinar quais os órgãos de coordenação e administração, e qual o âmbito da sua função e responsabilidade na gestão democrática do CDOC.
841 Embora se admita a necessidade de confiar a direcção administrativa a um funcionário experimentado do quadro da ex-FNAT, sugere-se, para a gestão democrática do CDOC, uma direcção colegial que integraria o Director deste organismo — ao mesmo tempo responsável do Gabinete de Pesquisa, Documentação e Divulgação—e os três (posteriormente seis) responsáveis do Gabinete.
85Prevêem-se ainda assembleias regulares de todos os trabalhadores que discutiriam os problemas inerentes às suas respectivas funções, assim como a orientação geral do CDOC.
862 O Gabinete de Pesquisa, Documentação e Divulgação teria, além do mais, uma função dinamizadora dos vários sectores, e cada um dos seus responsáveis trabalharia em estrita coordenação com o sector correspondente à sua especialização, sem prejuízo, no entanto, da colaboração efectiva que prestaria aos restantes sectores.
873 Após a fase de arranque, que se calcula não ultrapassaria os seis meses, os responsáveis do Gabinete de Pesquisa, Documentação e Divulgação encontrar-se-iam empenhados mais directamente ainda no processo de desenvolvimento do CDOC, através da planificação e produção de programas radiofónicos e televisivos — programas estes que contariam com o auxílio das secções técnicas e, se necessário, de especialistas de outros departamentos do INATEL.
88Acreditamos, portanto, que a existência do CDOC se justificaria amplamente se viesse acrescentar às suas múltiplas actividades a realização e produção mensal de programas radiofónicos e televisivos, a saber:
89a) um programa radiofónico que documentaria a função social, crítica e reivindicativa da nossa música regional, e outro que, de certo modo, constituísse o seu correspondente televisivo;
90b) um programa radiofónico e outro televisivo em que seriam apresentadas as formas vivas da criatividade popular, no contexto actual da luta de classes.
914 Outra grande responsabilidade endossaria o Gabinete de Pesquisa, Documentação e Divulgação, ao tomar a seu cargo o controlo dos chamados ranchos folclóricos existentes no País:
92a) é sabido que duas ou três dúzias de ranchos folclóricos, por estarem integrados nas Casas do Povo, eram ou ainda são, de certo modo, dependentes do INATEL, enquanto outros duzentos ou trezentos levavam uma existência mais ou menos precária, conforme os critérios duvidosos de auxílio do ex-SNI;
93b) estamos convencidos da necessidade de fazer incidir a nossa acção sobre o conjunto destes ranchos, que, na sua generalidade, são colectividades autenticamente populares, embora desviadas da sua função social e musical por uma política oficial nefasta e sustentada por caciques locais.
945 Assim, propomos um inventário rigoroso — mediante inquéritos locais — de todos os ranchos e grupos corais populares, para integração futura no INATEL dos que oferecessem melhor garantia de democratização e adaptação ao espírito da nossa Revolução e apresentassem qualidades artísticas justificativas da sua existência.
95O Gabinete de Pesquisa, Documentação e Divulgação seria incumbido do referido inquérito, visando o conhecimento objectivo destes agrupamentos e a sua selecção rigorosa.
96Posteriormente, a nossa actuação desenvolver-se-ia em três planos definidos:
97a) estruturação democrática dos que apresentassem apreciáveis qualidades artísticas;
98b) depuração do reportório e dinamização, mediante a sua participação nas iniciativas culturais promovidas pelo CDOC e, especialmente, pelo Departamento Cultura-Animação;
99c) auxílio material, técnico e, se necessário, administrativo, e implicação dos mesmos no processo revolucionário, através da sua integração em campanhas de dinamização sociocultural e outras de carácter politizante .
IV - Sugestões práticas e medidas urgentes
100A organização do Centro de Documentação Operário-Camponesa é uma tarefa difícil e ambiciosa, requerendo, como vimos, um quadro de funcionários qualificados servidos por um equipamento técnico moderno e de custo elevado.
101No entanto, acreditamos que, se soubermos concentrar todos os meios que a situação política actual nos faculta e soubermos suscitar o espírito de decisão e de participação das massas trabalhadoras, conseguiremos reduzir consideravelmente as despesas inerentes à criação de um organismo de características talvez únicas no mundo, e posto ao serviço exclusivo do povo português, de que seria o testemunho imparcial perante a História.
1021 Assim, acreditamos que não seja difícil obter:
103a) que o terreno ou o próprio edifício, bem como os vários materiais de construção, venham a ser oferecidos pelas autarquias locais e por empresas nacionalizadas ou privadas;
104b) que a construção do edifício e outras obras úteis fiquem entregues a brigadas mistas de operários e estudantes, nos fins-de-semana e períodos de férias;
105c) que os testemunhos materiais do trabalho, os instrumentos musicais populares, os registos de literatura oral e música regional sejam recolhidos por equipas do Serviço Cívico Estudantil, conforme o plano Trabalho e Cultura, obtidos por troca com museus e, ainda, mediante ofertas particulares;
106d) que o material audiovisual, indicado como indispensável, provenha de países amigos e de organizações sindicais internacionais;
107e) que esses mesmos países amigos nos facultem, através de bolsas de estudo, o co-nhecimento directo da sua experiência.
1082 Para darmos início ao nosso projecto, propomos as seguintes medidas com carác-ter de urgente necessidade:
109a) comparticipação do INATEL no apoio financeiro, administrativo e técnico prestado pelo Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis ao plano Trabalho e Cultura, inte-grado no Serviço Cívico Estudantil;
110b) mobilização do Gabinete de Etnografia e Folclore para as seguintes tarefas:
1111 recolha imediata, em seis zonas do País, a determinar oportunamente, de todas as formas musicais e literárias populares, de carácter político e revolucionário, e foto-grafia a cores dos slogans e palavras de ordem, pinturas de paredes e graffiti;
1122 catalogação e armazenagem, numa dependência do INATEL, de todo o material etnográfico reunido pelas equipas do referido plano Trabalho e Cultura;
1133 classificação e transcrição dos textos de literatura oral recolhidos pelas mesmas equipas.
V Documentos anexos e organigrama
Quadro de Pessoal
114Os números inscritos na primeira e segunda coluna são indicativos, respectivamente, do pessoal indispensável para o início das actividades, e do pessoal para recrutar nos seis meses seguintes.
Ficha Técnica
O quadro pessoal projectado para o CDOC (1975)
1. DIRECÇÃO / COORDENAÇÃO GERAL |
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Director (ao mesmo tempo, responsável do Gabinete de Pesquisa, Documentação e Divulgação) | 1 |
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Secretária / dactilógrafa | 1 | 1 |
2. ADMINISTRAÇÃO |
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Responsável (quadro administrativo) | 1 |
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Secretária / dactilógrafa | 1 | 1 |
3. GABINETE DE PESQUISA, DOCUMENTAÇÃO E DIVULGAÇÃO |
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Responsável (ao mesmo tempo Director do CDOC |
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Historiador | 1 | 1 |
Sociólogo | 1 | 1 |
Etnólogo |
| 1 |
Secretária do Gabinete | 1 |
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Dactilógrafa | 1 | 1 |
4. SECTOR DE PESQUISA |
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1ª SECÇÃO |
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Responsável (técnico de meios audiovisuais) | 1 |
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Fotógrafo | 1 | 1 |
Técnico de som | 1 | 1 |
Camera man | 1 | 1 |
Anotadora / investigadora de campo (estudante ou etnógrafa principiante) | 1 | 1 |
Dactilógrafa | 1 |
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5. SECTOR DE DOCUMENTAÇÃO |
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1ª SECÇÃO (arquivo) |
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Responsável (arquivista) | 1 |
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Arquivistas auxiliares | 2 |
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2ª SECÇÃO (estúdio) |
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Montador (imagem e som) | 1 |
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Montador auxiliar | 1 |
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6. SECTOR DE DIVULGAÇÃO |
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1ª SECÇÃO (salas de exposição) |
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Responsável (museólogo) | 1 |
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Museólogos auxiliares |
| 2 |
Etnógrafo |
| 1 |
2ª SECÇÃO (biblioteca) |
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Responsável (bibliotecário) | 1 |
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Bibliotecário auxiliar | 1 |
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3ª SECÇÃO (cabines de som) |
|
|
Responsável (técnico de som) |
| 1 |
4ª SECÇÃO (Cabines de projecção) |
|
|
Responsável (projeccionista) | 1 |
|
5ª SECÇÃO (auditório) |
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Responsável (animador cultural) | 1 |
|
Animador auxiliar | 1 |
|
Dactilógrafa | 1 |
|
6ª SECÇÃO (hospedagem) |
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Responsável (recepcionista) | 1 |
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Auxiliares | 2 |
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A ficha técnica concebida para o CDOC (1975)
SECTOR DE PESQUISA |
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Gravador Nagra e acessórios (75 contos) | 1 | +1 |
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Máquinas fotográficas (30 contos) | 2-3 |
| +1 |
Gravador video tape (50 contos) | 1 | +1 | +1 |
Gravadores de cassetes (10 contos) | 2 | +2 | +2 |
Carro (?) | 1 |
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SECTOR DE DOCUMENTAÇÃO |
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Duplicador (40c) | 1 |
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Fotocopiador (45c) | 1 |
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Mesa de montagem (imagem, som) (150 contos) | 1 |
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Equipamento laboratório fotográfico (30 contos) | 1 |
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Gravador profissional estúdio e acessórios (60 contos) | 1 |
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Gravador profissional estúdio (25 contos) 1 | 1 | +1 |
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SECTOR DE DIVULGAÇÃO |
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Televisor (monitor) (15 contos) | 1 | +1 | +1 |
Máquina de projecção, acessórios (16mm) (20 contos) | 1 | +1 |
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Projector de slides (9 contos) | 1 | +1 | +1 |
Gravador semi-profissional (12 contos) | 1 | +1 |
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Gira-discos profissional (12c) | 1 | +2 | +1 |
115Na primeira coluna indicou-se a lista do equipamento técnico (e estimativa dos preços) que se achou ser indispensável adquirir ao iniciar as actividades do CDOC. Na segunda e terceira colunas, ficaram consignadas, respectivamente, as unidades suplementares que se julgou necessário adquirir até Maio de 1976 e Janeiro de 1977.
116O projecto da criação do Centro de Documentação Operário-Camponesa, de que expusemos os objectivos fundamentais, parece-nos merecer a melhor atenção da Comissão Administrativa do INATEL.
117Pela nossa parte, garantimos o nosso total empenho na eventual estruturação do CDOC e sugerimos, desde já, a integração nela dos Arquivos Sonoros Portugueses — onde, nestes últimos quinze anos, reunimos a mais importante colecção musical popular, fotográfica e etnográfica existente no País.”
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Castelos a Bombordo
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2013
Etnografias Urbanas
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2003
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