Governar à distância nas capitanias da América portuguesa
Comunicações políticas entre governadores e autoridades locais (Pernambuco, séculos xvii e xviii)
p. 235-254
Texte intégral
1A criação de capitanias na América representa uma das respostas mais imediatas da monarquia portuguesa aos desafios colocados pela distância oceânica, mas também à vastidão, e às distâncias internas, do continente americano. Em princípio, este esforço de divisão deveria promover a compactação do espaço de conquista em circunscrições jurisdicionais passíveis de serem governadas localmente, atenuando a dependência das comunicações com a Europa. Porém, os limites destas mesmas circunscrições foram progressivamente alargados entre meados do século xvii e do século xviii, de um lado, internamente, com o adensamento da conquista e da expansão territorial e, de outro, externamente, com a «anexação» ou «subordinação» de várias capitanias secundárias aos Governos1 das capitanias principais. Se este processo levou à formação de territorialidades de dimensão regional, também colocou os governadores frente ao desafio de vencer grandes distâncias internas para governar os distritos da jurisdição de cada um2.
2O desafio é ainda maior se considerarmos que certas cláusulas de seus regimentos estabeleciam restrições quanto às saídas para fora do espaço de residência, fazendo com que o contato dos governadores com o interior do território fosse mediado pela interação com vários interlocutores, dependendo do envio de emissários ou da troca de comunicações manuscritas. Nesse sentido, este capítulo analisa a importância das comunicações políticas3 com as autoridades locais para a manutenção dos vínculos entre o Governo e os espaços distantes. Mais do que tratar da materialidade e testar os limites das práticas de difusão dos atos comunicacionais, a comunicação política representa aqui uma ferramenta analítica para observar estas interações de uma forma sistemática, sublinhando que eram essenciais para produzir a governabilidade à distância.
3Como espaço de observação, escolhemos a capitania de Pernambuco, uma das mais antigas, principais e extensas da América portuguesa, cujos limites estendiam-se por sessenta léguas de costa e chegavam a adentrar os confins do rio São Francisco. Bem-sucedida dentre as capitanias de donatários, foi invadida pelos neerlandeses em 1630 e restaurada ao domínio português em 1654, passando, desde então, a integrar o conjunto das capitanias régias do Estado do Brasil e a contar com governadores providos pela Coroa. Ainda que as capitanias de Itamaracá, Ceará, Rio Grande e Paraíba, tenham sido progressivamente incorporadas ao raio de ação do Governo de Pernambuco, a relação dos governadores com cada uma delas representa um assunto complexo, que mereceria ser tratado em profundidade, de modo a que nos circunscreveremos apenas à governação interna da capitania de Pernambuco durante os cem anos que sucedem a sua reincorporação à monarquia portuguesa.
4O capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, analisamos os impactos da «inacessibilidade do espaço»4, isto é, da «deficiência de redes de transporte», sobre os ritmos, fluxos e padrões de contato dos governadores com os espaços distantes. Considerando que tratar destas conexões é, sobretudo, tratar de relações políticas com os poderes presenciais existentes no território, passamos, na segunda parte, a aferir como a diversidade mais ou menos limitada destes protagonistas, e sua disponibilidade para cooperar ou oferecer resistência, acabava por condicionar a projeção da autoridade dos governadores para além da sede do Governo.
Os padrões e a geografia das comunicações
5A primeira cláusula do Regimento dos governadores de Pernambuco estabelecia que deveriam fixar o seu local de residência na vila de Olinda e não poderiam deixá-la sem expressa ordem régia5. A disposição reveste-se de um profundo significado político relacionado à tentativa — aliás frustrada — de devolver o esplendor que tinha este município antes de ser arrasado pelos neerlandeses durante a guerra (1630-1654)6. Na prática, desde a Restauração, os governadores optaram sempre por residir nas imediações do antigo porto do Recife, que florescera durante a ocupação ao ponto de tornar-se um núcleo urbano que reunia mais de 10 mil pessoas de comunhão em finais do século xvii. Em breves linhas, a devastada Olinda manteve o estatuto quase simbólico de município «cabeça» da capitania, ao passo que a vitalidade comercial, militar e político-administrativa manteve-se concentrada no Recife. A distância de uma légua entre uma parte e outra podia ser vencida em canoa ou escaler, a pé ou a cavalo, no espaço de poucas horas, de modo que os governadores transitavam entre elas diária ou semanalmente. Por esta razão, seria mais apropriado dizer que o núcleo político-administrativo da capitania se dispersava entre estas duas povoações, conformando, na verdade, um complexo (ver mapa).
6Fora deste centro, a ação dos governadores sobre as restantes vilas e capitanias estava sujeita a condicionamentos materiais associados ao envio de comunicações manuscritas ou de emissários. O primeiro era o tempo de transporte que poderia ser longo a depender do estado dos caminhos, rios, pontes e balsas, especialmente nas estações chuvosas7. Uma vez que os serviços postais regulares só começaram a ser implementados por vias terrestres na América lusa em 17988, o envio das correspondências ou das disposições normativas dos governadores implicava custos, sendo necessário dispor dos recursos administrados pela Fazenda Real para pagar a caminheiros, soldados, ameríndios aldeados ou portadores particulares para levá-las às vilas distantes. Naturalmente, estes custos podiam ser atenuados, ou mesmo evitados, com as redes comerciais e a navegação de cabotagem que ligava o Recife e os portos menores, que poderiam ser aproveitadas para transportar as comunicações até os locais de destino de forma gratuita. Contudo, as condições sazonais, o rigor do clima e o regime costeiro de ventos e marés limitavam a disponibilidade destes portadores a épocas precisas do ano, de modo que nem sempre podiam ser aproveitados9.
7Estes condicionamentos materiais impunham diferentes ritmos de comunicação entre o Governo e os espaços mais distantes. Aferi-los em sua real dimensão não é tarefa simples, pois a documentação produzida na Secretaria de Governo de Pernambuco foi quase que totalmente perdida, sendo necessário recorrer a fundos documentais alternativos que preservam cópias da comunicação política dos governadores. Um dos mais completos pode ser encontrado na coleção do conde dos Arcos, atualmente depositada no Arquivo da Universidade de Coimbra, que reúne mais de três mil disposições normativas (cartas, ordens, portarias, bandos, editais, dentre outros) copiadas dos registos da Secretaria por ordem de D. Marcos José de Noronha e Brito, sexto conde dos Arcos, governador de Pernambuco entre 1746 e 174910. Conjunto representativo, ainda que seguramente incompleto, mas que nos serviu para sistematizar os fluxos geográficos de comunicação política expedida pelos governadores década a década. A tabela 1 sistematiza estes fluxos em três espaços de difusão, a saber: o centro do Governo (Olinda e Recife), as cinco vilas menores situadas no litoral da capitania, as freguesias dos sertões e os espaços de comunicação alternativos e, por último, contabilizamos as disposições «circulares», isto é, as normas de abrangência geral que eram replicadas em simultâneo para todas as vilas da capitania11.
8Os dados mostram que em todo o período considerado, quase 70 % das comunicações dos governadores era difundida entre Olinda, Recife e as freguesias do termo de cada uma12. Ainda que o volume de disposições remetidas ao Recife seja muito superior ao de Olinda, atestando a vitalidade adquirida pela praça no pós-guerra, este complexo corresponderia ao centro nevrálgico da ação governativa, no qual estavam sediadas as instituições de maior peso político, a saber: a câmara de Olinda, sem dúvida a mais importante da capitania; a Provedoria da Fazenda; a Ouvidoria; o Bispado, desde 1676; além de ser também sede de todas as Juntas regulares e extraordinárias. Acresce ainda que a maior parte dos efetivos armados e das fortalezas estava concentrada nestas duas povoações, além da atividade portuária mais importante.
Tabela 1. — Difusão geográfica dos fluxos de comunicação política dos governadores na capitania de Pernambuco (1648-1746)
Local de destino | 1648-1659 | 1660-1669 | 1670-1679 | 1680-1689 | 1690-1699 | 1700-1710 | 1711-1715 | 1715-1724 | 1725-1734 | 1735-1746 | Total |
Comunicações difundidas no centro do Governo | |||||||||||
Olinda | 20 | 82 | 43 | 55 | 27 | 31 | 63 | 30 | 27 | 48 | 426 |
Recife | 22 | 77 | 75 | 172 | 128 | 74 | 230 | 166 | 156 | 148 | 1 248 |
Olinda e Recife | 4 | 22 | 9 | 38 | 23 | 14 | 10 | 13 | 4 | 10 | 147 |
Olinda ou Recife? | 3 | 3 | 10 | 25 | 5 | 1 | 17 | 2 | 66 | ||
Subtotal | 49 | 184 | 137 | 290 | 183 | 120 | 320 | 209 | 187 | 208 | 1 887 |
Comunicações dirigidas às vilas menores da capitania | |||||||||||
Igarassu | 2 | 4 | 13 | 5 | 1 | 2 | 1 | 7 | 35 | ||
Sirinhaém | 1 | 24 | 42 | 12 | 7 | 1 | 10 | 8 | 7 | 3 | 115 |
Porto Calvo | 1 | 29 | 19 | 5 | 6 | 1 | 5 | 2 | 2 | 3 | 73 |
Alagoas | 3 | 20 | 18 | 7 | 11 | 3 | 9 | 5 | 15 | 5 | 96 |
Penedo | 1 | 25 | 26 | 9 | 11 | 5 | 1 | 8 | 5 | 91 | |
Subtotal | 8 | 102 | 118 | 38 | 35 | 10 | 25 | 18 | 33 | 23 | 410 |
Espaços de comunicação alternativos ou não mencionados | |||||||||||
Freguesias dos sertões | 1 | 1 | 5 | 10 | 5 | 7 | 41 | 10 | 80 | ||
Fernando de Noronha | 1 | 22 | 23 | ||||||||
Não especificado | 1 | 19 | 19 | 36 | 21 | 5 | 2 | 11 | 11 | 4 | 129 |
Outros | 5 | 1 | 2 | 1 | 9 | ||||||
Subtotal | 2 | 25 | 20 | 36 | 26 | 16 | 7 | 18 | 54 | 37 | 241 |
Disposições circulares | |||||||||||
Disposições circulares | 3 | 12 | 16 | 19 | 6 | 4 | 15 | 6 | 14 | 9 | 104 |
Total | 62 | 324 | 292 | 383 | 255 | 160 | 372 | 258 | 329 | 287 | 2 722 |
Fonte: Dados computados a partir das Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, códs. 31 e 32.
9Em contrapartida, mesmo que estes números não representem volumes reais, mas aproximações alcançadas por meio de cópias atualmente conhecidas, pode-se constatar que o volume de disposições dirigidas para fora do centro de governo era sensivelmente mais modesto. Vistas separadamente, cada uma das vilas menores absorveu entre 1 % e 4 % do total das disposições registadas entre 1648 e 1746. Porém, a estes fluxos localizados é preciso somar as disposições circulares, veiculadas a todas elas sob a forma de cartas, ordens, editais e bandos, o que acrescentaria 104 disposições em cada vila. É interessante destacar que em quase todos os casos, a quantidade destas disposições de abrangência geral se aproxima ou excede os fluxos dirigidos separadamente a cada uma das vilas, cujos efeitos eram puramente locais. Comparativamente, os contatos com as freguesias do sertão da capitania só adquiriram alguma expressividade com o despontar de sua atratividade econômica no início do século xviii e, se tivermos ainda em conta que somente parte das circulares era enviada aos sertões, constatamos que este era um espaço pouco abrangido pela autoridade dos governadores.
10Se encaramos estes fluxos comunicacionais como indicadores da vitalidade dos laços políticos entre um centro e localidades mais ou menos afastadas, vemos que a sua intensidade nem sempre é diretamente proporcional às distâncias geográficas, mas reflete, sobretudo, a atenção sobre zonas de maior interesse ou de maior peso político em certos períodos. De fato, mais do que ilustrar uma comunicação regular e constante com o conjunto do território, os dados da tabela 1 revelam que o contato com os espaços exteriores a Recife e Olinda tende a crescer em circunstâncias que se relacionam a problemas que os governos locais não conseguem solucionar autonomamente, como conflitos armados contra os mocambos ou povos indígenas, atritos jurisdicionais entre as autoridades ou ao empreendimento de esforços coletivos, como a captação de donativos. Note-se, como adiante veremos, que os maiores índices de comunicação com as vilas menores de Pernambuco, tais como Alagoas, Porto Calvo, Penedo e Sirinhaém coincidem com as décadas de 1660 e 1670, período em que há um esforço maior dos governadores no sentido de estabelecer cooperações com os poderes locais para arrecadar mantimentos e coordenar os ataques aos mocambos dos Palmares. Por outro lado, estes mesmos fluxos tendem a declinar nas décadas de 1680 e 1690 quando a contratação de sertanistas da capitania de São Paulo para combater os mocambos reduz a frequência das cooperações entre os governadores e estas vilas13.
11Dentro ou fora de circunstâncias extraordinárias, cabe salientar que os governadores recebiam petições, requerimentos e representações que lhes eram apresentadas cotidianamente por vias orais ou escritas. Para perceber a importância destas modalidades de comunicação, basta dizer que 42 % das comunicações enviadas a Igarassu e Porto Calvo, 33 % de Penedo e 27 % das que seguiram para as Alagoas, na segunda metade do século xvii, derivam de respostas às correspondências ou às representações expedidas nestas localidades14. Com efeito, parte substancial da interação dos governadores com os espaços distantes resulta mais da resposta às solicitações locais, ou se preferirmos, de uma orientação responsiva ou «passiva» da ação política, do que de intervenções ativas e recorrentes no cenário político dessas localidades, espelhando, assim, «em solo americano» os paradigmas político-administrativos norteadores da ação política da administração central da monarquia15.
12Em resumo, as comunicações dos governadores com o distrito da capitania pautavam-se, ordinariamente, pela emissão de normas gerais ou pela resposta às solicitações colocadas de baixo, pelos governos locais e outros peticionários. Contudo, circunstâncias excepcionais poderiam exigir ações mais diretivas dos governadores e, consequentemente, promover uma ligação mais ativa com as localidades distantes. Mas, falar das comunicações territoriais é, sobretudo, tratar daquela que é trocada com os poderes locais ou com as coletividades humanas distribuídas no espaço. É, precisamente destas relações e da sua importância para a construção da governabilidade numa escala regional que nos ocuparemos no próximo tópico.
Os interlocutores locais na governação à distância
13Em curtas ou longas distâncias, e não dispondo de uma rede de subdelegados para representar a sua autoridade de forma direta nas diferentes localidades, os governadores precisam contar com a cooperação de interlocutores no terreno — ou ao menos de parte deles — para governar. E governar no período pré-moderno, nas palavras de Brakensiek, «significava organizar intercâmbios entre os detentores de prerrogativas, direitos e liberdades e os outros que são afetados por eles de forma regular»16. Se, por um lado, a necessidade destas cooperações coloca sempre a possibilidade de diversificar a escolha destes detentores, a desigual distribuição da malha político-administrativa no interior da capitania de Pernambuco impunha certas limitações no leque de opções disponíveis.
14Torna-se, então, imperativo caracterizar, mesmo que de forma sumária, o universo de interlocutores locais. Até meados do século xviii, a organização político-administrativa interna das capitanias da América tem por referência uma matriz institucional que é comum ao corpo político da monarquia portuguesa17, onde a base do governo local se assenta em municípios encabeçados por câmaras e capitães-mores da ordenança, cada qual com seus respectivos oficiais distribuídos pelas freguesias. Nenhum detentor destes ofícios camarários ou das ordenanças é remunerado, sendo quase todos membros das elites locais que partilham o desempenho dos lugares da governança com outras atividades econômicas ou comerciais. Sobrepostas a esta base de governo local estão as estruturas da administração periférica da Coroa e que estão encarnadas nos provedores da Real Fazenda, nos ouvidores, nos juízes de fora e nos governadores ou capitães-mores de capitania18. A concentração destes poderes unipessoais remunerados pela Coroa, paralelamente às estruturas de topo da administração diocesana, confere centralidade político-administrativa aos municípios «cabeças» das capitanias ou das comarcas, ainda que em Pernambuco eles se dispersassem entre Olinda e Recife19.
15Fora de Olinda e Recife, a presença de oficiais régios limita-se ao ouvidor da Comarca das Alagoas, instalada oficialmente em 1712 tendo esta mesma vila por sua cabeça. De resto, a diversidade de interlocutores limita-se às estruturas de governo local não remuneradas que antes referirmos e, ainda assim, com uma abrangência territorial limitada. Face à expansão da área de conquista e ao crescimento populacional — visível na multiplicação de freguesias que saltam de apenas 14, em 1654, para 23 em 1693, e então 34, em 174620 — há uma enorme contenção na criação de novas vilas. Basta dizer que na altura da capitulação neerlandesa, Pernambuco contava com seis municípios, chegando ao sétimo em 1710, com a criação do Recife, mantendo-se com este número até a implementação do diretório dos índios, iniciada em 175921.
16Com as estruturas da administração periférica da Coroa e as câmaras confinadas ao litoral, o governo local nos sertões foi estruturado não em torno de vilas, mas de freguesias, que, além dos párocos, contaram apenas com alguns poderes unipessoais até a segunda metade do século xviii, sendo estes os capitães-mores ou coronéis da ordenança e, em algumas de maior importância, os chamados «juízes ordinários», também conhecidos por «julgados». Criados por iniciativa da Coroa e dos governadores em finais do século xvii, estes oficiais tinham jurisdição equivalente à dos juízes ordinários eleitos pelo sistema de pelouros nas câmaras, sem que mantivessem, com isso, quaisquer ligações com as vereanças do litoral22.
17Paralelamente às estruturas da administração civil, os efetivos armados organizavam-se em terços ou regimentos pagos, tropas auxiliares e as companhias de ordenanças. Em Pernambuco, de forma muito sintética, a presença de tropas pagas, com corpos de infantaria e artilharia, restringia-se à guarnição do Recife, de Olinda e das fortificações litorâneas, quase todas concentradas nas duas povoações à exceção de um forte em Tamandaré, próximo de Sirinhaém. Em contrapartida, as vilas menores e as freguesias dos sertões eram guarnecidas por tropas auxiliares e pelas ordenanças. As ordenanças consistem no mero alistamento dos moradores aptos a tomarem armas em caso de invasão, não podendo, em princípio, ser deslocados para cenários de guerra. As tropas auxiliares figuram como destacamentos mais especializados que só recebiam soldo estando em situações de combate ou não recebiam qualquer espécie de remuneração. Estas dividem-se ainda entre aquelas de caráter permanente e outras formadas em contingências de guerra, podendo ser organizadas com base nos distritos de residência dos moradores, ou ainda em virtude da composição étnica de seus efetivos, como são os terços dos homens pretos, chamados de Henriques, ou os terços dos homens pardos, e ainda o terço dos índios, capitaneado pelo governador dos Índios23.
18Feita esta breve caracterização, tratemos agora das interações dos governadores com este quadro de poderes territoriais através de um estudo da comunicação política no interior da capitania. Tendo em conta que a virada do século xvii para o século xviii marca um período de mudanças que se tornam visíveis pelo alargamento no raio de ação territorial dos governadores e pela emergência de novos protagonistas no cenário político, sistematizamos estes fluxos comunicacionais internos em dois cortes cronológicos, a saber a segunda metade do século xvii e a primeira metade do século xviii, representados respectivamente nas duas tabelas seguintes. A interpretação destes dados deve considerar, necessariamente, a especificidade dos padrões de contato com as vilas mais distantes da sede de Governo. Para tanto, importa categorizar as comunicações entre aquelas de abrangência geral ou particular, distinguindo aquelas dirigidas ao coletivo da sociedade ou a destinatários específicos dentre os interlocutores disponíveis, e, em meio a estes, distinguir a participação de poderes corporativos e unipessoais (tabela 2).
Tabela 2. — Distribuição geográfica dos interlocutores (1654-1699)
Local de destino | Comunicações coletivas | Capitão-Mor | Câmara | Provedor | Ouvidor | Capitães-Mores de Freguesia | Oficiais da Ordenança | Oficiais das tropas pagas | Oficiais das tropas auxiliares | Missionários | Lideranças indígenas | Outros | Total |
Comunicações difundidas no centro do Governo | |||||||||||||
Olinda | 4 | 119 | 1 | 14 | 21 | 16 | 23 | 9 | 2 | 1 | 24 | 229 | |
Recife | 65 | 283 | 20 | 1 | 45 | 5 | 55 | 474 | |||||
Olinda e Recife | 81 | 1 | 1 | 1 | 3 | 92 | |||||||
Olinda ou Recife? | 47 | 2 | 49 | ||||||||||
Subtotal | 150 | 119 | 284 | 81 | 21 | 18 | 69 | 15 | 2 | 1 | 84 | 844 | |
Comunicações expedidas às vilas menores | |||||||||||||
Igarassu | 1 | 2 | 19 | 1 | 1 | 24 | |||||||
Sirinhaém | 4 | 19 | 40 | 3 | 12 | 3 | 1 | 2 | 2 | 86 | |||
Porto Calvo | 2 | 13 | 36 | 7 | 2 | 60 | |||||||
Alagoas | 1 | 20 | 32 | 1 | 2 | 3 | 59 | ||||||
Penedo | 3 | 15 | 42 | 9 | 1 | 1 | 1 | 72 | |||||
Subtotal | 11 | 69 | 169 | 20 | 14 | 4 | 3 | 3 | 8 | 301 | |||
Espaços de comunicação alternativos ou não mencionados | |||||||||||||
Freguesias dos sertões | 2 | 2 | 2 | 1 | 7 | ||||||||
Fernando de Noronha | 1 | 1 | |||||||||||
Não especificado | 6 | 4 | 7 | 10 | 26 | 11 | 1 | 9 | 22 | 96 | |||
Outros | 1 | 4 | 5 | ||||||||||
Subtotal | 6 | 5 | 7 | 12 | 27 | 13 | 1 | 11 | 27 | 109 | |||
Disposições circulares | |||||||||||||
Disposições circulares | 26 | 14 | 7 | 8 | 1 | 56 | |||||||
Total | 193 | 88 | 295 | 284 | 81 | 36 | 50 | 110 | 32 | 6 | 15 | 120 | 1 310 |
Fonte: Dados computados a partir das Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, cód. 31.
19As comunicações dirigidas pelos governadores ao coletivo da sociedade eram veiculadas por meio de bandos ou de editais. A principal diferença entre estes dois suportes comunicacionais reside na forma de publicação e no impacto político de cada um. Os bandos são proclamações públicas feitas em voz alta, acompanhadas do rufar de caixas, nos lugares mais frequentados das vilas, sendo, com isso, revestidas de certos elementos rituais24, enquanto a divulgação dos editais consistia na mera afixação do papel manuscrito em lugares de visibilidade mais garantida como nas portas das igrejas ou das câmaras. O conteúdo dos bandos, assim como de alguns editais, está sempre associado ao cumprimento de uma determinação ou proibição e prescreve, necessariamente, penas aplicáveis em caso de descumprimento, variando desde multas em dinheiro, prisão, perda de bens móveis ou, em casos extremos, açoite, polé e degredo. Se os editais poderiam ser lançados por basicamente qualquer autoridade, a publicação dos bandos figura como mais restritiva, de modo que os governadores arrogavam a exclusividade de seu uso de forma frequente.
20Os dados sugerem que as comunicações dirigidas ao coletivo da sociedade tinham uma abrangência territorial bastante limitada, de modo que 76 % do conjunto aqui tratado foram publicadas entre Olinda e Recife. Fora deste espaço, os contatos serão mais reduzidos, além de que mais limitados ao envio de bandos ou editais circulares. Para difundir estes atos comunicativos à distância e ao coletivo das comunidades locais, os governadores dependiam sempre de intermediários, encarregados os receber, registar, divulgar publicamente e, sobretudo, de supervisionar a aplicação das restrições e penas impostas. Nas vilas menores, estes intermediários serão as câmaras, cuja colaboração era essencial não só para a difusão no local de destino, mas sobretudo, para a circulação das comunicações, uma vez que aquela que recebia o comunicado pela primeira vez ficava encarregada de produzir cópias e encaminhá-las às vilas ou freguesias vizinhas25, semelhante, portanto, à «práctica de la cordillera» identificada por Borah na Nova Espanha26. Mas, o tempo transcorrido entre envio e a divulgação dos bandos e dos editais poderia ser dilatado, pois as disposições dos governadores vinham seladas e era necessário que a vereança estivesse reunida para fazer a abertura e ordenar a publicação, sendo que as câmaras das pequenas vilas se reuniam com frequência menor do que as dos municípios principais. Na câmara de Alagoas do Sul, a uma distância de três ou quatro dias do Recife, os oficiais reuniam-se uma única vez ao mês, de modo que a publicação de um bando do governador poderia demorar entre um mínimo de 19 e um máximo de 58 dias, reduzindo assim a sua eficácia27.
21Nos sertões, onde não existiam câmaras, também não há registo da publicação de bandos antes do século xviii, o que nos impede de conhecer os intermediários e as práticas de difusão. No entanto, somos levados a imaginar que sendo espaços onde a população não está concentrada em pontos, mas antes dispersa pelas fazendas, currais de gado, talvez não houvesse sentido ou mesmo a possibilidade de realizar comunicações coletivas.
22Nesse sentido, os dados mostram que o contato dos governadores com os espaços mais distantes da sede de Governo, quer no litoral ou nos sertões, resulta mais da interação direta com as autoridades locais do que de comunicações dirigidas ao coletivo da população. Nas vilas menores, ao longo da segunda metade do século xvii, os principais interlocutores locais também serão as câmaras. Estas respondem por 79 %, 60 %, 54 % e 58 % das comunicações dirigidas a Porto Calvo, Alagoas e Penedo, ao passo que os capitães-mores da ordenança por 8 %, 22 %, 4 % e 21 %, respectivamente. Uma pequena variação a esta tendência geral pode ser vista na vila de Sirinhaém, onde a presença de um destacamento militar no forte de Tamandaré acrescenta interlocutores ausentes nas restantes, mas, ainda assim, 47 % do total de disposições são destinadas à câmara e 22 % aos capitães-mores.
23Em certo sentido, o aproveitamento da rede concelhia por parte dos governadores neste período acaba espelhando a prática seguida no reino desde o século xvi, onde o poder régio delega aos governos municipais responsabilidades que se relacionam, principalmente, à organização defensiva do território e à arrecadação de contribuições fiscais extraordinárias28. No caso das vilas de Pernambuco, esta importância é particularmente visível durante a cobrança do Donativo para o Dote da Rainha de Inglaterra e Paz com Holanda e da organização das guerras contra Palmares, e é suficiente dizer que, juntos, os dois assuntos estão presentes em 71 %, 67 %, 62 %, 59 % e 47 % do total das comunicações dirigidas às vilas de Porto Calvo, Alagoas, Sirinhaém, Igarassu e Penedo, respectivamente29.
24Diferentemente dos vice-reis da Índia e em que pese o fato de alguns comandantes militares serem encarregados dos Governos de capitania durante as guerras, os governadores da América não costumavam assumir a liderança dos exércitos nas campanhas e batalhas, concentrando suas ações na defesa das praças militares. Em capitanias como Pernambuco, cuja história é entrecortada por diversos conflitos armados, essa questão poderia ser desafiadora, e ainda mais em palcos de guerra distantes da sede do Governo. Palmares é, nesse sentido, um caso emblemático dos desafios de coordenar uma guerra à distância. Mesmo que aventada por alguns governadores, a impossibilidade de se deslocar aos mocambos fez com que o comando militar das operações fosse sempre delegado a cabos de guerra. Estes, nas décadas de 1650, 1660 e 1670, eram quase todos destacados das tropas pagas ou dos auxiliares da própria capitania, mas na fase final dos conflitos, desde que a Coroa passou a ter um envolvimento mais ativo, optou-se pela contratação de sertanistas mais experimentados com a guerra em mata fechada30. O envolvimento direto dos governadores foi maior na primeira, do que na segunda fase dos conflitos, quando a opção pelos sertanistas parece ter levado a uma maior autonomização das decisões de comando e estratégias de ataque.
25Na primeira fase, as câmaras e capitães-mores das vilas de Sirinhaém, Porto Calvo e Alagoas, situadas nas cabeceiras dos mocambos de Palmares, tiveram participação ativa nas mobilizações para a guerra. Trata-se de um período em que a Real Fazenda estava exaurida de recursos, arcando apenas com os gastos em fardamentos e munições, e no qual os custos associados aos mantimentos e suprimentos das tropas foram delegados às câmaras. Sendo a vocação económica destas vilas largamente voltada à produção de subsistência, suas câmaras foram acionadas pelos governadores em todas as expedições feitas entre as décadas de 1650 e 1680 para lançar «fintas» entre os moradores, destinadas a arrecadar farinha, gado e peixe seco para sustentar os soldados31.
26Outra ação que envolve a colaboração conjunta das câmaras e dos capitães-mores refere-se à realização dos recrutamentos locais, uma vez que os contingentes de tropas deslocadas de Olinda e Recife não chegavam para sustentar os ataques. E aqui há que se diferenciar a ação de divulgar e aplicar os bandos de recrutamento lançados pelos governadores, em que eram oferecidas vantagens económicas e políticas àqueles que se alistassem, da delegação direta de ordens às câmaras e capitães-mores para a realização dos recrutamentos. Tal sucedeu, por exemplo, em 1661, quando Francisco de Brito Freyre ordenou à Câmara das Alagoas para que formasse «uma tropa de mancebos solteiros e alguns casados de 150 até 200 homens»32.
27Além de arrecadar mantimentos e recrutar tropas, alguns governadores tentaram envolver as câmaras em ações de suporte durante os principais ataques feitos a Palmares. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1661, quando Brito Freyre escreveu à câmara e ao capitão-mor das Alagoas pedindo que enquanto o cabo de guerra estivesse a adentrar no matagal para atacar os mocambos, a câmara ordenasse, simultaneamente, ao seu capitão do campo para «ir com alguns homens correr a campanha três ou quatro léguas para dentro da praia», pois que quando os palmaristas tomavam conhecimento da chegada das expedições desciam a serra, indo «para baixo à beira mar»33. O fracasso destas ações militares em específico deve-se mais à capacidade de resistência dos habitantes de Palmares, do que à falha das câmaras em cooperar e efetivar as ordens do governador34.
28Mobilizar as instituições do governo local para combater mocambos, cuja mera existência representa uma ameaça para a manutenção das sociedades escravistas, era seguramente mais fácil do que organizar a captação de recursos económicos, como atesta o processo de cobrança do Donativo da Rainha de Inglaterra e Paz com Holanda. Trata-se de uma contribuição extraordinária destinada a cobrir dois milhões de cruzados gastos pela Coroa num complexo arranjo de negociações diplomáticas do pós-restauração, envolvendo, de um lado, o pagamento de indenizações aos Países Baixos pela perda das conquistas no Brasil, e, de outro, o dote de casamento de Catarina de Bragança com Carlos II da Inglaterra35. Em que pese a ideia de ser uma contribuição «negociada» entre a Coroa e os súditos, a definição dos valores anuais, dos prazos e das formas de pagamento da parcela que tocava à América portuguesa foi arbitrada por uma Junta convocada na Bahia, que decidiu o quanto cada capitania deveria pagar, sem que estas enviassem os seus próprios representantes para participar das negociações.
29Definidos os valores, coube aos governadores tão somente organizar a cobrança no interior dos territórios e garantir as remessas anuais. Depois de ser informado que Pernambuco deveria contribuir com um total de 25 mil cruzados anuais, a primeira providência tomada pelo governador Francisco de Brito Freyre foi a de convocar representantes de todas as câmaras por meio de uma carta circular para participarem de uma Junta que dividiria, em sua presença, o valor a ser pago por cada uma e as formas de pagamento36. De início, mesmo que não saibamos se todas atenderam ao pedido, a decisão de fazer a convocatória pode ser vista como uma resposta ao problema da distância, uma vez que negociar os valores do rateio por meio da troca de correspondência com seis câmaras diferentes poderia retardar o início das cobranças. Acordados os valores, cada câmara ficou encarregada de organizar as arrecadações localmente, de forma autónoma, cabendo-lhes nomear os arrecadadores, os nomes dos contribuintes, e por fim, remeter estes valores em géneros ao Recife, a saber, em pau brasil, açúcar branco, tabaco e gado.
30Todavia, o alcance territorial da cobrança ficava limitado às vilas e freguesias dos termos de cada uma das câmaras, o que nos leva a imaginar que alguns espaços, principalmente nos sertões, não tenham sido inteiramente abarcados pela arrecadação. Além disso, houve forte resistência local ao donativo, ora por iniciativa das próprias câmaras, ora por parte dos moradores que não viam sentido em arcar com uma contribuição para indenizar um inimigo que eles teriam vencido por força das armas e a custo de «sangue vida e fazenda»37. Esta resistência pode ser observada, ainda que por inferência, nas missivas que os governadores trocaram com as câmaras durante os mais de trinta anos em que reclamam, quase que anualmente, da falha no envio das contribuições, quer pela incompletude dos valores acordados, quer pela total abstenção nas remessas38.
31O caso de resistência mais aberta à cobrança do donativo teve lugar em Porto Calvo. Durante um ajuntamento convocado pela câmara desta vila em dezembro de 1669 para decidir os nomes dos contribuintes e o valor pago por cada um naquele ano, um grupo de moradores levantou voz, interrompeu a reunião e negou-se a fazer qualquer pagamento39. Poucos dias depois, a câmara deu conta do acontecimento ao governador Bernardo de Miranda Henriques, que, a seu turno, interpretou o ato como uma autêntica revolta. Na impossibilidade de alcançar o consenso dos moradores, o governador teve de mobilizar os meios de coerção disponíveis. Começou por tentar assegurar a colaboração do capitão-mor da vila, escrevendo uma ordem para que garantisse todo o suporte necessário para dar «efeito à dita cobrança». Nela, o governador acrescentou uma ameaça, dizendo que se não desse o remédio necessário, «eu o remediarei conforme convier mais ao serviço de Sua Alteza, que para castigar rebeliões» iria ele em pessoa «a cavalo com os Terços que aqui há e não ficar pedra sobre pedra nessa vila»40. Neste caso, a ameaça nada mais representa que um artifício retórico que manifesta a coerção verbal de um governador que, à distância, tentava impor respeito. Para demonstrar que a ameaça não podia ser sustentada na prática, basta dizer que os terços referidos sequer chegavam para guarnecer Recife e Olinda. Foi o que se viu quatro anos antes, quando a câmara de Porto Calvo pediu que o governador enviasse alguns soldados da tropa paga para os acompanhar na realização das cobranças do donativo, e tiveram o pedido negado sob a alegação de que os homens «que aqui temos são muito poucos para esta mesma diligência», devendo a câmara remediar-se e pedir suporte do Mestre de Campo das tropas auxiliares daquela vila41.
32E ainda que a documentação disponível não nos permita desvelar os desdobramentos concretos do caso, sabemos que o governador escreveu ainda ao ouvidor de Pernambuco em janeiro de 1670 e, aproveitando a sua passagem por Porto Calvo durante as correições que fazia no sul da comarca, ordenou que tirasse uma devassa do «levantamento que alguns homens do povo fizeram na câmara», procedendo «contra os culpados conforme Vossa Mercê entender»42.
33Em que pese qualquer ação do magistrado, também desconhecida, sabemos que a câmara continuou a resistir com os pagamentos do donativo. Mas, o sucessor de Miranda Henriques, Fernão de Sousa Coutinho, tomou outras providências quanto à cobrança. Em outubro de 1671, a câmara devia um total acumulado de 665$610 réis, além dos 150$000 que deveria remeter em dezembro daquele ano. Para cobrar estes valores, o governador enviou um Ajudante e doze soldados das tropas pagas com ordens de permanecer na vila até que os pagamentos fossem plenamente satisfeitos antes da partida da frota, devendo a própria Câmara arcar com o sustento de todo o destacamento43. A mesma atitude foi repetida em Igarassu, Sirinhaém, Alagoas do Sul e Penedo com efeitos diferentes44. Se a câmara de Penedo, por exemplo, respondeu à ordem com a remessa da totalidade dos valores devidos45, a de Alagoas, apesar de ter feito o mesmo, considerou o envio do destacamento como um ato excessivo e enviou uma queixa ao governador. Este, em resposta, justificou a ação alegando que «as apertadas ordens de Sua Alteza e a falta que as outras Câmaras fizeram» nos pagamentos o forçara a mandar o destacamento, mas que, face ao sucesso da cobrança, prometeu que os aliviaria da despesa com o sustento dos homens46. Nesse sentido, mais do que a ação ou a presença dos efetivos armados, os meios de coerção para garantir os pagamentos do donativo à distância residem na criação de uma despesa associada ao sustento do destacamento.
34Em resumo, a segunda metade do século xvii pode ser vista como um momento de comunicação mais ativa dos governadores com as localidades distantes, sendo motivada, sobretudo, pela resolução de situações concretas, quer durante a guerra contra Palmares, quer durante a cobrança do donativo, para as quais os governadores dispunham de um universo limitado de interlocutores. A virada para o século xviii foi marcada por mudanças neste cenário. A começar por uma interação menos ativa com as vilas do sul da capitania, decorrente, dentre outros fatores, da destruição do maior dos mocambos de Palmares, o Macaco, em 1694, que reduziu em muito a dimensão do conflito. Além disso, trata-se de um período marcado pela expansão territorial para os sertões e pela emergência de novos protagonistas do poder nos territórios. Assim, a tabela 3 sistematiza os impactos destas mudanças e da emergência destes novos atores nos circuitos de comunicação política interna dos governadores.
Tabela 3. — Distribuição geográfica dos interlocutores (1700-1746)
Local de destino | Comunicações coletivas | Capitão-Mor | Câmara | Provedor | Ouvidor | Juiz de Fora | Capitães-Mores de Freguesia | Oficiais da Ordenança | Oficiais das tropas pagas | Oficiais das tropas auxiliares | Missionários | Lideranças indígenas | Juízes ordinários dos sertões | Outros | Total |
Comunicações difundidas no centro do Governo | |||||||||||||||
Olinda | 25 | 1 | 46 | 31 | 18 | 9 | 7 | 32 | 6 | 24 | 199 | ||||
Recife | 157 | 6 | 12 | 362 | 9 | 6 | 7 | 5 | 86 | 9 | 115 | 774 | |||
Olinda e Recife | 46 | 4 | 1 | 51 | |||||||||||
Olinda ou Recife? | 14 | 1 | 1 | 1 | 3 | 20 | |||||||||
Subtotal | 228 | 7 | 58 | 362 | 54 | 24 | 17 | 12 | 123 | 17 | 142 | 1 044 | |||
Comunicações expedidas às vilas menores | |||||||||||||||
Igarassu | 4 | 4 | 2 | 1 | 11 | ||||||||||
Sirinhaém | 4 | 4 | 8 | 3 | 7 | 1 | 2 | 29 | |||||||
Porto Calvo | 2 | 2 | 3 | 1 | 1 | 1 | 3 | 13 | |||||||
Alagoas | 3 | 7 | 6 | 11 | 2 | 3 | 5 | 37 | |||||||
Penedo | 4 | 4 | 4 | 4 | 1 | 2 | 19 | ||||||||
Subtotal | 13 | 21 | 25 | 11 | 12 | 11 | 1 | 1 | 1 | 0 | 13 | 109 | |||
Espaços de comunicação alternativos ou não mencionados | |||||||||||||||
Freguesias dos sertões | 7 | 28 | 6 | 7 | 7 | 1 | 4 | 9 | 5 | 73 | |||||
Fernando de Noronha | 3 | 17 | 2 | 22 | |||||||||||
Não especificado | 2 | 5 | 4 | 6 | 4 | 6 | 5 | 33 | |||||||
Outros | 1 | 3 | 4 | ||||||||||||
Subtotal | 10 | 2 | 33 | 10 | 30 | 11 | 2 | 10 | 9 | 15 | 132 | ||||
Disposições circulares | |||||||||||||||
Disposições circulares | 25 | 10 | 1 | 12 | 48 | ||||||||||
Total | 276 | 40 | 84 | 362 | 65 | 69 | 17 | 34 | 164 | 29 | 3 | 11 | 9 | 170 | 1 333 |
Fonte: Dados computados a partir das Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, cód. 32.
35Considerando o volume total das comunicações dirigidas para fora de Olinda e Recife, uma mudança evidente é a de que o peso das comunicações circulares passa a ser maior do que o das comunicações particulares. Com isso, podemos inferir que o contato com os territórios distantes passa a ser menos dirigido à resolução de situações locais, e mais orientado ao atendimento de demandas comuns ao conjunto da capitania. Além disso, se comparada à segunda metade do século xvii, a primeira metade do xviii foi marcada por uma redução considerável na participação global dos poderes corporativos em relação aos poderes unipessoais. Basta observar que, se as câmaras antes respondiam por quase 56 % das comunicações expedidas para as cinco vilas menores, sua expressividade despenca para apenas 22 %. Em contrapartida, verifica-se uma maior distribuição dos fluxos comunicacionais por diversos poderes unipessoais, nomeadamente militares, capitães-mores e oficiais das ordenanças de vilas e freguesias e, no caso das Alagoas, do ouvidor.
36Na verdade, a maior participação dos capitães-mores nos circuitos comunicativos está diretamente associada ao peso das disposições circulares na governação durante esse período, uma vez que serão os interlocutores privilegiados para a execução deste tipo de diligências. E aqui poderíamos dar exemplos como a delegação da responsabilidade sobre vigilância do contrabando de escravos para a capitania das Minas e a consequente inspeção dos «comboios» de gente que para lá se dirigiam47, ou a ordem para que cada capitão-mor no seu distrito «ponha grande cuidado, e dê todo o calor», notificando os senhores de engenho e os lavradores de cana para agilizarem a condução dos açúcares a serem carregados antes da partida da frota no porto do Recife48. O esforço de levantar informações sistemáticas sobre o território e seus habitantes também foi veiculado por cartas circulares e compartilhado com estes interlocutores. E aqui podemos referir inquirições ordinárias, como o envio das relações de postos existentes ou vagos nas tropas auxiliares ou de ordenanças, antes colocado ao encargo das câmaras, mas também extraordinárias como sucedeu em 1714, quando os capitães-mores de todo o distrito do Governo foram acionados para enviar «a relação de todas as pessoas que são devedoras à Fazenda, os foros das terras que alcançaram, e [se]estão possuindo por datas de sesmarias»49.
37Em alternativa às circulares, os pedidos de informação sobre porções do território poderiam ser dirigidos a autoridades específicas. É o que se observa na comarca das Alagoas, onde informações que antes eram requeridas localmente, de vila em vila, passaram a ser solicitadas diretamente ao seu ouvidor. Em 1713, por exemplo, este magistrado foi encarregado pelo governador de remeter relações de «todos os oficiais de justiça que há nas vilas de sua jurisdição», que abarcava Alagoas do Sul, Penedo e Porto Calvo, declarando «as pessoas que servem de propriedade e de serventia, e os filhos dos proprietários»50. Em sentido inverso, a criação da comarca, em 1712, levou à formação de um espaço próprio de difusão das comunicações coletivas. Isso é particularmente visível com o papel dos ouvidores na promulgação de bandos. Em 1714, o ouvidor José da Cunha Soares recebeu ordem do governador para publicar quatro nas três vilas e dez freguesias da comarca, acrescida da incumbência de «dar execução, impondo aos transgressores as penas da lei»51. Num caso como no outro, o contato com o ouvidor permitia ao governador aceder ao espaço político criado com a formação da comarca, sendo esta uma alternativa viável para vencer as distâncias internas e reduzir os custos associados às comunicações territoriais.
38Essas e várias outras questões antes delegadas às câmaras passaram à responsabilidade de poderes unipessoais. Uma das mais notórias diz respeito à cobrança dos donativos régios, nomeadamente o do Casamento dos Príncipes. Destinado a cobrir as despesas com o matrimónio de D. Maria Bárbara de Bragança com D. Fernando, Príncipe de Astúrias, e de D. José, Príncipe do Brasil, com D. Mariana Vitória de Bourbon52, este donativo foi instituído sob a forma de uma contribuição voluntária cujo valor e formas de pagamento deveriam ser definidos por juntas formadas em cada uma das capitanias53. A participação reduzida dos municípios começa a ser percebida na primeira junta convocada pelo governador Duarte Sodré em novembro de 1727. Dela, além dos oficiais régios, do alto oficialato militar e das tropas auxiliares, só participaram as câmaras de Olinda, Recife, Igarassu e Itamaracá, mais próximas da sede do Governo, ficando de fora todas as outras por conta de seus membros «morarem em largas distâncias»54.
39O valor de 1 milhão e 250 mil cruzados pagos ao longo de vinte anos foi arbitrado por esta junta formada na sede do Governo e imposto sobre todo o seu distrito, incidindo não mais sobre contribuições individuais, mas sobre imposições no comércio de vários gêneros de importância, dentre os quais os escravos, cavalos, gado, carne seca, couro e tabaco. Mas, o mais importante, é que a cobrança foi delegada não às câmaras, mas a vários poderes unipessoais que deveriam atuar como Administradores do Donativo segundo um regimento preparado pela Junta. Em Olinda e Recife, foi escolhido o provedor da Fazenda Real para ocupar este lugar, em Alagoas, o ouvidor foi nomeado administrador do Donativo Real da Comarca e nos sertões foram escolhidos coronéis ou os capitães-mores da ordenança55.
40Porém, o que justificaria a predileção por poderes unipessoais na governação à distância ao longo da primeira metade do século xviii? Essa é uma questão complexa, mas que pode ser explicada em três fatores. Primeiramente, as capitanias-mores da ordenança, ao contrário das câmaras, cobrem uma porção mais alargada do território da capitania de Pernambuco, na medida em que há um capitão-mor em cada freguesia, permitindo uma difusão espacialmente mais capilarizada e abrangente das disposições. O segundo, é que ao contrário dos ocupantes de cargos ou ofícios unipessoais, os oficiais das câmaras precisavam se reunir para receber e deliberar sobre as cartas, ordens e bandos que lhes eram enviados da parte dos governadores, algo que poderia retardar a execução das disposições, como vimos com a divulgação dos bandos, uma vez que as câmaras das pequenas vilas reuniam-se menos frequentemente. A grande vantagem das autoridades unipessoais é que estas poderiam ser acionadas a qualquer momento para as mais variadas diligências, sem o imperativo de reunir um quórum para a abertura das disposições, deliberação coletiva e tomada de decisões, tornando tanto a difusão quanto a aplicação das normas mais expedita. Uma terceira questão que nos parece ainda mais relevante é que, apesar de as câmaras concentrarem certas capacidades executivas das quais os governadores eram particularmente dependentes, elas também corporificam canais de representação política das elites locais, capazes de mobilizar os meios de resistência institucional à autoridade dos governadores, colocando, com isso, limites à efetivação das diligências à distância.
Padrões de governabilidade à distância
41Nas capitanias da América portuguesa, as distâncias internas condicionam a ação governativa de autoridades como os governadores à necessidade de estabelecer interações mais ou menos constantes com os poderes presenciais existentes nos diferentes territórios de sua jurisdição. Interações que devem necessariamente buscar o consenso, a negociação e, em circunstâncias excepcionais, os meios de coerção dos interesses locais. Para governar à distância era necessário estabelecer cooperações diretas com um universo pouco diversificado de poderes — cuja esmagadora maioria não recebe qualquer espécie de remuneração, servindo nos diferentes ofícios da república pelo prestígio ou pela autoridade social conferida por estes lugares — mas também promover interações entre estes mesmos poderes, garantindo o aproveitamento dos equilíbrios sociais do poder nas diferentes localidades.
42Num sentido pragmático, a preferência por uma interação mais estreita com o oficialato régio, representado pelos ouvidores, ou com homens mais poderosos dos lugares, representados nos capitães-mores e coronéis, poderia refletir, até certo ponto, a procura por maior eficácia na execução das diligências, uma vez que estes poderes estariam revestidos de mais amplas jurisdições, e até de uma supereminência em relação aos poderes locais no primeiro caso, ou maior e reconhecida capacidade de mando social, no segundo. Por outro lado, a preferência pela interação com poderes unipessoais em detrimento dos corporativos revela a manifestação local de um fenômeno mais amplo da monarquia portuguesa na primeira metade do século xviii, no qual a crítica à morosidade dos processos decisórios leva à busca por formas mais expeditas para a resolução dos negócios políticos, ocasionando a um progressivo, ainda que lento, obscurecimento dos organismos colegiados de decisão56.
43Tratar de governabilidade numa escala regional é, sobretudo, analisar a ação de estruturas político-administrativas cujo raio de ação alcança dimensões regionais, algo que, por si, constitui uma diferença crucial entre o espaço americano e o território peninsular do reino de Portugal, onde a organização territorial do poder caracteriza-se por sua natureza marcadamente «a-regional e antiregional»57. Por outro lado, a inacessibilidade do espaço e a disponibilidade ou a resistência dos interlocutores locais impunham certos limites à concretude desta escala de governação. Quando pensada à distância e através dos governadores de capitania percebemos que as normas gerais tinham mais peso na ação governativa, e que esta é caracteristicamente mais responsiva do que propriamente orientada à ação constante e dirigida sobre cada parte do distrito do Governo. Se pudéssemos, nesse sentido, pensar em equilíbrios entre as escalas regionais e locais veríamos que a maior parte dos territórios orbita em torno da esfera local de governação durante a maior parte do tempo, de modo que as cooperações de larga escala, em âmbito regional, entre os governadores e os governos locais acabam por ser mais limitadas a circunstâncias específicas.
Notes de bas de page
1 Ao longo do texto, empregaremos a expressão «Governo», para evocar a dimensão institucional dos governos de capitania (equivalente ao governorship do mundo anglófono) e «governo» para designar a prática governativa. Para uma teorização dos «Governos» de capitania como corpos jurisdicionais, ver: Curvelo, inédita, pp. 75-116.
2 O presente texto sintetiza tópicos discutidos na tese de doutoramento que defendemos em 2019 junto ao Programa Interuniversitário de Doutoramento em História sob orientação do Prof. Dr. Nuno Gonçalo Monteiro, intitulada Governar Pernambuco e as «capitanias anexas»…, ver Curvelo, inédita.
3 Entendida no período pré-moderno, como a «circulação de informações e ideias concernentes às instituições políticas», Vivo, 2007, p. 2.
4 Hespanha, 1992, p. 22.
5 «Regimento dos Governadores da Capitania de Pernambuco», p. 121.
6 Mello, 2003, pp. 167-168 e 171.
7 Curvelo, inédita, pp. 320-334.
8 Tardiamente, se comparamos as capitanias da América lusa com a Nova Espanha ou a algumas das treze colónias inglesas na América do Norte que contavam com serviços postais regulares desde a década de 1730. Sellers-García, 2014, p. 82; Johnson, 2000, p. 16.
9 Ver Curvelo, inédita, pp. 326-334.
10 Disposições dos Governadores de Pernambuco (1648-1746), AUC-CA, cód. 31 (1648-1703) e cód. 32 (1703-1746).
11 Nesta tabela e nas seguintes mantivemos a célula em branco sempre que não há dados disponíveis.
12 A documentação circulante entre Olinda e o Recife está dividida em quatro categorias: os fluxos dirigidos exclusivamente a Olinda, os fluxos dirigidos exclusivamente ao Recife, os fluxos dirigidos simultaneamente aos dois espaços (Olinda e Recife), e a quarta categoria (Olinda ou Recife) contempla as comunicações dirigidas a protagonistas que circulavam cotidianamente entre os dois espaços (como o ouvidor, o juiz de fora, os tabeliães, engenheiros militares), e que, pela mesma razão, nem sempre foi possível precisar o local exato em que se encontravam no momento em que as comunicações foram recebidas.
13 Puntoni, 2002, pp. 201-202
14 Curvelo, inédita, pp. 421-427.
15 Hespanha, 1984, p. 67.
16 Tradução livre para «To rule meant to organize interchanges between the holders of prerogatives, rights and liberties and those affected by them on a regular basis» (Brakensiek, 2009, p. 150).
17 Bicalho, Monteiro, 2018.
18 Fragoso, Monteiro, 2017.
19 Russell-Wood, 1998, p. 15.
20 Curvelo, inédita, p. 163.
21 Medeiros, 2007.
22 Paiva, inédita, p. 61.
23 Silva, 2010.
24 Efeito semelhante pode ser visto nos pregões reais em Castela, proclamados ao som de charamelas. Ver Nieto Soria, 2012, pp. 77-102.
25 Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, cód. 32, fo 372ro.
26 Borah, 2002, p. 208.
27 Curvelo, inédita, p. 339-340.
28 Magalhães, 2011, p. 13.
29 Curvelo, 2016, p. 81
30 Carneiro, 2011.
31 Curvelo, 2016, p. 81.
32 Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, cód. 31, fo 65vo.
33 Ibid., fo 158vo.
34 Carneiro, 2011.
35 Para entender as complexas negociações, ver Mello, 2001, especialmente pp. 245-274; Ferreira, inédita, pp. 80-81.
36 Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, cód. 31, fo 80vo.
37 Mello, 2003, p. 50.
38 Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, cód. 31, fos 43-326ro.
39 Ibid., fo 242vo.
40 Ibid. Grifo do autor.
41 Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, cód. 31, fo 132vo.
42 Ibid., fo 238ro.
43 Ibid., fo 294ro.
44 Ibid., fos 253vo, 286ro, 293vo, 294ro, 295ro e 296ro.
45 Ibid., fo 261vo.
46 Ibid., fo 312vo.
47 Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, cód. 32, fo 42ro.
48 Livro de Assentos da Junta das Missões, Cartas Ordinárias, Ordens e Bandos que se escreveram em Pernambuco no tempo do governador Félix José Machado, 1711-1715, BNP-PBA, cód. 115, fo 218vo.
49 Ibid., fo 252vo.
50 Ibid., fo 213ro.
51 Ibid., fo 237vo.
52 Monteiro, 2008, pp. 15-34.
53 Lisboa, 2019, pp. 289-310.
54 Disposições dos Governadores de Pernambuco, AUC-CA, cód. 32, fo 314ro.
55 Ibid., fos 432ro, 460ro e 609ro.
56 Monteiro, 2015, p. 26.
57 Magalhães, 2011, p. 30.
Auteur
Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa
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