Experimentar a distância
p. 75-96
Texte intégral
1Interpretações consideradas clássicas na historiografia brasileira que, ao longo do século xx, se dedicaram ao governo e à administração da América portuguesa insistem nas distorções e nos descompassos advindos da distância que separava o Velho e o Novo Mundo. Denunciam o dano resultante da implantação do formalismo das leis metropolitanas sobre a fluida e movediça realidade colonial.
2Esse tipo de argumentação teve no historiador Caio Prado Júnior um de seus principais formuladores. Em Formação do Brasil Contemporâneo, livro publicado em 1942, o autor relaciona a «centralização administrativa que faz de Lisboa a cabeça pensante única em negócios passados a centenas de léguas que se percorrem em lentos barcos à vela» e a «falta de organização, eficiência e presteza do seu funcionamento». O resultado não poderia deixar de ser a «monstruosa, emperrada e ineficiente máquina burocrática que é a administração colonial»1.
3Raymundo Faoro, em trabalho publicado em 1958 — embora partindo de outros pressupostos teóricos e fundando sua análise na categoria weberiana do Estado patrimonial — enfatiza a precoce centralização da Monarquia Portuguesa, a extrema racionalidade do aparato estatal e a transplantação para os domínios ultramarinos de um rígido corpo de leis. Ao defender a presença marcante do Estado, moldando a realidade a seu gosto, e a ela sobrepondo a lei, afirma, no entanto, que «o quadro metropolitano da administração como que se extravia e se perde, delira e vaga no mundo caótico, geograficamente caótico, da extensão misteriosa da América»2.
4Parafraseando a bela imagem do padre António Vieira sobre os funcionários régios como imagens ou sombras do rei, afirma que devido à distância que os separava do monarca não raro transformavam-se em «outro eu do rei, um outro eu muitas vezes extraviado da fonte de seu poder». Assim, «apesar dos minudentes regimentos régios, a competência das sombras ou imagens do soberano se alarga nas omissões dos regulamentos e, sobretudo, na intensidade do governo», tornando-o despótico e venal aos olhos dos colonos. Atribui à degradação dos soldos das autoridades coloniais, «as inúmeras denúncias de corrupção, aliada à violência, instrumento, esta, para garrotear os súditos, sobretudo se as distâncias e o tempo os desamparam da vigilância superior»3.
5O sentido da distância ou a lentidão do «tempo administrativo» que separava os domínios ultramarinos dos centros de decisão na Europa continuaram a incidir negativamente sobre as interpretações da historiografia brasileira. Para Heloísa Bellotto, a distância «paralisa, retarda e dificulta a ação administrativa». A seu ver, «numa época em que a travessia atlântica era de quase três meses, erros e distorções, tanto administrativos quanto estratégicos militares, foram cometidos em razão do chamado «tempo administrativo». Refere-se às contradições da política ultramarina resultantes do tempo transcorrido entre a emanação de uma ordem régia e o seu conhecimento pelos súditos e governantes no outro lado do oceano Atlântico. Com o objetivo de sanar os seus efeitos, afirma que a Coroa foi pródiga em delegar uma excessiva e mal delimitada autoridade aos funcionários de justiça, milícia e fazenda nomeados para os postos no ultramar. O resultado teria sido a pulverização de suas respectivas funções e competências, gerando a má aplicação das leis e a corrupção dos governantes4.
6No entanto a justaposição de funções e competências pode ter sido, até certo ponto, uma política deliberada da Coroa, que chegou a incentivar um certo enfrentamento ou ao menos estranhamento entre seus agentes justamente pelo motivo de se acharem isolados pela grande distância que os separava do reino. Essa estratégia de governo pode ser inferida de uma consulta do Conselho Ultramarino de 1728, segundo a qual, «não era mui conveniente ao serviço de Vossa Majestade que entre os governadores e ministros maiores que com eles servem houvesse grandes amizades por ser mui útil que uns se receiem aos outros»5.
7De uma forma complementar, embora sob diferente perspectiva, Luciano Figueiredo encara a «distância colonial» do ponto de vista das demandas e queixas dos súditos ultramarinos contra as arbitrariedades perpetradas pelas autoridades régias. Segundo o autor, «observa-se, como consequência da distância entre o soberano e seus súditos coloniais, que «os desgovernos das conquistas» colocavam a metrópole às voltas com a prevaricação de funcionários, a concentração excessiva de poder, a indisciplina do clero, e tantas outras manifestações de descontrole em seu ultramar». No que diz respeito aos colonos, afirma que:
A vivência da separação do reino representou para eles um sentido fundamental. O sentimento de afastamento se manifestou em um sem número de ocasiões, estando geralmente associado ao abandono e à desproteção em relação ao rei. […] A situação tornava-se ainda mais grave em vista das dificuldades encontradas por eles em interpor recursos junto aos tribunais metropolitanos ou ao próprio soberano.
8Quer a delegação de poder nos longínquos territórios, quer a forma de seu exercício pelos funcionários régios teriam contribuído, segundo Figueiredo, para a construção de «uma imagem do espaço ultramarino como lugar que possibilita a consecução da tirania e da injustiça». Isso teria gerado um agravamento da sensação de isolamento da colônia, atribuindo um valor negativo à distância que a separava da metrópole6.
9Ao associar a percepção da injustiça à distância entre reino e ultramar, o que proporcionava o exercício da prepotência por parte dos funcionários régios, impedindo que os súditos encaminhassem petições e recursos ao soberano, Figueiredo remete-se ao trecho de um parecer de um dos mais lúcidos conselheiros ultramarinos, Antônio Rodrigues da Costa, segundo o qual os «ministros e oficiais e principalmente os das Minas [Gerais, na América portuguesa] vão cheios de ambição, e o seu principal objeto é enriquecerem-se, valendo-se para isto de todos os meios lícitos e ilícitos, assim no comércio, como nos requerimentos e despachos das partes, a quem pela maior parte se vendem». Menciona a consciência acerca dos riscos que o monarca corria, advindos «da pouca sujeição e obediência dos seus moradores [das Minas] às ordens reais, e a grande desafeição que têm ao reino», provocadas pelas violências e pela corrupção de seus funcionários7.
10Ainda de acordo com Figueiredo, os moradores da América portuguesa tinham uma compreensão muito particular a respeito da distância em relação ao reino: «A vastidão do mar oceano, o ritmo lento das caravelas, a justiça vagarosa, as dificuldades de garantir uma eficiente representatividade de seus interesses e a demora das decisões da burocracia lusitana recaíam com especial impacto sobre o dia-a-dia dos colonos». Sentindo-se abandonados e desprotegidos pelo rei, viam-se vulneráveis à cobiça e às violências perpetradas pelos governantes, «fazendo do Atlântico um cenário para a consecução de opressões e desassossegos, dos quais os colonos americanos eram as grandes vítimas»8. Em uma de suas obras mais comentadas, as Cartas chilenas, Tomás Antônio Gonzaga reitera, na década de 80 do século xviii, esse sentimento de abandono a partir da metáfora do oceano, das naus e das tormentas que separam os súditos ultramarinos de seu monarca, no caso específico da rainha D. Maria I:
Infeliz, Doroteu, de quem habita
Conquistas de seu dono tão remotas!
Aqui o povo geme e os seus gemidos
Não podem, Doroteu, chegar ao trono.
E se chegam, sucede quase sempre
O mesmo que sucede nas tormentas,
Aonde o leve barco se soçobra
Aonde a grande nau resiste ao vento9.
11Em estudo incontornável sobre as Minas Gerais no século xviii Laura de Mello e Souza refere-se ao «spoils system» que marcou a administração colonial e que não raro encontrou a tolerância da Coroa, citando o sugestivo comentário de Afonso de Albuquerque a D. Manuel, ainda no início da aventura dos descobrimentos, segundo o qual, «as pessoas na Índia têm a consciência bastante elástica, e quando roubam pensam estar fazendo uma peregrinação a Jerusalém»10. Mas é sobretudo o padre António Vieira que traduziu, como sempre magistralmente, aquela ordem de coisas, ao afirmar: «perde-se o Brasil, Senhor (digamo-lo em uma palavra) porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem, vêm cá buscar nossos bens»11.
12Seria ocioso enumerar aqui os vários exemplos acerca de um argumento que se encontra presente na obra de muitos historiadores brasileiros: o do exercício muitas vezes violento, prepotente, corrupto e venal do poder na colônia, seja devido à exiguidade dos vencimentos dos funcionários régios, seja pela ambição dos mesmos diante das promissoras riquezas que ofereciam os territórios ultramarinos, seja em decorrência da distância ou do «tempo administrativo» que os separavam de Portugal.
13A reflexão proposta neste capítulo se centrará em duas questões ligadas à experiência da distância na América portuguesa e a formas de revertê-la em prol de um bom governo, sobretudo na transformação de sua vivência numa mais eficaz administração dos longínquos territórios ultramarinos. A primeira diz respeito à experiência adquirida por oficiais régios em seus múltiplos deslocamentos. A segunda constituiu-se em estratégia recorrente da Coroa portuguesa, assim como anteriormente da castelhana em tempos de anexação de Portugal à Monarquia Hispânica: a nomeação para os Conselhos da Índia e Ultramarino de indivíduos que haviam atuado como vice-reis, governadores, ouvidores, intendentes, etc., e que detinham, portanto, experiência e conhecimento dos domínios de ultramar.
A percepção da distância da América entre a experiência e o desconhecido
14Comentando a obra de Jean de Léry, Michel de Certeau afirma que a etnologia inscrita nas crônicas e relatos de viagens do século xvi tornou-se uma das formas de exegese que forneceu ao Ocidente moderno os elementos com que articular sua própria identidade, numa relação com o passado e o futuro, com o homem e a natureza12. Embora influenciada pelos relatos de viagem medievais, cheios de descrições de monstros e maravilhas — vide Marco Polo, Mandeville e Pierre d’Ailly —, a literatura de viagem relativa aos descobrimentos portugueses foi sem dúvida portadora de uma ruptura com aquela visão. Revela um olhar diferente, segundo o qual as maravilhas e singularidades são descritas de par com os dados observados em primeira mão, solidarizando o real e o imaginário, casando gesta e fábula com episódios concretos, constituindo uma nova dialética nascida da intromissão de notícias sobre realidades geográficas e etnográficas até então desconhecidas. Impunha-se um novo saber, cada vez mais baseado na experiência e apoiado na visão. Como afirma Certeau, as crônicas e os relatos de viagem «indicam uma nova relação, escriturária, com o mundo: são o efeito de um saber que «pisa» e percorre «ocularmente» a terra para construir nela a representação. O processo fundamental dos tempos modernos, é a conquista do mundo enquanto imagem concebida»13.
15Este novo saber sedimentou-se, segundo Vitorino Magalhães Godinho, nos Quatrocentos e primeiro terço dos Quinhentos, a partir da complementaridade das perspectivas do caravaneiro e do navegador nas rotas da seda e das especiarias. Nesta época confrontaram-se e interconectaram-se três ou quatro grandes «correntes geográficas»: a geografia tradicional da decadência romana e da Idade Média cristã dos meios de gabinete, maravilhosa e imprecisa; a geografia dos mercadores italianos e dos mendicantes, de raiz terrestre; a geografia ptolomaica do humanismo, também de gabinete, ao mesmo tempo científica e ultrapassada; e uma nova geografia, tecida por mercadores e pilotos sob o ângulo da rota marítima, do miradouro dos oceanos Atlântico e Índico, atenta às realidades de base da vida dos povos, de valor etnográfico14.
16Os navegadores modernos, ao contrário dos eruditos de gabinete, dos cronistas cortesãos ou ainda dos pensadores e copistas escolásticos, foram acometidos por uma completa «orgia dos sentidos», sobretudo do olhar, construindo pouco a pouco uma visão empirista do mundo, baseada na experiência, em oposição aos ensinamentos de Santo Agostinho que condenavam a «concupiscência dos olhos», o desejo «curioso e vão» de tudo conhecer, que «se disfarça sob o nome de conhecimento e ciência». Esses aventureiros sofreram um gradual e progressivo interesse pelo espaço, por sua percepção e representação, pela descrição sempre crescente de terras e paisagens, pela comunicação com os nativos, embora muitas vezes estabelecida dentro de quadros mentais apriorísticos, o que gerava uma apreensão particular da diferença15.
17Rabelais, pródigo intérprete da cultura de seu tempo, materializou no velho Ouy-Dire a supremacia da audição sobre a visão. Este personagem grotesco, paralisado das pernas, portador de sete línguas e orelhas espalhadas por todo o corpo simbolizava um universo cultural que seria pouco a pouco contestado pela literatura du regard dos relatos de viagens, amplamente divulgada pela comunicação manuscrita e tipográfica. Embora lenta, foi profunda a transformação da velha forma de raciocinar própria do ensino escolástico, memorizado e citado na lectio, dando lugar à experiência, à preeminência da visão, à introdução da sintaxe na escrita e da perspectiva na pintura16.
18A escrita tornava-se assim, lentamente, instrumento de compreensão e representação da realidade. A imprensa multiplicava, pela repetição, o conhecimento e a visão que os viajantes e cronistas de terras distantes elaboravam acerca do desconhecido, do outro e de si próprios. Nessa grande viagem dos descobrimentos, conquistas, traduções e conversões nas paragens do Novo Mundo, a relação que navegadores, conquistadores, cosmógrafos e religiosos estabeleceram com a profunda alteridade geográfica e etnográfica serviu de base para a construção da nova identidade do homem europeu.
19Em Visão do Paraíso, Sérgio Buarque de Holanda analisa as representações edênicas, largamente baseadas na literatura do maravilhoso medieval, projetadas ao longo dos séculos xvi, xvii e xviii por exploradores, colonizadores, viajantes ou simples aventureiros sobre as novas terras descobertas. Argumenta que a longa prática de navegação pelo mar oceano, o constante trato com homens e terras estranhas já haviam amortecido nos navegadores portugueses a sensibilidade e o fascínio pelo exótico. Em seus relatos predominava um «realismo comumente desencantado», voltado para o particular e o concreto, «uma curiosidade relativamente temperada, sujeita, em geral, à inspiração prosaicamente utilitária». O maravilhoso se encontraria cerceado naqueles relatos e contido na órbita do saber empírico regido pela experiência imediata, por uma espécie de «verismo naturalista», uma das particularidades da mentalidade lusa17.
20A exploração da costa ocidental da África, seguida pela Ásia longínqua, representou uma vasta «empresa exorcista». Ao passo que os empreendimentos henriquinos iam prosseguindo pelos mares e por terras até então incógnitas, as miragens fabulosas e monstruosas iam se apagando dos roteiros, dos mapas e das imaginações dos cosmógrafos e marinheiros. Estes baseavam-se na experiência e não na fantasia, no olhar e não no ouvir dizer. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, «os olhos que enxergam, as mãos que tateiam, hão de mostrar-lhes constantemente a primeira e última palavra do saber»18.
21Os relatos e descrições de logradouros, paisagens, vilas e cidades da América portuguesa entre os séculos xvi e xviii são documentos significativos para a compreensão da mentalidade e do empenho conquistador dos portugueses, além de traduzirem uma apreensão específica da experiência e do contato destes homens e mulheres com o novo espaço a ser desbravado e ordenado. Podemos facilmente perceber nas descrições quinhentistas e seiscentistas da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, por exemplo, certa constância nas referências à natureza, à baía da Guanabara e ao próprio aglomerado urbano. Aliada à evocação estética — a beleza da paisagem, a formosura da enseada emoldurada por altas serranias, a amenidade do clima, a riqueza e fertilidade do solo, a abundância dos gêneros —, refletiam uma preocupação com a intervenção estratégico-militar na região. Traduziam o projeto de fortificar o território para a sua segurança e para a afirmação definitiva da presença portuguesa naquela região, ponto estratégico de defesa de sua hegemonia sobre mares desde sempre tão infestados de piratas e corsários, sobretudo franceses.
22Na carta que o governador-geral, Tomé de Souza, escreveu ao rei em junho de 1553, enviando notícias das vilas e povoações que visitara na costa do Brasil, pode-se perceber uma profunda admiração pelas riquezas naturais que emolduravam a baía da Guanabara, somada à precaução e ao cuidado necessário diante do intenso assédio de piratas franceses:
Tudo é graça o que desse se pode dizer, senão que pinte quem quiser como deseje um rio, e isso tem este de Janeiro. Parece-me que V. A. deve mandar fazer ali uma povoação honrada e boa, porque já nesta costa não há rio em que entrem Franceses senão neste. E tiram dele muita pimenta […] e escusar-se-ia com esta povoação armada nesta costa. […] E se eu não fiz fortaleza este ano no dito rio como V. A. me escrevera, foi porque o não pude fazer, por ter pouca gente, e não me parecer siso derramar-me por tantas partes19.
23Assim, se concordarmos com Sérgio Buarque, justamente porque atados à «inspiração prosaicamente utilitária», quando comparados aos «visionários» renascentistas, os conquistadores portugueses eram bons propagandistas da geografia do Novo Mundo20. Podemos apreender ainda de seus relatos a intencionalidade de informar à Coroa acerca do que eles viram e experimentaram, num verdadeiro ato de compartilhar e realimentar o interesse imperial lusitano. Nestes escritos, a percepção da natureza, não totalmente despida de atributos paradisíacos, esteve invariavelmente mediatizada pela necessidade de ocupação e defesa do território e de desenvolvimento da atividade produtiva. Nesse sentido, foram utilitários: o que importava mais do que os desvarios fantasiosos ou visões míticas do paraíso terreal era sem dúvida a utilidade potencial da nova terra descoberta para a política ultramarina portuguesa21.
24Luís Felipe Barreto relaciona a importância pragmática, baseada na experiência e no conhecimento produzido pelos navegadores portugueses no campo da náutica, da cartografia, da construção naval, da medicina, da etnografia e da geografia à concretização do projeto expansionista e colonizador da monarquia, atualizando um «autêntico campo enciclopédico do saber fazer que viabiliza e sustenta tecnicamente um mecanismo político-económico». Portanto, da relação com novas terras, rios e mares, e com novos povos, da sua descrição ou sistematização discursiva, surgiu um novo conhecimento que realimentaria e informaria, por sua vez, o processo expansionista e o projeto imperial lusitano. A seu ver os cronistas coloniais souberam ser ao mesmo tempo sujeitos do saber que pisa e percorre ocularmente as novas terras conquistadas e agentes propagadores da Fé e do Império22.
25Para Tomé de Sousa, assim como para vários outros que se ativeram à descrição da baía da Guanabara e de suas cercanias nos séculos xvi e xvii, havia uma íntima relação entre a topografia da região, o estabelecimento do núcleo urbano e sua fortificação. Passo a passo com a experiência e a necessidade que se impunham no ultramar, afirmava-se em Portugal a engenharia militar enquanto ciência e enquanto técnica. Desde 1559, Pedro Nunes, cosmógrafo mor do reino, regia uma aula de fortificação em Lisboa destinada a jovens fidalgos fadados a servir nas conquistas. Em 1647, após a Restauração, é novamente fundada a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar, regida por Luís Serrão Pimentel, nomeado engenheiro mor do reino. Seguindo o mesmo modelo, serão instituídas, em 1699, aulas similares na Bahia, no Rio de Janeiro e no Maranhão.23
26A dialética entre conhecimento experimental adquirido na lida da expansão ultramarina e o saber teórico produzido e repassado nas aulas em Lisboa constituiu-se na base do urbanismo colonial português. Experiência, pragmatismo e abstração somaram-se, alimentados pelo processo de conquista, ocupação, povoamento e colonização dos novos territórios. Assim como a expansão portuguesa atualizou um novo saber geográfico, revolucionando as noções de espaço e o universo conhecido durante a Idade Média, forjou igualmente uma nova apreensão conceitual do território. É no Novo Mundo que muitos destes conceitos seriam testados e relativizados pelas exigências do meio e das possibilidades técnicas, curvando-se à necessidade, moldando-se à realidade, transformando a experiência em concretude.
A experiência da distância incorporada ao governo da monarquia
27Um dos aspectos centrais na construção dos impérios ultramarinos na época moderna prende-se àquilo que António Manuel Hespanha chamou de um «oceano de papéis»24. A Coroa portuguesa construiu uma rede de comunicação relativamente sofisticada para resolver problemas, negociar direitos e estabelecer formas de governo e exploração econômica de longínquos territórios. Apesar dos estudos das últimas décadas sobre as práticas políticas no reino e no império ultramarino, há muito ainda por descortinar sobre o funcionamento desta rede de comunicação25. Sabemos que no Antigo Regime o que designamos por Coroa não era algo unitário, mas sim um agregado de órgãos e de interesses que não funcionava como um polo homogêneo de intervenção sobre a sociedade. Existia, no seio da Coroa, uma série de organismos — conselhos, tribunais, juntas, secretarias — cuja jurisdição derivava, em parte, de um ato constituinte do rei, assim como também de sua própria auto-organização26. Nesse sentido a decisão política nas monarquias ibéricas resultava de uma complexa trama de órgãos de aconselhamento do rei, de produção e armazenamento de informações.
28A primeira tentativa de criar um órgão especializado nos assuntos ultramarinos portugueses deu-se no período da anexação de Portugal à Monarquia Hispânica. O regimento do Conselho da Índia data de 25 de julho de 1604. Naquele conselho, de acordo com uma consulta do Conselho de Portugal, de 1608, que indicava nomes para a sua presidência, «as mais substanciais matérias da Índia, e dos mais estados ultramarinos se tratam»27.
29Competia ao Conselho da Índia lidar com os negócios relativos aos domínios ultramarinos de Portugal, exceto os das Ilhas dos Açores e Madeira e dos lugares do norte da África. Pertencia, no entanto, ao Conselho da Fazenda o despacho das naus e armadas da Índia, a compra e administração da pimenta, a cobrança dos direitos das mercadorias que de lá viessem, bem como a administração das rendas reais do Brasil, da Guiné e das Ilhas28.
30Há pouca evidência documental, ou estudos mais aprofundados, sobre os motivos que levaram à criação, sob os Áustrias, do Conselho da Índia. Embora encontrem-se na Biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal, ou no Archivo General de Simancas e no Archivo Histórico Nacional, em Espanha, uma série de consultas daquele conselho — assim como do Conselho de Portugal, para o qual subia grande parte das mesmas consultas, onde eram revistas e reavaliadas —, não se tem até agora uma notícia mais precisa sobre a sua criação em 1604 e muito menos sobre a sua extinção apenas dez anos depois, em 1614. O que talvez possa elucidar as razões que levaram Felipe II de Portugal a determinar sua instituição tenha sido uma conjuntura muito específica para os domínios ultramarinos em inícios do século xvii, sobretudo para as possessões do Estado da Índia, que se encontravam ameaçadas pelos constantes e cada vez mais eficazes ataques holandeses e ingleses, desafiando seriamente o domínio português na Ásia. Por outro lado, faltavam instituições específicas e com experiência para agilizar os negócios de Portugal no ultramar. O marquês de Castelo Rodrigo, vice-rei em Lisboa desde 1600, se queixou de que não era possível providenciar eficazmente a saída e chegada dos navios e armadas da Índia, assim como tomar as medidas governamentais cabíveis devido à falta de ministros experientes nos mesmos assuntos. Necessitava, portanto, de conselho.
31Havia, desde início do século xvi, a Casa da Índia, instituída para administrar os negócios portugueses no ultramar. Ela havia sido precedida pela Casa de Ceuta, criada em 1434, e pela Casa da Guiné e da Mina, surgida em 1460, embora cada uma com suas competências específicas, cujos negócios eram definidos pelos distintos territórios conquistados. Outras instituições, estas tribunais, dividiam entre si questões e jurisdições específicas, quer no reino, quer nos domínios ultramarinos, tais como a Mesa Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda e o Desembargo do Paço29 que, a partir da criação do Conselho da Índia, resistiram em abrir mão de suas anteriores prerrogativas no que diz respeito a assuntos relacionados aos territórios de ultramar. Quando os conselheiros da Índia reclamaram da intrusão de outros tribunais em negócios que deveriam ser exclusivamente seus, Felipe II, em carta de 27 de dezembro de 1604, estendeu sua jurisdição. Proibiu aos demais tribunais de interferir, conhecer e despachar assuntos que diziam respeito aos negócios ultramarinos. Todos os documentos sobre questões das conquistas que estivessem em poder de outros tribunais deveriam ser entregues imediatamente ao da Índia. Ordenou que seu presidente pudesse solicitar à Casa da Índia todos os certificados, patentes, disposições e regimentos oficiais de que necessitasse. Somente por meio do Conselho da Índia ordens e respostas seriam dadas às demandas do ultramar, e não de qualquer outro tribunal. Os capitães e pilotos das embarcações oceânicas deveriam obter seus certificados do mesmo conselho. Alertou ainda ao vice-rei em Lisboa que garantisse o cumprimento adequado dessas e de futuras disposições30.
32Portanto, o Conselho português da Índia tinha como um de seus objetivos centralizar todos, ou quase todos, os assuntos ultramarinos daquele reino, desde então submetidos à apreciação de pessoas que deveriam, necessariamente, estar em melhores condições — justamente por terem experimentado a distância — de sugerir medidas apropriadas para a manutenção e salvaguarda do império. O diploma que o criou estabelecia que muitos inconvenientes seguiram ao bom governo do Estado da Índia por não haver um tribunal separado no qual todos os negócios relativos ao ultramar pudessem ser discutidos e despachados31.
33Esses mesmos negócios poderiam ser resolvidos, como várias vezes o foram, em juntas eventuais, uma vez que na trama dos corpos, agentes e circuitos de comunicação e de decisão da Monarquia Portuguesa — assim como da castelhana —, ao lado dos conselhos, operavam juntas e secretarias com os seus secretários. Em relação às juntas, sua convocação foi e é geralmente atribuída à procura de formas mais expeditas — quer dizer, mais rápidas, como soíam ser as questões ultramarinas passadas a muitas léguas e meses de distância — de lidar com os problemas que afetavam cotidianamente o governo do império. De acordo com Pedro Cardim, «para além de desfrutarem de uma jurisdição bastante vasta, as juntas operavam com uma certa independência dos órgãos pré-existentes, admitindo o ingresso de oficiais de carácter comissarial e sendo cada vez mais encaradas como a melhor forma de agilizar o governo e a administração, sobretudo no domínio fiscal e comercial»32. Por se constituírem em novos instrumentos decisórios, desestabilizando os canais tradicionais de exercício da política, como os conselhos, o modo de resolver das juntas foi considerado por muitos contemporâneos como indesejadas novidades ou perniciosa influência dos tempos dos Áustrias33.
34Devido ao caráter compósito da Monarquia Hispânica constituída por vários reinos, ela também apresentava um perfil polissinodal. Segundo Francisco Barrios, o regime governativo de conselhos — a polissinodia hispânica — tal e como se apresentou na época dos Áustrias, é em seu conjunto uma estrutura administrativa nova, que se constituiu e consolidou no reinado de Carlos V como resposta organizativa à sua condição de soberano de diversos reinos e estados que não constituíam uma formação política unitária. O regime de conselhos é o resultado lógico no plano administrativo da própria configuração plural da Monarquia Hispânica, dada a obrigação de Carlos V, herdada por seus sucessores, de respeitar os ordenamentos jurídicos próprios de cada uma das partes que a integravam, o que impedia a instalação na corte de uma única instituição em que residisse a administração central da monarquia no seu conjunto. Seus perfis político-administrativos foram configurados pelo enxerto de duas novas realidades no alvorecer da época moderna: a implantação de modelos institucionais próprios da Coroa de Aragão e a necessidade de dar resposta administrativa adequada aos problemas nascidos da expansão atlântica, pois é evidente que os domínios indianos no primeiro terço do século xvi reclamaram uma atenção crescente tanto por sua inusitada extensão territorial como por seu peso econômico na fazenda castelhana34.
35Também José Antonio Escudero admite que o governo central na Monarquia Hispânica no Antigo Regime se organizou com base em dois sistemas: o polissinodal, por meio de órgãos pluripersonais ou colegiados — como os conselhos e uma rede complementar de juntas — e o ministerial, composto por várias secretarias de despacho ou ministérios, que possuíam à frente uma única pessoa. Durante os séculos xvi e xvii a estrutura mais consistente foi a polissinodal, com um conjunto básico de conselhos organizados de acordo com sua competência territorial ou material, e outros dois supremos, os de Estado e de Guerra, que dependiam diretamente do rei, que era seu presidente. Todo esse aparato de conselhos, com seus correspondentes presidentes e conselheiros, completado por outro de juntas foi muitas vezes, a seu ver, dirigido e mediado no século xvi pelos secretários de Estado ou por secretários privados do rei, e no século xvii pelos validos, como os duques de Lerma e de Olivares.
36No que diz respeito especificamente ao governo das Índias ocidentais, e de acordo com a incorporação de seus territórios à Coroa de Castela, sua gestão ficou primeiro a cargo do Conselho de Castela, ocupando-se deles «os de meu conselho que entendem das coisas das Índias», segundo uma cédula real de 29 de março de 1519. Erigido como tribunal independente em 1523 ou 1524, o Conselho das Índias de Castela é parte do referido sistema polissinodal da Monarquia Hispânica. Por outro lado, paralelamente ao Conselho das Índias, foi criado em 1600 o Conselho de Câmara de Índias, encarregado da proposta de nomeações — sobretudo de altos funcionários ultramarinos, como vice-reis —, além da atribuição de mercês.
37Ainda segundo Escudero, o Conselho das Índias castelhano era um conselho supremo, quer dizer, não subordinado a nenhum outro organismo. Suas competências se projetaram sobre os quatro ramos característicos da gestão pública: governo, justiça, fazenda e guerra. A consolidação de suas atribuições teve lugar no reinado de Felipe II de Espanha, primeiro monarca castelhano de Portugal. Apesar e concomitantemente às atribuições do Conselho e da Câmara das Índias, foram instituídas, quer eventualmente, quer com existência mais duradoura, algumas juntas relacionadas aos assuntos americanos, tanto as que se dedicaram a discutir a legitimidade da conquista e da colonização, nas quais se enfrentaram Las Casas e Sepúlveda, como as que tinham por objeto questões mais específicas do governo do ultramar. Enfim, no tempo dos Áustrias, além dos Conselhos das Índias, da Câmara das Índias e das juntas eventuais ou institucionalizadas, houve outra figura peculiar no que diz respeito à América, embora revestida de um valor mais simbólico do que real. Trata-se do ofício de Gran Canciller das Índias, desempenhado inicialmente por secretários, como Diego de los Cobos e, depois de ser extinto com a morte deste último em 1575, foi restabelecido em 1623, por decreto de 19 de julho, e atribuído ao conde-duque de Olivares, passando dele à sua família. Como Gran Canciller, Olivares tinha direito de assistir as reuniões do Conselho das Índias, sentando-se detrás do presidente, a quem representava em casos de ausência ou vacância, e com voz e voto em todos os assuntos, exceto os de justiça35.
38A menção à polissinodia da Monarquia Hispânica e especificamente ao Conselho das Índias castelhano levanta uma outra hipótese sobre a criação, em 1604, como já se disse, e à extinção apenas dez anos depois, do Conselho da Índia português. Primeiramente, a necessidade de administrar econômica e politicamente uma miríade de estabelecimentos muito diversos entre si não apenas no oceano Índico, mas também no Atlântico, ou seja, na África ocidental e na América, em tempos de grande concorrência entre as monarquias, repúblicas e companhias comerciais europeias pela possessão de mercados e territórios ultramarinos. Em segundo lugar devido à significativa verve legislativa e reformista dos Áustrias, que tem sido objeto de amplo e interessante debate historiográfico36. Por último a preeminência e a importância para os contemporâneos, do regime conciliar, ou seja, de governar por meio de conselhos.
39Documento interessante em defesa desta evidência da superioridade do regime conciliar — ou polissinodal — no bom governo da monarquia, e da precedência do Conselho da Índia frente aos demais tribunais em Portugal, encontra-se na Biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda, e assim se inicia:
Pressuposto que neste Reino não há lei alguma por que se determine a precedência que os Conselhos hão de ter uns para com os outros, nem costume introduzido por tempo bastante a fazer força de lei pela qual se possa julgar o lugar e precedência que cabe a este Conselho da Índia entre os mais deste Reino será necessário deduzir e formar a resolução deste ponto de regras gerais assim do direito como de outros autores e de alguns exemplos e estilos de Reinos e Repúblicas que a esta matéria se puderem aplicar […]. E resumindo esta matéria tudo quanto é possível a reduzimos a quatro pontos. O primeiro é que, pressuposto que os Reis têm necessidade de Conselho para boa e acertada determinação das matérias do governo de seus Reinos, é mui acertado dividir e separar as tais matérias em diferentes Conselhos e tribunais que para isso costumam ordenar. O segundo, que posto que esta divisão é arbitrária, contudo como as matérias que se tratam nos Conselhos se reduzem comodamente a cinco que são de Estado, da Religião, da Justiça, da Guerra e da Fazenda, assim destes cinco Conselhos trataremos e da precedência que entre si devem ter […]. O terceiro ponto é que sendo necessário para bom governo como é haver ordem e precedência nestes Conselhos se lhe deve dar, não segundo a antiguidade da instituição de cada um, senão conforme a qualidade das matérias que nele se tratam, e esta se deve julgar por maior ou menor segundo maior ou menor utilidade que de cada uma delas se segue para conservação de todo o Reino. No quarto trataremos da ordem que segundo esta regra se deve ter na precedência dos ditos cinco Conselhos e o lugar que cabe ao da Índia neste Reino em respeito do Conselho do Estado, Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Conselho da Fazenda37.
A precedência, de acordo com esse memorial, deveria ser atribuída ao Conselho da Índia, que em si só congregava as matérias de Estado, religião, justiça, guerra e fazenda das conquistas portuguesas38. Apesar das reais determinações, assim como da defesa de sua importância e precedência, o Conselho da Índia foi extinto por carta régia de 21 de maio de 161439. O expediente das questões ultramarinas voltaria a ser processado, como antes de sua criação, pelo Desembargo do Paço, pelo Conselho da Fazenda e pela Mesa da Consciência e Ordens.
40No período imediatamente após a Restauração, em meio às guerras no reino e no ultramar, com os holandeses em Pernambuco e Angola, D. João IV não havia ainda consolidado as condições necessárias, quer externas, via guerra e diplomacia, quer internas ao reino, que lhe garantissem uma sólida e duradoura legitimidade e vassalagem. Dada a relativa fragilidade da persona régia, a afirmação da autonomia, a capacidade de governo do reino e a manutenção do império eram ainda incertas40. Foi nessa conjuntura de incertezas que o novo rei criou o Conselho Ultramarino. Em 14 de julho de 1642, D. João IV designava suas atribuições:
Pelo estado em que se acham as cousas da Índia, Brasil, Angola e mais conquistas do Reino, e pelo muito que importa conservar e dilatar o que nelas possuo, e recuperar o que se perdeu nos tempos passados, e ser precisamente necessário, antes que os danos que ali tem padecido esta Coroa passem adiante, prover de remédio com toda aplicação e por todos os meios justos e possíveis: lhe resolvi a nomear Tribunal separado em que particularmente tratem os negócios daquelas partes, que até agora corriam por Ministros obrigados a outras ocupações, sendo as das conquistas tantas e da qualidade que se deixa entender, e que este Tribunal tenha no Paço, a casa que se lhe assinará e se chame Conselho Ultramarino41.
Para as funções de conselheiros, deveriam ser escolhidas pessoas que tivessem servido e que de algum modo soubessem notícias — isto é, que tivessem conhecimento — das conquistas ultramarinas. Vemos, assim, que tanto nos diplomas de criação de ambos os Conselhos, quanto em seus regimentos eram privilegiadas para comporem-nos pessoas que tivessem experiência, por terem servido, nos domínios ultramarinos.
A experiência da distância no Atlântico Sul
41Se remontarmos à conjuntura de criação do Conselho Ultramarino, e no caso específico da América portuguesa, ou melhor, do Atlântico Sul, um caso exemplar de incorporação da experiência da distância ao governo da monarquia é o de Salvador Correia de Sá e Benevides.
42Salvador de Sá recebeu ainda muito jovem, em 1618, o hábito da Ordem de Santiago e, posteriormente, o da Ordem de Cristo. Em 1627 foi nomeado alcaide-mor da cidade do Rio de Janeiro, em decorrência de sua vitória num confronto com navios holandeses na costa do Espírito Santo. Casou-se, em 1631, com uma rica criolla viúva, Dona Catalina de Ugarte y Velasco, de reconhecido prestígio, detentora de grandes latifúndios. Por meio desse casamento, Salvador de Sá passou a controlar extensas propriedades na região de Tucumã, província que abastecia Potosí, centro das atividades comerciais dos peruleiros42. Nomeado governador do Rio de Janeiro por três vezes (entre 1637 e 1643, de janeiro a maio de 1648 e, novamente, entre 1660 e 1662), foi igualmente governador de Angola (1648-1652) e recebeu, em 1643, a patente de General das Frotas do Brasil e assento no Conselho Ultramarino. A partir de 1658 tornou-se governador e capitão-general da Repartição do Sul43.
43Por concentrar em sua família, e principalmente sob seu controle, uma série de atividades comerciais em torno da região centro-sul da América portuguesa, sobre a qual deteve ampla jurisdição, proporcionou o desenvolvimento do até então inexplorado potencial da praça comercial do Rio de Janeiro e, consequentemente, sua centralidade no Atlântico Sul. Salvador de Sá teve a capacidade de congregar, a partir de seu governo, interesses privados seus e de seus aliados, assim como os da Coroa, baseados no tráfico negreiro, no mercado da prata e no processo de interiorização da colonização que abarcava as capitanias de São Vicente e de São Paulo e os sertões auríferos.
44Após a tomada de Pernambuco pela Companhia das Índias Ocidentais (1630), o Rio de Janeiro passou a ser visto com outros olhos pela Coroa, uma vez que as pretensas intenções da WIC (West-Indische Compagnie) de ampliar suas conquistas na América portuguesa se tornaram uma ameaça real. A partir de 1637, ano em que Salvador de Sá tomou posse como governador e capitão-mor da Capitania do Rio de Janeiro, tanto maior o perigo e o medo manifestados nos tribunais de Lisboa e Madri, maior a proeminência que a cidade do Rio assumia e maior o poder conquistado pela família Correia de Sá, ainda sob a égide da Monarquia Hispânica.
45Ao ser informado da aclamação de D. João IV em 1640, Salvador de Sá ocupou-se de reportar a Lisboa a adesão do Rio de Janeiro e das capitanias de baixo à nova dinastia. Regressou a Portugal a fim de jurar fidelidade ao novo rei. Tão logo foi criado o Conselho Ultramarino (1642-1643), Salvador de Sá foi alçado à condição de conselheiro, afinal seu grande trânsito e sua experiência no Atlântico Sul não poderiam ser desprezados. Devido aos interesses que possuía no comércio intercolonial, tentou por diversas vezes ampliar sua jurisdição sobre o conjunto das capitanias do sul. Foi no período de reconstrução do império marítimo português, durante a Guerra dos Trinta Anos, que apresentou a D. João IV e ao Conselho Ultramarino uma série de projetos para a ampliação de seus poderes e consolidação da hegemonia de sua família. Dentre essas estratégias se encontra a sugestão de separação do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e das capitanias de baixo do controle do governo-geral na Bahia, cujo governador era, àquela época, Antônio Teles da Silva, um grande adversário. Seu plano era fazer do Rio de Janeiro a capital da «Repartição do Sul», e ele próprio seu governador e capitão-general.
46Segundo C. R. Boxer os argumentos utilizados por Salvador de Sá baseavam-se no perigo que corriam os territórios meridionais da América frente a uma possível invasão holandesa. A seu ver, os domínios portugueses americanos eram por demais extensos para serem administrados unicamente a partir da Bahia, pelo governador-geral. Para melhor defender e manter a integridade da região sul propunha uma nova divisão, além da que havia sido feita em 1621, ainda no período filipino, quando se criou o Estado do Maranhão e do Grão-Pará. Convinha, de acordo com seu alvitre, que a supervisão sobre as possessões meridionais da América fosse concedida a um governador com inteira autonomia, conhecedor do território e residente no Rio de Janeiro. Outro projeto submetido ao monarca foi o da fundação de uma nova capitania, a de Santa Catarina, entre São Vicente e o Rio da Prata, sobre a qual ele e seus herdeiros reivindicavam plena jurisdição44.
47Todavia, seus intentos de autonomia administrativa do governo do Rio de Janeiro e de exploração das minas de São Paulo foram naquele momento vetados. A decisão de D. João IV, com base nos pareceres do Conselho Ultramarino, garantiu-lhe plenos poderes sobre as capitanias de baixo somente em tempos de guerra.
48Edval de Souza Barros destaca a importância conferida à defesa das capitanias de baixo e à proeminência da cidade do Rio de Janeiro no intenso debate encetado no Conselho Ultramarino e em suas deliberações no período de restauração portuguesa, momento em que a cidade de Luanda, capital de Angola e grande porto exportador de escravos, foi conquistada pelos holandeses (1641-1648). Em 1646 a discussão referente à escolha de um novo governador para o Rio de Janeiro foi extenuante. A disputa entre parcialidades por maior status político — entre Bahia e Rio de Janeiro, por exemplo, e entre seus respectivos governadores; ou ainda entre os candidatos ligados aos interesses e às clientelas dos ministros do Conselho Ultramarino e dos governadores coloniais em exercício — levava a arbítrios divergentes sobre a escolha daquele que poderia representar seus respectivos interesses no governo de uma capitania que pouco a pouco ganhava reconhecido destaque no Atlântico Sul45.
49As constantes interferências do governador-geral, Antônio Teles da Silva, visavam derrubar o poderio dos Correia de Sá. Apesar das oposições a esta poderosa família, o argumento da maioria dos conselheiros, tendo em vista a importância da praça do Rio de Janeiro, era o de que, para sua boa segurança, D. João IV fosse servido nomear como capitão-mor dela pessoa de toda satisfação e de muita prática na «guerra do Brasil». Requeria-se do novo governador uma grande habilidade militar numa conjuntura de acirrada disputa ultramarina. Alguns conselheiros receavam nomear uma vez mais Salvador de Sá para não inflar ainda mais o seu poderio, contudo, pela falta de opção, pela experiência política e administrativa da família Sá e muito provavelmente pela própria pressão de Salvador de Sá no interior do Conselho Ultramarino e junto ao rei, foi indicado seu tio, Duarte Correia Vasqueanes, como governador do Rio de Janeiro. Afinal, o voto vitorioso no Conselho Ultramarino, no qual atuava o próprio Salvador, era o de que:
O governo do Rio de Janeiro é dos mais importantes que Vossa Majestade tem nas conquistas deste Reino por o sitio da praça e por ser cabeça da repartição do sul, pela gente ser muito belicosa, e em razão disso foi fundado este governo com grandes jurisdições e ainda separado do da Bahia por algumas vezes, mas como foram governar aquele Estado pessoas poderosas, não somente o tornaram a unir, senão lhe limitaram a jurisdição, de modo que as pessoas que convém vão àquela praça o não querem fazer pela sujeição e limitação de poderes, e hoje com grande excesso, e as que o pretendem, passando por isto mostram a necessidade que os obriga o Estado do Brasil, como Vossa Majestade sabe e ele, Salvador Correia conhece de experiência46.
Sem ter inicialmente sua principal reivindicação atendida pela Coroa — o ser nomeado governador da Repartição do Sul — prontificou-se a recuperar a cidade de Luanda e, uma vez vitorioso, a assumir o governo de Angola (1648-1652). A perda daquela praça havia prejudicado em demasia o tráfico de escravos, fonte de lucros não apenas para a família Sá, mas para todo um conjunto de interesses a ela associados, quer no Rio, quer no reino.
50Só após o falecimento de D. João IV, Salvador de Sá regressou, em 1658, ao Rio de Janeiro, já então nomeado governador e capitão-general da Repartição do Sul, dispondo efetivamente de amplos poderes e de jurisdição independente do governador-geral na Bahia. Naquela altura retomou seus antigos planos até então não autorizados pela Coroa: a criação da capitania de Santa Catarina, entre São Vicente e o rio da Prata, a possibilidade de reaver o comércio, ou contrabando, entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires e a intenção de descobrir ouro e metais preciosos em território paulista.
51As incessantes discussões e negociações com os governadores-gerais na Bahia e com os ministros do Conselho Ultramarino, assim como as conquistas reais e simbólicas de Salvador Correia de Sá e Benevides são significativas, pois revelam, por um lado, a vasta experiência e a grande capacidade de articulação dos Correia de Sá, e por outro, a centralidade política e estratégica que a cidade do Rio de Janeiro adquiriu ao se declarar a favor da independência portuguesa e da aclamação de D. João IV. O Rio de Janeiro, governado pela família Sá, se tornava a partir de então um polo irradiador de vassalagem e de fidelidade ao novo rei para atingir e salvar as partes ameaçadas do império, assumindo reconhecido destaque na geopolítica imperial. Demonstram, sobretudo, a incorporação de experientes gestores coloniais no governo central da monarquia, como a nomeação de Salvador Correia de Sá e Benevides como um dos conselheiros do recém-criado tribunal logo após a restauração portuguesa. Afinal, Salvador de Sá era, nos termos de Luiz Felipe de Alencastro, um típico homem ultramarino, aquele que faz sua carreira no ultramar, buscando lucros, recompensas e títulos na corte47.
A experiência da distância nos sertões americanos
52É Nauk Maria de Jesus que nos conta que no ano de 1722 o guarda-mor do arraial de São Gonçalo, Pascoal Moreira Cabral, enviou carta ao rei solicitando a confirmação de seu posto, alegando que em sua expedição ao Mato Grosso havia sofrido inúmeros riscos, percorrido rios e terras, conquistado gentios bravios e atraído muitos outros para o grêmio da Igreja, tudo isso na diligência de descobrir ouro, prata e pedras preciosas. Embora tivesse perdido um filho, e alguns homens terem sido comidos pelos nativos, considerava sua bravata vitoriosa48.
53As miragens fabulosas e a geografia fantástica do maravilhoso, embora não tivessem desparecido de todo, diminuíram ao longo do século xviii, e a ocupação de novos territórios esteve muito mais pautada na experiência adquirida do que na projeção do imaginário medieval. Porém alguns dos relatos de estranhamento ou de encantamento com o percurso para se chegar ao coração do Mato Grosso, escritos por governadores e ouvidores que se deslocaram para a fronteira oeste do Brasil, são ao mesmo tempo nítidas associações a mitos da conquista e a busca de conhecimento assentado na experiência do olhar, do sentir e do tatear49.
54Dentre as inúmeras descrições deixadas por aqueles que adentraram os sertões da América portuguesa, a do governador de São Paulo, Rodrigo César de Meneses, assim como as dos governadores do Mato Grosso, Antônio Rolim de Moura, João Pedro da Câmara, Luís Pinto de Sousa Coutinho e Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, são testemunhos preciosos por transformarem a experiência em estratégia de governo — e do bom governo — dos distantes territórios do Império Português. Rodrigo César de Meneses foi o primeiro a se deslocar para as minas de Cuiabá seguindo o roteiro fluvial Tietê-Cuiabá, com o objetivo de fundar a Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (1727).
55Antônio Rolim de Moura seguiu esse mesmo roteiro, porém com a incumbência de criar a Vila Bela da Santíssima Trindade nas margens do rio Guaporé (1752). Para alcançar esse objetivo deveria registrar os caminhos que ligavam o distrito do Cuiabá ao do Mato Grosso. Tem-se nestes dois casos, duas viagens inaugurais e fundadoras de ambientes urbanos nos longínquos sertões da América portuguesa50. Seguiu-se João Pedro da Câmara, nomeado governador do Mato Grosso em 1763, que percorreu o roteiro fluvial desde Belém, no Pará, até Vila Bela da Santíssima Trindade. Luís Pinto de Sousa Coutinho, governador a partir de 1769, seguiu o mesmo caminho, enviando à corte um relatório pormenorizado sobre a navegação do rio Madeira. Já Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres elegeu na década de 1770 um caminho alternativo, porém não de todo desconhecido, que ligava Goiás à Vila Bela de Santíssima Trindade.
56Em seu relato, Rodrigo César de Meneses afirmava que não havia viagem mais arriscada, trabalhosa e enfadonha, e preferia ter ido à China três vezes do que enfrentá-la. Mas por fim cumpriu seu intento, o de elevar o arraial de Bom Jesus à condição de Vila de Bom Jesus do Cuiabá em janeiro de 172751. Foi acompanhado pelo ouvidor Antônio Álvares Lanhas Peixoto. Lá chegando, em carta a D. João V de 3 de fevereiro de 1727, Lanhas Peixoto descreveu minuciosamente as monções, ou seja, os quase quatro meses de viagem desde que saíram de São Paulo por terra, o trajeto de canoa pelo rio Tietê até chegar ao rio Grande, dali ao rio Pardo, mais um trecho por terra até o rio Camapoã e novamente em canoa pelos rios Coxim, Taquari, Paraguai, até atingir o Cuiabá. Segundo Renata Araújo, a descrição da monção tem um tom épico, chegando a dizer o ouvidor ser «esta jornada tal que me persuado sem encarecer é a maior empresa da nação». Seu fim, no entanto, foi trágico, tendo sido morto, com mais 106 homens, pelos índios Payaguá52.
57Ao contrário do relato de César de Meneses, na relação da viagem do primeiro governador da capitania de Mato Grosso, Antônio Rolim de Moura, realizada no ano de 1751, constata-se que ele se maravilhou com a diversidade da fauna e da flora e chegou a se divertir caçando perdizes e tomando banho de sol. As dificuldades encontradas também são expressas, mas não de forma tão negativa quanto no relato anterior53. Em suma, ambas as viagens, quer a de Rodrigo César de Meneses, quer a de Antônio Rolim de Moura fizeram-se baseadas na experiência ancestral dos índios. Seu itinerário reatualizava a rota das monções já inúmeras vezes percorrida pelos paulistas54.
58João Pedro da Câmara, nomeado em 1763 governador do Mato Grosso, percorreu um caminho diferente, aportando em Belém, no Pará e dali seguindo pelos rios da Amazônia até Vila Bela de Santíssima Trindade, então capital do Mato Grosso. Como os anteriores governadores e ouvidores daquela capitania e comarca, observou o curso dos rios, anotou as dificuldades do percurso e procurou compreender o sistema de comunicações que ligava a capitania do Pará à sede do seu novo governo, sistema de comunicações, aliás, limítrofe aos territórios hispânicos na América, cujas fronteiras ainda indefinidas eram bastante fluidas55. De Luís Pinto de Sousa Coutinho já se mencionou seu roteiro e pormenorizada descrição do rio Madeira. Enfim, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, governador do Mato Grosso desde 1772, perfez um grande périplo até seu destino. Partiu de Lisboa em outubro de 1771, chegou ao Rio de Janeiro, onde permaneceu por cerca de seis meses. Seguiu o caminho das Minas Gerais, chegando primeiro à Vila Rica e, acompanhado o curso do rio das Velhas, a Sabará e, após atravessar os rios São Francisco e Abaeté, alcançou Paracatu, limítrofe à capitania de Goiás. Dali passou Vila Boa, capital da mesma capitania, permanecendo por cerca de um mês. Atravessando o rio Araguaia adentrou finalmente o Mato Grosso. Chegou à Vila Real do Cuiabá em início de outubro de 1772, alcançando, enfim, Vila Bela em dezembro do mesmo ano. De acordo com Renata Araújo, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres:
Descreveu essa grande viagem em diários que contemplam, inclusive, os dias passados no mar, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, onde o governador registrava tanto as variações de latitude como os entremezes levados à cena a bordo. Em terra, cada dia mereceu anotações e comentários que, para além das indicações do percurso seguido (com a identificação dos locais de pouso e dos principais rios e acidentes geográficos), abarcavam também descrições da paisagem e até alguns desenhos. De acordo com os apontamentos do próprio Luís de Albuquerque, nos 116 dias de viagem (excluídos os meses de permanência nas principais vilas), ele e sua comitiva tinham percorrido 569 léguas e passado por 356 rios56.
59Porém, não só os governadores percorreram os longínquos e muitas vezes inóspitos territórios da América portuguesa. Também os bispos, em suas visitas pastorais, como demonstra o capítulo deste livro de autoria de Evergton Sales Souza e Bruno Feitler. E ainda os magistrados régios. Em constante movimento, às voltas com residências e devassas, os corregedores e/ou ouvidores, quer no reino, quer no ultramar, tornaram-se conhecedores por excelência do território e das populações sob sua jurisdição, tomando notas, redigindo relatórios, descrevendo caminhos, sistematizando informações, julgando, legislando e impondo a justiça régia nos confins dos domínios peninsulares e ultramarino57. O papel dos ouvidores em correição foi fundamental. Durante a realização das correições, percorriam o território, colhiam informações, puniam culpados, vistoriavam processos em andamento, fiscalizavam os procedimentos e o funcionamento das câmaras. Os magistrados com a função de ouvidores no ultramar, ou de corregedores, como eram conhecidos em Portugal, auxiliavam a monarquia a gerir o seu império58.
60Esse capítulo dedicou-se à reflexão de algumas possibilidades de tratar o tema da distância nos impérios ibéricos, focando a experiência e as práticas dos agentes das monarquias sobretudo em territórios mais afastados e isolados. Desejou-se mostrar como a distância era sentida e experimentada na trajetória e na vivência político-administrativa dessas autoridades. Ainda que a abordagem seja mais genérica do que a dos demais capítulos que se seguem, procurou-se abordar as diferentes formas que esses oficiais régios utilizavam para circular entre o reino e as conquistas e vice-versa, e ainda, como sua experiência nos longínquos domínios ultramarinos foi incorporada, no centro da monarquia, para o bom governo do império.
61Boa parte dos oficiais aqui mencionados com vasta experiência no ultramar foram posteriormente incorporados aos órgãos e tribunais centrais da monarquia. Salvador Correia de Sá e Benevides, por sua vivência da distância, pelo enfrentamento de oceanos e mares bravios, foi um dos primeiros nomeados como conselheiro do Conselho Ultramarino, tão logo o tribunal foi criado. Dos governadores de Mato Grosso que percorreram os sertões inóspitos da América portuguesa, enviando informações sobre a natureza, os povos hostis e os fiéis vassalos da Coroa, João Pedro da Câmara recebeu a nomeação de conselheiro em 1796, enquanto Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres recebeu-a quatro anos antes, em 1792. Luís Pinto de Sousa Coutinho foi designado secretário de Estado. Por seus feitos e seus relatos foram reconhecidos e revelaram-se não apenas bons governantes, mas também exímios conselheiros e ministros que souberam, no centro da monarquia, manter a soberania portuguesa à distância.
Notes de bas de page
1 Prado Júnior, 1977, p. 333.
2 Faoro, 1984, vol. 1, pp. 176-177.
3 Ibid., p. 172.
4 Bellotto, 1986, p. 265.
5 Consulta do Conselho Ultramarino, Lisboa, 30/10/1728, citado em Schwartz, 1979, p. 215.
6 Figueiredo, inédita, pp. 277-280.
7 Ibid., respectivamente pp. 283 e 281. Sobre a questão da corrupção, ver Romeiro, 2017.
8 Figueiredo, 2000, pp. 81-95.
9 Gonzaga, Cartas chilenas, p. 118.
10 Souza, 1986, p. 92.
11 Citado em Faoro, 1984, p. 173.
12 Certeau, 1982, p. 222.
13 Ibid.
14 Godinho, 1968, p. 103.
15 Pinto, 1989, p. 28 sqq.
16 Febvre, 1968, p. 322.
17 Holanda, 1959, p. 7.
18 Ibid., p. 14.
19 «Carta do Governador Tomé de Souza ao Rei D. João III, com notícias das Vilas e Povoações que visitara na costa do Brasil, cidade de Salvador, 1 de junho de 1553», em O Rio de Janeiro, pp. 26-27.
20 Ibid.
21 Ver Souza, 1986.
22 Barreto, 1989, p. 48.
23 Reis Filho, 1968, p. 75; Araújo, 1998, p. 28; ver também Bueno, 2011.
24 Hespanha, 1994.
25 Ver Fragoso, Monteiro, 2017; Caetano, 1967; Barros, 2008.
26 Cardim, 2002, pp. 13-57.
27 AGS, Secretarias Provinciales, liv. 1479, fo 152.
28 Criado em finais dos Quinhentos, durante o período filipino, o Conselho da Fazenda passou a centralizar todas as matérias e negócios da fazenda, que até então corriam por distintos tribunais. Quatro repartições asseguravam o expediente: tratava a primeira dos negócios do reino; a segunda dos da Índia, Mina, Guiné, Brasil, São Tomé e Cabo Verde; à terceira pertenciam os mestrados das ordens militares e das ilhas dos Açores e da Madeira; na quarta corriam os negócios respeitantes aos demais lugares de África, à Casa dos Contos e à contribuição das Terças. Com a criação, em 1604, do Conselho da Índia, parte de suas atribuições passaram para este último tribunal. Porém, com sua extinção, foi determinado pela portaria de 28 de setembro de 1623, que além das reuniões ordinárias do Conselho da Fazenda, houvesse uma reunião a mais, às quartas-feiras à tarde, exclusivamente consagrada aos negócios do ultramar. Caetano, 1967, pp. 18-29.
29 Sobre os demais tribunais portugueses, ver Subtil, 1993, pp. 157-182.
30 PNA/BA, cód. 51-VIII-48, citado em Luz, 1952, p. 113.
31 Citado em ibid, p. 102. Encontra-se o manuscrito na Biblioteca do Palácio Nacional da Ajuda, PNA/BA, cód. 51-VII-44, fo 69ro e na Biblioteca de Évora, BPE, CXII/2-15, fo 39ro.
32 Cardim, 2002, p. 34.
33 Id., 1998, p. 29.
34 Ver Barrios, 2004, pp. 119-130.
35 Escudero, 2004, pp. 95-97. Ver, sobretudo, Schäfer, 2003.
36 No caso da América portuguesa, ver Marques, inédita.
37 Relação sobre a precedência que se deve dar ao Conselho da Índia entre os mais Conselhos e Tribunais deste Reino, Lisboa, s. d., PNA/BA, cód. 51-VI-58, fos 69-77.
38 A defesa da precedência do Conselho da Índia frente aos demais conselhos de Portugal — o de Estado, o Desembargo do Paço, a Mesa da Consciência e Ordens e os Conselhos de Guerra e da Fazenda — encontra-se em várias passagens do documento, como por exemplo: «E parecendo à Sua Majestade acertado e conveniente a seu serviço e ao bom governo daquelas províncias instituir um Conselho separado no qual se tratasse todas estas matérias d’estado, religião, justiça, mercês, guerra e fazenda ordenou e instituiu este da Índia na forma em que ora está. […] É agora de ver suposta esta ordem e precedência de Conselhos que lugar cabe ao da Índia neste Reino, e parece segundo as regras propostas que o deve ser abaixo do Conselho de Estado imediatamente. A razão é por nele se tratarem e estarem unidas todas as matérias que separadamente e por partes se tratam nos outros Conselhos. […] E pertencerem ao da Índia todas as matérias dos cinco Conselhos que acima relatamos […] é cousa tão certa que não tem necessidade de mais [ilegível] porque o seu regimento lhas dá expressamente e nelas entende se ocupa continuamente não se pode dizer que o Conselho da Índia é separado dos do Reino e que não tem com eles relação de precedência. As matérias do Conselho da Índia se tratavam antes de sua instituição no Conselho de Estado as que eram desta qualidade, e no Desembargo do Paço as de justiça, e na Mesa da Consciência as eclesiásticas, e no Conselho da Fazenda as que a ele pertenciam». Ibid., fos 75-76.
39 Ver sobre a defesa da importância e preeminência do Conselho da Índia, mesmo após a sua extinção, Representação de João da Gama, de 15 de outubro de 1618, para se restituir e reformar o Conselho ultramarino, ANTT, Manuscritos da Livraria, 1116, doc. 42, fos 503-513ro. Agradeço a Guida Marques estas preciosas indicações.
40 Ver Costa, Cunha, 2006.
41 Decreto criando o Conselho Ultramarino, Lisboa, 14/7/1643, citado em Caetano, 1967, pp. 71-72.
42 De acordo com Luiz Felipe de Alencastro, em torno das trocas de africanos pela prata do Potosí cristalizam-se no Rio de Janeiro os interesses dos peruleiros representados pela oligarquia dos Sá e seus aliados fluminenses e platinos. Ver Alencastro, 2000, p. 110.
43 Sobre a biografia, trajetória e feitos de Salvador Correia de Sá e Benevides, ver Boxer, 1973; Alencastro, 2000; Gouvêa, 2000.
44 Em 1675, Salvador de Sá requereu a doação das terras entre Paranaguá e o Rio da Prata. De acordo com C. R. Boxer, é possível interpretar este pedido como a retomada de seu antigo projeto de criação da capitania de Santa Catarina. Em março de 1676, como recompensa a seus serviços, o príncipe regente D. Pedro concedeu possessões territoriais naquela região a seu filho, João Correia de Sá. Boxer, 1973, p. 391.
45 Barros, 2008, p. 300. Ver especialmente cap. v, «Salvador Correia de Sá, o governo das capitanias de baixo e a jornada de Angola», pp. 275-301.
46 Ibid., pp. 289-290.
47 Alencastro, 2000, p. 104.
48 Jesus, inédita, p. 33.
49 Ibid., p. 36.
50 Ibid., p. 37; Araújo, inédita.
51 Jesus, inédita, p. 40.
52 Antônio Álvares Lanhas Peixoto nasceu na cidade de Braga, filho de Luís Álvares Lanhas Peixoto Pimentel, sargento-mor de um Terço pago da província do Minho, e de D. Mariana Peixoto Pimentel, naturais da mesma cidade. Estudou na Universidade de Coimbra, leu no Desembargo do Paço no dia 16 de setembro de 1703, serviu como juiz de fora em Penacor e posteriormente em Portalegre, ambos concelhos de Portugal. Em 1725 foi nomeado por D. João V como ouvidor de Paranaguá. Segundo o Memorial de Ministros, «fazendo jornada tão prolongada pelos vastíssimos sertões de seu dilatado distrito, foi morto pelos cafres dela acabando uma vida que deveria ser imortal pela sua fama». São Bento, Soares, Memorial de Ministros, p. 98.
53 Jesus, inédita, p. 42.
54 Holanda, 2014. D. Antônio Rolim de Moura partiu para o Brasil em fevereiro de 1749, chegando inicialmente ao Recife, capitania de Pernambuco. Dali rumou para o Rio de Janeiro, onde chegou em junho e, em novembro seguiu para Santos, e de Santos para São Paulo, onde permaneceu por cerca de seis meses antes de sua partida definitiva para o Mato Grosso. Chegou a Cuiabá pelo caminho das monções em janeiro de 1751. Ver Araújo, inédita, p. 107.
55 Ibid., p. 120.
56 Araújo, inédita, pp. 144-145.
57 Ver Bicalho, Araújo, 2017.
58 De acordo com Isabele de Matos Pereira de Mello, o direito de correger era inseparável da Coroa e dos direitos dela, era jurisdição do maior e mais alto senhorio, a que todos estão sujeitos. A seu ver, como explica Pascoal de José de Melo Freire, os vocábulos «corregedor», «correição» e «corrigir» são diretamente associados à jurisdição real. Era através das correições que o rei poderia tomar conhecimento do estado atual do seu império e foi aos magistrados que ele delegou essa importante tarefa na época moderna. Ver Mello, 2017a. Para um estudo comparativo entre o reino e o ultramar, ver Stumpf, no prelo.
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Universidade Federal Fluminense
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