Pensar e conceber a distância
Uma reflexão acerca dos espaços-tempo dos impérios ibéricos (séculos xv-xix)
p. 15-29
Texte intégral
Uma demanda historiográfica
1A historiografia integrada sobre os impérios coloniais ibéricos é cada vez mais abundante e qualificada1. Nos últimos poucos anos, ela vem sendo capaz inclusive de atribuir novos significados a contextos e fenômenos específicos já estudados, inserindo-os em quadros mais gerais; em contrapartida, esses quadros gerais também vem sendo re-significados pela observação de alguns de seus quadrantes menores2. E uma questão bem colocada por Guillaume Gaudin para o Império Espanhol é perfeitamente extensível ao Império Português: «¿cómo una entidad política que disponía de un territorio extenso y disperso, con medios técnicos y humanos limitados, consiguió mantener su autoridad durante varios siglos?»3. Nesse panorama historiográfico, o tema das distâncias, embora não seja novo, parece receber ainda pouco investimento; e se considerarmos tal tema a partir de suas articulações com os tempos dos impérios, constataremos que as «distâncias temporais» vêm sendo ainda menos contempladas, o que parece criar um problema: pois nos mundos ibéricos entre os séculos xv e xix, os espaços e, mais particularmente as distâncias, sempre foram pensados por meio de seus tempos.
2A premissa de que toda sociedade encontra-se estruturada por uma pluralidade de tempos simultâneos, dinâmicos e assimétricos — pois estabelecem hierarquias entre si — pode e deve ser estendida ao espaço: não há realidade social que não enseje também uma pluralidade de espaços4. Não se trata, porém, de uma assertiva abstrata, puramente teórica, uma vez que a história da humanidade sempre mostrou não apenas a concretude de tais estruturas espaciais e temporais — nas quais essa mesma história se torna inteligível —, como também uma profunda indissociabilidade entre ambos: espaços e distâncias sempre foram concebidos com a ajuda de intervalos e concepções de tempo, e estes sempre encontraram nos deslocamentos, apropriações e representações humanas do espaço seu complemento necessário.
3A proposta das páginas que se seguem é refletir acerca da possibilidade de se escrutinar e compreender essa tessitura tão fundamental dos impérios ibéricos que são seus espaços-tempo. Parte-se de uma formulação teórica preliminar e aproximativa para, em seguida, evocar um conjunto de situações concretas nas quais esses espaços-tempo podem ser identificados, valorizados e, eventualmente, posicionados em uma periodização.
4Antes de mais nada, uma definição: entendemos por «espaço-tempo» uma construção social: uma noção, concepção, representação, conceito5 ou ação concreta em relação ao espaço que esteja «fundamentada» — e não apenas «associada» — em alguma forma correlata de tempo. Com isso, não se quer dizer, evidentemente, que todo espaço social seja na mesma medida temporal, ou que toda e qualquer forma de tempo seja espacial em idêntica medida; tampouco pretende-se uma destituição dos graus de autonomia que possuem os dois fundamentos mais importantes da história (seja como ação humana, seja como conhecimento humano). Trata-se apenas de propor um enfrentamento de situações nas quais efetivamente o espaço se faz tempo; situações que podem nos ajudar a compreender dimensões ainda pouco conhecidas da história dos impérios ibéricos6.
5Preocupado com uma «geografia histórica da experiência do espaço e do tempo na vida social» marcada no mundo contemporâneo por, dentre outros fenômenos, aquilo que chama de «uma compressão do tempo-espaço», David Harvey afirma, valorizando posições anteriores de autores como Dilthey e Durkheim: «a conclusão a que deveríamos chegar é simplesmente de que nem o tempo nem o espaço podem ter atribuídos significados objetivos sem se levar em conta os processos materiais e que somente pela investigação destes podemos fundamentar de maneira adequada os nossos conceitos daqueles»7. A tal afirmação, acrescentaríamos: nem o espaço nem o tempo podem ser compreendidos sem a consideração, também, de seus processos intelectuais. A expansão europeia iniciada em fins do século xv foi uma expansão tanto material quanto intelectual, e seus espaços-tempo revelam não duas dimensões paralelas da realidade social, mas duas dimensões articuladas8. E nessa perspectiva, o problema específico das distâncias pode ser visto como o de atribuição de valores variáveis a intervalos de tempo nos quais se baseia a ação humana sobre espaços que, a partir dessa ação, se territorializam; e a construção simbólica desses espaços jamais foi fenômeno isolado de sua ocupação e transformação práticas, efetivas. E aqui, voltamos a Harvey e a tantos outros: «territorialização» é entendida como uma dinâmica histórica de construção econômica, política, demográfica e cultural de espaços que — insistamos —, no caso dos territórios imperiais ibéricos que aqui nos interessam, também são fortemente temporalizados.
6Nos impérios ibéricos, esses espaços-tempo parecem adquirir a condição tanto de fenômenos mais ou menos circunstanciais em contextos mais amplos, como o de estruturas, isto é, de tendências históricas de transformação lenta, e que por serem também abrangentes e impactantes em outras dimensões da realidade social, condicionam parte de suas existências. Estamos, portanto, tratando de estruturas sempre históricas, dinâmicas e humanas, e tanto materiais quanto intelectuais. Convém, por isso mesmo, reposicionarmos aquilo que, em termos desses espaços-tempo, parcialmente escapam à ação humana, e que se constituem em elementos importantes para unidades políticas, econômicas e culturais tão amplas quanto aquelas que Espanha e Portugal construíram desde o século xv; elementos que seriam mitigados pelo aumento progressivo da mecanização do mundo industrial a partir de fins do século xviii.
Espaços históricos e espaços metahistóricos
7Em uma célebre passagem de seu «Sermão XVII do Rosário», o padre António Vieira procurava justificar divinamente o tráfico de escravos de Angola para o Brasil de meados do século xvii:
Algum grande mistério se encerra logo nessa transmigração, e mais se notarmos ser tão singularmente favorecida e assistida de Deus, que não havendo em todo o oceano navegação sem perigo e contrariedade de ventos, só a que tira de suas pátrias a estas gentes e as traz ao exercício do cativeiro, é sempre com vento à popa, e sem mudar de vela9.
8O grande mistério se explica, naturalmente, pela conjugação entre ventos e marés que tornava fácil a navegação entre a costa ocidental da África subsaariana e o litoral do Brasil no século xvii, formando uma espécie de gigantesco e contínuo redemoinho em sentido anti-horário no meio do oceano Atlântico. Essa força natural ainda existe, mas possui pouca importância em um mundo singrado por viagens marítimas motorizadas e deslocamentos aéreos. No século xvii, porém, a observação dessa força natural era condição sine qua non para um bom manejo do altamente rentável comércio negreiro que abastecia territórios americanos não só de Portugal e Espanha, mas também de Holanda, França e Inglaterra. Do controle humano de uma situação sobre-humana dependiam os próprios empreendimentos coloniais europeus.
9Eis um exemplo cristalino do que, em termos teóricos, Reinhart Koselleck chamaria de uma articulação entre espaços históricos e condições espaciais metahistóricas. Em suas palavras: «o espaço é algo que precisamos pressupor meta-historicamente para qualquer história possível e, ao mesmo tempo, é historicizado, pois se modifica social, econômica e politicamente»10. Aqui, o «meta-histórico» e o «histórico» são dois pólos organizadores do real, e não duas realidades puras, estanques ou exclusivas; se preferirmos, são dois constructos ideais, que jamais se realizam plenamente enquanto tais, mas que nos servem para aproximar e significar o real. O Atlântico Sul, no qual Vieira via a mão de Deus em benefício do comércio de seres humanos, é um «espaço metahistórico» naquilo que ele não foi criação humana, e assim se impõe sobre a ação humana, que por seu turno com ele interage, fazendo-o um «espaço histórico» ou, em outros termos, «territorializando-o». Se o espaço é histórico, ele é também um «espaço-tempo»: afinal, alguém acreditaria que se os navios negreiros levassem, não de trinta a quarenta dias para cruzar o Atlântico11, mas três ou quatro meses, Vieira veria naquele espaço a mão de Deus? A referência temporal é essencial para a qualificação desse espaço, e tem por base outros espaços-tempo daquele mesmo contexto.
10Se a historicidade e a metahistoricidade dos espaços-tempo jamais se excluem por completo — ao menos no estudo da história —, pode-se enxergar na concretude desses fenômenos uma permanente oscilação: situações onde a natureza mais se impõe ao homem do que o contrário, e outras em que ocorre o inverso. Não importa discriminar tais situações, se é que isso seria possível; mais importante é pensar a possibilidade de que essa permanente oscilação enseje mediações entre pensamentos e ações humanas em relação a espaços-tempo nos mundos ibéricos. Dito de outra forma: esses espaços-tempo históricos, com suas condições parcialmente metahistóricas, não seriam apenas fatores de condicionamento do pensamento e da ação humana, tampouco simples resultado de ambos: seriam o plasma a conferir concretude e inteligibilidade às formas de territorialização que foram desde sempre uma das estruturas mais importantes dos impérios ibéricos.
11A concepção de «vencer a distância» surge dessa oscilação espaço-temporal entre o histórico e o metahistórico em meio a processos de territorialização: uma vontade humana ou uma ação que implicam desconforto, inaceitação, reação a uma situação considerada como negativa. Pode-se, assim, entender essa concepção de vencer a distância como:
- tentativas de aceleração de uma situação anomalamente considerada como indesejável;
- formas de tensão limítrofes, capazes de constituir-se em eventos com potencial disruptivo da própria unidade na qual esse «vencer» se insere12.
É possível estabelecer os marcos principais da história dessa territorialização, uma história cheia de tentativas de vencimento da distância, mas na maioria dos casos sem que isso implicasse rupturas significativas dos equilíbrios espaço-temporais anteriormente estabelecidos? É possível esboçar uma espécie de cronologia dos espaços-tempo imperiais ibéricos? Se estamos tratando de fenômenos concretos, a resposta para ambas as perguntas é positiva, e portanto é necessário tentá-lo, ainda que seus resultados só possam ser, de momento, nada mais do que um esboço.
Tentativa de periodização
12Há décadas que muitos autores já caracterizaram a expansão ibérica dos séculos xv e xvi em sua decisiva contribuição para uma progressiva mas radical mudança de visão de mundo13. Ao passo em que, no olhar europeu, esse mundo cresceu, dilatando seus limites até rincões apenas imaginados ou mesmo totalmente desconhecidos, esse mundo também encurtou distâncias. Nesse sentido, as viagens, os relatos de viagem, as representações dos novos espaços (incluindo mapas) e de seus habitantes, e a efetiva exploração colonial, agiram em conjunto. O planeta começou a se tornar conectável de leste a oeste, as latitudes foram dominadas antes que as longitudes, e a imposição eurocêntrica de valores econômicos se fez simultaneamente à de valores culturais. A tecnologia não criou essa grande transformação, mas esteve a serviço dela, em alguns momentos reforçando-a e colocando-a em novos patamares14.
13A expansão ibérica ensejou também uma grande diversidade de modos de territorialização. Nos impérios português e espanhol, observam-se formas de ocupação humana do espaço que iam desde simples fortalezas ou feitorias, até outras mais complexas e estáveis como aldeamentos, vilas ou cidades, capitanias, províncias, vice-reinos e estados. Por vezes, essas formas resultavam de conquistas militares; em outras, de acordos políticos e comerciais estabelecidos com populações nativas, ou ainda de transformações extensivas da paisagem, com a agricultura e a mineração. Todas essas possibilidades variavam em termos do grau de aquisição formal de espaços e de submissão dos mesmos a alguma forma de jurisdição formal, incluindo até mesmo situações em que a presença humana era destituída de qualquer formalização político-jurídica. E em todas elas, negociações e conflitos tendiam ao ensejo de hierarquias, nas quais os poderes de origem europeu — também eles muito diversificados — tendiam a se impor em relação aos de origem nativa15.
14Novos territórios, novos espaços-tempo, que se traduzem em novos fluxos, deslocamentos, distâncias a serem vencidas. Mas nem tudo nesse quesito é novo. Há espaços-tempo que se mantém, há distâncias com as quais ninguém mexe, e estruturas políticas, econômicas e intelectuais que são mantidas. A descoberta portuguesa da carreira da Índia entre 1497 e 1499, ou a expedição espanhola da circunavegação do globo entre 1519 e 1522, por exemplo, não tiveram impactos iguais e simultâneos em toda parte, evidentemente; mas a expansão de novos ciclos de nomos da terra — na definição de Carl Schmitt — se abriram em direção também aos mares (antes de chegarem, em fins do século xix, também aos ares): pois novas áreas foram sendo efetivamente incorporadas a lógicas jurídicas pretéritas que, ali, fundaram novas práticas16. Nessa perspectiva, tal processo culminaria no século xix com o triunfo das ferrovias e da navegação a vapor, inseparável do tempo dos relógios mecânicos em sua modalidade portátil, precisa e universal, que são os cronômetros; resultaria, ainda, na unificação do globo terrestre sob um sistema de horas de acordo com coordenadas espaciais17. Mas mesmo assim, o mundo continuará a ser um conjunto de mundos, embora com graus de aproximação completamente inéditos na história da humanidade. E se essa globalização não é imediata e única, e não possui data fixa de nascimento, ela não engendrará uma única unidade espaço-temporal18, mas sim uma articulação de várias delas, com hierarquias e assimetrias, e apresentando uma tendência geral de progressiva sobreposição entre múltiplos espaços-tempo. Há, portanto, uma recomposição desses espaços, com oscilações cada vez mais rápidas entre suas dimensões históricas e metahistóricas: afinal, mesmo com o advento do industrialismo capitalista, a natureza jamais foi plenamente dominada pela ação humana. Inclusive, a ação humana pode resultar em novas situações incontroláveis, isto é, em novas condições espaciais metahistóricas19.
15Entre os séculos xv e xviii, as monarquias ibéricas cresceram em dimensão, adensaram sua territorialização dentro de limites anteriormente estabelecidos — ainda que não necessariamente bem marcados —, aumentaram sua diversidade interna (inclusive econômica), cresceram em população, ampliaram a centralidade de seus aparatos administrativos e aumentaram a densidade de suas redes comerciais e de comunicação20. Todos esses fatores são cruciais para as dinâmicas espaço-temporais, uma vez que encurtaram distâncias, aumentaram a quantidade e a frequência de conexões, e aceleraram tempos; no entanto, como já observamos, existem também períodos nos quais essas dinâmicas espaço-temporais se estagnam e se estabilizam, sem sofrerem alterações dignas de nota. Ou seja, ao longo de quatro séculos tais dinâmicas não apresentam um telos. Quando a conservação é quebrada, abrem-se novas expectativas de vencimentos das distâncias.
16Portanto, essa periodização geral deve ser complexificada com incontáveis matizes. No caso da territorialização portuguesa, observa-se uma brutal contração durante a União Ibérica (1580-1640), com a perda de enclaves asiáticos na luta global contra os holandeses, muito parcamente compensada por uma tímida dilatação territorial americana, superestimada por historiadores nacionalistas brasileiros que viram na ação dos chamados bandeirantes paulistas a suposta formação de um embrionário território brasileiro que, na realidade, estava longe de se beneficiar de uma atividade que era fundamentalmente predatória e destrutiva21. Mais significativos são os avanços territoriais no século xvii sobre terras e populações indígenas, relacionados em parte à ação guerreira desses mesmos bandeirantes, em parte à expansão da pecuária22. Com a restauração de 1640 e a reorientação atlântica do império, observa-se uma nova territorialização com a expansão comercial sobre o continente africano relacionada com o aumento do tráfico negreiro, bem como um significativo encurtamento de distâncias, uma vez que era mais rápida a navegação entre Portugal, América e África do que de qualquer uma dessas regiões com a Ásia. Na última década do século xvii e primeiras do xviii, um movimento contundente de interiorização do processo colonizador na América decorreu da descoberta de jazidas de ouro, primeiro em Minas Gerais, logo em Mato Grosso e Goiás, gerando um grande fluxo imigratório do reino europeu em direção à América, bem como movimentos imigratórios internos a esta, todos em direção ao seu interior. Pouco depois, os tratados de limites com a Espanha, seus avanços e recuos, e várias medidas de caráter reformista implicaram nova interiorização territorial na América, bem como a ampliação do poder real com seu avanço sobre populações indígenas convertidas à condição de vassalos (a extensão do poder real sobre Angola também ocorreu, mas em escala muito menor). A política de extermínio sobre elas seria retomada a partir sobretudo de 1808, quando da instalação da corte no Rio de Janeiro e da conquista de novos territórios. Mas a navegação entre Portugal e a América perfazia, no começo do século xix, praticamente os mesmos um mês e meio ou dois de começos do século xvi, embora os significados sociais desse intervalo de tempo possam ter se transformado23. Se em muitos espaços-tempo se observam numerosas dinâmicas, nesse em particular, tão crucial para a tessitura geral do império desde pelo menos 1640, percebe-se uma considerável e longeva estabilidade, apenas parcialmente afrontada pelo aumento de frequências nas rotas marítimas.
17Os matizes do Império Espanhol não são menos numerosos: ao movimento geral de ampliação territorial se acopla um errático processo de avanços e recuos em vários aspectos. Em fins do século xv, a territorialização corresponde tanto a um movimento peninsular europeu, quanto a um movimento ultramarino. Nesse sentido, pode-se dizer que o acelerado processo que inclui a extinção do último enclave muçulmano peninsular em Granada (1492), a chegada da primeira expedição de Colombo à América (1492) e a circum-navegação do globo levada a cabo primeiro por Magalhães e logo por El Cano (1519-1522), culmina com a chegada espanhola às Filipinas, em 1565, que consolida a conexão entre o Atlântico e o Pacífico, embora às custas de enormes perdas humanas e materiais, dadas as dificuldades de manutenção efetiva dessa rota. Pouco depois, a União Ibérica terá como contrapartida imediata a perda de soberania sobre as províncias dos Países Baixos, com a consequente introdução no cenário de competição europeu de um poderoso rival que se volta contra a própria Espanha. A Guerra de Sucessão (1701-1714) reorganiza as dinâmicas territoriais do Império Espanhol, introduzindo-o em uma nova fase de conflitos e negociações externos (com Portugal, Inglaterra e França, principalmente), na qual as políticas reformistas e as dinâmicas expansionistas internas do império multiplicam espaços-tempo também marcados pela tendência geral à diminuição de distâncias e aumento da frequência de deslocamentos. Há que se considerar, porém, que em comparação com o Império Português, o Espanhol sempre apresentou uma maior variedade de espaços condicionados metahistoricamente, o que contribuiu para a formação de uma comunidade atlântica menos integrada do que a portuguesa, com correspondentes pluralidades político-administrativas, econômicas, sociais e culturais24.
18Com tudo que tal quadro apresente de lacunar e deficiente, parece razoável confiarmos na convergência ibérica de dois momentos-chave dessa periodização geral: em primeiro lugar, claro, a expansão inicial, na qual Portugal e Espanha, juntos, protagonizaram o empuxo primordial da expansão ultramarina europeia25. Em segundo lugar, o início do século xviii, onde tais impérios já se encontram, definitivamente, em posição secundária na competição internacional, o que implica uma busca simultânea da parte de ambos por novas formas de territorialização voltadas para um melhor aproveitamento de seus domínios americanos, foco portanto de suas respectivas políticas reformistas26. E em meio a tais políticas, observa-se em ambos os casos, como vimos, um processo de centralização do poder real, o que também implicou uma ressignificação dos espaços-tempo desses impérios.
19Portanto, o século xviii traz nova mudança qualitativa em «espaços-tempo» que já vinham se alterando ao longo dos séculos anteriores. E se os impérios ibéricos foram protagonistas do primeiro movimento, não deixarão de sê-lo também do segundo. De acordo com Charles Maier, as crescentes demandas mercantilistas e capitalistas em torno da extração de benefícios econômicos de áreas cujos domínios imperiais não estavam ainda bem definidos, ou que simplesmente ofereciam expectativas de melhor aproveitamento, se constituiu em um fenômeno de territorialização global do século xviii, e que portanto não se limita aos domínios portugueses e espanhóis27. Tal territorialização, segundo Osterhammel, corresponderia à fase avançada de uma concentração de espaços que já vinha ocorrendo desde antes, com a diminuição quantitativa de entidades políticas que, por outro lado, vinham se tornando cada vez mais concentradas e poderosas, e que ainda se desdobraria pelo menos até o século xix28.
20A tal descrição, poderíamos acrescentar: com o aperfeiçoamento da burocracia imperial europeia em outros continentes, com a crescente centralização de poderes (novamente reconfigurados com o posterior advento dos Estados nacionais), e com a tendencial diminuição das distâncias do mundo, os espaços se encurtam e o tempo se acelera. Os impérios ibéricos não apenas conhecem, mas protagonizam a criação de novos espaços-tempo29. Koselleck, que jamais teve Portugal ou Espanha no centro de suas preocupações intelectuais, entende que entre meados dos séculos xviii e xix, o mundo europeu operaria uma progressiva dissociação entre conceitos de espaço e de tempo, correspondente a dois outros movimentos também progressivos: uma sobreposição de espaços em escala global, e uma aceleração de tempos históricos. Eis uma das marcas daquilo que o autor concebe como uma «modernidade», promotora de uma globalização que, ao distinguir espaços de tempos, promove não uma «separação» entre ambos, mas uma «rearticulação»: espaços se encurtam, enquanto tempos se aceleram30.
21Tal proposta parece encontrar correspondência na observação de definições lexicográficas eruditas portuguesas. Tomemos o exemplo de «distância». Na definição portuguesa de começos do século xviii de Raphael Bluteau, «distância» é o «espaço de um lugar a outro»; portanto, refere-se a «espaço». Mas a definição inclui também, ao final e com menos ênfase, «distância de tempo»31. A mesma definição, que no contexto europeu remonta à Idade Média, era praticamente igual no século xvii espanhol e francês — ainda sem as mutações promovidas pela chamada revolução científica32. Não é de se surpreender, uma vez que, segundo o mesmo Bluteau, «distância» deriva do latim intervallus, que por seu turno daria lugar a «intervalo» — entre duas coisas. Espaço, desde sempre, pensado pelo tempo. Poucas mas significativas décadas depois, a mesma definição encontraria, em Moraes Silva uma sutileza: «o espaço que alguma coisa dista da outra» mantém a ênfase no «espaço», mas com o acréscimo «figurado: de duas épocas»33. Ou seja, o aspecto temporal da distância foi valorizado, e «tempo» pôde converter-se em «época». Entre as definições de Bluteau e Moraes Silva aconteceu ou estava acontecendo algo significativo? A introdução do sentido figurado de distância traduz simples detalhamento lexicográfico previsível, dadas as naturezas algo distintas dos dois dicionários34, ou ela passou a traduzir algum tipo de sensibilidade histórica? Provavelmente as duas coisas; o que, se for certo, implica tentar entender aquilo que mudou, sobre a base daquilo que se manteve, e assim levantar também a hipótese de uma mutação espaço-temporal ocorrida em finais do século xviii.
22As revoluções políticas de fins do século xviii e começos do seguinte dariam contribuições de peso à ressignificação social de conceitos de «tempo» e, aparentemente em menor escala, também de «espaço». No mundo iberoamericano, isso não é um advento abrupto, repentino; tampouco mostrará uma simples adoção de inovações intelectuais gestadas e definidas alhures. O que se observa nos mundos lusos e hispânicos a partir dos anos entre 1808 e 1810, é um conjunto de situações políticas e sociais complexas, multifacetadas e de início altamente imprevisíveis, por sobre as quais parece se estabelecer uma convergência, não apenas imperial, mas transimperial ibérica: novos tempos e novos espaços passam a ser cada vez mais plausíveis dentre o horizonte de expectativas de sociedades cada vez mais atuantes na dimensão política de suas respectivas realidades35. Em suma: são criadas as condições para uma nova — e comum — quebra espaço-temporal nos impérios ibéricos.
23Seja no tocante a generalizações, seja no tocante a processos e contextos específicos dos impérios ibéricos, o quadro até aqui mostrado está longe de apresentar uma descrição completa, menos ainda uma síntese satisfatória. Para todos os efeitos, porém, nele encontramos bons exemplos de situações históricas concretas que devem ser levadas em conta no aprimoramento de tal periodização, ou mesmo na construção de uma nova. É possível, agora, detalhar — sem esgotá-los — tais fatores, destacando em quê medida condicionam e materializam esses espaços-tempo dos impérios ibéricos.
Dinâmicas espaço-temporais
24Tomemos uma situação exemplar, corriqueira: a do estabelecimento formal de uma instância governativa, correspondente portanto a um determinado espaço de jurisdição. Quando em 1549 começou a funcionar o primeiro governo-geral do Estado do Brasil, sediado na cidade da Bahia, os tempos de navegação entre esta cidade e, por exemplo, Lisboa, que eram de dois meses e meio a três meses e meio36, não se alteraram; tampouco o tempo da navegação costeira entre a Bahia e outros enclaves portugueses litorâneos do Brasil, ou o tempo dos caminhos terrestres que a conectavam com outras regiões próximas a ela. No entanto, a cidade da Bahia se tornou, para todos os efeitos, mais visitada do que era antes, mais atravessada por fluxos humanos e materiais. O governo geral, de início, não implicou uma mudança de tempos, mas sim de espaços, com uma nova territorialização que dizia respeito a seu núcleo urbano, áreas a ele adjacentes, e muitas outras regiões do Brasil e do Império Português. O mesmo tipo de fenômeno pode ser observado no caso espanhol com o estabelecimento das capitais de vice-reinos e de capitanias gerais, ou de centros administrativos menores: por exemplo, quando da chegada dos espanhóis às Filipinas (1565), a subsequente fundação de Manila (1571) e a criação de uma Gobernación y Capitanía General (1574), subordinada ao Vice-Reino de Nova Espanha. Por muitos anos, os tempos da navegação entre o litoral hispanoamericano e as Filipinas permanecerá inalterado; a frequência dessa navegação, a densidade de seus fluxos humanos e materiais, e seus impactos na territorialização global do império, porém, estarão em permanente movimento37. Cada inovação político-administrativa implicará, por toda parte, correspondentes dinâmicas espaço-temporais.
25Observemos uma outra situação exemplar: a da Justiça, com seu aparato e seus agentes. Aqui, as palavras de Camarinhas e Ponce, a respeito do Império Espanhol, valem grosso modo também para o português:
La idea clave sostenida en múltiples informes y memoriales llegados al Consejo de Indias, especialmente durante la primera mitad del siglo xvi, fue que la realidad americana resultaba difícilmente compatible con unas normas legales rígidas y, además, pensadas para contextos y medios geográficos muy diferentes a los indianos. Resultaba imprescindible para el buen gobierno, por lo tanto, estimar por encima de todo las circunstancias (de persona, tiempo y lugar) que rodeaban al caso38.
26Condições espaciais metahistóricas impunham e moldavam a ação humana por meio de processos de territorialização. Não se trata, como bem assinalado por António Manuel Hespanha para o caso português, de uma arquitetura político-jurídica caótica ou ineficiente, mas sim assentada na lógica da dispersão, na qual se gestava seu bom funcionamento39. E assim, a criação de tribunais da Relação no Império Português, também alterava espaços-tempo: o da Bahia foi estabelecido em 1609, deixando de funcionar entre 1626 e 1652, e foi o único tribunal superior de apelos da colônia até a criação da Relação do Rio de Janeiro, em 1751; em 1812 foi criada uma terceira Relação, a do Maranhão, e somente em 1822, às vésperas da Independência do Brasil, uma quarta, a de Pernambuco; estas duas últimas já em um contexto de aprimoramento das comunicações terrestres entre o Rio de Janeiro e outras partes do Brasil. Em cada um desses momentos, a prática de apelação foi modificada, dirigindo-se ora para um espaço, ora para outro; e a depender de tais espaços, os tempos de resposta das esperadas apelações variava40. Em suma, tal dinâmica também implicava mudanças espaço-temporais.
27Vários casos similares são observáveis na América espanhola, onde um grande número de tribunais de justiça foi implementado ainda no século xvi; posteriormente, foram criadas audiências em Caracas (1768), Buenos Aires (de 1661 a 1673, e depois em 1783) e Cuzco (1787)41. Mais uma vez, a mudança qualitativa de espaços criava diferentes lugares, fluxos, distâncias e esperas, implicando diferentes espaços-tempo. A administração imperial espanhola sofreu numerosas mudanças a partir de uma estrutura geral que se encontrava já razoavelmente bem estabelecida por volta de 1570. Em começos do século xviii, elas seriam especialmente sensíveis, como durante o reinado de Filipe V (1720-1746), que promoveu a circulação de pessoas entre os territórios da monarquia, o que seria consolidado em 1765 com o fim da proibição a não-castelhanos de irem à América; tal circulação aumentou a frequência de rotas já estabelecidas, mas a criação dos vice-reinos de Nova Granada (em duas ocasiões, 1717 e 1739) e Rio da Prata (1778) multiplicou instâncias administrativas e fluxos humanos e materiais, alterando significativamente os espaços-tempo hispanoamericanos42. O mesmo poderia ser dito de muitas outras mudanças político-administrativas ocorridas ao longo da história do Império Espanhol, mas principalmente a partir das reformas borbónicas setecentistas que promoveram-nas em ritmo e intensidade incomuns. Um estudo de caso realizado por Caraminhas e Ponce entre magistrados (fiscais, ouvidores e presidentes) em atuação no Vice-Reino do Peru entre 1598 e 1700 mostrou que a circulação geográfica de tais funcionários era muito baixa, e a maioria deles, uma vez saídos da Europa em direção à América, jamais retornava ao Velho Mundo; diferentemente do que ocorria com os altos funcionários executivos do Império Espanhol, e também com os magistrados do Império Português em geral, que circulavam com frequência entre Europa, América, Ásia e África43.
28Há que se considerar também a simples criação de núcleos urbanos como vilas e cidades, cujo advento, crescimento ou extinção exerceu grande impacto sobre as dinâmicas espaço-temporais imperiais44. No geral, a existência de tais núcleos só aumentou ao longo dos séculos, embora sejam discerníveis contextos específicos a serem levados em conta. Durante a União Ibérica, por exemplo, houve um aumento significativo na atribuição de forais de vila a povoados portugueses do Brasil, assim como de promoção de vilas à condição de cidades; mas nada comparável ao que ocorreria posteriormente, a partir de 1750, quando tal movimento se acentuou de modo inédito, em articulação com a mineração, as políticas reformistas e a continuação da apropriação violenta de terras indígenas45. Como parte dessa mesma dimensão deve ser mencionado o progressivo aumento da população europeia e euro-descendente nas Américas ibéricas, que nos séculos xv, xvi e xvii ofereceu apenas uma tímida compensação estatística aos altos índices de mortalidade nativa; mas que no século xviii cresceu de modo vertiginoso por quase toda parte46. As estatísticas são aproximativas e pouco confiáveis, mas indicam que na América portuguesa passou-se de cerca de 100 mil habitantes em 1620, para 240 mil em 1700, e 1 milhão e 500 mil em 1760, atingindo mais de 3 milhões em 1808. Na América espanhola, a imigração errática de europeus (200-240 mil no século xvi, outros 200 mil na primeira metade do século xvii, e pouco mais de 50 mil em todo o século xviii) não impediu que se chegasse a uma cifra de 13 a 15 milhões de habitantes em 1810, quando a Espanha peninsular contava com algo em torno de 11 milhões de habitantes47. Essa tendência de crescimento das populações de europeus imigrados e seus descendentes se articula com uma territorialização também crescente, resultando em maiores conexões entre regiões, diminuição de distâncias e aceleração de tempos. Muito embora, repitamos, esse não seja um processo linear e seguro.
29O problema que se delineia até aqui é o da possibilidade de quebras significativas, conjunturais ou até mesmo estruturais, em dinâmicas complexas e que sempre existiram nos impérios ibéricos entre os séculos xv e xix: dinâmicas de espaços-tempo simultâneos, emaranhados, novos e tradicionais. A observação de situações específicas, como as acima exemplificadas, será insuficiente se não levar em conta panoramas mais amplos com os quais essas situações específicas se articulam. Nesse sentido, parece evidente a centralidade do século xviii, principalmente de seus últimos anos: a hipótese de que nele tenha ocorrido uma quebra incomum de dinâmicas espaço-temporais, principalmente em sua segunda metade, ganha corpo se acrescentarmos às observações até aqui realizadas acerca da materialidade de espaços-tempo outras relativas a suas concepções e representações. O que, por seu turno, recoloca o problema das distâncias e de seu vencimento.
30Mais uma vez, uma dimensão apenas, dentre muitas outras possíveis: as expectativas de futuro nos impérios ibéricos, onde elas sempre existiram como elaborações coletivas, pautando valores e comportamentos sociais. No caso português, a tradição sebastianista do século xvi fornece elementos importantes para a compreensão das elaborações sofisticadas e fortemente políticas por parte de António Vieira, no século xvii48. Cerca de cem anos depois, um futuro pensado de modo providencialista, como desígnio divino e atrelado a uma fortuna positiva, não está de todo ausente dos projetos políticos dos reformismos imperiais ibéricos; no entanto, tal futuro encontra-se mitigado, cedendo espaço a concepções racionalistas de passado e de futuro, onde visões de história subsidiam expectativas de um futuro a ser conquistado por meio de instrumentos como a razão, o poder real, a coesão imperial e a eficiência na competição internacional. E nessa perspectiva, os espaços dos impérios são cada vez mais pensados como perfazendo uma unidade49, o que enseja formas correspondentes de tempo; incluindo-se aí uma renovada necessidade de se vencer distâncias.
31A queixa de que diferentes instâncias das administrações imperiais viam-se comprometidas pela lentidão e precariedade de comunicações, transportes e procedimentos corriqueiros não era uma novidade do contexto reformista; nele, porém, as tradicionais reações a essa situação parecem adquirir um componente novo: a urgência de uma reação dos impérios a uma situação global a eles desfavorável50. Essa concepção era encampada por muitos funcionários reais, como os governadores da capitania lusoamericana de São Paulo que, nas últimas décadas do século xviii, ao passo em que se queixavam de distâncias e demoras a comprometerem seu serviço real, promoviam a abertura de estradas e a melhoria de velhos caminhos. Paralelamente, padres da Ordem do Carmo, na vila portuária de Santos, estavam preocupados, em 1766, com a demora no sepultamento de alguns de seus irmãos, pois o excesso de ritos fúnebres estaria atrasando a entrada de suas almas nos céus51. Também aqui, no plano místico, e em uma mescla de velhos e novos tempos, havia distâncias a serem vencidas.
Uma história integrada
32Entre fins do século xviii e começos do xix, há, certamente, uma normalidade regular daquilo que são os espaços-tempo a serem vencidos nos impérios ibéricos; mas há também tensões que encorajam a percepção de mudanças profundas, talvez em direção a uma quebra e ao advento de uma nova unidade. Se não fosse assim, teríamos que conceber Portugal, Espanha e seus domínios como ilhas isoladas de conservadorismo em meio a um mundo que não apenas continuava a se globalizar, mas efetivamente alterava seus espaços e seus tempos.
33A história dos espaços-tempo dos Impérios Português e Espanhol pode então ser tomada não só parte de uma história global, mas também como uma história integrada, recíproca? A partir do que foi dito até aqui, a resposta é positiva. Afinal, em muitos casos, a territorialização dos impérios se fez de modo mutual e bilateral, em harmonia ou conflito; em muitos outros, os espaços-tempo foram construídos por dimensões da realidade cujas semelhanças entre os casos português e espanhol se reportam a um fundo comum: o de desenvolvimento dos impérios como parte de um movimento geral de expansão europeia e de reconfiguração de sua matriz em resposta a contingências e imposições dos mundos que essa expansão ia forjando, ao mesmo tempo em que por eles era forjada, resultando em uma síntese global52.
34Um último caso reforça tal posição: o dos decisivos acontecimentos de Aranjuez (março de 1808), Bayona (abril) e Madri (primeiros dias de maio), que levaram à prisão da família real espanhola por ordem de Napoleão Bonaparte, ocasionaram um imediato vazio de poder no império, e criaram as condições mais diretas para a independência de quase todos os territórios americanos. Tais acontecimentos foram sendo conhecidos de acordo com espaços-tempo bem estabelecidos, tanto espanhóis quanto portugueses. De modo confuso, primeiro sob a forma de boatos, por vezes desmentidos, e depois como fatos devidamente confirmados, essas importantíssimas notícias que provocariam reações por toda a parte chegaram ao Caribe, à Venezuela e a Nova Espanha cerca de dois meses depois. Mas no Chile e no Peru, elas tardaram de quatro a cinco meses, tendo passado por cidades como Bahia, Rio de Janeiro, Montevidéu e Buenos Aires. Ou seja: enquanto no Chile e no Peru súditos espanhóis festejavam a aliança entre Espanha e França que supostamente teria levado Fernando VII ao poder, em outras partes do império a guerra contra Napoleão já tinha sido declarada; ao mesmo tempo, e antes que o vice-rei do Peru soubesse do que acontecia na Europa, a bem-informada corte portuguesa do Rio de Janeiro se mobilizava para tirar proveito do colapso do império vizinho53. E mesmo em seus momentos derradeiros, os impérios ibéricos continuariam a cruzar seus espaços-tempo, cada vez mais curtos, cada vez mais acelerados.
Notes de bas de page
1 Gostaria de agradecer às críticas e sugestões que as versões preliminares deste texto receberam de Roberta Stumpf, Guillaume Gaudin, Andréa Slemian, João Teles e Cunha, Pérola Goldfeder, Nívia Pombo, Iris Kantor, Adma Muhama, Rafael Marquese, Thomáz Fortunato e Lucía Rodríguez Arrillaga.
2 Dois notáveis exemplos recentes: Xavier, Palomo, Stumpf, 2018; Bouza, Cardim, Feros, 2019.
3 Gaudin, 2017a, p. 31.
4 Braudel, 1978; Koselleck, 1993; Lefebvre, 1974; Harvey, 2006.
5 Pimenta, 2018.
6 O tema foi desenvolvido, para a América portuguesa, no Projeto de Pesquisa «Os espaços-tempo no Brasil dos séculos xviii e xix», integrado por João Paulo Pimenta, Clarissa Silvestre Pedro, João Gabriel Covolan, Matheus Paula Silva e Thomáz Fortunato (FFLCH-USP, 2016-2019). Seus resultados encontram-se em elaboração.
7 Harvey, 1992, pp. 293 e 189 respectivamente.
8 Godinho, 1981, vol. 1; Haring, 1984; Elliott, 1989; Thomaz, 1998; Boxer, 2014. A cartografia revela bem essa dupla dimensão: ao passo em que franqueia a concretização de um processo de territorialização, nele projeta visões de mundo e expectativas de futuro. Dreyer-Eimbcke, 1992.
9 Citado por Alencastro, 2000, p. 63.
10 Koselleck, 2014, p. 77.
11 De acordo com estimativas realizadas por slavevoyages.org.
12 Nos termos de Sewell Jr., 1996, para quem determinados acontecimentos podem efetivamente transformar estruturas, em um jogo de reciprocidades.
13 O’Gorman, 1992; Holanda, 1959; Gruzinski, 2014.
14 Crosby, 1993; Moraes, 2000.
15 Cardim, Hespanha, 2018, pp. 52, 64 e 89; López-Cordón Cortezo, 2018; Bicalho, Monteiro, 2018, p. 210.
16 Schmitt, 2014.
17 Withrow, 1993; Holford-Stevens, 2005.
18 Referimo-nos a tais unidades no interior desses impérios, como parte constitutiva deles. Berbel, Marquese, Parron, 2010, entendem a necessidade de se tomar os próprios impérios como constituindo uma unidade temporal em si (no caso, a dos impérios ibéricos como contrapartida à dos impérios norte-europeus).
19 Podem ser os casos do aquecimento global e da (controversa) idade geológica conhecida por antropoceno. As consequências de longa duração de ambos os fenômenos ainda não podem ser devidamente apreciadas.
20 Cardim, Hespanha, 2018, p. 51; Bicalho, Rodrigues, Cardim, 2017; Cardim, Baltazar, 2017; Araújo, 2017; Guapindaia, inédita.
21 Como já bem assinalou Abreu, 1963, há mais de um século. Mais recentemente, Monteiro, 1994.
22 Puntoni, 2002.
23 Mauro, 1989, pp. 111-115; Cardim, Hespanha, 2018, p. 87; Bicalho, Monteiro, 2018, p. 214; Fragoso, Monteiro, 2017, p. 16; Morel, 2018.
24 Landes, 2004, cap. vi; Bicalho, Monteiro, 2018, p. 236, endossando uma observação de John Elliott.
25 O que não implica desconsiderar outros momentos anteriores atrelados à essa expansão de fins do século xv e começos do século xvi, tais quais os assinalados e analisados, em uma perspectiva clássica, por Wallerstein, 1984.
26 Halperín Donghi, 1985.
27 Maier, 2016, p. 83 sqq.
28 Osterhammel, 2015, p. 167.
29 Uma região de intersecção dos impérios «por excelência» é o Rio da Prata, cuja territorialidade é estudada por Rodríguez Arrillaga, inédita.
30 Koselleck, 2014; Landes, 2007.
31 Bluteau, Vocabulario portuguez & latino, vol. 3, p. 254.
32 Gaudin, 2017a, p. 31.
33 Silva, Diccionario da Lingua Portugueza, t. I, p. 446.
34 Verdelho, 2003; Pinto, 2008.
35 Fernández Sebastián, 2009.
36 Mauro, 1989, pp. 111-115.
37 Gaudin, 2017a; Cardim, Hespanha, 2018, p. 69.
38 Camarinhas, Ponce Leiva, 2018, p. 356. O Conselho Ultramarino português foi criado em 1642-1643.
39 Hespanha, 2001.
40 Camarinhas, Ponce Leiva, 2018, p. 359; Silva, 1994, s. v. «Relação do Rio de Janeiro», pp. 696-697, e s. v. «Relação do Maranhão», p. 696; assim como Schwartz, 1994, e Carvalho, 1994, para as relações da Bahia e de Pernambuco, respectivamente.
41 Camarinhas, Ponce Leiva, 2018, p. 359.
42 López-Cordón Cortezo, 2018, p. 194; Cardim, Hespanha, 2018, p. 89; Castro, inédita.
43 Camarinhas, Ponce Leiva, 2018, pp. 369-370. Como complemento da circulação física, pode-se observar a comunicação política do Império Português: Fragoso, Monteiro, 2017.
44 Sempre de acordo com as assimetrias de funções de cada um desses espaços, conforme advertência de Monteiro, Cosentino, 2017, p. 436.
45 Bicalho, Monteiro, 2018, p. 217; Cardim, Hespanha, 2018, p. 91.
46 Um excelente estudo acerca da dominação de populações nativas por meio da imposição a elas de um controle de um novo e estranho espaço-tempo decorrente da lógica europeia de exploração colonial do trabalho, em Velloso, 2018.
47 Sánchez-Albornoz, 1984; Bicalho, Monteiro, 2018, pp. 213 e 234; López-Cordón Cortezo, 2018, p. 181.
48 Lima, 2004 e 2010.
49 Kantor, 2004.
50 Paulino, 2018.
51 Boscov, inédita.
52 Fica de pé a sugestiva hipótese de que não apenas os impérios ibéricos condicionaram reciprocamente parte de seus espaços-tempo, mas também integraram, juntos, uma mesma unidade espaço-temporal distinta daquela dos impérios norte-europeus. Devemos sua formulação a Berbel, Marquese, Parron, 2010.
53 Collier, 1967; Kuethe, 1986; Ávila, 1999; Peralta Ruiz, 2002; Quintero, 2002; Pimenta, 2013.
Auteur
Universidade de São Paulo
Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.
La gobernanza de los puertos atlánticos, siglos xiv-xx
Políticas y estructuras portuarias
Amélia Polónia et Ana María Rivera Medina (dir.)
2016
Orígenes y desarrollo de la guerra santa en la Península Ibérica
Palabras e imágenes para una legitimación (siglos x-xiv)
Carlos de Ayala Martínez, Patrick Henriet et J. Santiago Palacios Ontalva (dir.)
2016
Violencia y transiciones políticas a finales del siglo XX
Europa del Sur - América Latina
Sophie Baby, Olivier Compagnon et Eduardo González Calleja (dir.)
2009
Las monarquías española y francesa (siglos xvi-xviii)
¿Dos modelos políticos?
Anne Dubet et José Javier Ruiz Ibáñez (dir.)
2010
Les sociétés de frontière
De la Méditerranée à l'Atlantique (xvie-xviiie siècle)
Michel Bertrand et Natividad Planas (dir.)
2011
Guerras civiles
Una clave para entender la Europa de los siglos xix y xx
Jordi Canal et Eduardo González Calleja (dir.)
2012
Les esclavages en Méditerranée
Espaces et dynamiques économiques
Fabienne P. Guillén et Salah Trabelsi (dir.)
2012
Imaginarios y representaciones de España durante el franquismo
Stéphane Michonneau et Xosé M. Núñez-Seixas (dir.)
2014
L'État dans ses colonies
Les administrateurs de l'Empire espagnol au xixe siècle
Jean-Philippe Luis (dir.)
2015
À la place du roi
Vice-rois, gouverneurs et ambassadeurs dans les monarchies française et espagnole (xvie-xviiie siècles)
Daniel Aznar, Guillaume Hanotin et Niels F. May (dir.)
2015
Élites et ordres militaires au Moyen Âge
Rencontre autour d'Alain Demurger
Philippe Josserand, Luís Filipe Oliveira et Damien Carraz (dir.)
2015