O comércio dos portos açorianos com o Brasil e a legislação régia (séculos xvii-xviii)
Os «navios do privilégio»
Texte intégral
1Desde o início da expansão oceânica portuguesa que a coroa procurou controlar e regular, nem sempre com o sucesso desejado, o comércio de certos produtos ou regiões, impondo taxas ou estabelecendo monopólios e restrições à livre circulação de bens, situação que afectava sobretudo a economia dos portos regionais mais distantes dos centros dominantes ou menos integrados nas principais rotas e respectivas dinâmicas. Estudos clássicos ou mais recentes mostraram que, ao longo do século xvi e ainda nas primeiras décadas do século xvii, o comércio com o Brasil dos pequenos e médios portos do noroeste do reino de Portugal e das ilhas da Madeira e dos Açores revelou-se da maior importância para as economias locais e regionais, beneficiando com a integração de mercadores e armadores em redes mercantis que cruzavam as fronteiras das diversas formações políticas e atravessavam o oceano. O açúcar do Brasil era, neste contexto, um produto da maior importância, como se comprova com os casos de Vila do Conde, do Porto —pelas décadas de viragem do século xvi para o século xvii, uma das principais portas de entrada do açúcar brasileiro no reino e na Europa— ou do Funchal1.
2Ora, na conjuntura posterior à Restauração (1640) e em contexto de guerra, o comércio com o Brasil, da maior importância para a coroa, esteve fortemente enquadrado pela legislação, espartilhando a participação dos pequenos portos nesse tráfico. Já em 1648, em conjuntura de guerra, a ordem de 9 de Outubro determinou que não fossem aos portos de Pernambuco navios dos portos de mar do reino e das ilhas2. Se esta ordem se compreende no contexto da guerra contra os Holandeses, que então ocupavam o Nordeste brasileiro, não deixou de impor um limite ao trato mercantil dos portos, afectando negativamente a economia local. A culminar este processo, em 1649, por contrato entre a coroa e a elite mercantil reinol, foi constituída a Companhia Geral do Comércio do Brasil, que detinha o monopólio do pau-brasil e direitos exclusivos sobre o transporte para os portos brasileiros de bens essenciais como azeite, vinho, peixe salgado e farinha. Os armadores e homens de negócio que pretendessem enviar os seus navios e mercadorias ao Brasil teriam de o fazer integrando a frota e pagando as taxas devidas pela protecção assegurada, o que aumentava os custos da operação comercial3.
3Perante o novo quadro organizador do comércio com o Brasil, que espartilhava as periferias insulares, os protestos fizeram-se sentir. Nos Açores, a câmara de Angra, após receber a carta régia que informava sobre a criação da companhia, logo solicitou autorização para que fossem enviados navios com farinha «sem que fosse por conta da companhia»4. Por fim, as queixas e pressões dos moradores das ilhas levaram a coroa a conceder aos Açores e à Madeira os «navios do privilégio», isto é, um número fixo de navios que certas ilhas poderiam enviar anualmente ao Brasil fora das frotas. O decreto de 19 de Novembro de 1652 criou os «navios do privilégio» e determinou que três navios das ilhas podiam ir anualmente ao Brasil, transportando 400 pipas de vinho e 2.000 arrobas de farinha; anos depois, o decreto de 4 de Junho de 1670 aumentou o número de «navios do privilégio» para quatro (dois para a Terceira, um para São Miguel e um para o Faial)5. As licenças eram concedidas, a nível local, pelas câmaras e estas, face às dificuldades económicas sentidas no arquipélago, procuraram utilizar essa mercê para manter em funcionamento, dentro dos condicionalismos resultantes da actividade da companhia e dos constrangimentos das economias concelhias, o fluxo comercial com os portos brasileiros6.
4Para além destas restrições, os produtores e homens de negócio das ilhas ou nelas estabelecidos tinham ainda de enfrentar outras dificuldades. Perante condições climatéricas adversas, a realização anual das viagens dos «navios do privilégio» efectuava-se, por vezes, somente no ano seguinte, de que resultavam problemas com a Fazenda Real7. Deste modo, o contrabando surgia como uma alternativa viável para alguns, o que originava diversos «descaminhos» dos direitos reais, pelo que a coroa ordenava que a legislação se cumprisse e a fiscalização sobre as embarcações fosse efectuada com rigor8. Por outro lado, as limitações tecnológicas e a dificuldade de acesso a capital que permitisse custear a construção ou o fretamento de navios de maior porte explica que, na maior parte dos casos, a dimensão dos barcos envolvidos no circuito que unia as ilhas aos portos do Brasil não atingisse as 500 toneladas. Conforme demonstrou Ana Catarina Abrantes Garcia para o caso de Angra do Heroísmo no período 1670-1703, os barcos que partiam rumo ao Rio de Janeiro ou a Pernambuco levando «frutos da terra» tinham na sua maioria entre 200 e 300 caixas, ficando mesmo, por vezes, abaixo do limiar das 2009. Este problema continuou a fazer-se sentir no século xviii, como veremos.
5No início do século xviii, o alvará de 30 de Outubro de 1711 veio confirmar a proibição dos navios estrangeiros entrarem nos portos brasileiros e, nesse mesmo ano, a lei de navegação de navios para o Brasil, de 2 de Dezembro, reforçou a legislação seiscentista para «que nas ilhas dos ASores e madeira nam haja mayor numero de Nauios portuguezes que os que estam ConCedidos athe o prezente10». Cerca de dois anos mais tarde, foi publicada uma ordem do Conselho da Fazenda autorizando que, nos Açores, fosse possível carregarem-se os navios que viessem de Lisboa ou outros portos do reino com destino ao Brasil com géneros da terra (vinhos, aguardentes, panos de linho e farinhas)11. Era este o enquadramento legal do comércio açoriano com o Brasil no começo de Setecentos.
6O tráfico entre os Açores e o Brasil assentava essencialmente na permuta de um conjunto de produtos insulares bem definidos —as farinhas, os vinhos e aguardentes e os panos de linho, sobretudo os de linho preto— por géneros como o açúcar, o tabaco, as madeiras e os couros, ao lado de outras mercadorias com menor peso no trato12. A importância dos linhos, das farinhas e da aguardente açorianas no mercado brasileiro, onde tinham um consumo assegurado, alimentou um comércio que interessava tanto aos produtores e mercadores locais13, como a outros que, de modo a participar nesse trato, aqui tinham os seus agentes comerciais. Um exemplo do que acabamos de dizer é-nos oferecido, para começos do século xviii, por Duarte Sodré Pereira, fidalgo, senhor de Águas Belas, governador da Madeira entre 1704 e 1712 e governador de Pernambuco de 1727 a 173714. Apesar do seu status nobiliárquico, Duarte Sodré Pereira não desdenhou envolver-se no comércio atlântico, possuindo comissários e representantes seus no reino, nos Açores, em Angola, no Brasil e em cidades e colónias europeias (Hamburgo, Londres, Jamaica, Barbados, Boston) e agindo, ele próprio, como agente comercial de proprietários e mercadores nacionais e estrangeiros. Nos Açores, os seus representantes em Santa Maria, São Miguel, Terceira e Faial enviaram-lhe, entre 1710 e 1712, um leque variado de produtos, entre os quais se incluíam trigo, farinha, aguardente e panos, que, para além de outros destinos, seguiram para portos brasileiros (Rio de Janeiro, Baía, Pernambuco)15.
7Desde o início do século xviii que os portos brasileiros mais intervenientes no tráfico com o arquipélago açoriano foram os do Rio de Janeiro, Baía e Pernambuco. Vejamos, como exemplo, o movimento portuário de Ponta Delgada entre 1711 e 1720: nesses anos, entraram no porto micaelense seis navios vindos do Rio de Janeiro, cinco da Baía, quatro do Recife, três de Pernambuco e um de Paraíba16. Em termos da evolução do movimento, o quadro 1 reproduz o ritmo das entradas de navios oriundos desses portos:
Quadro 1. — Navios entrados em Ponta Delgada vindos do Brasil (1711-1720)
Anos | Nº navios |
1711 | 1 |
1712 | 1 |
1713 | 2 |
1714 | 1 |
1715 | 3 |
1716 | 4 |
1717 | 2 |
1718 | 2 |
1719 | 3 |
1720 | — |
Total | 19 |
8Não é possível reconstituir, na sua totalidade, as curvas relativas ao movimento comercial entre os Açores e o Brasil. A documentação alfandegária da Horta foi destruída e os núcleos documentais relativos a Angra e a Ponta Delgada apresentam diversas lacunas: por exemplo, os livros de entradas e saídas do porto de Ponta Delgada, no século xviii, para a primeira metade da centúria contemplam apenas as entradas e não cobrem o período 1721-1762. No entanto, podemos recorrer a outras fontes, nomeadamente a documentação camarária, para tentar reconstruir parte do fluxo mercantil que uniu os portos açorianos aos brasileiros e perceber algumas das suas características. Vejamos o caso da Horta entre 1717 e 1740, exposto no quadro 2.
Quadro 2. — Navios saídos para o Brasil do porto da Horta (1717-1740)
Ano de saída | Ano da licença | Tipo de navio | Destino | Obs. |
1717 | 1707 | — | — | Licença |
1717 | 1708 | — | Rio de Janeiro | Licença |
1717 | 1705 | — | — | Licença |
1717 | 1700 | — | — | Licença |
1717 | 1715 | Bergantim | — | Licença |
1718 | — | Galera | — | Licença |
1718 | — | — | — | Licença |
1718 | — | Chalupa | — | Licença |
1719 | 1720 | Galera | — | Licença |
1720 | 1721 | — | — | Licença |
1721 | 1722 | Galera | — | Licença |
1722 | 1723 | Galera | — | Licença |
1723 | — | — | — | — |
1724 | 1725 | — | — | Licença |
1725 | 1726 | — | — | Licença |
1726 | 1727 | Peuque | Rio de Janeiro | Licença |
1727 | — | — | — | — |
1728 | 1728 | Bergantim | — | Licença |
1729 | — | — | — | — |
1730 | 1730 | Galera | Rio de Janeiro | Licença |
1730 | 1731 | Galera | — | Licença |
1731 | 1732 | Galera | Rio de Janeiro | Sem efeito |
1732 | 1729 | Bergantim | Rio de Janeiro | Licença |
1732 | 1732 | Galera | Rio de Janeiro | Licença |
1732 | 1733 | Galera | Rio de Janeiro | Sem efeito |
1733 | 1733 | Galera | Rio de Janeiro | Licença |
1734 | — | — | — | — |
1735 | — | — | — | — |
1736 | 1735 | Corveta | Rio de Janeiro | Licença |
1736 | — | Corveta | Rio de Janeiro | Passaporte |
1737 | — | Corveta | — | Passaporte |
1738 | — | Bergantim | — | Passaporte |
1738 | — | Galera | — | Passaporte |
1739 | — | Galera | Rio de Janeiro | Passaporte |
1739 | — | Galera | Rio de Janeiro | Passaporte |
1739 | — | Bergantim | — | Passaporte |
1739 | — | Charrua | Rio de Janeiro | Passaporte |
1739 | [1739] | Galera | Rio de Janeiro | Licença |
1740 | — | Galera | — | Passaporte |
1740 | 1740 | Galera | Rio de Janeiro | Licença |
9Os elementos recolhidos no quadro acima, não obstante as lacunas de informação, revelam-nos alguns aspectos bastante interessantes acerca do modo como se processava o comércio entre os Açores e o Brasil. Desde logo, para além de constatarmos que entre 1717 e 1740 houve cinco anos em que não partiram navios do Faial com destino a portos brasileiros (1723, 1727, 1729, 1734 e 1735), podemos verificar que entre a obtenção de uma licença camarária para efectuar a viagem e a realização da mesma podiam decorrer vários anos —o caso mais notório refere-se a um dos navios saídos em 1717, cuja licença fora concedida em 170017— e ainda que as saídas obedeciam a um ritmo irregular, podendo haver anos em que partia apenas um barco e outros em que saíam vários —1717 e 1739 foram anos paradigmáticos, tendo-se registado, em cada um desses anos, a saída do Faial de cinco navios, seguindo-se os anos de 1718 e de 1732, com três navios cada. Esta situação estaria, sem dúvida, ligada às condições em que se devia processar a viagem, exigindo uma preparação cuidada da mesma, a aquisição de mercadorias para venda no Brasil e a disponibilidade de capital. Como nem todos os homens de negócio e armadores da praça do Faial teriam a possibilidade de concretizar a licença de comércio na imediata sequência da sua concessão, teríamos assim um panorama em que, devido a estes e a outros condicionalismos (por exemplo, as condições climatéricas), podiam confluir, num mesmo ano, viagens referentes a anos distintos: tomando novamente como exemplo o sucedido em 1717, vemos que partiram nesse ano navios com licenças obtidas em 1700, 1705, 1707, 1708 e 1715. Outro aspecto que merece ser relevado é o facto de muitos dos navios partirem com licenças referentes ao ano seguinte. Isso sucedeu sobretudo a partir de 1719 e poderá significar que, por parte dos interessados, a experiência passada se traduzia numa melhor e mais rápida preparação da viagem. Ainda no que se refere à atribuição de licenças, refiramos, por fim, que duas licenças não tiveram efeito, embora uma, para o ano de 1732, anulada em 1731, viesse a ser confirmada no ano próprio, 1732.
10Apesar da informação disponível sobre os portos de destino se limitar apenas a quinze anos, confirmamos o lugar de destaque ocupado pelo Rio de Janeiro nas relações comerciais entre o arquipélago açoriano e o Brasil, o que sucedia também, como vimos, no caso de Ponta Delgada. Quanto aos navios utilizados, daqueles cujo tipo surge referido na documentação consultada, predominavam as galeras (dezasseis), muito longe dos bergantins (cinco). As galeras eram barcos de três mastros e pano redondo18. Os bergantins, por sua vez, seriam certamente, nesta época, pequenos veleiros de dois mastros e baixo bordo e não outro tipo de bergantim, que podia armar vela, mas tinha entre oito a dez filas para remadores19. Quer as galeras, quer os bergantins eram navios de pequeno e médio porte, cuja rapidez e capacidade de manobra os tornava ideais para a navegação comercial, e a clara preferência pelas galeras, navios com três mastros, estaria certamente relacionada com a distância a percorrer.
11Um aspecto fundamental que o quadro 2 nos revela igualmente é a alteração ocorrida em 1736. Com efeito, a lei sobre a navegação para o Brasil, de 20 de Março de 1736, veio modificar em parte o quadro legal do comércio açoriano com o Brasil, ao reduzir para três o número de navios do privilégio concedidos aos Açores20. De acordo com este diploma, poderiam ser enviados ao Brasil dois navios da Madeira, dois da Terceira e um de São Miguel, de 500 caixas de tonelagem cada. Ficava de fora o Faial, o que motivou os protestos da câmara da Horta. A coroa acabaria por reconhecer as prerrogativas do Faial, consagradas no diploma de 4 de Junho de 1670, ao autorizar, por alvará de 25 de Abril de 1739, que os faialenses enviassem anualmente ao Brasil um navio de 500 caixas; mais, pelo diploma de 24 de Março de 1743, o Faial viu a coroa conceder-lhe a mercê de poder despachar para o Brasil os navios relativos ao período 1736-173921.
12Ora, o que o quadro que temos vindo a comentar parece demonstrar é que a saída de navios do Faial em direcção ao Brasil não se terá interrompido entre 1736 e 1739 e, por outro lado, que coexistiram mesmo duas situações, a dos navios que foram despachados com licença camarária, em 1739 e 1740, e a dos navios que o foram com passaporte concedido pela coroa. Como explicar esta situação? Estará relacionada com o tardio registo da lei de 20 de Março de 1736 ou, antes, teriam as autoridades faialenses permitido que o despacho de navios continuasse, apesar do disposto no mesmo diploma? Mas, então, porque deparamos com a simultaneidade de passaportes e licenças? Perante a dificuldade em fornecer uma resposta, cremos que a diversidade dos casos apurados reclama uma investigação específica, que passará pelo levantamento dos dados existentes na documentação alfandegária e camarária sobrevivente a nível local e, se possível, pelo seu cruzamento com as fontes depositadas em arquivos brasileiros, de modo a podermos obter um quadro tão completo quanto o possível da circulação de navios entre os Açores e o Brasil e do seu enquadramento legal.
13De qualquer modo, as condições definidas na lei de 20 de Março de 1736 não pareciam ser de fácil aplicação nas ilhas. Em carta endereçada ao monarca e datada de 11 de Outubro de 1738, os terceirenses solicitaram a autorização necessária para que, em vez dos dois navios de 500 caixas que lhes haviam sido concedidos, fossem ao Brasil quatro embarcações, não excedendo as 1.000 caixas de tonelagem, «porq[ue] o [sic] moradores desta Ilha não tem possibillidades p[ar]a fazerem Navios desta lutação de quinhentas caixas nem o porto tem comodidade p[ar]a os conserver22». A carta revela-nos uma das limitações existentes no condicionado tráfico comercial entre os Açores e os portos brasileiros: as tonelagens dos navios insulanos não eram grandes. Se acrescentarmos a este problema e aos limites impostos pela legislação os condicionalismos climatéricos, poderemos perceber melhor as dificuldades com que se deparava um comércio tão importante para o arquipélago. Também os micaelenses terão apelado para a coroa com o intuito de modificar o disposto na lei, o que conseguiram, pelo alvará de lei de 20 de Fevereiro de 1748, que concedeu às ilhas de São Miguel e Faial a mercê de poderem navegar dois navios por ano, de menor tonelagem, para o Brasil23.
14Ao mesmo tempo que concedia às ilhas açorianas a possibilidade de enviarem ao Brasil o dobro de navios, embora com uma tonelagem menor, D. João V permitiu que fossem transportados nos barcos insulanos géneros estrangeiros, medida que visava fomentar as relações comerciais entre os Açores e o Brasil e, concomitantemente, potenciar as trocas entre o arquipélago e o Norte da Europa: a ordem régia de 19 de Fevereiro de 1748 concedeu a São Miguel o poderem navegar dois navios todos os anos para o Brasil com meias cargas de géneros comestíveis estrangeiros24. Esta ordem seria confirmada pelo alvará de lei de 20 de Fevereiro do mesmo ano, que ratificaria a mercê aplicada às ilhas da Madeira, Terceira, Faial e São Miguel. Registemos que, do conjunto destas disposições, ressaltava a primazia de Angra, com o dobro de embarcações das outras ilhas dos Açores, situação que contrastava com a maior debilidade da economia terceirense. Por esse motivo, os alvarás de 5 de Setembro de 1749 e 10 de Junho de 1752 concederam às ilhas do Faial e de São Miguel, respectivamente, mais um barco com 200 caixas25.
15Nos anos centrais do século xviii (1740-1770), estudados em profundidade por Avelino de Freitas de Meneses, no que respeita às trocas comerciais entre o arquipélago e o Brasil podemos salientar algumas tendências, as quais se vinham desenvolvendo desde as décadas anteriores. Assim, destacamos a gradual participação de particulares no comércio com o Brasil, que se interligava com a necessidade da coroa de povoar as regiões sul-brasileiras; o predomínio do porto do Rio de Janeiro no contexto das relações entre os Açores e o Brasil; e a progressiva liberalização do comércio ilhéu com a colónia brasileira.
16A intervenção de particulares no trato com o Brasil por via da concessão de privilégios iniciou-se na década de 1740. Feliciano Velho Oldemberg, contratador do tabaco, por alvará de 27 de Junho de 1744, recebeu a mercê de poder enviar anualmente ao Brasil um navio da Madeira e um dos Açores, obedecendo às cláusulas da lei de 20 de Março de 1736 e com a condição de, por cada cem toneladas, transportar dois casais ilhéus26. Seis anos depois, o alvará de privilégio de 20 de Março de 1750 concederia a Feliciano Velho Oldemberg e Companhia a mercê de poderem enviar, como nos dois triénios antecedentes, três navios dos Açores ao Brasil, não excedendo as 250 toneladas cada, e podendo transportar dois casais naturais por cada 100 toneladas27. Deste modo, nos decénios de 1740 e 1750, a coroa reforçou a estreita ligação entre o transporte de colonos para o Brasil e os privilégios comerciais: «Nestas circunstâncias, o móbil comercial transforma-se por vezes no principal estímulo dos contratos de transporte de emigrantes28».
17Em termos de portos de destino para os navios açorianos, o Rio de Janeiro foi, ao longo de Setecentos, o porto dominante. No período central do século xviii, os registos locais confirmam o predomínio do Rio de Janeiro sobre Pernambuco e Baía: entre 1740 e 1767, saíram do porto de Angra 26 navios para o Rio de Janeiro e 9 para a Baía; de Ponta Delgada, entre 1743 e 1770, partiram 20 embarcações rumo ao Rio de Janeiro, 11 tendo como destino Pernambuco e 3 a Baía29.
18O terceiro aspecto que destacamos para meados do século é a progressiva, ainda que ténue, abertura do comércio brasileiro no que respeitava às trocas comerciais com os Açores. Com efeito, devido à evolução conjuntural luso-atlântica, às necessidades da coroa —por exemplo, no que se referia ao povoamento das regiões de fronteira no Sul do Brasil— e ainda às próprias condições internas do arquipélago, a monarquia portuguesa foi, de forma gradual, concedendo uma maior liberdade no acesso de navios dos Açores aos portos brasileiros. As medidas legislativas de 19 e 20 de Fevereiro de 1748, já comentadas, marcaram um primeiro e significativo momento dessa política. Por entre avanços e recuos, a coroa acabaria por declarar, pelo alvará de 10 de Setembro de 1765, a liberdade de comércio com o Brasil, extinguindo o sistema de frotas, antecipando em quase um mês a decisão que se tomará em Espanha relativa ao comércio com a América hispânica30. O alvará de 27 de Setembro do mesmo ano tornaria extensível aquele diploma aos arquipélagos da Madeira e dos Açores31.
19A liberalização do comércio brasileiro, apesar da sua relevância, não contribuiu para solucionar alguns dos problemas da economia açoriana, nomeadamente o do escoamento da produção de géneros. Desde logo porque, na década anterior, haviam sido criadas duas companhias majestáticas sob a égide do Secretário de Estado Sebastião José de Carvalho e Melo, a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759-1779)32, ambas com um enquadramento legislativo que protegia os seus monopólios. O objectivo prioritário das companhias era o abastecimento dos mercados sul-americanos com mão-de-obra africana e, neste contexto, os armadores e homens de negócio das ilhas pouco podiam fazer contra os interesses da coroa, das companhias e dos negociantes de Lisboa e Porto que nelas participavam. De qualquer modo, a produção e comercialização de panos de linho beneficiou com a presença nos Açores e, sobretudo, em São Miguel de agentes da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, que, de algum modo, integraram a economia açoriana nos circuitos transatlânticos33.
20Já na década de 1770, a comercialização em terras brasileiras de um dos produtos insulanos mais importantes, a aguardente, foi dificultada com o alvará de 6 de Agosto de 1776, surgido no contexto da luta pela hegemonia dos vinhos do Porto e da protecção à Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro, que, além de dividir o mercado brasileiro em duas zonas de consumo dos vinhos reinóis, proibia a entrada da aguardente açoriana do porto do Rio de Janeiro para Sul34. Os protestos dos produtores ilhéus, que alegavam com a ruína do comércio e os fracos rendimentos que obtinham no comércio com a América, conduziram à revogação da dita lei em 177735. Contudo, anos depois, o comércio da aguardente conheceu uma nova e mais severa crise, cujos efeitos perduraram, e que teve origem no crescimento da indústria de aguardente de cana no Brasil. Em 1792, as câmaras das ilhas de São Jorge, Graciosa, Pico e Faial, nas quais se concentrava a produção de aguardente, bem como o capitão-general, apelaram para a coroa, pedindo que fosse encontrada uma solução, mas esta não pôde ser providenciada36.
21Em contraponto com as dificuldades sentidas pelas ilhas do grupo central nas suas relações comerciais com o Brasil, no final do século São Miguel mantinha um trato que, embora não fosse muito intenso, se processava com alguma regularidade, tendo como destinos dominantes os portos do Recife e do Rio de Janeiro, secundados por outros da costa brasileira, como São Luís do Maranhão. A importância do comércio de São Miguel com a América portuguesa, assente no envio de cereais e farinhas e dos panos de linho e na reexportação do sal continental e da aguardente «da ilha do Faial», como dizem as fontes —de facto, das ilhas do Pico e de São Jorge—, por troca com o açúcar, o algodão, a aguardente de cana e os couros, para citarmos os principais géneros importados, levou mesmo a que existissem livros próprios para o registo dos navios que participavam no circuito brasileiro37. Mas o trato mercantil de São Miguel era dominado por Lisboa, a nível nacional, e por Londres, a nível internacional: Lisboa pela necessidade de abastecimento cerealífero do reino e como centro exportador de produtos básicos (azeite, sal, manufacturas), Londres associada ao surto da produção e comercialização da laranja micaelense.
22A invasão e ocupação francesa do reino em 1807 conduziram à transferência da corte portuguesa para o Brasil. A abertura dos portos brasileiros à navegação estrangeira, estabelecida por carta de 28 de Janeiro de 1808, alterou profundamente as condições do comércio externo português38. Depois de terminada a Guerra Peninsular, o mundo atlântico luso-brasileiro funcionou num novo enquadramento político e económico. Neste contexto, também os portos açorianos sentiram os efeitos da viragem de 1807-1808. Essa, porém, é uma história diferente daquela que aqui se expôs.
Notes de bas de page
1 Sobre esta questão, ver Mauro, 1983; Polónia, inédita; Id., 2007a; Barros, 2016.
2 Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça (BPARJJG), Horta, Arquivo da Câmara da Horta (ACH), Livros do Registo, Livro 4 (1641-1651), fos 160vº-163.
3 Sobre a Companhia Geral do Comércio do Brasil e contexto em que foi criada, ver Costa, 2002; Costa e Cunha, 2006.
4 Drummond, Anais da Ilha Terceira, pp. 102 e 121.
5 Gil, 1983, p. 171.
6 Um exemplo desta actuação pode ser encontrado em São Miguel. Por carta de 4 de Outubro de 1687, a câmara de Ponta Delgada dava licença a Belchior Lopes de Carvalho «p[er]a hum nauio uir a esta jlha Carregado de Asuq[ue]res do Brazil fora da frota Comforme a merce de Sua Mag[esta]de». Ver Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada (BPARPD), Arquivo da Câmara de Ponta Delgada (ACPD), 7, Livro de Acórdãos (1684-1688), fos 103vº-105, com a carta da câmara às autoridades brasileiras, registada a 14 de Outubro de 1687.
7 Um exemplo significativo pode ser o de José Tavares de Faria, de São Miguel, que sofreu a pena de sequestro do seu navio por ter viajado para o Brasil em Dezembro de 1753, quando a autorização dizia respeito ao ano de 1752. Apelou, no entanto, para a justiça régia, porque, devido às condições materiais e climatéricas, o primeiro navio de 1752 saiu de São Miguel somente em Janeiro de 1753 e ele, suplicante, quando efectuou a sua viagem, tinha as devidas autorizações da câmara de Ponta Delgada. Ver Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Conselho Ultramarino (CU), Açores, Caixa 3, doc. 69, processo referente a José Tavares de Faria, documentos anteriores a 3 de Julho de 1755.
8 Gil, 1983, pp. 172-173.
9 Garcia, inédita.
10 Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo (BPARAH), Arquivo da Câmara de Angra do Heroísmo (ACAH), 6, Livro do Registo (1731-1797), fos 16vº-17vº, «Alvará de sua Mag[esta]de sobre os Navios estranjeiros não poderem ir aos estados do Brazil», de 30 de Outubro de 1711; BPARJJG, ACH, Livro 7º do Registo (1688-1716), fos 156-157, alvará de 30 de Outubro de 1711; BPARPD, ACPD, 115, Livro 2º do Registo (1654-1718), fos 323vº-324vº, alvará de 30 de Outubro de 1711; BPARPD, Alfândega de Ponta Delgada (APD), Livro 8º do Registo (1686-1811), fos 352-353, lei de navegação de navios para o Brasil, de 2 de Dezembro de 1711.
11 BPARPD, APD, Livro 8º do Registo (1686-1811), fos 425vº-427, ordem do Conselho da Fazenda de 5 de Maio de 1713.
12 Sobre as relações comerciais entre os Açores e o Brasil, ver Meneses, 1995a, pp. 191-213; Id., 1995b, pp. 187-220.
13 Refiramos, como exemplo, o caso de António de Sousa, mercador e morador em Angra. Tendo comprado 100 pipas de vinho nas «ilhas de baixo», queria transportá-las para a ilha Terceira, com licença para poder embarcar 50 pipas para «as partes do Brazil» e obrigando-se a vender ao povo as restantes 50 pipas de vinho. Este compromisso foi aceite e mandado cumprir pelos oficiais da câmara de Angra. Ver BPARAH, ACAH, 16, fos 348-348vº, vereação de 19 de Julho de 1713.
14 Sobre Duarte Sodré Pereira, ver Silva, 1992.
15 Ibid., pp. 81-91, 98-106 e 236-247.
16 BPARPD, Fundo Ernesto do Canto (FEC), Alfândega de Ponta Delgada, Entradas e saídas de navios, Livro 4, Entradas (1711-1720).
17 Esta situação não era inédita. A licença de 1684, concedida ao patacho Confederação, de António Dutra, só foi efectivada em 1709 (vinte e cinco anos depois) e a licença de 1699, atribuída ao navio Santo António, de Manuel Rodrigues Barradas, seria concretizada em 1706. Ver BPARJJG, ACH, Livro 7º do Registo (1688-1716), fos 132vº-133 (licença de 1699) e 145-145vº (licença de 1684).
18 Amorim, Diccionario de Marinha, p. 169; Leitão e Lopes, Dicionário da Linguagem de Marinha Antiga e Actual, p. 284.
19 Bergantim: «Pequena embarcação, provida de dois mastros, baixa de bordo». Ver Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, p. 558. Ver ainda Leitão e Lopes, Dicionário da Linguagem de Marinha Antiga e Actual, p. 93, que definem o bergantim como um navio «muito veleiro», isto é, que andava bem à vela e era bom para manobrar. Para uma síntese da evolução dos diferentes tipos de navio entre os séculos xvi e xviii, ver Mauro, 1979, pp. 5-10; para uma apresentação dos navios que sulcavam o Atlântico português e frequentaram o porto do Rio de Janeiro no século xviii, ver Santos, 1993, pp. 33-41.
20 BPARPD, APD, Livro de Registo de passaportes e manifesto de cargas para o Brasil (1786-1807), fos 2-6vº, lei sobre a navegação para o Brasil, de 20 de Março de 1736; BPARAH, ACAH, 6, Livro do Registo (1731-1797), fos 88-90vº, e 7, Livro do Registo (1735-1752), fos 60vº-64, lei sobre a navegação para o Brasil, de 20 de Março de 1736; BPARJJG, ACH, Livro 8º do Registo (1716-1751), fos 101vº-104, lei sobre a navegação para o Brasil, de 20 de Março de 1736, que foi registada na câmara da Horta a 4 de Agosto de 1737 como lei sobre a proibição dos navios para o Brasil.
21 BPARJJG, ACH, Livro 8º do Registo (1716-1751), fos 118vº-120vº, alvará de 25 de Abril de 1739; Meneses, 1995a, p. 192; Id., 1995b, pp. 204-205.
22 BPARAH, ACAH, 7, Livro do Registo (1735-1752), fos 107-107vº.
23 BPARPD, APD, Livro do Registo (1727-1812), fos 213vº-214, lei sobre poderem navegar dois navios por ano de São Miguel para o Brasil; Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), Pombalina, cod. 472, fos 351-352, alvará de lei, impresso, de 20 de Fevereiro de 1748, «ALvará de Ley, por que V. Magestade ha por bem conceder aos moradores das Ilhas adjacentes ao Reyno, que as mil caixas, que pela Ley de vinte de Março de mil setecentos trinta e seis foi permittido aos da Ilha da Madeira, e Terceira navegar para o Brasil em dous Navios de cada huma das ditas Ilhas de quinhentas caixas, as possão navegar em tres ou quatro Navios de menos porte, e que metade dellas possão ser de generos comestiveis Estrangeiros; e que as quinhentas caixas, que do mesmo modo forão permittidas aos da Ilha de S. Miguel, e Fayal, em hum Navio de cada huma, as possão navegar em dous de menos porte com a mesma faculdade de poderem ser métade dellas dos referidos generos; ficando nesta parte revogada a dita Ley, que em tudo o mais, em que naõ encontra o disposto nesta, ficará tendo seu vigor: tudo como nelle se contem.»
24 BPARPD, APD, Livro do Registo (1727-1812), fos 197vº-198, ordem régia de 19 de Fevereiro de 1748.
25 Meneses, 1995a, pp. 195-196; Id., 1995b, pp. 207-208.
26 BPARAH, ACAH, 7, Livro do Registo (1735-1752), fos 190-191vº, alvará de 27 de Junho de 1744.
27 BPARAH, ACAH, 6, Livro do Registo (1731-1797), fos 119vº-120vº, alvará de 20 de Março de 1750.
28 Meneses, 1995a, p. 199. Sobre esta questão, ibid., pp. 198-200.
29 Ibid., pp. 211 e 232-233, quadros nos 17 e 18; Id., 1995b, pp. 201 e 218-219, quadros nos 1 e 2.
30 O fim da política de «porto único» foi decretado a 16 de Outubro de 1765 —o comércio com as ilhas espanholas das Caraíbas foi autorizado a nove portos espanhóis e, em simultâneo, reorganizou-se a fiscalidade, simplificando-a, com a introdução de direitos fixos sobre os produtos— e a lei de 12 de Outubro de 1778 declarou a liberdade de comércio entre Espanha e a América. Sobre as reformas setecentistas da Carrera de Indias, ver García-Baquero González, 1976, pp. 195-215; Id., 1997, pp. 94-101; Vicens Vives (dir.), 1977, pp. 174-177.
31 Silva, Collecção da Legislação Portugueza, pp. 221-222 e 222-223, respectivamente. Sobre esta questão, ver Meneses, 1995a, pp. 200-201.
32 Sobre estas companhias, ver Dias, 1970; Carreira, 1983.
33 Meneses, 1995a, pp. 106-108 e 208.
34 Cordeiro, 1985, p. 275.
35 Ibid., p. 276; Leite, 1972, pp. 408-409.
36 Ibid., p. 423. Sobre o crescimento desta indústria no final do século xviii, ver Arruda, 1986, pp. 109-110.
37 Os dados recolhidos para Ponta Delgada ilustram como evoluiu esse comércio entre 1786 e 1822, no que respeita às embarcações que partiram ou entraram no porto de Ponta Delgada. Infelizmente, sobreviveram apenas dois livros relativos ao comércio de São Miguel com o Brasil, cobrindo o período 1786-1822. Deste modo, não é possível estabelecer a curva geral do movimento para o século xviii, nem sequer para a sua segunda metade.
38 Alexandre, 1993, pp. 167-285 e 767-792; Pedreira, 1994, pp. 317-340; Oliveira, Ricupero (org.), 2007. Para uma síntese do período, ver Slemian, Pimenta, 2008.
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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa – Centro de História (CH-UL) / UID/HIS/04311/2013
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